Entenda o diário de obra Diário de obra pode ir além de mero cumprimento contratual e se tornar ferramenta de apoio na gestão da produção Por Rodnei Corsini O diário de obra é um documento que deve ser preenchido com o registro das principais atividades diárias de um canteiro de obras, funcionando como uma espécie de memorial. Seu preenchimento, muito além de uma mera questão burocrática, pode ser uma fonte valiosa de informações para auxiliar as construtoras na gestão do canteiro. Nos diários são anotados os detalhes e a descrição dos serviços executados, o uso e a disponibilidade de recursos - como mão de obra e máquinas - e os avanços em cada atividade ou frente de
trabalho. Também costumam ser registrados os problemas que impedem a execução dos serviços em alguma situação especial. O documento costuma ser um instrumento formal para registrar as atividades que estão acontecendo na obra, a cada dia (detalhes no boxe "Questões legais"). Em muitos contratos, há exigência de se ter o diário de obra para cumprir essa formalidade. É no diário de obras que se registra, por exemplo, que choveu e não foi possível executar uma fundação, podendo haver, por exemplo, um prolongamento do prazo para cumprir a obra. Além da função jurídica e contratual, o diário de obra também pode ser usado como um instrumento para registrar aspectos da obra que podem ser incorporados a sistemas de gestão de qualidade. "No diário de obras, pode-se colocar informações de costume e que o contrato demanda, além de ocorrências que possam ajudar no entendimento do que ocorreu na obra, auxiliando a gestão", diz Ubiraci Espinelli de Souza, professor da Poli- USP e diretor da Produtime Gestão e Tecnologia. A importância atribuída ao diário, tipicamente, é a de se ter um registro rigoroso das atividades realizadas diariamente em um único documento. Costumam constar a autoria dos serviços executados, o efetivo da obra, as ocorrências não previstas que causem interrupção nos trabalhos, os acidentes no canteiro, as condições climáticas, as locações de máquinas e equipamentos e a sua utilização no dia. O documento também pode ajudar no controle das Anotação de Responsabilidade Técnica (ARTs) e Registro de Responsabilidade Técnica (RRTs) dos fornecedores, por conta do registro de quem executou os trabalhos. "A assinatura do diário pelo cliente atesta o acompanhamento da obra, o que caracteriza transparência na relação entre as partes", afirma Maria Cecilia de Sá Fernandes, gerente de qualidade e segurança do trabalho da construtora Matec Engenharia. Para que o diário cumpra sua função é importante incorporar no canteiro o hábito de alimentar adequadamente o documento, com todos os serviços em execução e os locais. O diário registrado de forma rigorosa costuma ser o principal instrumento para esclarecer dúvidas futuras sobre a obra. "A dificuldade das empresas é manter um registro fiel e prático, com dados relevantes, pensando no registro da relação conmateria tratual", diz André Choma, engenheiro máster da Vale em Belo Horizonte, que trabalha na área de gestão de projetos de capital.
Na construtora Matec, diário de obra é uma das ferramentas de gestão usadas para avaliar a produtividade de cada equipe e a condição de cumprimento do cronograma Funções do diário Alvaro Cordeiro, diretor de construção da Tecnum Construtora, alerta que a importância do diário não está no documento em si, mas em sua aplicação. "Considero o diário uma ferramenta adequada. Mas para não se tornar uma ferramenta obsoleta, ele depende do uso da construtora", afirma. "Se existe outra ferramenta de controle das atividades e do efetivo da obra, o diário está dispensado - a não ser que seja uma exigência da incorporadora, pois o diário só é válido como documento se estiver indicado em contrato", explica. O diário de obra passa a ser uma ferramenta pouco útil quando é tratado de forma burocrática. Choma afirma já ter visto obras que contavam com apontadores cuja única função era anotar quem estava na obra naquele dia, e se estava chovendo ou não. "Essas informações são importantes, mas não valem o investimento em ter um profissional dedicado à tarefa. As empresas precisam estruturar seus controles para obter dados relevantes, que possam auxiliar em decisões gerenciais e que possam ser usadas em caso de disputa contratual", diz o engenheiro. Na construtora Matec Engenharia, o diário de obras é um documento essencial na gestão dos contratos e do pós-contrato. Na empresa, os diários de obra recebem auditorias mensais pela área de gestão de obrigações legais. Além disso, também é feita uma
auditoria trimestral pela equipe de gestão da qualidade. Por meio de Fichas de Verificação de Serviços, que são alimentadas pela equipe de qualidade na obra, a construtora consegue identificar se os serviços estão sendo realmente registrados no momento real - as fichas e o diário não podem apresentar registros contraditórios. "Com essa ação, tivemos no último trimestre uma significativa melhoria na qualidade desse documento. E, consequentemente, um fiel registro da evolução da obra", afirma Maria Cecilia. Na Tecnum Construtora, o diário de obras integra o sistema de qualidade de gestão e segurança. "Ele é um documento desse sistema de gestão. Temos um procedimento de gestão das atividades administrativas da obra e o diário é um anexo desse procedimento", diz Cordeiro. Quando o contrato estabelece que o diário de obra é o documento oficial para registro de ocorrências, é necessário anotar tudo que atrapalhe a execução da obra, todas as interferências negativas. Cordeiro afirma que um representante da gerenciadora ou do contratante pode visitar e, eventualmente, acrescentar informações ao diário. Caso esse representante não esteja na obra, um procedimento comum é fazer essa validação por e- mail. As responsabilidades - se houver - sobre cada imprevisto ficam anotadas e reconhecidas no diário. Assim, em caso de adiamento da obra ou incompatibilidade de informações, o documento pode atestar quais interferências impediram determinado serviço. Entenda o diário de obra Diário de obra pode ir além de mero cumprimento contratual e se tornar ferramenta de apoio na gestão da produção Por Rodnei Corsini Aplicações dos registros Além do registro documental, as informações anotadas no diário podem ter outras aplicações. Para o engenheiro Choma, é importante manter um plano de ação para atender às demandas levantadas pelo registro no diário. "A partir do diário nascem, por exemplo, pedidos de mudanças nos serviços e no contrato, notificações por descumprimento de normas de segurança do trabalho, entre outros", diz. Como no diário de obra se registram as anormalidades da obra, as informações podem ser usadas para complementar o acompanhamento da produtividade. "Normalmente, não é no diário que eu vou registrar quantos homem-hora trabalharam e qual foi a quantidade de
serviço para gerar uma informação de produtividade. Você deve usar outro instrumento para isso", esclarece Espinelli. Entretanto, segundo o professor da Poli-USP, as anormalidades respondem por 5% até 35% da variação da produtividade. "Portanto, nesse aspecto, o diário de obra passa a ser um lugar bem interessante para acompanhar esses dados", diz. As anormalidades registradas podem servir tanto para fins legais - cobrar os atrasos de um terceiro, se for o caso - quanto para a gestão da produção, sendo o diário uma fonte de entendimento para checar possíveis origens das falhas na produtividade. Pode-se criar outras ferramentas para o registro das anormalidades. Mas o diário de obras é, por excelência, o documento onde se costuma anotar esses problemas. "Nele, você pode incluir parâmetros para indicar melhor qual a força e a influência que a anormalidade teve. Isso facilita o uso para fins de análise de produtividade", completa Espinelli. Na Matec Engenharia, os dados registrados no diário de obras são usados para levantar estatísticas dos trabalhos executados. Os dados extraídos podem ser usados para avaliar a produtividade de cada equipe e a condição de as equipes definidas atenderem ao cronograma. Com base nas anotações, a empresa toma decisões sobre a necessidade de reforço das equipes e também, posteriormente, utiliza os dados para avaliação do prestador de serviço. Maria Cecilia, gerente de qualidade e segurança do trabalho, dá um exemplo recente de aplicação das informações do diário. A empresa alocou um fornecedor para determinado serviço e, na contratação, estava bem-especificado o prazo para execução - com cronograma do serviço anexado ao contrato, o efetivo que a empresa concordou ser o necessário para cumprir o contrato, os equipamentos e demais informações. "Após uma semana de alocação do fornecedor, ficou registrado - além dos registros que o apontador faz diariamente do efetivo de cada empresa e da nossa própria empresa - o número de profissionais disponibilizados dia a dia pela empresa e os serviços que efetivamente foram realizados", afirma. Os registros serviram como elemento de análise de que, para recuperação da produção conforme cronograma da obra, era preciso um reforço imediato - ou por parte do mesmo fornecedor ou por meio de contratação de outro fornecedor para distribuir o mesmo serviço. "Neste caso, o nosso fornecedor não teve como mobilizar mais equipe e tivemos todos os argumentos e evidências de que o combinado não foi cumprido, levando-nos a contratar outra equipe para complementação do serviço dentro do cronograma da tarefa", completa Maria Cecília.