Comentários sobre. dissolução do complexo de Édipo. (Volume XIX das Obras Completas ano de publicação: 1924)



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Transcrição:

A dissolução do complexo de Édipo Comentários sobre A dissolução do complexo de Édipo (Volume XIX das Obras Completas ano de publicação: 1924) Em extensão sempre crescente, o complexo de Édipo revela sua importância como o fenômeno central do período sexual da primeira infância. Preâmbulo (recapitulação) As vivências infantís durante os dois primeiros anos de vida (fases oral e anal), cedem sua importância à fase fálica, que Freud conceituara no ano anterior (1923), mediante o artigo A organização genital infantil, que ele propõe acrescentar ao livro Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Tais vivências, que vinculam a criança e os adultos que desejaram o bebê (fase oral) e posteriormente o educam (fase anal), adultos perante quem a criança estaria na posição de objeto [1], se modificam a partir do momento em que, ao adquirir linguagem, ela passa a fantasiar (desejar). A fase fálica representa esse momento, a passagem da posição de objeto de desejo à posição de sujeito absoluto. Sujeito absoluto: sujeito que ainda não dirige o não a seu próprio desejo de ter com exclusividade o amor dos seus desejantes. Ou seja, posição de sujeito em que ainda não se reconhece o desejo do outro. (A instauração do superego representa precisamente o reconhecimento do desejo do outro). Neste texto, Freud se avém com a questão de entender como a criança passa da posição de sujeito absoluto à posição de sujeito desejante, processo que ele chama de dissolução do complexo de Édipo. Fixação e regressão são conceitos que se referem à posição de objeto. Apontam para experiências pelas quais a criança teria passado (ou, pelo contrário, cuja vivência lhe faltaria), experiências que teriam sido determinadas pela sua vivência familiar. A fase fálica significa o reconhecimento do próprio desejo, ou seja, da identidade. Na fase fálica acontecem as fantasias originárias e teorias sexuais infantís, decorrentes da aquisição da linguagem que, como já vimos, indica o início do complexo de Édipo. É à própria identificação que deveria ser atribuída a possibilidade da criança passar da posição de sujeito absoluto, que coincide com o início do complexo de Édipo, para a posição de sujeito desejante (internalização da regra, nãoauto-dirigido, construção do superego, reconhecimento do desejo do outro). Em termos estritamente linguísticos, a posição de sujeito desejante acontece quando a criança consegue dizer não para seu desejo de exclusividade amorosa em relação às

figuras parentais (pais biológicos ou substitutos). Desejo esse de exclusividade amorosa que constitui o aspecto mais facilmente observável do complexo de Édipo. [2] Ao contrário do que a teoria da sedução [a criança como vítima de um abuso sexual] afirmava, na teoria que a substitui, a do complexo de Édipo, é ela, criança, que procura seduzir o adulto (não no sentido sexual do termo, mas em termos de obter a exclusividade ou a preferência afetiva). Comentários sobre o texto No início do texto, Freud atribui o fim do Édipo a acontecimentos (nascimento de outro bebê, castigos, ou seja, limites impostos à criança) ou analogias com processos biológicos ( tal como os dentes de leite caem ). O que ele designa como fator ontogenético corresponde à história de vida de cada um, ou seja, à situação específica relacionada às vivências da criança em um ambiente familiar ou institucional. Ainda assim, Freud adota uma perspectiva genérica e postula fatos universais (a decepção da criança diante da impossibilidade tentativa de substituir o pai junto à mãe e vice-versa, seguida da renúncia a ter a exclusividade do afeto dos pais). O fator designado como filogenético corresponderia a um suposto componente biológico que através da maturação (coordenação motora, desenvolvimento intelectual), faria com que a criança abandonasse o interesse pelo afeto dos adultos e começasse a interessar-se cada vez mais pelos seus pares, ou seja, as outras crianças, bem como por atividades lúdicas e pela aprendizagem, deixando os adultos (seus pais ou substitutos) em segundo plano. Observa-se aqui os efeitos da aceitação da falta, que abre o terreno para o prazer na ação, ou seja, criatividade (sublimação). Com referência a essa questão, Freud menciona a hereditariedade: ( Embora a maioria dos seres humanos passe pelo complexo de Édipo como uma experiência individual, ele constitui um fenômeno que é determinado e estabelecido pela hereditariedade e que está fadado a findar de acordo com o programa, ao instalar-se a fase seguinte preordenada de desenvolvimento ). Por não ter conseguido elaborar plenamente o conceito de identificação, Freud recorre à genética ( hereditariedade ). Não obstante, ele considera que vale a pena investigar o que chama de aspecto ontogenético. (Ou seja, mesmo que as decepções inevitáveis e a programação genética supostamente permitam dar a questão por resolvida, é importante ainda assim entender como o complexo de Édipo seria dissolvido, na prática, por cada criança. Por cada criança, entenda-se: pela criança de cada sexo, já que nesse momento Freud postula a diferença dos Édipos feminino e masculino).

Diferentemente da primeira versão do Complexo de Édipo, a partir da conceituação da fase fálica (que ocorre no artigo A organização genital infantil, de 1923), Freud desenvolverá a hipótese de que há dois Édipos: o masculino e o feminino. Ao aprofundar a discussão sobre o tema, Freud menciona a identificação responsável pelo surgimento do superego (pg. 221) como fator determinante da dissolução. O ensaio O Ego e o Id, no qual surge o conceito superego,fôra escrito no ano anterior, assim como A organização genital infantil (1923), que propõe a existência da fase fálica. Os conceitos fase fálica e superego conduzem Freud a alterar a primeira versão do complexo de Édipo. No presente texto, Freud apresenta a dissolução do Édipo como necessária e sua persistência como patológica. (Essa concepção mudará, a partir da admissão que o Édipo é muito mais do que a relação da criança com os pais. O complexo de Édipo perdurará durante toda a vida, enquanto marca da relação com a falta). Nesse ponto entra em cena a noção de fantasia de castração. Esse conceito passa a primeiro plano, e os outros determinantes anteriormente mencionados, como os eventuais castigos e o nascimento de outros bebês (fatores ambientais), além da hereditariedade ( fenômeno que é determinado e estabelecido pela hereditariedade e que está fadado a findar de acordo com o programa, ao instalar-se a fase seguinte preordenada de desenvolvimento), são como que relegados a um papel secundário. O primeiro plano é agora ocupado pela teoria sexual infantil que atribui a posse de pênis tanto a homens como a mulheres, também conhecida como premissa da universalidade do falo. Essa premissão seria a base para entender a razão de ser da fantasia de castração. O texto, então, procura descrever as características da fase fálica. Nessa fase, diz Freud, a criança descobre a existência dos gêneros, que tenta negar, atribuindo o orgão sexual masculino a ambos. Entre a fase fálica e a organização genital adulta interpõe-se a fase de latência. Nas fases oral e anal não há diferença entre menina e menino, mas a fase fálica não seria a mesma para ambos. Ao propor a questão dessa forma, Freud pressupõe que haveria características intrínsecas ao feminino e ao masculino, algo que separaria os gêneros e categorizaria diferencialmente as emoções predominantes na menina e no menino, bem como a estrutura desejante de cada um. Para Freud, a criança (tanto menina como menino) evita até onde lhe é possível reconhecer a diferença anatômica. A suposição, na fase fálica, é que tanto o homem como a mulher possuem pênis; posteriormente, não podendo mais negar a diferença anatômica, o homem seria considerado possuidor de algo que a mulher não tem.

Na descrição de Freud, a vagina seria ignorada pela criança de ambos os sexos e por isso ela entende o ter como masculino e o não ter como feminino. A mulher passaria a ser considerada pela criança como castrada, ou seja, alguém que não tem algo valioso (o pênis, enquanto metáfora de poder ). O masculino aparece como superior (ter) e o feminino como inferior (não ter). Em contrapartida, o feminino se afigura como fonte de amor incondicional, tornando-se a representação por excelência do objeto de desejo. As consequências desse estado de coisas fariam com que a menina e o menino desenvolvessem traços de caráter, visões de mundo e principalmente auto-imagens diferentes. Segundo o texto, as fantasias da criança, atribuindo ao falo (representação imaginária do pênis), a representação do poder, faria com que o feminino fosse tão desvalorizado em relação à posição de sujeito como valorizado enquanto posição de objeto. De acordo com conceitos já abordados, tudo se passa como se o feminino, na fase fálica, fosse metáfora da posição de objeto (na qual a criança estava situada antes da aquisição da linguagem) e o masculino fosse metáfora da posição de sujeito. A razão para essa suposição é que o amor materno seria o principal alvo do desejo da criança, que vê a figura paterna como alvo do amor da mãe. O pai passa então a ser o modelo inicial para as crianças de ambos os sexos, já que ao pênis (falo) seria atribuído o privilégio da posse do amor materno. O texto supõe que, na medida em que a criança diferencia os gêneros dessa forma (poder/não poder), ela se vê similarmente, conforme fôr menina ou menino. Como o menino abandonaria o Édipo? Ou, dito de outra forma, como ele renunciaria a seu desejo de exclusividade amorosa em relação à figura feminina adulta, geralmente a própria mãe? Freud menciona o complexo de castração. Os adultos proibiriam as manifestações de interesse pelo pênis (manipulações), mediante ameaças. Essas manipulações seriam o sinal observável da atitude do menino de competir com o pai (com quem ter-se-ia identificado), pelo amor da mãe. [3] (Assinalemos, entretanto, que as críticas a esse comportamento não são tão importantes como o próprio processo identificatório. A criança tenta impor sua vontade aos adultos, lutando contra os limites impostos, a educação, as regras, e não apenas no que se refere à desaprovação dos adultos em relação à manipulação do pênis e/ou à curiosidade sexual). (Mas, finalmente ela tende a acatar as normas, em consequência de sua identificação com as expectativas inconscientes predominantes dos adultos. Isso, por sua vez, dependerá do lugar que os adultos conferem à criança em suas expectativas inconscientes).

Primeiramente, porém, Freud descreve a aceitação das restrições, pelo menino, como consequência da ameaça de castração. O menino desejaria preservar esse órgão tão valioso, que teme possa perder. (Na fantasia infantil, e segundo a hipótese de Freud, pênis/falo = posição de sujeito). Freud ainda se refere, procurando explicar a eficácia da ameaça de castração, que a criança já passou por perdas importantes: o desmame e a educação esfincteriana, esta última representando também uma perda, a separação face aos produtos do seu corpo (fezes e urina). (Antes disso, a criança interessava-se também por dejetos). Mas o fator principal que explica a crença do menino na ameaça de castração seria constituído pela constatação de que as mulheres não têm pênis, ou seja, a visão dos órgãos genitais femininos. (Já comentamos que tal percepção, enquanto denotativa da diferença entre os sexos, depende de que a criança ingresse na linguagem. Mesmo assim, durante certo tempo, ela tenta negar a diferença. A lógica dessa negação repousa na tentativa de permanecer na posição de objeto único do amor dos adultos. A diferença entre os sexos significa, para a criança, a existência da relação entre adultos. Mas também nesse caso a diferença anatômica seria apenas uma metáfora; a criança perceberia a diferença de qualquer maneira. Por exemplo, no caso de um casal homosexual que a houvesse adotado, a percepção do desejo entre adultos aconteceria igualamente, sem depender da diferença anatômica. Ou seja, basta que a criança perceba o desejo recíproco, a importancia que cada adulto tem para o outro, para que se perceba como terceira. E a aquisição da linguagem tem por implicação a descoberta do desejo, tanto o próprio como o do outro, neste último caso, através do superego). O menino, prossegue Freud, que até então poderia ter assumido uma postura ativa ou passiva, em seu complexo de Édipo, enquanto acreditara que as mulheres possuíssem pênis, ao constatar a existência da castração feminina, põe fim às duas maneiras possíveis de obter satisfação do complexo de Édipo, de vez que ambas acarretavam a perda de seu pênis a masculina como punição resultante e a feminina como precondição. Ou seja, a ameaça de castração, em Freud, funcionaria inevitavelmente, o que ele explica pelo interesse narcísico dedicado ao pênis (metáfora da posição de sujeito). A explicação de Freud, portanto, é que o interesse narcísico pelo pênis obriga o menino a abandonar os dois possíveis objetos de seu complexo de Édipo, mãe e pai. Aqui sim Freud menciona a identificação e o superego: As catexias [4] de objeto são abandonadas e substituídas por identificações. A autoridade do pai ou dos pais é introjetada no ego e aí forma o núcleo do superego, que assume a severidade do pai e perpetua a proibição deste contra o incesto, defendendo assim o ego do retorno da catexia libidinal.) (Notemos, portanto, que Freud coloca em primeiro lugar a ameaça de castração e em segundo a identificação. Entretanto a primeira [ou, de maneira mais geral, qualquer processo educativo, colocação de limites] só funcionará em consequência da segunda. E a segunda só ocorrerá em virtude do lugar dado à criança nas expectativas

inconscientes. Por interesse narcísico caberia entender: valorização da posição de sujeito desejante, mais próxima da posição do adulto). Freud entende que, mais do que recalque, (já que o reprimido pode retornar), trata-se de uma destruição e abolição do complexo. (Mas essa hipótese (posição) teórica a destruição e abolição do complexo não será mantida. Freud perceberá mais tarde que os sentimentos inaugurados na fase fálica (situação edipiana) permanecem no ser humano, ainda que eventualmente atenuados, modificados e sobretudo deslocados para outros objetos, extrafamiliares ). Como descrever o mesmo o processo nas meninas, já que nesse caso o complexo de castração (se for entendido literalamente) não poderia manifestar-se da mesma forma que no menino? [5] A frase A anatomia é o destino [6] mostra que Freud recorrerá novamente à biologia. A menina consideraria de início o clitóris como equivalente ao pênis, até que, mediante uma comparação, ela constataria sua desvantagem. Por algum tempo ela imaginaria que seu clítoris se tornará um pênis e supõe que as mulheres adultas têm pênis. Finalmente, aceita não tê-lo. Desse estado de coisas, escreve Freud, decorre que o complexo de Édipo feminino seria bem mais simples. raramente ele vai além de assumir o lugar da mãe e adotar uma atitude feminina para com o pai. Sendo o pai proibido para a menina, ela, após a puberdade, desejará outro homem. Os filhos, para a mulher, seriam substitutos do pênis cuja posse a menina teria desejado. É preciso assinalar que na última frase do antepenúltimo parágrafo do texto Freud reconhece que contudo, nossa compreensão interna (insight) desses processos é insatisfatória, incompleta e vaga. (De acordo. A teorização aponta para vários pontos extremamente importantes em relação à construção da posição desejante, mas não faz jus à complexidade da questão. Efetivamente, a argumentação de Freud neste texto não contempla as possibilidades da homosexualidade feminina, nem do conflito com a sexualidade (neurose), para não falar da psicose ou das formas não convencionais (ditas perversas) da sexualidade. A sexualidade, tanto masculina como feminina, obviamente não se manifesta apenas através da heterosexualidade, e as várias outras possibilidades são igualmente comuns em homens e mulheres. A idéia de um complexo de Édipo (construção da posição desejante) que seria mais simples em um sexo do que em outro parece longe de corresponder à experiência. Mais contraditória ainda seria a suposição de uma inferioridade genital feminina ).

[1] Ou nem-sequer-objeto (indiferenciação), até os 6 meses aproximadamente (antes do estádio do espelho, conceito desenvolvido por Jacques Lacan, e que será estudado no quarto semestre do curso). A identificação à imagem do espelho não é inevitável. A criança pode permanecer indiferenciada, o que resultará no quadro conhecido como autismo. [2] E que o senso comum entende como o próprio complexo de Édipo, do qual é, porém, apenas uma manifestação (metafórica). [3] Lembremos que esse conceito de identificação ( identificar-se a alguém ) foi substituído pelo conceito: identificação a expectativas inconscientes. [4] Palavra de origem grega que significa investimento, ou seja, interesse afetivo dirigido para tal ou qual representação (pessoa, situação, atividade, objeto, etc.). [5] Percebemos então que para Freud a ameaça de castração é real (corte do pênis), e não metafórica (separação em relação às figuras desejantes). De fato, Freud não conseguiu interpretar a fantasia de castração, que entendeu ao pé da letra. [6] Paródia de uma frase atribuída a Napoleão, que ao reconhecer a importância da topografia nas batalhas, teria dito: A geografia é o destino. www.franklingoldgrub.com