A dinâmica da criança com síndrome de Down no cotidiano escolar



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Transcrição:

A dinâmica da criança com síndrome de Down no cotidiano escolar Alice Cristina Ramos de Almeida * Cláudia Maria do Nascimento Lúcia Francisca da Costa Patrícia Fonseca Ramos Suely Aparecida Vieira Orientadora: Profª. Vera Lucia Lins Sant Anna ** Resumo Este artigo tem como objetivo analisar as práticas pedagógicas utilizadas pelos educadores no processo educativo de alunos com síndrome de Down, bem como as relações estabelecidas entre a escola, o professor e a família neste processo. Essas relações visam à construção de uma formação que busque a concretização de uma perspectiva da educação contemporânea que é o verdadeiro sentido da expressão sociedade inclusiva. Apresenta, ainda, alguns pontos relevantes quanto ao processo educativo da criança com síndrome de Down, tendo em vista as demandas contemporâneas da sociedade que cada vez mais espera que essas crianças alcancem um nível de desenvolvimento que as torne o mais autônomas possível, com maiores habilidades e competências, no intuito de adequá-las ao padrão de normalidade estabelecido pela sociedade. Analisa também a importância da participação da família no processo educativo dessas crianças, atuando como colaboradores, demonstrando que a família deve manter-se em permanente interação com a escola, no intuito de conhecer e ampliar as intervenções pedagógicas por ela realizadas, para que tenham um aprendizado significativo tanto na escola quanto em casa. Palavras-chave: Síndrome de Down; Processo educativo; Legislação; Escola; Família. 1 Caracterização da criança com Síndrome de Down A síndrome de Down é um conjunto de características físicas, intelectuais e motoras, através das quais é possível reconhecer uma criança Down. Algumas dessas características são: olhos parecidos com os dos orientais, boca pequena e língua protusa (projeta-se para fora da boca), mãos e pés geralmente pequenos, pescoço mais largo e grosso, cabeça um pouco menor e achatada na parte posterior, a palma da mão possui apenas uma prega palmar. Quando bebê, a criança apresenta hipotonia muscular, seus músculos são molinhos. Essas características vêm acompanhadas de um atraso no desenvolvimento mental e motor, que afeta todas as capacidades: linguagem, autonomia, motricidade e integração social, *Graduandas do 8º período do Curso de Pedagogia da PUC Minas. **Mestre em Educação. Doutora em Ciências da Religião. Professora da PUC Minas. Pedagogia em ação, v.2, n.2, p. 1-117, nov. 2010 - Semestral 51

Almeida, A. C. R. de; Nascimento, C. M. do; Costa, L. F. da C.; Ramos, P. F.; Vieira, S. A.; podendo se manifestar em maior ou menor grau de acentuação. Esse atraso no desenvolvimento mental e motor levará a criança com síndrome de Down a um processo de aprendizagem mais lento em relação a outras crianças, mas isso não significa que ela não seja capaz de aprender e adquirir conhecimentos. Nos tempos atuais, felizmente, a diversidade e as diferenças começam a ser respeitadas, e para que isso seja uma realidade, a escola tem que participar desta desmistificação de inferioridade que existe a respeito de pessoas que são consideradas inferiores, simplesmente por serem diferentes. 2 Acesso e direitos no âmbito escolar Uma criança com síndrome de Down apresenta um processo de aprendizagem mais lento em relação a outras crianças, já que sua idade cronológica é diferente de sua idade funcional, o que não nos permite esperar uma resposta idêntica à das demais crianças no processo de aprendizagem. Para Piaget, todos os indivíduos nascem com potencialidade ou capacidade de aprender, devendo ocorrer estímulos advindos do meio em que vivem. Segundo Piaget, o estímulo é encarado como uma estrutura que será assimilada pelo indivíduo através da capacidade de aprender. Para Puschel (1993), assim como qualquer criança, a criança com síndrome de Down é produto da cultura e do ambiente em que vive, sendo influenciada por outras pessoas. Apesar de a Associação Americana de Desenvolvimento Mental conceituar a deficiência mental como condição na qual o cérebro está impedido de atingir seu pleno desenvolvimento, prejudicando a aprendizagem e a interação social do indivíduo (Mustacchi (2000), apud Voivodic, 2004, p. 43). Voivodic citando Shwartzman (1999) afirma que: O QI dos indivíduos com síndrome de Down tem demonstrado aumentos significativos nas últimas décadas, o que evidencia que a inteligência não é determinada exclusivamente por fatores biológicos, mas também influenciada por fatores ambientais (VOIVODIC, 2004, p. 43). Melero (1999) apud Voivodic (2004, p. 43) afirma ainda que a inteligência não se define, se constrói. A genética representa apenas uma possibilidade, e as competências cognitivas são algo que se adquire. Daí a importância de se estruturarem os Sistemas de Ensino para atender de forma adequada à criança com síndrome de Down, a fim de oportunizar a ela o desenvolvimento de novas habilidades e competências. Na Conferência Mundial de Educação Especial, ocorrida em 10 de junho de 1994, que culminou na Declaração de Salamanca, os delegados reafirmaram o compromisso em prol da educação para todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de garantir a educação para a pessoa com necessidades educacionais especiais no quadro do sistema regular de educação, fazendo tais recomendações aos governos, proclamando que: cada criança tem o direito fundamental à educação e deve ter a oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável de aprendizagem, cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhes são próprias, os sistemas de educação devem ser planeados e os programas educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas características e necessidades, as crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas necessidades, Pedagogia em ação, v.2, n.2, p. 1-117, nov. 2010 - Semestral 52

as escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem os meios capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos; além disso, proporcionam uma educação adequada à maioria das crianças e promovem a eficiência, numa ótima relação custo-qualidade, de todo o sistema educativo. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 10.) O direito ao acesso escolar, bem como à igualdade de oportunidade no processo educativo da criança com síndrome de Down, está garantido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Capítulo V, Art. 59. Essa Lei afirma que: Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: A dinâmica da criança com síndrome de Down no cotidiano escolar V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular. (BRASIL, 2001, p. 12). Essa mesma Lei no Artigo. 60, fala da responsabilidade do Poder Público quanto à educação especial: Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público. Parágrafo único: O Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo. (BRASIL, 2001, p. 13). I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora. A legislação garante o direito da inserção da criança com síndrome de Down nos âmbitos escolares, no entanto, esse processo é amplo e exige ações que não podem ficar reduzidas à simples inserção, a escola deve buscar alternativas no intuito de que a sua verdadeira função aconteça de forma plena. Segundo Not (1975): Trata-se de adaptar o aluno não à escola, mas à vida [...] a escola não poderia ser mais que um instrumento, e o objetivo central da educação dos débeis não é fazer deles bons escolares, mas de fazê-los atingir uma autonomia que se define pela independência em relação aos outros. (p. 24). Dessa forma, a inserção real na ampliação do currículo escolar consiste em adequações alternativas, a fim de atender, com funcionalidade, às necessidades dos alunos com síndrome de Down, através de atividades significativas que estejam o mais próximo possível da vida real e do cotidiano 53 Pedagogia em ação, v.2, n.2, p. 1-117, nov. 2010 - Semestral

Almeida, A. C. R. de; Nascimento, C. M. do; Costa, L. F. da C.; Ramos, P. F.; Vieira, S. A.; deste aluno, voltado sempre para a autonomia do educando. Nesta perspectiva, a inserção se expande da teoria legislativa para a prática real. 4 O professor como mediador da aprendizagem Shwartzman (1999) apud Voivodic (2004) afirma que: [...] o fato de uma criança não ter desenvolvido uma habilidade ou demonstrar conduta imatura em determinada idade, comparativamente a outras com idênticas condições genéticas, não significa impedimento para adquirila mais tarde, pois é possível que madure lentamente (p. 246). Devido a esta possibilidade, o professor deverá apresentar caminhos alternativos, identificando não só as deficiências da criança, mas principalmente as eficiências que ela possui, buscando novos meios para que ela possa atingir um melhor desenvolvimento cognitivo e psicomotor. A fase ideal para o ingresso da criança com síndrome de Down na escola deve ocorrer no momento em que ela se encontra em pleno processo de desenvolvimento e crescimento. Segundo Fonseca (1995), os estudos de desenvolvimento humano são unânimes em considerar certos períodos optimais de maturação, preferencialmente situados nos primeiros anos de vida. As privações e as restrições nos primeiros momentos podem estar associadas a déficits evolutivos irreversíveis e a distorções funcionais e estruturais. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Capítulo V, Art. 58 no parágrafo 3, a oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. Caberá ao professor preparar o aluno com síndrome de Down para todas as áreas da vida como, por exemplo, cuidar do próprio corpo, vestir, se alimentar, conviver em sociedade, assumindo, progressivamente, funções cada vez mais complexas, algumas das quais eram consideradas atribuições de outras instâncias educativas, como a família, por exemplo (CARVALHO, 2008, p. 91). O professor deve incentivar a criança sempre a ir mais além no seu desempenho, a fim de se tornar um sujeito cada vez mais independente e atuante no mundo. Vigotsky apud Voivodic afirma que: Precisamente porque as crianças retardadas, quando deixadas a si mesmas, nunca atingirão formas bem elaboradas de pensamento abstrato é que a escola deveria fazer todo esforço para empurrálas nessa direção, para desenvolver nelas o que está intrinsecamente faltando no seu próprio desenvolvimento. (VOIVODIC, 2004, p. 47). Para Pain e Echeverria (1987), A educação diferencial não pode insistir em aspectos negativos, que fazem a caracterização propriamente dita do pensamento da criança oligofrênica. É necessário, justamente, ajudá-la a superar esses aspectos, a elaborar todas as etapas que, fundamentalmente na intimidade da estrutura do pensamento, não se diferenciam das que desenvolvem nas crianças normais [...]. (p. 24). Alguns professores, ao se depararem com o desafio de educar uma criança com síndrome de Down, podem se sentir despreparados por não conhecerem a síndrome, passando a focar mais a deficiência do que o sujeito, dificultando o processo de ensinoaprendizagem, pois, enquanto se preocupa com a patologia e com a representação Pedagogia em ação, v.2, n.2, p. 1-117, nov. 2010 - Semestral 54

geralmente negativa que circula em nossa sociedade a respeito da síndrome de Down, se esquece de investigar quem é essa criança, quais as possibilidades de aprendizagem desse aluno e, acima de tudo, se esquece de aprender a vencer seus preconceitos e limitações como educador. Segundo Puschel, o professor tem um papel importante no processo de aprendizagem da criança com síndrome de Down: É muito importante que a criança com síndrome de Down seja colocada em uma situação em que consiga um desempenho escolar. Cada criança tem seu próprio potencial, que deve ser explorado, avaliado e depois desafiado. As crianças se sentem bem com um bom desempenho escolar. É um falar que as encoraja, aumenta sua autoestima e estimula novas tentativas. Muitas vezes o incentivo correto pode determinar o grau de esforço desprendido para realizar a tarefa. Um sorriso, um gesto de aprovação, algumas palavras de elogio, são geralmente o suficiente para fazer a criança com síndrome de Down se esforçar um pouco mais. A criança se anima com a aprovação do adulto. Se a pessoa que está trabalhando com a criança aproxima-se já de inicio de forma positiva, aceitável para a criança, a orientação e aprendizagem eficazes se sucederão. Entretanto, se as crianças não se sentirem aceitas ou perceberem que a pessoa não quer trabalhar com elas, uma barreira será erguida entre o professor e o aluno, prejudicando a motivação da criança e interferindo no processo de aprendizagem. (PUESCHEL, 1999, p. 181). Sendo assim, ao trabalhar com uma criança com síndrome de Down, é fundamental, que o professor busque observar e identificar quais são as habilidades essenciais para a vida de seu aluno, criando atividades que ampliem a sua possibilidade de autonomia. Esse processo de observação por parte do professor é determinante para apontar quais as estratégias a serem utilizadas em classes A dinâmica da criança com síndrome de Down no cotidiano escolar especiais, identificando o que ensinar. O professor deve levar em consideração o ritmo de desenvolvimento e de aprendizagem da criança, cuja descoberta gradativa das coisas e efeitos se dará a partir de suas percepções subjetivas, ressaltando a possível ocorrência de variações no desenvolvimento, o que nos remete a pensar mais na fase deste último do que na idade cronológica. O professor deve ter cuidado para não se tornar um superprotetor do aluno com síndrome de Down, realizando todas as suas atividades, não permitindo que este as realize sozinho, por medo de que ocorra o fracasso. Só se deve ajudar uma criança, quando ela não der conta de realizar uma atividade sozinha, proporcionando-lhe uma nova aprendizagem, um meio que a levará ao desenvolvimento cognitivo. Ao fazer pela criança aquilo que ela já sabe fazer sozinha, o professor subestima sua capacidade de realização, não permitindo que ela seja capaz de tomar iniciativas, pois sempre alguém fará algo por ela. Segundo Pain e Echeverria: Percebe-se a importância, para o professor, de situar-se, a cada momento, no nível real em que a criança está para aceitar formas de comportamento às quais pode aceder somente aos poucos. A exigência para menos do que a criança poderia alcançar reforça o mecanismo de regressão que se quer combater, e ao pedir-lhe mais do que pode dar, cria-se nela tal confusão, que aumenta a viscosidade característica, produzindo idênticos efeitos negativos. Por isso faz-se imperiosa a necessidade de uma graduação estrita, que contemple o estágio de maturação da criança [...]. (1987, p. 22). Como toda criança, o aluno com síndrome de Down é um indivíduo único, com suas especificidades e características próprias, daí torna-se fundamental que o professor busque propor-lhe uma intervenção que considere tais características, com atividades que integrem conhecimentos escolares e não 55 Pedagogia em ação, v.2, n.2, p. 1-117, nov. 2010 - Semestral

Almeida, A. C. R. de; Nascimento, C. M. do; Costa, L. F. da C.; Ramos, P. F.; Vieira, S. A.; escolares, que lhe propiciem maior autonomia e autoconfiança para atuar na sociedade, levando sempre em consideração seu potencial e suas habilidades já desenvolvidas, para isso torna-se necessário que, desde a primeira infância, especialmente nos períodos iniciais da vida, ocorra a estimulação precoce de forma estruturada e intensa em prol de criação e manutenção de hábitos elementares de vida, fornecendo-lhe permanentes descobertas de si e do ambiente em que vive. 5 A interação família/escola visando ao melhor desempenho do educando A primeira instituição social na qual somos inseridos desde o nascimento é a família, o fundamento básico para a vida, pois nela se encontram todos os tipos de agrupamentos. É dela a responsabilidade inicial da constituição social e cognitiva da criança, pois é através dos relacionamentos familiares que a criança terá a sua inserção no mundo, por isso tem a obrigação e o direito de educar, amar, respeitar, ensinar valores éticos e morais para uma vida digna em sociedade. Segundo Voivodic (2004), é no seio da família que a criança terá suas primeiras experiências, sendo, portanto, esta a unidade básica de crescimento do ser humano e sua primeira matriz de aprendizagem. A família é a base da formação de um indivíduo, é nela que a criança se espelha, tomando-a como modelo de referência para sua vida. Ao desempenhar suas funções, dentre as quais a socialização da criança, a família estabelece uma estrutura mínima de atividades e relações em que os papéis de mãe, pai, filho, irmão, esposa, marido e outros são evidenciados. Como primeira mediadora entre o homem e a cultura, a família constitui a unidade dinâmica das relações de cunho afetivo, social e cognitivo que estão imersas nas condições materiais, históricas e culturais de um dado grupo social. Ela é a matriz da aprendizagem humana, com significados e práticas culturais próprias que geram modelos de relação interpessoal e de construção individual e coletiva. A família é o âmbito em que a criança vive suas maiores sensações de alegria, felicidade, prazer e amor, o campo de ação no qual experimenta tristezas, desencontros, brigas, ciúmes, medos e ódios. No entanto, a educação da criança e especialmente da criança com síndrome de Down não deve se dar apenas na educação informal, haja vista a lei 7.853/89 em seu artigo 8º, I, que garante a inserção dessas crianças às escolas (CARTILHA DA INCLUSÃO, 2006), para que, através da educação escolar, essa usufrua de todos os meios e métodos capazes de darem suporte e continuação a seu desenvolvimento intelectual e cognitivo, consolidando também sua integração social. A intenção dos pais ao matricularem uma criança com síndrome de Down em uma escola é de que, através da educação, a escola possa prepará-la para o mundo, tornando-a independente e sociável, capaz de interagir com as outras pessoas e até mesmo, futuramente, ingressar no mercado de trabalho. Na escola, são estabelecidos padrões de convivência social, podendo a educação tornar-se um instrumento transformador desse indivíduo, dependendo da filosofia que se utilizar na prática educacional. (VOIVODIC, 2004). Na escola, as crianças investem seu tempo e se envolvem em atividades diferenciadas ligadas às tarefas formais (pesquisa, leitura dirigida) e aos informais de aprendizagem (hora do recreio, excursões, atividades de lazer). Contudo, nesse ambiente, o atendimento às necessidades cognitivas, psicológicas, sociais e culturais é realizado de maneira mais estruturada e pedagógica do que no de casa. As práticas educativas escolares têm também um cunho eminentemente social, uma vez que permitem a ampliação e inserção dos indivíduos como cidadãos e protagonistas da história e da sociedade. A educação em seu sentido amplo torna-se um instrumento Pedagogia em ação, v.2, n.2, p. 1-117, nov. 2010 - Semestral 56

importantíssimo para enfrentar os desafios do mundo globalizado e tecnológico. Segundo Pain e Echeverria: Para evitar a dissociação entre os conhecimentos adquiridos em aula e aqueles incorporados pela criança em sua vida cotidiana, é necessária uma estreita coordenação entre os dois âmbitos e a inclusão mútua de aspectos que permitam uma continuidade significativa. Para isso contribui, como dizemos, a inclusão de conteúdos trazidos pela criança e convertidos em estímulos para a aprendizagem, mas, sobre tudo, a colaboração positiva dos pais, pode criar as condições favoráveis para tornar a aprendizagem efetiva. (1987, p. 22); Algumas famílias, no entanto, tentam transferir suas obrigações à escola, muitos pais, quando inserem os filhos na escola, delegam à obrigação dos profissionais a responsabilidade de ensinar o filho tudo o que lhe é necessário. No entanto, de acordo com o Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro de 2008, Capítulo 1, Artigo 3, Parágrafo 1º, do Ministério da Educação, os pais ou encarregados de educação têm o direito e o dever de participar ativamente, exercendo o poder paternal nos termos da lei, em tudo o que se relaciona com a educação especial a prestar ao seu filho, acedendo para tal a toda informação constante no processo educativo. Assim sendo, é fundamental a participação da família no processo educativo da criança com síndrome de Down, como pessoas ativas e atuantes nesse processo, entendendo que sua participação é de suma importância. A família dever manter-se sempre informada da vida escolar dessa criança, no intuito de conhecer as intervenções A necessidade de se construir uma relação entre escola e família deve ser para planejar, estabelecer compromissos e acordos mínimos para que o educando/filho tenha uma educação com qualidade tanto em casa quanto na escola. A dinâmica da criança com síndrome de Down no cotidiano escolar Considerações finais Percebe-se pela análise feita a preocupação das autoridades em garantir, através da legislação vigente, o acesso e a permanência do aluno com síndrome de Down em um ambiente que proporcione o seu desenvolvimento. Para isso, a escola deve preparar essas crianças para acompanhar e atingir as expectativas da sociedade atual, ampliando suas possibilidades de aprendizagem, respeitando a especificidade de cada indivíduo. Constatamos que a Educação Especial encontra-se ainda muito aquém da possibilidade de acompanhar a evolução tanto humana quanto científica já apresentada historicamente no campo educacional. É preciso continuar acreditando e investindo nas pesquisas e estudos relativos a esses e tantos outros assuntos que englobam a síndrome de Down, bem como todas as outras especificidades dos seres humanos, que os levam a serem considerados portadores de necessidades especiais e, por isso, se distanciarem tanto do padrão de normalidade estabelecido pela sociedade, levando-se em consideração que somos todos responsáveis pela formação e inserção desses alunos através do ato educativo, que não ocorre apenas ao âmbito escolar. Referências Bibliográficas BRASIL. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Tradução: Edílson A. da Cunha. Brasília: CORDE, 1994.. Diretrizes Nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília: MEC/SEEP, 2001. CARVALHO, Rosita Edler. Escola Inclusiva: A reorganização do trabalho pedagógico. Porto Alegre: Mediação, 2008. 57 Pedagogia em ação, v.2, n.2, p. 1-117, nov. 2010 - Semestral

Almeida, A. C. R. de; Nascimento, C. M. do; Costa, L. F. da C.; Ramos, P. F.; Vieira, S. A.; FONSECA, Vitor da. A educação especial: programa de estímulo precoce uma introdução às ideias de Feuerstein. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul, 1995. MINAS GERAIS, Coordenadoria de Apoio e Assistência à Pessoa Deficiente. Cartilha da Inclusão: Direitos da Pessoa com deficiência. Belo Horizonte, 2006. NOT, Louis. A educação especial dos deficientes mentais: Elementos para uma psicopedagogia. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora SA, 1975. PAIN, Sara; ECHEVERRIA, Haydée Hélio Durães. Psicopedagodia operativa tratamento educativo da deficiência mental. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1982. PUESCHEL, Siegfried M. (Org.). Síndrome de Down: Guia para pais e educadores. Tradução Lucia Helena Reiy. Campinas: Papiros, 1993. VOIVODIC, Maria Antonieta M. A. Inclusão Escolar de Crianças Com Síndrome de Down. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 2004. Pedagogia em ação, v.2, n.2, p. 1-117, nov. 2010 - Semestral 58