A CONTRIBUIÇÃO DA MUSICOTERAPIA NO TRATAMENTO DE PACIENTES DEPRESSIVOS * Camila Lima e Silva.. Musicoterapeuta pela Universidade Federal de Goiás.. Musicoterapeuta no Despertar Núcleo Educacional e Terapêutico. e-mail: calimaufg@hotmail.com Claudia Regina de Oliveira Zanini. Mestre em Música/UFG; Especialista em Musicoterapia em Educação Especial e em Saúde Mental/UFG, Graduada em Piano e Administração de Empresas. Profª e Coordenadora do Curso de Musicoterapia da EMAC- Escola de Música e Artes Cênicas/UFG e.mail claudiaz.mt.ufg@cultura.com.br Maria Amélia Dias Pereira. Mestre em Psiquiatria. Profª da Faculdade de Medicina da UFG e-mail: mamelia@medicina.ufg.br Resumo: O principal objetivo é evidenciar a contribuição da musicoterapia como uma possibilidade terapêutica no tratamento da depressão, favorecendo uma melhoria de qualidade de vida. Realizou-se um estudo sobre o Transtorno do Humor depressão, e a musicoterapia. Após esta fundamentação teórica observou-se a necessidade de se fazer uma inter-relação entre a musicoterapia e a área de Saúde Mental (com pacientes depressivos), abordando os objetivos gerais, os diversos aspectos trabalhados no decorrer do processo musicoterápico e algumas técnicas mais funcionais no quadro depressivo, buscando contribuir para um melhor prognóstico do paciente doente mental. Depois, passou-se ao relato de experiências musicoterápicas clínicas (pesquisa de campo), abordando a realização dos atendimentos musicoterápicos através de recortes de sessões, considerações sobre o processo e análise musicoterápica dos atendimentos grupal e individual desenvolvido respectivamente com cinco pacientes atendidas em um hospital psiquiátrico na cidade de Goiânia e uma no Laboratório de Musicoterapia da Universidade Federal de Goiás. Posteriormente apresentou-se a análise dos dados quantitativa e qualitativa. Com estas análises pôde-se observar que a Musicoterapia provocou mudanças positivas e significativas nos sentimentos das pacientes, diminuindo os sintomas da depressão e contribuindo positivamente no tratamento das mesmas. Palavras-Chave: Pesquisa, Depressão, Psiquiatria Introdução A atuação da Musicoterapia na área de Saúde Mental com pacientes com diagnóstico de Transtorno do Humor - depressão - tem como um de seus objetivos provocar mudanças positivas nos sentimentos do paciente, diminuindo os sintomas da depressão e favorecendo uma melhoria da qualidade de vida. Neste estudo, teve-se como principais objetivos observar a contribuição da Musicoterapia no tratamento de pacientes com diagnóstico de Transtorno do Humor - depressão, através de uma pesquisa de campo, bem como contribuir para a literatura musicoterápica envolvendo esta área de atuação. * Apresentado no Encontro de Musicoterapia do Rio de Janeiro, VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia e VIII Jornada Científica do Rio de Janeiro.
Após uma fundamentação teórica baseada em conhecimentos da Musicoterapia e Psiquiatria, observou-se a necessidade de se fazer uma inter-relação entre a Musicoterapia e a área de Saúde Mental (com pacientes depressivos), abordando os objetivos gerais e os diversos aspectos trabalhados no decorrer do processo musicoterápico, buscando contribuir (através das vivências sonoras e musicais) para um melhor prognóstico do paciente depressivo. Apresentar-se-á o relato de experiências musicoterápicas, explanando-se sobre a metodologia e apresentando a prática musicoterápica com pacientes depressivos, através de recortes de sessões, considerações sobre o processo e a análise musicoterápica dos atendimentos individual e grupal desenvolvidos, observando-se as contribuições da musicoterapia para esses pacientes. Depressão e Musicoterapia A depressão é caracterizada por uma multiplicidade de sintomas, os quais, agrupados caracterizam a depressão como uma doença que afeta as relações interpessoais, levando o indivíduo a prejuízos sociais e pessoais, por isso, é considerada uma doença biopsicossocial. Pode-se perceber que a musicoterapia pode favorecer e de pacientes depressivos. Considerando-se as limitações do paciente depressivo no manejo da linguagem e sua conseqüente dificuldade diante de terapias exclusivamente verbais, vê-se a possibilidade do tratamento musicoterápico contribuir para o tratamento desta clientela, por utilizar basicamente elementos não verbais. A musicoterapia leva o paciente a fazer música, produzir sons, movimentar-se e expressar-se, para que assim encontre uma forma de comunicação, de liberação e de realização. Por conseguinte, mais que outros, os pacientes depressivos sofrem por terem perdido o prestígio e a situação que gozavam antes. Através da música, eles recebem mais reconhecimento, fato que aumenta o sentido do seu próprio valor. Guimarães (1989) acredita que a música é uma verdadeira e agradável renovação, ajudando-os, cada vez mais, a desempenhar um papel mais amplo e funcional na vida. Ela também favorece a vida social, sendo, deste modo, um fator importantíssimo de integração ao meio ambiente. Através do fazer musical, das dinâmicas e das atividades corporais, sonoras e musicais, o paciente utiliza e faz uso de todo o seu potencial (adormecido), dá o melhor de si para criar, compor, improvisar, cantar ou dançar no setting e, aos poucos, conseguir perceber esse potencial totalmente despertado. Outra contribuição, no momento em que o paciente faz música, é a manifestação de suas emoções, podendo chegar a nomeá-las, o que lhe dá melhor percepção de si mesmo e do outro. Em grupo, tal processo parece acontecer de forma mais rica e eficiente, pois o fazer musical em conjunto permite vivenciar e trocar emoções, experiências e projetos de vida com o outro, favorecendo de forma mais positiva, espontânea e rápida a interação e o relacionamento interpessoal. Metodologia A presente pesquisa de campo foi desenvolvida no Laboratório de Musicoterapia da Universidade Federal de Goiás e em um hospital psiquiátrico na cidade de Goiânia. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa Médica Humana e Animal do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás. No total, fizeram parte desta pesquisa 7 mulheres adultas, com idades variando entre 36 e 54 anos, uma média de 42,3 anos, residentes no município de Goiânia e região.
Seis destas pacientes estavam internadas em regime de hospital dia ou ambulatorial e uma nunca havia sido internada e com convívio social preservado. Realizou-se, inicialmente, entrevistas semi-estruturadas com mulheres depressivas atendidas no Laboratório de Musicoterapia da Universidade Federal de Goiás e em um hospital psiquiátrico de Goiânia, que concordaram em participar do estudo. As entrevistas compreenderam dados pessoais, dados clínicos, dados musicais e a aplicação do Inventário Beck de depressão 1. Os atendimentos musicoterápicos no hospital psiquiátrico realizaram-se com um grupo aberto, de 4 a 6 pacientes. As sessões musicoterápicas foram realizadas uma vez por semana, com duração média de 50 minutos. O período de realização dos atendimentos foi de cinco meses. No Laboratório de MT, os atendimentos foram realizados de forma individual, com uma paciente do sexo feminino com idade de 54 anos, uma vez por semana e com duração de 50 minutos. O período de realização dos atendimentos foi de 1 ano e 4 meses. Na presente pesquisa a análise e interpretação dos dados emergem da comparação do grau de depressão obtido através do Inventário Beck de depressão no início e no final do processo musicoterápico, além da leitura musicoterápica dos processos vivenciados, tanto individual como grupal. Nesta perspectiva, após a análise dos dados quantificados ( Inventário Beck de depressão ) e qualificados (leitura do processo musicoterápico) pode-se observar a contribuição da musicoterapia no tratamento de pacientes depressivas. Não se pretende comparar os dados obtidos no atendimento individual e no atendimento grupal, principalmente em função do período de tratamento. Análise dos Dados Qualitativos Ao se fazer a análise dos dados qualitativos, o objetivo é de observar e perceber as atividades realizadas, cada paciente, e como o processo musicoterápico pôde auxiliar, ajudar, melhorar e contribuir no tratamento das pacientes depressivas. Busca-se analisar o que o tratamento musicoterápico pôde contribuir no prognóstico, nas relações interpessoais e, principalmente, na qualidade de vida das pacientes. Em primeiro lugar, observa-se que a cada atividade aplicada, as pacientes podiam se expressar, se perceber, perceber e ajudar a outra, cantar, tocar, verbalizar. Nas sessões musicoterápicas que elas se sentiam acolhidas e aceitas como são. Na fala de Silvia (o nome das pacientes foram mudados), isto se confirma: Estou gostando muito da musicoterapia, eu estava muito mal há um tempo, mas estou melhorando muito desde que comecei a musicoterapia, que é onde eu posso me expressar. Aqui foi uma luz que me acudiu!. Uma consideração essencial é a consciência que o paciente tem sobre a importância da musicoterapia na sua própria mudança e no seu crescimento como pessoa: Me lembro de quando eu comecei as sessões de MT, eu mudei muito, sinto que estou bem melhor e mais bonita (Silvia). A paciente que antes queria se aposentar desistiu da aposentadoria, tendo motivação para continuar a vida profissional. Observa-se que as pacientes que participavam do grupo se sentiam bem por estarem interagindo com outras pessoas, se sentiam aliviadas e confortadas na 1 Escala de auto-avaliação, para a quantificação em forma de escores do grau de depressão. Foi desenvolvida por BECK e cols. em 1978, na Universidade da Pensilvânia. (Corrêa, 1996, p. 85).
musicoterapia, sendo isto muito importante, pois um dos aspectos que o depressivo sofre é a falta de conforto, alívio e interação: Prá mim a musicoterapia me fez muito bem pelo convívio com o grupo, a inter-relação. Através da musicoterapia descobre um meio para trabalhar a depressão, porque trabalha o interior da gente. A musicoterapia me alivia, seria um alívio para os momentos depressivos (Eva). Outro fator que o grupo musicoterápico pôde contribuir para o tratamento das pacientes foi a vergonha, a timidez. Nas sessões de musicoterapia elas podiam cantar, tocar, dançar e verbalizar, sem se sentirem expostas: Eu gosto muito da música, eu tava ruim prá caramba e aqui eu parava de pensar nos momentos tristes e acabava esquecendo deles. A musicoterapia me ajuda muito no meu tratamento, é muito válida para as pessoas depressivas. Outra coisa que me ajudou muito foi a minha timidez. Eu era muito tímida, e aqui eu podia fazer um monte de coisas que eu não tinha vergonha. Era muito bom! (Rosana). O fato de considerarem a musicoterapia como algo para distrair, como atividade lúdica é muito forte no pensamento das pacientes: Musicoterapia é distrair. Ela pode ajudar. É descontraído quando eu estou aqui e a gente brinca, eu esqueço os problemas lá fora. Eu também percebo que foi muito bom para a minha timidez (Maiara). É importante considerar que as pacientes percebem as mensagens que a música oferece, como se a música estivesse dizendo alguma coisa para elas: Musicoterapia tem uma aprendizagem porque a música tem uma mensagem, ela diz coisas prá gente refletir. Eu comecei a perceber mais as letras das músicas depois que eu comecei a musicoterapia. A musicoterapia faz a gente desgarrar dos problemas e sair renovada. Eu também percebi que eu era muito tímida e aqui eu posso falar, cantar e não tenho vergonha (Marili). Através da verbalização de Silvia pode-se observar que a música desperta, ajuda a pessoa se relacionar, relaxar, se encontrar e desinibir: A Musicoterapia foi de grande valor prá mim porque me fez descobrir tanta coisa que estava adormecida dentro de mim. Me fez despertar prá vida tanto no sentido emocional quanto espiritual, amoroso, profissional, familiar. Aprendi a me relacionar mais, principalmente observar mais a música, sentir o seu valor. A música me ajudou a relaxar, me encontrar mais, a me desinibir. Aprendi a transferir os meus sentimentos prá música. Conclusão: só me fez bem! (Silvia). Análise dos Dados Quantitativos: Devido ao número reduzido de participantes no presente estudo, apresentam-se estes dados quantitativos a fim de complementar os dados qualitativos observados relativos à contribuição da Musicoterapia no tratamento de pacientes depressivos.
Escore do Inventário Comparando-se o grau de depressão pelo Inventário Beck de depressão, no início e no final do processo musicoterápico, tem-se os seguintes escores, onde P1 significa paciente 1, e assim por diante. P1 - Eva: 1ª aplicação do questionário: 24 (depressão média) 2ª aplicação do questionário: 07 (normal) P2 - Marili: 1ª aplicação do questionário: 28 (depressão média) 2ª aplicação do questionário: 11 (depressão leve) P3 - Maiara: 1ª aplicação do questionário: 28 (depressão média) 2ª aplicação do questionário: 24 (depressão média) P4 - Mariana: 1ª aplicação do questionário: 38 (depressão severa) 2ª aplicação do questionário: 27 (depressão média) P5 - Rosana: 1ª aplicação do questionário: 41 (depressão severa) 2ª aplicação do questionário: 39 (depressão severa) Aplicação do Inventário Beck de Depressão 60 40 20 0 p1 p2 p3 p4 p5 Pacientes inicial final Para melhor entendimento do gráfico, apresenta-se o escore referencial dos valores de depressão, a fim de avaliar os resultados obtidos no Inventário Beck de depressão. De 0 a 9 (normal); de 10 a 18 (depressão leve), de 19 a 29 (depressão média); de 30 a 63 (depressão severa). Considerações Finais Considerar que a musicoterapia teve êxito e pôde ajudar mulheres que por um momento de suas vidas estavam em um quadro psicológico e orgânico bem aquém do que é considerado normal é algo verdadeiro e aceitável. Através dos resultados do Inventário Beck de Depressão, pôde-se constatar a diminuição dos escores referentes aos sintomas característicos da depressão, o que foi confirmado e evidenciado nas expressões verbais, nas mudanças do estado de humor e nas composições feitas pelas pacientes. Quanto à composição, é importante ressaltá-la como uma técnica/método musicoterápico muito viável com esta clientela. No quadro clínico da depressão, o paciente não tem vontade de agir, ouvir, falar ou fazer nada (...). Na musicoterapia, ele já consegue agir (cantando/tocando), ouvir (através da audição musical), verbalizar (quando aborda seus problemas, vitórias, conquistas e sentimentos) e, através da composição musical, quando ele passa a criar algo novo (quando compõe músicas, cria letras, toca e canta). Na composição além de o paciente expor seus sentimentos, ele faz, constrói, cria e percebe que apesar de tudo ele é capaz de fazer música, construir ritmos, letras e melodias.
Acredita-se que a musicoterapia tem condição de ajudar o paciente a entrar em contato com suas emoções, sentimentos e expressá-los através de músicas, instrumentos, sons, corpo ou qualquer outra forma que venha facilitar essa liberação de sentimentos. Quando o paciente expõe seus sentimentos, a carga fica mais leve, a culpa diminui, as relações interpessoais melhoram, as músicas alegres emergem com mais facilidade e, consequentemente, os sintomas da depressão diminuem, causando menor sofrimento. Logo, seu corpo, sua alma e sua psique cantam e dançam, enfim, agradecidos, pois o musicoterapeuta considera as potencialidades, aceitando que cada pessoa é impar, singular e subjetiva! Se com o auxílio dos sons, do ritmo, dos movimentos e da compreensão solidária e acolhedora for possível dar aos que sofrem a convicção de que, apesar de tudo, vale a pena viver, os objetivos da musicoterapia terão sido atingidos. Referências Bibliográficas CORRÊA, A. C. O. (1996). Envelhecimento, depressão e doença de alzheimer. Belo Horizonte: Health. GUIMARÃES, R. A. (1989). Musicoterapia, uma opção no tratamento da depressão e tristeza dos idosos.