Artigo de Revisão A importância clínica das variações anatômicas dos seios paranasais Francisco Ribeiro Teixeira Júnior 1, Elisa Almeida Sathler Bretas 1, Ivana Andrade Madeira 1, Renata Furletti Diniz 2, Marcelo Almeida Ribeiro 2, Emília Guerra Pinto Coelho Motta 2, Wanderval Moreira 3 Descritores: Seios paranasais; Tomografia computadorizada por raios X; Sinusite. Resumo As variações anatômicas dos seios paranasais são achados comuns. A importância dessas variantes predispondo a doenças, em consequência da obstrução do complexo ostiomeatal de drenagem, já foi discutida por vários autores, ainda não sendo tema de consenso. Neste trabalho foram realizadas revisão da literatura e ensaio iconográfico com o objetivo de discutir a importância das principais variantes anatômicas dos seios paranasais. A prevalência das variantes anatômicas dos seios paranasais difere muito entre os estudos e seu papel na gênese das sinusopatias é controverso. Neste artigo são descritas as diferentes variantes que têm apresentado relação com a doença sinusal e como se relacionam com condições patológicas. A maior parte dos estudos confirma o conceito de que as variantes anatômicas estão relacionadas a sinusopatias quando prejudicam as vias de drenagem. O conhecimento dessas alterações e suas relações com condições patológicas é uma habilidade que se espera do radiologista geral. As variantes anatômicas dos seios da face são achados comuns na prática diária. A introdução da tomografia computadorizada (TC) na identificação da doença sinusal contribuiu para uma maior compreensão dos fatores que levam à obstrução do complexo ostiomeatal de drenagem, prejudicando a eliminação de secreção proveniente dos seios paranasais, com consequente sinusopatia crônica [1,2]. A importância das variações anatômicas como sendo um desses fatores já foi amplamente discutida na literatura, no entanto, ainda não é tema de consenso [3]. Neste trabalho realizaram-se ensaio iconográfico e revisão da literatura, com o objetivo de discutir a importância clínica das principais variantes anatômicas dos seios paranasais. MÉTODOS DE IMAGEM Recebido para publicação em 6/4/2009. Aceito, após revisão, em 19/5/2009. Trabalho realizado no Setor de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG. 1 Médicos Especializandos em Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Mater Dei Mater Imagem. 2 Médicos Radiologistas do Hospital Mater Dei Mater Imagem. 3 Médico Radiologista, Coordenador do Serviço de Radiologia do Hospital Mater Dei Mater Imagem. Correspondência: Dr. Francisco Ribeiro Teixeira Júnior. Rua Maranhão, 1007, ap. 1301, Funcionários. Belo Horizonte, MG, 30150-315. E-mail: franciscoteixeirajr@gmail.com A TC é o melhor método de imagem na avaliação da sinusopatia crônica. A sua habilidade de diferenciar osso, ar e tecidos moles facilita a identificação de estruturas anatômicas e patológicas, além de ter valor inestimável na avaliação pré-operatória da cirurgia funcional [4,5]. PRINCIPAIS VARIANTES ANATÔMICAS E SUA IMPORTÂNCIA CLÍNICA Desvio do septo nasal O septo nasal é uma estrutura osteocartilaginosa que divide a cavidade nasal em direita e esquerda. O desvio do septo nasal consiste em uma angulação aguda 153
Teixeira Júnior FR et al. / Variações anatômicas dos seios paranasais entre a cartilagem nasal e o vômer. A prevalência encontrada na literatura varia entre 40% e 96%, dependendo do critério utilizado para conceituar o desvio [6]. É uma anomalia que pode ser congênita ou adquirida e, ainda, estar associada a um esporão ósseo (Fig. 1). Esta condição pode determinar compressão da concha nasal lateralmente, com consequente obstrução do infundíbulo, apresentando importância clínica na abordagem da sinusopatia recorrente, além do fato de que este contato pode ser causa de cefaléia rinogênica [6.7]. Concha bullosa Refere-se a uma concha aerada que pode ser uni ou bilateral [2]. O grau de pneumatização dessa estrutura é variável, podendo acometer apenas a porção bulbosa ou a lamelar. Existe ainda a variante chamada verdadeira, em que há acometimento de ambas as porções [3]. A concha bullosa pode ser causa de obstrução do meato médio, assim como obstrução do infundíbulo. Relaciona-se, ainda, a desvio do septo nasal para o lado contralateral. A pneumatização extensiva das conchas nasais, acompanhada de contato mucoso, pode ser causa de cefaléia, mesmo na ausência de inflamação (Fig. 2) [8]. Concha paradoxal Quando a concha média apresenta sua concavidade voltada medialmente, ela é denominada concha paradoxal (Fig. 3) [1,2,4]. Alguns estudos encontraram preva- Fig. 1 (a) Reconstrução coronal de TC mostra desvio do septo nasal de convexidade à esquerda, com espícula óssea em íntimo contato com a concha nasal inferior deste lado (setas). (b) Em outro paciente, a reconstrução coronal evidencia importante desvio de septo de convexidade à esquerda (seta), com grande espícula óssea em íntimo contato com a parede medial do seio maxilar (círculo), obstruindo a fossa nasal ipsilateral. Fig. 2 (a) Cortes axiais mostram conchas médias bullosas bilateralmente, com nível líquido (bullite) associado à direita (seta). (b) Reconstrução coronal de outro paciente com concha média bullosa à direita também associada a bullite (seta). Nota-se, ainda, a presença de célula de Haller à direita, também opacificada (círculo). 154
(Fig. 4B). Fatores como o tamanho da célula, a proximidade com o óstio do seio maxilar, a evidência de sinais inflamatórios dentro da célula e a presença de contato mucoso com outras estruturas devem ser levados em conta ao se avaliar a célula de Haller como predisponente a sinusopatia [7]. Fig. 3 Reconstrução coronal de TC mostra conchas nasais médias curvando-se medialmente, caracterizando conchas paradoxais bilateralmente (estrelas). lência de até 30%. Dependendo do grau da curvatura da concha, pode haver compressão do infundíbulo com tendência a sinusopatia recorrente. Esta relação, no entanto, ainda não foi comprovada com dados consistentes [3,4]. Célula de Haller São células presentes no teto do seio maxilar, sob o assoalho da órbita (Fig. 4A) [6]. Formam, portanto, a parede lateral do infundíbulo entre a lâmina papirácea e o processo unciforme. Podem estar presentes em até 45% da população [3]. Apresentam importância clínica devido à sua posição crítica ao longo do infundíbulo Células agger nasi É a mais anterior das células etmoidais e situa-se junto ao recesso frontal. A incidência coronal da TC evidencia claramente esta relação anatômica (Fig. 5). Sua prevalência varia muito na literatura, havendo relatos de até 96% [6]. Quando há pneumatização importante desta célula, pode haver estreitamento do recesso frontal. Sua relação anatômica com o osso lacrimal explica a ocorrência de epífora em alguns pacientes com sinusopatia de repetição [7,8]. Célula de Onodi A pneumatização de células etmoidais posteriores dentro do osso esfenóide é conhecida como célula de Onodi (Fig. 6). Sua prevalência varia entre 3,4% e 51% [5]. A presença desta estrutura pode ser um fator limitante ao acesso do endoscópio ao seio esfenoidal durante um procedimento cirúrgico, devido à sua relação anatômica com o nervo óptico e com a artéria carótida interna [6]. Portanto, sua maior importância apresenta-se na avaliação pré-operatória. A melhor forma de identificação é no plano axial. Além da importância cirúrgica, pode ocorrer uma mucocele causando neuropatia ótica retrobulbar, podendo causar diminuição da acuidade visual, cefaléia retro-orbitária, entre outros sintomas [5]. Fig. 4 (a) Reconstrução coronal de TC mostra células de Haller bilateralmente (estrelas), com espessamento mucoso associado à esquerda. (b) Em outro paciente, a reconstrução coronal evidencia células de Haller bilaterais (setas largas) ocasionando horizontalização do processo unciforme à esquerda. Observar, ainda, desvio do septo nasal à direita (seta estreita) e concha nasal média esquerda bullosa (estrela). 155
Teixeira Júnior FR et al. / Variações anatômicas dos seios paranasais Fig. 5 Reconstrução coronal de TC da face mostra uma célula etmoidal à direita bastante anteriorizada agger nasi (seta). Fig. 6 Corte axial de TC mostra pneumatização de células etmoidais posteriores dilatadas bilateralmente células de Onodi (setas). Bulla etmoidal dilatada Bulla etmoidal é a célula etmoidal imediatamente superior e posterior ao infundíbulo e hiato semilunar (Fig. 7). Sua dilatação provoca compressão dessas estruturas, com prejuízo da drenagem do seio maxilar e das células etmoidais anteriores [6]. Sua dimensão é um fator importante nessa associação, apesar de valores objetivos ainda não terem sido descritos. Bulla unciforme A pneumatização do processo unciforme, conhecida como bulla unciforme, é uma variação rara, com prevalência descrita entre 0,4% e 5%. A dilatação desta estrutura pode causar estreitamento do infundíbulo, levando a distúrbios na drenagem do seio maxilar [6] (Fig. 8). Seio maxiloetmoidal O seio maxiloetmoidal pode ser definido como uma célula etmoidal posterior ocupando a porção apical do seio maxilar, com drenagem para o meato superior (Fig. 9). É anomalia congênita que tende a ser bilateral, com prevalência estimada em 0,7% [9]. É importante a compreensão do seio maxiloetmoidal para diferenciá-lo de outras alterações, como o seio maxilar septado e a célula de Haller [6]. A distinção é feita, basicamente, pelo padrão de drenagem. Ao contrário do seio maxiloetmoidal, tanto os compartimentos do seio maxilar septado quanto a célula de Haller drenam para o meato médio. Já foi proposta uma relação com sinusopatia de repetição, que não foi confirmada em estudos recentes. A maior importância desta variante consiste na avaliação pré-operatória da cirurgia endoscópica, com objetivo de evitar perda da orientação anatômica durante o procedimento [9,10]. Fig. 7 Reconstrução coronal de TC mostra bulla etmoidal dilatada à direita (estrela). Fig. 8 Bulla unciforme. Reconstrução coronal de TC mostra pneumatização bilateral dos processos unciformes (setas). 156
Fig. 9 Reconstrução coronal de TC mostra paciente com seio maxiloetmoidal bilateralmente (estrelas). Observar a drenagem para o meato superior (setas). Fig. 10 Reconstrução coronal de TC mostra redução volumétrica da cavidade maxilar direita (estrela) com processo unciforme anatômico (hipoplasia grau I). Hipoplasia do seio maxilar É uma anomalia incomum que pode ser confundida com sinusopatia crônica e apresentar associação com alterações do processo unciforme, levando a prejuízo da drenagem do meato médio (Fig. 10). O conhecimento desta condição no pré-operatório da cirurgia funcional é importante, já que alterações associadas do processo unciforme são comuns [11]. CONCLUSÃO Existe grande divergência na literatura sobre a prevalência e a importância clínica das variantes anatômicas dos seios paranasais. A maior parte dos estudos confirma o conceito corrente de que quando tais alterações prejudicam as vias de drenagem, elas estão relacionadas à gênese da sinusopatia recorrente. O profundo conhecimento da anatomia e das variantes dos seios paranasais é uma habilidade que se espera do radiologista geral. O reconhecimento da relação dessas variações com estados patológicos é essencial para uma boa realização do exame. REFERÊNCIAS 1. Som PM, Curtin HD. Head and neck imaging. 3rd ed. St. Louis, MO: Mosby-Year Book; 1996. 2. Valvassori GE, Mafee MF, Carter BL. Imaging of the head and neck. 1st ed. New York, NY: Thieme; 1995. 3. Araújo Neto SA, Martins PSL, Souza AS, Baracat ECE, Nanni L. O papel das variantes anatômicas do complexo ostiomeatal na rinossinusite crônica. Radiol Bras 2006;39:227 32. 4. Yousem DM. Imaging of sinonasal inflammatory disease. Radiology 1993;188:303 14. 5. Kantarci M, Karasen RM, Alper F, Onbas O, Okur A, Karaman A. Remarkable anatomic variations in paranasal sinus region and their clinical importance. Eur J Radiol 2004;50:296 302. 6. Earwaker J. Anatomic variants in sinonasal CT. RadioGraphics 1993;13:381 415. 7. Elahi MM, Frenkiel S. Septal deviation and chronic sinus disease. Am J Rhinol 2000;14:175 9. 8. Stallman JS, Lobo JN, Som PM. The incidence of concha bullosa and its relationship to nasal septal deviation and paranasal sinus disease. AJNR Am J Neuroradiol 2004;25:1613 8. 9. SirikHi A, Bayazit YA, Bayram M, Kanlikama M. Ethmomaxillary sinus: a particular anatomic variation of the paranasal sinuses. Eur Radiol 2004;14:281 5. 10. Caughey RJ, Jameson MJ, Gross CW, Hank JK. Anatomic risk factors for sinus disease: fact or fiction? Am J Rhinol 2005;19:334 9. 11. Scuderi AJ, Harnsberger HR, Boyer RS. Pneumatization of the paranasal sinuses: normal features of importance to the accurate interpretation of CT scans and MR images. AJR Am J Roentgenol 1993:160;1101 4. Abstract. The clinical importance of the anatomic variations in the paranasal sinuses. The anatomic variations of the paranasal sinuses are common findings. The importance of such variations predisposing disease through the obstruction of the drainage pathway has been discussed by several authors, although it is not yet a matter of agreement. The literature was reviewed and a iconographic assay was prepared aiming the discussion of the importance of the main anatomic variations of the paranasal sinuses. The prevalence of anatomic variations of the paranasal sinuses varies largely amongst studies and its role in sinus disease is controversial. In this article, it is described the different variations associated to paranasal disease and how they relate to pathologic conditions. Most studies confirm the concept that anatomic variations of the paranasal sinuses are related to disease when they obstruct the drainage pathways. The knowledge of such alterations and its relations to pathologic conditions is expected from the general radiologist. Keywords: Paranasal sinuses; X-ray computed tomography; Sinusitis. 157