SIMPÓSIO 14: IMAGEM E HISTÓRIA (História e linguagens) Vila Velha de Itamaracá (PE): observando imagens, reconhecendo permanências.



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Transcrição:

SIMPÓSIO 14: IMAGEM E HISTÓRIA (História e linguagens) Vila Velha de Itamaracá (PE): observando imagens, reconhecendo permanências. OLIVEIRA, Roseline Vanessa Santos Arquiteta e Mestre em Arquitetura e Urbanismo/UFBa. Pesquisadora do Grupo Arquitetura da Cidade/Universidade Federal de Alagoas RESUMO Por muito tempo, antigos registros como manuscritos, narrativas, desenhos e mapas, foram marginalizados pela pesquisa histórica por carregarem impressões pessoais de quem os produz. Entretanto, discussões contemporâneas vêm abrindo espaço para assumir a relevância desse material, justamente pela sua propriedade individual e inédita, constituindo documentos que revelam à atualidade um mundo não experimentado, cujo conteúdo interessa, especialmente, ao estudo do imaginário. A ampliação das fontes históricas para além das bases textuais indica a condição da iconografia também como produto cultural, podendo ser entendida como uma forma de expressão, uma narrativa que permite a investigação do passado de uma localidade e das suas repercussões na contemporaneidade. Assim, como resu1tado da dissertação de Mestrado, este artigo consiste em um exemplo da utilização de material iconográfico como fonte de pesquisa histórica, apresentando um estudo da antiga Vila de N. Sra. da Conceição (atual Vila Velha-PE), sede da primeira feitoria oficialmente instalada no Brasil por Cristóvão Jacques em 1534. Imagens seiscentistas permanecem acessíveis hoje, colocando esta antiga Vila em situação privilegiada para estudos históricosiconográficos, na perspectiva da investigação de seu conteúdo patrimonial que se encontra hoje vulnerável às pressões da Modernidade. SIMPÓSIO 14: IMAGEM E HISTÓRIA (História e linguagens) Vila Velha de Itamaracá (PE): observando imagens, reconhecendo permanências. OLIVEIRA, Roseline Vanessa Santos (UFAL) (Arquiteta e Mestre em Arquitetura e Urbanismo/UFBa. Pesquisadora do Grupo Arquitetura da Cidade/Universidade Federal de Alagoas) A história da ocupação do sítio de Vila Velha remonta aos primeiros anos depois da descoberta das terras brasílicas. Dentre as primeiras expedições que se dirigiam para o continente americano, situa-se aquela comandada por 1

Cristóvão Jacques, no início do século XVI, quando instalou a feitoria de Pernambuco na Ilha de Itamaracá, que atraiu os europeus devido, dentre os aspectos, a sua peculiaridade insular. A região de Itamaracá caracterizava-se por sua condição de isolamento e confinamento, considerado uma vantagem natural de segurança para a instalação de povoamentos. Sede da capitania de Itamaracá, a então chamada Vila de N. Sra. da Conceição tinha muitos aspectos que atraíram o interesse desses europeus pela Ilha durante os dois primeiros séculos após o descobrimento, "primeiro, era um dos lotes mais próximos da Europa, dispondo de mata com abundância de pau-brasil, uma grande diversidade de recursos muito disputados pelo mercado europeu, e compreendia terras no litoral, rios navegáveis para embarcações da época, áreas de manguezais, além de colinas e de várzeas que se prestavam para a criação de gado e à cultura da cana-de-açúcar". (ANDRADE, 1999, p.53). A Ilha de Itamaracá também foi objeto de atenção dos holandeses. Suas expedições tinham fins comerciais e mantinham relações abertas de comércio com o Reino de Portugal. No momento em que a Coroa portuguesa foi transferida para a Espanha, fechando as portas de seu mercado para os holandeses que, então, formaram a Companhia das Índias Ocidentais com o intuito de explorar e dominar as terras brasílicas (HERKENHOFF, cit. MELO, 1999, p. 23). Vale ressaltar que as potencialidades reconhecidas da Ilha renderam à antiga Vila da Conceição, a condição alternativa de sediar o Brasil Holandês em meados do século XVII, indicada juntamente com a Vila de Olinda e a Ilha de Antônio Vaz (MELO, 1987, p.56-61). Desde a transferência da condição de matriz de sua principal igreja 1 para a Igreja de N. Sra. do Pilar no ano de 1866, situada às margens do mar ao norte da Ilha, a antiga sede de Itamaracá começou a ser chamada de Vila Velha, como é conhecida até hoje. Esse antigo povoado situa-se na região mais elevada da Ilha de Itamaracá, a 7km de subida, partindo do acesso principal ao município em direção à sua região sul. A Ilha está localizada cerca de 50 Km da cidade do Recife- PE. O acesso da capital do Estado de Pernambuco à Ilha se faz, por terra, através das rodovias PE-15 e BR-101, que no município de Igarassu, também situado no continente, é complementada pela rodovia PE-35, levando até a Ilha onde se liga a PE-1 que dá acesso ao seu litoral sul. Atualmente, Vila Velha vem sofrendo as pressões das atividades turísticas que se desenvolve na região desde 1939, após a construção da Ponte Getulio Vargas ligando a Ilha de Itamaracá ao continente. Possuindo um conjunto arquitetônico que vem se compondo desde os primeiros anos da ocupação portuguesa, a Ilha apresenta a região de Pilar, atual sede do município, que comporta um patrimônio edificado do século XVIII, e o de Jaguaribe que, por estarem ainda localizadas às margens do mar, são áreas ainda mais atraentes para os turistas. Da mesma maneira, o forte Orange, datado de meados do século XVII, constitui um dos resíduos importantes da Ilha que dota seu entorno de especial valor turístico. Situando-se dentre as áreas indicadas como pontos turísticos da região, nota-se a velocidade com que Vila Velha vem se modificando desde as últimas décadas do século XX, mesmo sendo um sítio tombado em nível estadual, desde 1985. Em um curto espaço de tempo, percebe-se expansões da ocupação do sítio, devido ao aumento do número de habitantes e de novas necessidades da comunidade local. Essas ocupações se deram mais expressivamente em frente à Igreja de N. Sra. da Conceição, a segunda mais antiga do Brasil, e em torno de uma área descampada, bem definida, no espaço desse sítio, indicando a atual tendência de se propor intervenções nos pólos de interesse turístico, a partir das exigências de uma infra-estrutura adequada para atender aos visitantes. Por extensão, esse impulso indica a 1 Com a perda dos resquícios da Igreja de São Vicente, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, situada em Vila Velha, passou a ser nomeada como a segunda igreja mais antiga do Brasil. A igreja mais antiga, ainda construída, é a de São Cosme e Damião, datada de 1536, situada na cidade de Igarassu, Pernambuco. 2

possibilidade da configuração de Vila Velha mudar rapidamente, sob a exigência de quem não vive permanentemente nela. Um dos principais aspectos que comprometem a riqueza de seu conteúdo patrimonial, assim como a capacidade de suporte turístico desse povoado, parece consistir no desconhecimento da representatividade histórica e identitária desse sítio que não é reconhecida pelos moradores, por aqueles que estão por trás das propostas de intervenção e pelo próprio IPHAN, pois o sítio de Vila Velha não existe no mapeamento do patrimônio nacional. Tais considerações indicam a carência de maiores estudos sobre a memória de Vila Velha na longa duração. E, tendo em vista a possibilidade desse sítio ser alvo de intervenções, devido, dentre outros aspectos, ao turismo, buscou-se identificar seu conteúdo patrimonial, originário dos primeiros anos de sua construção, como forma de contribuir para a conservação de sua identidade e de seus valores culturais, através de um trabalho de pesquisa histórica e de análise crítica de questões sobre sua memória. Considerando que muitas das marcas naturais e edificadas dos primeiros anos da ocupação desse sitio ainda estão bem presentes no sítio urbano de Vila Velha hoje, este artigo, enquanto resultado de uma dissertação de Mestrado 2, consiste na apresentação dessas permanências na longa duração, através da análise de iconografias dos séculos XVI e XVII, tomando as descrições dos viajantes desse contexto como informações auxiliares neste estudo. Adotou-se o conjunto iconográfico antigo, como principal fonte de pesquisa, devido à originalidade desses registros, resultantes do contato direto com o sítio, que permanecem acessíveis, colocando o sítio de Vila Velha em situação privilegiada para estudos históricos. Ressalta-se que, ao contrário das fontes escritas, a imagem permite uma maior flexibilidade de interpretações, devido a sua estrutura que não é indicada com princípio, meio e fim, mas seu conteúdo está embutido nas decodificações da realidade expresso de forma passiva, o que tornou interessante investigar, com mais profundidade, esse legado iconográfico que venceu o tempo. O levantamento desse material iconográfico foi iniciado pela pesquisa em livros, os quais contêm as imagens dos primeiros povoamentos brasileiros, como o Mapa: imagem da formação territorial brasileira, editado por Isa Adonias (1993) e Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial, de Nestor Goulart Reis (2000). Tendo rastreado o material iconográfico nessas fontes, e levantado outras referências de fontes escritas, realizou-se pesquisa em arquivos nas nacionais e internacionais em busca das edições fac-símiles ou originais desses registros, como a obra de Gaspar Barléus, História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil; O livro dá razão ao estado do Brasil, de Diogo de Campos Moreno e contendo mapas elaborados por João Teixeira Albernaz, e o Atlas de Johannes Vingboons 3. Foi identificado o número de 16 mapas, uma vista quinhentista e 4 seiscentistas que retratam a Ilha de Itamaracá e a Vila da Conceição mais especificamente. E a freqüência com que a Vila foi referenciada nesses antigos registros denuncia sua condição enquanto importante núcleo habitado do século XVII. Grande parte dos registros escritos indica que já no início do século XVII, a antiga Vila contava com edifícios importantes e indicadores da situação de prosperidade, contendo mais de cem prédios; duas igrejas, a matriz de N. S. da Conceição e a N. S. do 2 Mestrado desenvolvido no Programa de Pos-Graduação ## em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas, intitulado Vila velha de Itamaracá (PE): viagens, percursos e memórias, desenvolvido sob a orientação da historiadora Maria Helena Flexor(UFBA) e co-orientação da arquiteta Maria Ang élica da Silva (UFAL). 3 Infelizmente, não foi possível analisar no original parte dos mapas holandeses levantados, pois, a maioria desse material iconográfico, que retrata a Vila de N. Sra. da Conceição no século XVII, faz parte do conjunto de mapas do Manuscrito de Algemeen Rijksarchief do Arquivo Geral do Reino, em Haia, na Holanda. Mas, parte do conjunto de imagens analisadas nessa dissertação pode ser analisado nas fontes digitalizadas, do Arquivo Ultramarino, disponibilizadas pelo Grupo de Arquitetura da Cidade/Estudos da Paisagem-UFAL, coordenado pela Profa. Dra. Maria Angélica da Silva e a especialista em Ciências Políticas Barbara Consolini, pesquisadora do Museu de Amsterdam e do Programa Cultural Alagoas-Holanda que rastrearam e organizaram todo esse valioso material. 3

Rosário, a dos homens pretos; o hospital da Santa Casa de Misericórdia com a respectiva capela e as casas de residência do capitão-mor; da câmara e cadeia e almoxarifado (COSTA, 1985). Da mesma maneira, a análise do conjunto iconográfico do território da Ilha de Itamaracá e da Vila da Conceição, especificamente, mostra que muitos elementos edificados foram repetidamente representados, dando pistas para a identificação dessas memórias e de suas permanências, a exemplo das ruínas da Casa de Câmara e Cadeia, do fosso da Vila quando ainda era fortificada e de sua muralha quinhentista e, ainda, das ruínas da Igreja de N. Sra. dos Homens Pretos e da Capela da Misericórdia construções instaladas apenas em regiões consideradas importantes no contexto dos séculos XVI e XVII - que foram resgatados e evidenciados a partir de trabalhos de escavação, desenvolvidos pela FUNDARPE e coordenados pelo arqueólogo Ulisses Pernambucano, em 1985, por ocasião do processo de tombamento de Vila Velha. Ainda na perspectiva da identificação das marcas edificadas, a conformação urbana desse sitio ainda sugere o desenho de seu traçado primitivo, apresentando dois direcionamentos principais que partem da igreja matriz: um ligando-a às ruínas da Capela da Misericórdia e outro, às ruínas da Igreja do Rosário. Observou-se, também, a presença e a força dos elementos naturais de Vila Velha, presentes desde o século XVII. Alguns caminhos que aparecem nos mapas e vistas antigas apresentam desenho e direção semelhantes a algumas trilhas que cortam a Vila hoje, a exemplo daquela que liga a Vila às margens do Canal de Santa Cruz e ao Forte Orange. Ainda nessa perspectiva, notou-se que o relevo constituiu, e ainda constitui, um elemento muito importante para a percepção desse sitio. Além de enfatizar a situação elevada da Vila, indicando a localização dos edifícios que a conformam, mostra a localização destes em relação ao Forte. O próprio relevo é trabalhado nas imagens antigas com nuances de cor e vegetação variadas, ressaltando a aparência desse sitio como um conjunto natural diversificado e exuberante. Além de ter permitido a conservação das funções defensivas em diferentes momentos, o relevo era considerado como um elemento valorizador da paisagem. Em conjunto com as massas de água o mar e o canal de Santa Cruz; a Vila foi desenhada ao gosto das distintas épocas. Coqueirais, vestígios de mata atlântica, variações de alturas do sítio, rios e mar são elementos naturais bem presentes na Vila hoje que também foram indicados ora de maneira enfática, ora de forma mais sutil, nas representações da velha Vila. Além das antigas referências, como as trilhas, forte, ruínas de construções seiscentistas e dificuldade de acesso, a ausência de determinados equipamentos urbanos atuais também transforma este sitio num núcleo curioso - um sitio perdido no tempo e no espaço. Uma comparação entre fotos de 1985 e atuais mostra que houve inclusão de vegetação e mudanças formais das construções. Entretanto, após vinte e cinco anos, a composição dos elementos naturais e construídos ainda se mantém. Por exemplo, as casas continuam com altura de um pavimento, apresentando poucas ampliações e mudanças de desenho e partido de planta, mesmo possuindo outros materiais construtivos e revestimentos. Da mesma maneira, a massa edificada também continua a afirmar sua característica singela em meio à abundância vegetal, como já era referenciada nas imagens seiscentistas. Portanto, a análise do antigo legado iconográfico deu margem para o entendimento de Vila Velha, enquanto sítio que contém um expressivo acervo arquitetônico e urbanístico dos séculos XVI e XVII, sugerindo um caráter de imutabilidade. Isto não quer dizer que a vida urbana tenha estacionado, mas que a produção de muitas de suas marcas edificadas significativas foram realizadas naquele momento e se mantiveram. Essa resistência à mudanças de sua espacialidade, assim como o reconhecimento de permanências seiscentistas, indicam a significativa representatividade histórica de Vila Velha. Mesmo com sua atual condição de fragilidade, nota-se que, naturalmente, os fragmentos de sua memória na longa duração insistem em integrar seu sítio urbano, resistindo às adaptações das novas necessidades locais realizadas aleatoriamente, como a caixa d água 4

construída sobre as ruínas da antiga Casa de Câmara e Cadeia e do jardim cuidadosamente plantado na área do antigo adro da igreja matriz de bases quinhentistas. Além do reconhecimento de suas permanências, notou-se que as necessidades locais, traduzidas pela inclusão de elementos naturais e edificados, pouco interferiram no seu antigo cenário urbano, apresentando certas semelhanças com suas vistas seiscentistas. Portanto, as memórias de Vila Velha se respaldam em bases físicas concretas e têm suas especificidades a serem preservadas. Em outras palavras, essas permanências estão expressas no sítio que, por sua vez, se vive destas mesmas memórias. Entendendo que a materialidade do cenário físico de um lugar revela e carrega os eventos que se desenrolaram para a sua construção, como um palimpsesto, esta interpretação da dinâmica do sítio urbano conduziu ao seu entendimento, enquanto um mosaico da história humana dotado de coexistências, possibilitando o reconhecimento da riqueza de significados embutida nas marcas naturais e edificadas seiscentistas que configuram o núcleo antigo de Vila Velha. Considerando sua capacidade de contribuir para entendimento da espacialidade desse sítio, que se firmaram através dos tempos, atenta-se para a importância da preservação desse conjunto de fragmentos antigos, especialmente, tendo em vista as pressões do impulso do Turismo sobre essa região. A interpretação do embate entre as temporalidades o material iconográfico seiscentista e a configuração atual da velha Vila - mostrou aspectos que normalmente são ignorados, mas que podem ser cultivados na perspectiva de sua valorização relacionada à ampliação da experiência turística e, especialmente, como referência dos próprios habitantes de Vila Velha. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ADONIAS, I. (Ed./Org.). Mapa: imagem da formação territorial brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Emílio Odebrecht, 1993. ANDRADE, M. C. de. Itamaracá, uma capitania frustrada. Recife: FIDEM/CEHM, 1999. (Coleção Tempo Municipal, 20). BARLÉUS, G. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. BELLUZZO, A. M. de M. O Brasil dos viajantes. São Paulo: Metalivros, 1995. 3v CARITA, H. Lisboa manuelina e a formação de modelos urbanísticos da época moderna, 1495-1521. Lisboa: Horizonte,1999. CORTESÃO, J. História do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1971. COSGROVE, Denis. (org). Mappings. London: Reaktion Books, 1999. COSTA, F. A. Pereira de. Anais pernambucanos. 2ed. Recife: FUNDARPE, 1985. (Coleção Pernambucana, 2ª fase, 7,8). DUBY, G. O historiador, hoje. In: LE GOFF, J. (Org.). História e nova história. Lisboa: Editorial Teorema, 1986. p. 7-20. FUNDARPE. Processo de tombamento da Vila de Nossa Senhora da Conceição, Itamaracá, número 004748, 1994. HERKENHOFF, P. (Org.) O Brasil e os Holandeses, 1630-1654. Rio de Janeiro: Sextante Artes, 1999. HOLANDA, Sérgio Buarque de. A visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. 3ed, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977. v. 1. MELO, A. J. G. de. Fontes para a história do Brasil holandês. Recife: Parque Histórico Nacional do Guararapes, 1981..Tempo dos flamengos. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/ Massangana, 1987. MORENO, Diogo de Campos. Livro que dá razão ao estado do Brasil 1612. Recife: Arquivo Público Estadual, 5

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