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Este projeto contou com grant educacional sem restrição da Bristol-Myers Squibb

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Índice Prefácio...5 HIV/Aids: Alterações Metabólicas e Vasculares...6 Alterações Metabólicas e Vasculares Associadas ao HIV...7 Alterações Cardiovasculares e Metabólicas Associadas aos Anti-retrovirais... 10 1 - Alterações no Metabolismo da Glicose... 11 2 - Alteração no Metabolismo... dos Lipídeos... 13 3 - Terapia Anti-retroviral Altamente... Ativa (HAART) e Doença Coronariana... 17 4 - Terapia Anti-retroviral Altamente Ativa (HAART) e Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS)... 19 5 - Lipodistrofia como Síndrome Metabólica... 19 Síndrome Metabólica... 22 Síndrome Metabólica: Intervenção e Cuidados Assistencias... 30 Anexo 1 - Lípides: metabolismo e dislipidemias... 40 Participaram da elaboração: Adauto Castelo, Caio Rosenthal, João Silva de Mendonça e Roberta Schiavon Nogueira, sob a coordenação de Juvencio José Duailibe Furtado e Vera Maria Coutinho de Moraes e com a colaboração de Raul Dias Santos Filho. Todo o projeto de reciclagem/educação continuada contou com um grant educacional sem restrição (Bristol-Myers Squibb). 3

Autores: Adauto Castelo Filho Caio Rosenthal João Silva de Mendonça Roberta Schiavon Nogueira Colaborador: Raul Dias dos Santos Filho Coordenação: Juvencio José Duailibe Furtado Vera Maria Coutinho de Moraes 4

Prefácio A epidemia da Aids que remonta dos anos oitenta, quando os primeiros casos em 1981 foram divulgados, passou por diversos momentos nestas últimas décadas. Nos primeiros anos, mais precisamente a partir de 1987, as novas drogas empregadas em monoterapia, ou mesmo em terapia dupla, não produziram os efeitos necessários para a sobrevida dos que as utilizavam. A partir de 1996, com o advento da terapia anti-retroviral de alta potência (HAART highly active antiretroviral therapy), a sobrevida das pessoas vivendo com HIV/Aids sofreu uma expansão significativa e hoje a morbi-mortalidade desta patologia tornou-se pequena naqueles que aderiram ao tratamento. Apesar dos benefícios substâncias da HAART ultrapassarem de longe os seu potenciais riscos, é fato que os tratamentos prolongados podem trazer como conseqüência uma série de transtornos relacionados a adesão e a toxicidade. Dentre os efeitos adversos da HAART e do próprio HIV, merece especial atenção as alterações metabólicas e cardiovasculares. A lipodistrofia, as dislipidemias, o diabetes mellitus tipo 2, e a resistência insulínica são algumas das alterações que o infectologista deve estar preparado para reconhecer e tratar. A Sociedade Brasileira de Infectologia atenta a necessidade da educação médica continuada, elaborou este manual prático sobre as alterações metabólicas e cardiovasculares, com o objetivo de fornecer um instrumento de capacitação e atualização para especialistas e clínicos que atuam nesta área. Visa ainda promover a melhoria da tolerabilidade e da eficácia dos tratamentos e ajudar no reconhecimento precoce dos efeitos adversos, reduzindo assim os riscos medicamentosos. Juntamente com este material serão promovidos em oito cidades brasileiras, fóruns de atualização neste tema, com uma estimativa de participação de cerca de 500 profissionais. 5

HIV/Aids: Alterações Metabólicas e Vasculares Patogênese e cuidados assistenciais Introdução Após a aquisição da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) haverá como regra, um relativamente longo período contado em anos, no qual o indivíduo infectado permanecerá assintomático; neste intervalo, a deficiência imunológica (substancialmente a redução dos linfócitos CD4) ocorrerá progressivamente até que, na história natural, a sintomatologia comece a se fazer presente e, ao final, eventos oportunistas definidores de Aids venham a acontecer. A partir de 1996, com a introdução da terapia anti-retroviral de elevada potência, denominada de HAART - Highly Active Antiretroviral Therapy, o curso desta história natural passou a ser favoravelmente modificado para os pacientes que tenham excelente adesão aos medicamentos. Assim, na era dita pós- HAART, passou-se a interpretar a infecção pelo HIV/Aids como sendo uma situação crônica e controlável para expressiva parcela dos indivíduos acometidos. No entanto, novos agravos à saúde destes pacientes vêm sendo cada vez mais reconhecidos, sendo os mais destacados aqueles correlacionados com as alterações metabólicas dos lípides e da glicose (e suas eventuais conexões com as alterações morfológicas de lipodistrofia) e, também não sem expressivo vínculo, os riscos cardiovasculares. Se na era pré-haart a principal preocupação assistencial estava voltada para a sobrevivência dos pacientes, resultando em algum prolongamento da sobrevida; já na era pós-haart e na medida em que os anos passam, estamos evoluindo agora para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e, também, reduzir os riscos que possam ser contornados, ou mesmo evitados. É neste contexto que se decidiu pela realização de material de reciclagem/ educação continuada contemplando as complicações metabólicas (lipídicas e glicídicas) e sua conexão com o risco vascular. 6

Alterações Metabólicas e Vasculares Associadas ao HIV Na era dita pós-haart a interpretação válida para expressiva parcela dos pacientes sob TARV é a da infecção pelo HIV/Aids como sendo uma situação crônica e controlável. No entanto, novos agravos à saúde destes pacientes vêm sendo cada vez mais reconhecidos, sendo os mais destacados aqueles correlacionados com as alterações metabólicas dos lípides e da glicose - e suas eventuais conexões com as alterações morfológicas de lipodistrofia - e, também, não sem expressivo vínculo, os riscos cardiovasculares. Desde precocemente vêm sendo feitas correlações dos medicamentos anti-retrovirais com os distúrbios morfológicos (lipodistrofia), metabólicos (lipídicos e glicídicos) e, posteriormente, com os agravos cardiovasculares, ou seja, a HAART parece desempenhar, com variável participação na dependência dos antiretrovirais em uso, um potencial agravo aos pacientes submetidos à mesma. Porém, a própria infecção pelo HIV/Aids também vem merecendo valorização quanto à sua participação nestes distúrbios metabólicos e riscos cardiovasculares. Modernamente, todo este contexto precisa e deve ser considerado, no intuito de prevenir, ou mesmo contornar ao máximo possível, tais situações que poderão opor-se aos benefícios obtidos com a HAART. Distúrbios metabólicos e vasculares mecanismos envolvidos Fisiopatologia complexa muitos fatores: 1 HIV: infecção subclínica crônica 2 fatores farmacológicos (HAART, etc.) níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6, TNF-alfa) 3 fatores genéticos, nutricionais, emocionais; disbalanço hormonal, estilo de vida (sedentarismo, tabagismo, etc), idade, etc. além de hipertrigliceridemia. Apesar dos níveis baixos de colesterol e de L-DL, tais alterações provavelmente contribuem para o acréscimo de risco vascular, cardio e cerebral, de tais pacientes. Como será apresentado em capítulos seguintes, a introdução de HAART efetiva poderá produzir alterações adicionais, então com a emergência de um perfil de lipoproteínas claramente pró-aterogênico. Nesta parte inicial a análise está voltada para o papel da própria infecção causada pelo HIV/Aids. A infecção causada pelo HIV/Aids evolui como uma situação progressiva relativamente lenta para, ao final, instalar-se a doença AIDS. Então, o reconhecimento de alterações lipídicas faz parte desta progressão, notadamente: hipocolesterolemia, com níveis rebaixados das lipoproteínas de baixa (L-DL) e alta (H-DL) densidade, 7

As evidências acumulam-se na direção de apontar que a própria infecção pelo HIV/Aids desempenha o principal papel nas taxas mais baixas do H-DL (Rose et al., Metabolism 2006; Carr & Ory, PLos Medicine, 2006). A patogênese de como a infecção pelo HIV/ Aids, em pacientes sem tratamento, afeta os níveis de H-DL ainda permanece não de todo esclarecida. Entretanto, sabe-se que várias fases da replicação do HIV/ Aids criticamente dependem do colesterol. Uma recente investigação (Mujawar et al., PLos Biology, 2006) aponta a proteína Nef do HIV/Aids (que potencializa a replicação do mesmo) como capaz de inibir a ABCA1 - ATP-Binding Cassette Transporter A1- responsável pelo transporte do colesterol na superfície celular e, assim, prejudicar o refluxo do colesterol dos macrófagos e a subseqüente "lipidação" do H-DL nascente (via sua principal apoliproteína apoa-i); desta forma, ocorreria retenção de colesterol útil para a replicação do HIV/Aids (o mecanismo seria assemelhado ao que ocorre na doença de Tangier, onde a mutação da ABCA1 proporciona baixos níveis de H- DL e acelerado processo de aterosclerose). Ter em conta que os macrófagos são os precursores das foam cells na placa aterosclerótica. Colesterol livre: FC = free cholesterol; Colesterol esterificado: CE = cholesterol ester ABC1 (ATP-binding cassette transporter 1); SR-B1 (sterol-regulatory-binding protein) Apo-AI = apolipoproteína AI; Apo-B = apolipoproteína B Neste contexto seria de se esperar que sob ação de HAART efetiva que não afetasse o metabolismo lipídico, as taxas de H-DL deveriam retornar aos níveis pré-infecção; e mais, que a baixa do H-DL guardasse certa proporcionalidade inversa com os níveis de carga viral do HIV/ Aids. No entanto, sob HAART, como será analisado posteriormente, é freqüente a manutenção de valores baixos de H-DL, indicando que o efeito do HIV/Aids sobre os níveis de H-DL é superior aos efeitos da HAART (Carr & Ory, PLoS Medicine, 2006). 8

Esquema da aterogênese em vaso arterial Na atualidade vem sendo cada vez mais considerada a condição denominada de síndrome metabólica, um conjunto de dados clínicos no qual estão incluídas alterações lipídicas (incluindo nível baixo de H-DL e elevado de triglicérides), ao lado de vários outros. A preocupação está no fato de que os, assim acometidos, apresentam risco aumentado de doença cardiovascular e de diabetes do tipo 2. Tal síndrome vem sendo cada vez mais reconhecida nos pacientes infectados pelo HIV/Aids e as investigações sugerem sua associação com o próprio vírus e com a terapia HAART (Jacobson et al., JAIDS 2006). Pela sua importância, terá destaque nas partes seguintes. Por outro lado, há menção que a proteína Tat do HIV/Aids (fator de transativação do mesmo), agindo extracelularmente sobre as células endoteliais vias receptores presentes na superfície das mesmas, poderia somar-se à complexa rede de interações que afetam as células endoteliais, podendo assim contribuir para os processos patológicos vasculares que ocorrem nos pacientes infectados pelo HIV/Aids (Angiogenesis, 2003). Definição de síndrome metabólica ATP III 2005 3 dos 5 critérios abaixo: Obesidade abdominal (cintura > 102 cm homens e 88 cm mulheres) Triglicérides 150 mg/dl HDL-C < 40 mg/dl nos homens e < 50 mg/dl nas mulheres, Pressão arterial 130/85 mmhg ou HAS em tratamento Glicemia 100 mg/dl ATP III 2005 :Valores menores para asiáticos e reconhece que indivíduos possam se beneficiar de modificação de estilo de vida se cintura > 94 cm e 80 cm Para homens e mulheres Grundy et al. Circulation 2005 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1- Carr A & Ory D: Does HIV cause cardiovascular disease? PLoS Medicine 5(11):1986-7, 2006. 2- Jacobson DL et al.: Incidence of metabolic syndrome in a cohort of HIV-infected adults and prevalence relative to the US population (National Health and Nutrition Examination Survey). JAIDS 43:458-66, 2006. 3- Lorenz MW et al.: Both long-term HIV infection and highly active antiretroviral therapy are independent risk factors for early carotid atherosclerosis. Atherosclerosis 2007. Epub ahead of print (doi: 10.1016/j.atherosclerosis.2006.12.022). 4- Mujawar Z et al.: Human immunodeficiency virus impairs reverse cholesterol transport from macrophages. PLoS Biology 4(11):1970-83, 2006. 5- Rose H et al.: HIV infection and high-density lipoprotein: the effect of the disease vs the effect of treatment. Metabolism 55(1):90-5, 2006. 9

Alterações Cardiovasculares e Metabólicas Associadas aos Anti-retrovirais A introdução da Terapia Anti-retroviral de Elevada Potência (HAART) tem modificado significantemente o curso da doença pelo Vírus da Imunodeficiência Humana Adquirida (HIV), prolongando a sobrevida e melhorando a qualidade de vida. Entretanto, regimes de HAART, especialmente os que incluem os Inibidores da Protease (IPs), foram relacionados, em uma proporção elevada de pacientes soropositivos para o HIV/Aids, ao desenvolvimento da lipoatrofia/distrofia e síndrome metabólica (dislipidemia, resistência à insulina associada ou não ao diabetes tipo 2 [DM2] e elevação da pressão arterial), fator este associado com um risco aumentado da doença cardiovascular (doença arterial coronariana e acidente vascular cerebral). Uma cuidadosa estratificação dos riscos cardiovasculares e a monitoração dos pacientes sob HAART fazem-se necessárias, segundo os guias clínicos mais recentes. Atualmente, 22 anti-retrovirais (ARV) estão licenciados pelo Food and Drug Administration (FDA), e divididos em três classes: Nucleosídeos Análogos Nucleosídeos/Nucleotídeo Abacavir, Didanosine, Emtricitabine, Lamivudine,Estavudina, Zalcitabina, Zidovudine, Tenofovir Nucleosídeos Não-Análogos Delavirdine, Efavirenz, Nevirapine Inibidores de Protease Amprenavir, Atazanavir, Fosamprenavir, Indinavir, Lopinavir/ Ritonavir, Nelfinavir, Ritonavir, Saquinavir, Tipranavir e Darunavir Inibidor de Fusão Enfuvirtide Efeitos adversos ocorrem com relação direta e/ ou indireta à classe da droga, bem como maiores eventos decorrentes de droga específica na mesma classe. Efeitos adversos com relação direta e/ou indireta à classe da droga. Tabela 01 NRTI NNRTI PIs Acidose Lática + - - Alteração Lipídica Elevação Triglicérides - (+) ++ Elevação LDL-c - (+) + Resistência à Insulina (+) - ++ Redistribuição de Gordura Perda de Gordura + - + Acúmulo de Gordura - - ++ 10

1 - Alterações no Metabolismo da Glicose A resistência à insulina (RI) é comum em pessoas soropositivas para o HIV/Aids, particularmente entre os que recebem inibidores de protease (IP) e mais prevalente entre aqueles com lipoatrofia ou com acúmulo de gordura na região visceral. A prevalência de hiperglicemia e Diabetes Mellitus é significativamente mais elevada naqueles em uso de HAART, em comparação à população geral. Dados do Multicenter AIDS Cohort Study (MACS) (1) apontam risco quatro vezes maior de desenvolvimento de Diabetes Mellitus em homens soropositivos para o HIV/Aids, em relação aos soronegativos, ajustados por idade e massa corpórea. A hiperglicemia é um fator de risco importante para o desenvolvimento de patologias secundárias, incluindo a doença cardiovascular. Fatores comuns contribuem para o desenvolvimento de Resistência à Insulina (RI), incluindo fatores genéticos, sedentarismo, excesso de peso e, em pessoas soropositivas para o HIV/Aids, soma-se o próprio processo inflamatório causado pelo vírus, o efeito direto da terapia antiretroviral (TARV), principalmente os IPs e as conseqüências do tratamento, como a lipodistrofia, além da co-infecção HIV/HCV. O mecanismo de RI é mediado por três órgãos principais: fígado, músculo esquelético e tecido adiposo. Há evidências dos efeitos dos ARVs, principalmente os IPs, nas células hepáticas, tecidos muscular e adiposo e na função das células beta pancreáticas. 1.2- Resistência à Insulina (RI) e Inibidores da Transcriptase Reversa Análogos Nucleosídeos/Nucleotídeos (ITRN) e Não-Análogos (ITRNN) A hiperinsulinemia pode ocorrer em pessoas com HIV/Aids mesmo na ausência de IPs. Os ITRNs podem contribuir indiretamente para a RI por alterações na distribuição de gordura. A estavudina altera a lipólise, resultando em aumento dos ácidos graxos livres e redução na sensibilidade à insulina. Os ITRNN parecem não aumentar o risco de RI e há dados que evidenciam a melhora da sensibilidade à insulina após troca de IP para ITRNN, principalmente com a nevirapina (2). 1.3- Resistência à Insulina (RI) e Inibidores da Protease (IPs) Os IPs estão associados ao desenvolvimento de dislipidemia e de RI. O uso de IPs causa alterações lipídicas e no metabolismo da glicose mesmo em indivíduos soronegativos para o HIV/Aids (3,4). Ambos, indinavir e lopinavir/ritonavir causaram RI em homens soronegativos. Inicialmente, todos os IPs foram implicados no desenvolvimento da RI, considerando-se efeito direto da classe. Entretanto, estudos com Nelfinavir (ACTG 384) e Atazanavir (ATV) (11 th CROI, 2004, Abstr 702) não evidenciaram tais alterações (5). Os regimes contendo IP alteram o metabolismo da glicose por dois mecanismos distintos: efeito direto da droga e resultado em longo prazo da terapia, particularmente a lipodistrofia. Os IPs atuam diretamente na indução de resistência periférica à insulina 11

no músculo esquelético e no tecido adiposo, causando deterioração na habilidade das células Beta em compensar estas alterações. Os IPs podem agir diretamente no GLUT-4, prejudicando a homeostase da glicose. Há vários estudos in vitro, que evidenciam a inibição do GLUT-4 nos adipócitos e miocitos pelos diferentes IPs (6, 7, 8). Indinavir Redução na sensibilidade à insulina e metabolismo da glicose. Nelfinavir Existência de estudos conflitantes que evidenciam contribuição do NFV para a IR e outros sem alterações (8). Lopinavir/ Eventos adversos referentes aos distúrbios Ritonavir lipídicos são bem claros. Porém, conflitantes quanto aos distúrbios glicêmicos. Lee GA, et al. mostraram nenhum ou pouco efeito na IR, em contraponto, Noor M, et al., evidenciaram significante alteração no metabolismo da glicose e da IR (4,5). Amprenavir e Pouco efeito na IR e tolerância à glicose. Fosamprenavir Atazanavir Perfil metabólico mais favorável entre os IPs atualmente disponíveis. Parte pode ser explicada pela ausência relativa de efeito do ATV no ciclo da enzima GLUT-4 (5,9). Não há, ainda, dados em humanos suficientes avaliando o efeito do Ritonavir (RTV) isoladamente, saquinavir, tipranavir ou darunavir na RI. Screening para Distúrbios Glicêmicos em HIV+ Glicemia de Jejum 126 mg/dl em 2 ocasiões DM Valores entre 100 a 125mg/dl Alteração na glicemia de jejum Teste de tolerância oral à glicose (especialmente em pacientes com alterações morfológicas - lipodistrofia e/ou lipoatrofia) 200 mg/dl após 120 min DM 140-199 após 120 min - intolerância a glicose Hemoglobina A1c Pouco Sensível Nível de insulina Ainda Controverso 1.4- Conclusão Os regimes de HAART contendo inibidor da protease prejudicam a tolerância à glicose em pacientes soropositivos para o HIV por dois mecanismos principais: 1) indução da resistência insulina periférica no músculo esquelético e no tecido adiposo; 2) redução na função da célula beta pancreática. Há diversas implicações clínicas destas hipóteses. Primeiramente, o uso destes regimes pode causar a deterioração do controle glicêmico nos pacientes com diabetes pré-existente. Em segundo, como estes regimes parecem induzir predominantemente à resistência à insulina no músculo esquelético e no tecido adiposo, os agentes antidiabéticos que exercem sua ação principal em tecidos periféricos, mais do que no fígado (por exemplo, tiazolidionas ou glitazonas) parecem vantajosos. Em terceiro lugar, como o processo da primeira fase de liberação da insulina parece estar mais prejudicado do que o da segunda fase, os secretagogos, tais como as glinidas ¾ que melhoram inicialmente a liberação de insulina da primeira fase ¾ podem ser preferíveis às sulfonilureas que afetam, aparentemente, somente a liberação na segunda fase. Como ainda não está clara a associação direta de RI e o risco cardiovascular, não se faz mandatária a investigação de resistência à insulina a todos os pacientes soropositivos para o HIV, exceções aos pacientes com alto risco para doença cardiovascular e/ou diabetes (indivíduos > 40 anos, com história familiar de diabetes tipo 2, obesidade abdominal, HDL baixo e ou triglicérides elevados). Entretanto, o screening para desordens da glicose deve ser realizado em todos os pacientes soropositivos para o HIV/Aids, primeiramente com glicemia de jejum e, em casos de níveis glicêmicos entre 100 a 125 mg/dl, associar teste de tolerância oral(totg), principalmente nos portadores de lipodistrofia e/ou lipoatrofia. 12

2 - Alteração no Metabolismo dos Lipídeos Alterações no metabolismo dos lipídeos ocorrem em associação com o próprio HIV/Aids. Gráfico 01 Níveis de HDL-C, LDL-C e Colesterol total (CT) geralmente encontram-se reduzidos, enquanto que os níveis de triglicérides tendem a elevarem-se nos pacientes soropositivos para o HIV/Aids. Dados iniciais sugerem que os níveis de triglicérides encontram-se elevados devido ao aumento da produção das Lipoproteínas de muito Baixa Densidade (VLDL) nos hepatócitos e redução no seu clearence (10). Quadro 01 Efeitos no metabolismo lipídico e RI dos diferentes ARV. Droga TG/VLDL-C LDL-C RI RTV LPV/RTV TPV/RTV? SQV/RTV? FPV/RTV /? IDV/RTV DRV/RTV /? ATV/RTV / NFV Discreto / Discreto ATV IDV AZT Discreto Discreto D4T TDF, ABC, 3TC, FTC EFV Discreto Discreto NVP RTV Legenda: Aumento; Sem alteração;? Não elucidado 13

2.1 - Dislipidemia e Inibidores de Protease (IP) Os inibidores de protease alteram o metabolismo lipídico nos portadores de HIV/Aids. Aumento de CT (colesterol total), TG/VLDL (VLDL rica em triglicérides) e LDL-C é encontrado em pacientes com HIV/Aids que usam IPs como parte do esquema HAART. Vários estudos compararam níveis de lipídeos em pacientes com HIV/Aids em uso de HAART, pacientes sem TARV (naive) e pacientes sem o HIV/ Aids (4, 9, 11). Informações do Data Collection on Adverse Events of Anti-HIV Drugs Study (D:A:D:) (12) evidenciaram hipercolesterolemia em 27% dos pacientes em uso de IP, comparados com 8% em paciente naive e prevalência de hipertriglicideremia de 40% no grupo em uso de IP contra 15% em pacientes naive. Estudos prospectivos de cohort relataram novos casos de hipercolesterolemia e hipertriglicideremia após cinco anos de HAART em 24% e 19%, respectivamente. Os IPs afetam o metabolismo lipídico de for- ma e graus diferentes. Punell et al., (13) demonstraram aumento de triglicérides (TG) após duas semanas de uso de RTV em pessoas soronegativas para o HIV/Aids (GRÁFICO 02), assim como outros estudos (4) mostraram aumento de triglicérides com baixas doses de RTV, em associação ao lopinavir durante quatro semanas, também em homens soronegativos para o HIV/Aids. Esquemas de HAART contendo IP com booster de RTV, apresentam substancial aumento no TG, VLDL-C, CT e, em menor proporção, aumento de LDL-C. Estas alterações são menos evidentes em esquemas com nelfinavir, fosamprenavir ou atazanavir (ATV) sem booster de RTV. O uso de ATV com booster de RTV apresenta melhor farmacocinética e eficácia ARV. Entretanto, a adição de RTV produz aumento no TG e VLDL quando comparado ao esquema sem o booster. Em estudo randomizado prospectivo (14), a adição de 100mg de RTV ao ATV, após 48 semanas apresentou aumento significativo dos lípides com 26% de aumento nos TG e 15% no CT (GRÁFICO 03). Gráfico 02 Gráfico 03 14

O mecanismo de como os IPs (notavelmente o RTV) influencia o metabolismo lipídico ainda não está bem elucidado. Estudos em ratos (15, 16) sugerem que os IPs previnem a degradação proteossomal da apolipoproteina-b principal componente protéico das lipoproteínas que carregam os TG na circulação gerando um aumento na produção das partículas VLDL. Ademais, as alterações no metabolismo da apolipoproteina- B podem, em parte, ser explicadas pela indução do RTV intra-hepátocito, que leva ao acúmulo de fatores nucleares de transcrição como os esteróides reguladores ligados a proteínas, resultando em um up-regulation nas vias de metabolismo e excessiva produção de VLDL. Os IPs têm como alvo a região catalítica da protease do HIV/Aids. Esta região tem homologia com regiões de duas proteínas humanas que regulam o metabolismo dos lipídeos: região C-terminal da proteína citoplasmática ligante do ácido retinóico tipo 1 (CRABP-1) e a proteína relacionada ao receptor da lipoproteína de baixa densidade (LRP) (17, 18). Há hipóteses, embora sem sustentação experimental comprovada, que devido a esta homologia os IPs podem interferir com estas proteínas com conseqüentes alterações metabólicas e somáticas como a dislipidemia, RI, aumento dos níveis de peptídeo-c e lipodistrofia. Outras alterações no metabolismo ocorreriam por meio da inibição das isoenzimas do citocromo P450 pelos IPs, levando ao aumento na taxa de apoptose dos adipócitos e redução na diferenciação de préadipócitos em adipócitos, tendo como efeito final a redução no armazenamento de triglicérides e aumento da liberação de lipídeos. A interação do sítio catalítico dos IPs com a LPR causaria a diminuição na clivagem de triglicérides em ácidos graxos e glicerol, diminuição da absorção hepática de quilomicrons, provocando a obesidade central, deposição de gordura em mamas e aumento da resistência periférica a insulina. Outros dados indicam que a dislipidemia pode ser causada, pelo menos em parte, pela inibição IP - mediada da atividade proteossomal da parcela ativa da proteína SREBP-1c - Sterol Regulatory Element-Binding Proteins dentro das células do fígado e adipócitos, ou por polimorfismo da Apo C-III nos pacientes HIV+. Seqüências homólogas foram descritas entre a protease do HIV/Aids e a protease site-1 humana (S1P), que ativa as vias da SREBP-1c e SREBP-2. Um polimorfismo no gene de S1P/ SREBP1c confere uma diferença no risco para o desenvolvimento de aumento no colesterol total em pacientes com IP. Isto sugere a presença de uma predisposição genética ao desenvolvimento de hipercolesterolemia nos pacientes soropositivos para o HIV/Aids que recebem IP. É importante enfatizar que além de elevar os lípides, pode haver também mudança no padrão de densidade das LDL que tornam-se menores e mais densas, devido à ação da lípase hepática. Partículas menores de LDL associam-se a um maior risco de eventos cardiovasculares. Os níveis de HDL-C podem estar diminuídos devido a trocas que ocorrem entre os TG contidos nas VLDL e ésteres de colesterol contidos nas HDL. Esse fato decorre da ação da proteína de transferência de ésteres de colesterol (CETP). Além de remover o colesterol das HDL e transferi-lo para o circuito VLDL/LDL, o enriquecimento das HDL com TG leva a diminuição do tamanho da mesma devido à ação da lípase hepática, fato que permite uma maior excreção da apolipoproteína A-I que é a principal proteína protetora das HDL. Logo a elevação dos TG também é responsável em parte por redução da fração protetora do colesterol e de sua principal proteína. 15

2.2- Dislipidemia e Inibidores Não-Nucleosídios da Transcriptase (ITRNN) Van Leth et al., (19), em estudo randomizado com 1.216 pacientes naives que iniciaram tratamento com ITRNN evidenciou que regimes com Nevirapina versus Efavirenz estão associados ao significante aumento do HDL-C e redução na razão TC/HDL-C. Informações recentes do D:A:D: reforçaram a teoria de que o esquema HAART com ITRNN estaria associado a um modesto aumento nos níveis de triglicérides, porém não aumentaram o LDL-C e não causaram redução nos níveis de HDL-C. 2.3- Dislipidemia e Inibidores Nucleosídios da Transcriptase Reversa (ITRN) Os ITRN não acarretam grande influência no padrão lipídico, mas vários estudos (17, 18, 24) têm demonstrado uma associação entre tratamento com D4T (estavudina), especialmente quando em associação com DDI (didanosina) e aumento nos níveis de colesterol e triglicérides, conseqüência direta da perda de gordura periférica causada pelo desenvolvimento de lipoatrofia. Diversos estudos (20, 21, 22, 23) com tenofovir sugerem ausência de evento adverso nos lipídeos. O estudo randomizado GS 903 mostrou, após a 144ª semana, um aumento significativo no braço da estavudina, em comparação ao tenofovir, nos níveis de triglicérides (+134mg/dl vs + 1mg/dl), Colesterol total (+58mg/dl vs + 30md/dl) e LDL-C (+26mg/dl vs 11mg/dl) (GRÁFICO 04). Outro estudo, o GS934, comparando tenofovir/ emtricitabina vs zidovudina/lamivudina, ambos em associação ao efavirenz, também demonstrou, após 96 semanas de tratamento no braço tenofovir/ emtricitabina, aumento de 25md/dl vs 38mg/dl no colesterol total (p > 0,001) e achados similares no LDL-C. Os níveis de triglicérides não foram significativamente diferentes na semana 96 (p = 0,115), o braço tenofovir (TDF) não apresentou nenhum aumento comparado ao aumento de 30mg/dl no braço zidovudina/lamivudina (AZT/3TC) (GRÁFICO 05). Gráfico 05 Gráfico 04 Estes achados contribuem com as hipóteses de que os análogos timidínicos, como a zidovudina e principalmente a estavudina, podem contribuir 16

com a elevação de lipídeos por afetarem adversamente a função mitocondrial e, conseqüentemente, a oxidação dos ácidos graxos no músculo esquelético. Gráfico 07 Vários estudos (21, 22, 23, 24) evidenciam melhora do perfil lipídico após a troca de timidínicos para tenofovir ou abacavir, lembrando sempre que o controle da viremia faz-se fundamental para tais intervenções (GRÁFICOS 06 e 07). Gráfico 06 Gráfico 08 3 - Terapia Anti-retroviral Altamente Ativa (HAART) e Doença Coronariana Pacientes com fatores adicionais preexistentes (HAS, DM2, tabagismo, níveis séricos elevados de homocisteína), têm maiores riscos de desenvolvimento de doença arterial coronariana devido ao processo acelerado de aterosclerose. Além disso, danos endoteliais e disfuncionais foram descritos in vitro devido aos IPs e alguns nucleosídeos análogos (ex. zidovudina) e não-análogos (ex. efavirenz). Certos IPs podem induzir disfunções endoteliais, incluindo uma redução na vasodilatação dependente do endotélio, inibição no sistema de síntese do óxido nítrico, aumento do stress oxidativo e ativação da metagênese de proteínas quinases ativas. Fiala et al., demonstraram, in vitro, alteração no citoesqueleto da célula endotelial, com posterior confirmação por Zhong et al., e in vivo por Stein et al., (18). 17

O uso de HAART, principalmente esquemas contendo IPs, poderia intensificar os efeitos no endotélio de algumas citocinas (TNF-a) secretadas em resposta a ativação de células mononucleares. Entretanto, existe diversidade de opiniões sobre a incidência de síndrome coronariana aguda (angina instável, IAM) em pacientes com o HIV/Aids recebendo IPs. Vários estudos (1, 12, 18, 31) comprovam que a longa exposição ao HAART e/ou IPs aumenta a incidência de Infarto do Miocárdio (IM). O Swiss HIV Cohort Study (SHCS) (18, 31) avaliou o risco de doença cardíaca coronariana e a prevalência de fatores de risco para o desenvolvimento da doença coronariana em cerca de 8.033 pacientes soropositivos para o HIV/Aids. Além de outros fatores como tabagismo, hipertriglicideremia e redução de HDL-C, a prevalência de fatores de risco cardiovasculares e para doença cardíaca coronariana foi maior em indivíduos em corrente TARV, quando comparados a pacientes naives ou (12, 25) que fizeram uso prévio. As análises do D:A:D relataram uma relação entre exposição prolongada à TARV combinada e risco de IM. Os estudos (12, 25) foram estendidos, incluindo análise de exposição à classe específica de ARV e risco de IM. Um follow-up de 23.468 pacientes soropositivos para o HIV/Aids indica que o risco de IM aumenta em 26% para cada ano adicional de TARV combinada, principalmente nos pacientes em uso de IPs. Em pacientes recebendo TARV combinada há mais de quatro anos, a incidência de IM foi de 5,5 para 1.000 pacientes/ano. Em pacientes que não estavam recebendo TARV o número de IM observado foi inferior ao número esperado. Nove por cento da população do estudo apresentou risco de IM acima de 10% (alto risco), nível este usualmente associado à necessidade de intervenções nos fatores de risco. A proporção de pacientes de alto risco foi baixa (3,6%) para os que não faziam uso de ARV e alta (17,5%) para pacientes em uso de ARV há mais de quatro anos. Os ajustes para a dislipidemia explicam, em parte, as taxas de IM. A exposição a IP estava associada ao similar aumento no risco, quando comparada à exposição ao HAART; o uso de ITRNN não estava associado ao aumento no risco para IM e os ajustes realizados para os ITRN não alteraram, reforçando, assim, que o aumento no risco previamente reportado ao HAART derivar-se-ía, principalmente, do uso de IPs. Gráfico 09 Marcadores preditivos de risco para doença cardíaca coronariana, como os níveis circulantes anormais de moléculas de adesão e outros sinais de disfunção endotelial são encontrados em pacientes soropositivos para o HIV/Aids. Em recente estudo francês (26) da relação íntima-média da carótida, os autores encontraram aterosclerose prematura que relacionaram a fatores de risco usual, mas também ao uso de IP, especialmente o lopinavir. Entretanto, as alterações eram pequenas e o impacto clínico mínimo. Estes dados necessitam de maiores avaliações, pois outros estudos não confirmaram os achados acima. 18

4 - Terapia Anti-retroviral Altamente Ativa (HAART) e Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) A prevalência de HAS em pacientes com o HIV/ Aids na era pré-haart era estimada em 20 a 25%. Relatos recentes (18, 27) indicam que a HAS em pacientes soropositivos para o HIV/Aids pode ser relacionada à lipodistrofia e às desordens metabólicas, principalmente a hipertrigliceridemia e a RI decorrentes do uso de HAART, tendo uma prevalência de 74% em pacientes com HAART e síndrome metabólica. Ao tratar-se os pacientes com HAS e síndrome metabólica deve-se lembrar de que os beta-bloqueadores e os diuréticos podem piorar o padrão metabólico e que os bloqueadores de cálcio podem interagir com os IPs. Portanto, os inibidores de Enzima Conversora de Angiotensina (ECA) e bloqueadores dos receptores de Angiotensina II devem ser priorizados. 5 - Lipodistrofia como Síndrome Metabólica Um número elevado de pacientes soropositivos para o HIV/Aids [45% vs 15% grupo controle (28) ] apresentou síndrome metabólica, de acordo com os critérios definidos pelo National Cholesterol Education Program (NCEP) em 2001, ou seja, três ou mais dos seguintes critérios: Síndrome Metabólica Obesidade abdominal (homem circunferência de cintura >102 cm; mulher >88) Dislipidemia Aterogênica - Triglicérides >150 mg/dl Baixo nível HDL-c (Homem <40md/dl; Mulher <50 mg/dl) Elevação de PA (>130/85 mmhg) Resistência à Insulina (Glicemia de jejum >110 mg/dl) Status pró-trombótico e pró-inflamatório Síndrome metabólica (três ou mais critérios acima), associada com acelerada aterosclerose e aumento no risco de diabetes tipo 2. Pacientes com lipodistrofia geralmente apresentam aumento da Pressão Arterial Diastólica (PAD), elevação nos níveis de triglicérides e colesterol total (não LDL-C), redução do HDL-C e aumento no Inibidor 1 do Ativador de Plasminogênio (PAI) e Antígeno Tissular do Plasminogênio (tpa), caracterizando-se como síndrome metabólica. Entre todos os eventos adversos relacionados ao HAART, a lipodistrofia tem sido uma das mais importantes, caracterizando-se por lipoatrofia subcutânea periférica e/ou acúmulo de gordura em abdome, mamas e região cervical. Esta condição, além de esteticamente estigmatizante, possui relação direta com a evolução para síndrome metabólica. Está bem clara a relação direta da TARV com a lipodistrofia, no que se refere, principalmente, à classe dos nucleosídeos com maior evidência aos análogos da timidina (d4t e AZT). Os ITRNs são fosforilados intracelularmente para ddntp e poderiam inibir não somente a transcriptase reversa viral, mas também a 19

DNA polimerase gama mitocondrial, interferindo, assim, na função e na replicação mitocondrial com conseqüente inibição na fosforilação oxidativa das células, resultando em redução da produção da Adenosina Trifosfato (ATP) e em dano celular, o que poderia levar a várias manifestações clínicas e metabólicas. Existem muitas tentativas (21, 22, 23, 24) para me- lhorar ou estacionar a progressão da lipoatrofia, sendo uma delas a troca de ITRN, geralmente d4t ou AZT por abacavir (ABC) ou TDF. A troca de uma única droga em um esquema de completa supressão viral tem se evidenciado segura. Entretanto, para controle da dislipidemia o uso de drogas hipolipemiantes é mais efetivo do que a troca (29). Dislipidemia e Lipodistrofia Intervenção Resultado Switch IP para EFV ou NVP Redução do TG, Aumento do HDL-C Switch LPV/RTV para ATV Redução do TC, não HDL-C, TG Terapia com hipolipemiantes Menos efetivo em HIV+ que HIV - Mais efetivo que Switch de ARVs Switch AZT ou D4T para TDF ou ABC Pequeno, mas significante aumento na gordura periférica em longo prazo Uridine 36 g 3 x dia de 1kg na gordura de membros em 12 semanas Dislipidemia: Terapia com Hipolipemiantes vs Switch IP por ITRNN Resposta após 12 meses NVP EFV Pravastatina Bezafibrato (n = 29) (n = 34) (n = 36) (n = 31) % de Alteração TC -27.1-10.2-45.8-37.6 LDL-C -25.2-8.7-39.6-35.1 HDL-C +3.1 +1.9 +10.2 +7.7 % de alteração TG -25.2-9.4-41.2-46.6 CD4+ cels/mm 3 92.2 108.4 89.2 102.9 Carga Viral HIV < log10 cópias/ml, n (%) 28 (96.5) 33 (97.0) 36 (100) 30 (96.8) Houve significante redução no colesterol total (TC), LDL-C, e TG nos braços pravastatina/bezafibrato comparado com braço ITRNN (p <.01) (29). 5.1- Conclusões Tabela 02 Os fatores de risco cardiovascular não devem influenciar o momento ideal do início da terapia anti-retroviral. Os fatores de risco cardiovascular podem influenciar na escolha inicial do tipo de terapia antiretroviral altamente ativa, porém, em nenhum momento, devem sobrepor à necessidade de controle da viremia. A aplicação da terapia anti-retroviral altamente ativa é para toda a vida. Portanto, devemse modificar os fatores de risco cardiovascular precocemente, antes mesmo da escolha da terapia antiretroviral, minimizando, assim, a necessidade de agentes hipolipemiantes no futuro. 20

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Síndrome Metabólica Introdução Síndrome Metabólica (SM) é um conjunto de fatores clínico-laboratoriais que identifica pacientes com maior risco de desenvolver doença cardiovascular aterosclerótica e diabetes mellitus tipo 2 (DM2) (1). Entre os fatores de risco metabólico mais reconhecidos na SM estão a dislipidemia aterogênica (aumento de triglicérides, apolipoproteína B e LDL-colesterol, além de redução de HDL-colesterol), elevação da pressão arterial e distúrbios no metabolismo da glicose que, juntos, promovem um estado pró-trombótico e pró-inflamatório. As condições clínicas de base que mais comumente se associam a SM são obesidade abdominal e resistência à insulina. Na população geral, pacientes com SM têm mortalidade por doença coronariana pelo menos duas vezes maior, após ajuste para idade, sexo, nível de colesterol, atividade física e tabagismo (2). Em um estudo Finlandês (3), homens com SM tinham risco três vezes maior de morrer por evento coronariano, após ajuste por fatores de risco conhecidos. Uma meta-análise recente, com 21 estudos (4), corrobora o conceito que SM é um importante fator de risco para incidência e mortalidade de doença cardiovascular, assim como para mortalidade geral. Em outra revisão sistemática, envolvendo somente estudos prospectivos, a SM se mostrou forte preditora de DM2, com risco relativo de 2,99 (IC 95% 1,96 a 4,57) (5). Desde a descrição inicial de SM, várias definições operacionais foram propostas. A primeira tentativa foi apresentada pelo grupo de DM da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1999. Essa definição tinha como componente essencial a comprovação de resistência à insulina (6). O European Group for the Study of Insulin Resistance (EGIR) modificou a definição da OMS exigindo a presença de hiperinsulinemia associada a dois outros fatores de risco (7). Atualmente as duas definições mais amplamente utilizadas são a do U.S. National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III (ATPIII) (1) e da International Diabetes Federation (IDF) (8). A definição do ATPIII foca predominantemente o risco cardiovascular e não pressupõe a comprovação de hiperinsulinemia. O diagnóstico requer presença de pelo menos três entre cinco das seguintes condições: obesidade abdominal (cintura > 102 cm para homens e 88 cm para mulheres), triglicérides 150 mg/dl, HDL-C < 40 mg/dl nos homens e < 50 mg/dl nas mulheres, pressão arterial 130/85 mm de Hg ou hipertensão arterial sistêmica (HAS) em tratamento e glicemia 100 mg/dl. Entretanto, a inaplicabilidade dessas definições para diferentes grupos étnicos, sobretudo no que se refere ao ponto de corte para circunferência abdominal, limita seu uso como instrumento universal. Claramente, o nível de adiposidade abdominal que se associa com maior risco de DM2 entre asiáticos é bem inferior ao dos europeus. A International Diabetes Federation (IDF) propôs em 2005, uma definição prática que pudesse 22

ser usada em qualquer país e assim comparar estudos epidemiológicos com diferentes populações (8). Utilizam-se os mesmos componentes, os mesmos pontos de corte da definição da ATPIII (com exceção da circunferência abdominal) e também requer três componentes para diagnóstico de SM. A presença de obesidade central, medida através da circunferência abdominal é mandatória e os pontos de corte são mais baixos que os usados na definição do ATPIII e variam de acordo com a etnia, onde quer que se encontrem: Europeus e seus descendentes e África Subsaariana: 94 cm em homens e 80 cm em mulheres; Sul Asiáticos: 90 cm em homens e 80 cm em mulheres; Chineses: 90 cm em homens e 80 cm em mulheres; Japoneses: 85 cm em homens e 90 cm em mulheres; América Central e do Sul (descendentes de indígenas): 90 cm em homens e 80 cm em mulheres; Africanos do Sub-Saara: 94 cm em homens e 80 cm em mulheres; Leste do mediterrâneo e árabes: 94 cm em homens e 80 cm em mulheres. É importante enfatizar que para a maioria da população brasileira Brancos, Negros e mulatos devemos adotar os valores de 94 e 80 cm para a cintura respectivamente de homens e mulheres. A decisão de considerar somente glicemia de jejum e não teste oral de tolerância à glicose, muito mais sensível para detectar resistência à insulina, objetivou manter a simplicidade dos critérios, apesar de subestimar a prevalência de SM. Prevalência de Síndrome Metabólica A comparação de prevalências de SM entre os vários estudos e entre grupos especiais de pacientes é dificultada pelo uso de diferentes definições. Utilizando a definição do ATPIIII, a prevalência de SM na população americana geral é de 34% (9) e varia entre 33-39% na Turquia (10), 22-27% na Itália (11), 24,5% na Grécia (12) e 40-60% no México (13). A prevalência de SM entre pacientes infectados por HIV-1 em uso de HAART ainda é algo controverso. Algumas evidências sugerem prevalências 50% maiores que na população geral, como observado em análise do Multicenter AIDS Cohort Study (MACS) (14). Com exceção da circunferência abdominal, menor no grupo infectado por HIV/Aids, todos os outros parâmetros diagnósticos de SM foram mais freqüentes no grupo infectado. Estudo realizado na Itália (15) encontrou SM em 39,8% entre pacientes infectados por HIV/Aids, usando HAART, e em somente 6% dos controles (p < 0,0001). A definição do EGIR, utilizada neste caso, exige a presença de hiperinsulinemia e pontos de corte diferentes dos empregados em outras definições de SM; os controles foram doadores sadios de banco de sangue. Contrariamente a esses achados de maior prevalência entre infectados por HIV/Aids, estudos mais recentes não encontram diferenças significativas. Nos Estados Unidos, um inquérito epidemiológico usando a definição do ATPIII avaliou SM em 477 adultos infectados por HIV/Aids e em 1876 não infectados, pareados por sexo, idade, atividade física e dieta, entre 2000 e 2003. Sem 23

ajustar para índice de massa corpórea (IMC), a prevalência de SM entre pacientes infectados foi mais baixa (24%) que nos controles não infectados (OR = 0,67 para usuários de HAART e OR = 0,55 para não usuários de HAART). Essa diferença desapareceu após ajuste para IMC (16). Estudo internacional envolvendo 788 adultos infectados por HIV/Aids de 32 centros, encontrou SM em 14% e 18%, usando as definições da IDF da ATPIII, respectivamente (17). No entanto, 49% dos pacientes tinham pelo menos dois componentes da SM, mas não eram classificados como tendo SM porque os perímetros de suas circunferências abdominais não atingiam os pontos de corte. A concordância entre as duas classificações foi razoável (kappa = 0,46). SM foi mais prevalente em pacientes em uso de inibidores da protease (IPs) (p = 0,04). DM2 foi cinco a nove vezes mais prevalente entre aqueles com SM. Proteína C reativa e leptina foram significantemente mais elevadas e os níveis de adiponectina mais baixos em pacientes com SM. É importante enfatizar que apesar de não ser feito o diagnóstico da SM pela IDF quando os valores limites da cintura não estão presentes, não podemos ignorar o potencial de maior risco de diabetes e ou doença cardiovascular na presença de 2 fatores da SM. Condições associadas com a Síndrome Metabólica Os principais fatores de risco para SM parecem ser obesidade abdominal (1), resistência à insulina (18) e fatores genéticos, além de inatividade física (19), idade (20) e alterações hormonais (21). Quiçá, a teoria mais aceita possa ser a que sugere que resistência à insulina (RI) seja a causa da SM (22). A presença de SM em pessoas não obesas mas com RI, parece demonstrar que a hiperinsulinemia compensatória promove alterações de fatores de risco relacionados com SM. No entanto, mesmo em indivíduos clinicamente não obesos, distribuição anormal de gordura, predominando na parte superior do corpo, é a regra. A gordura nessas áreas do corpo pode acumular-se intraperitonealmente (gordura visceral) ou no sub-cutâneo. Aparentemente, gordura visceral tem maior associação com RI, apesar de relatos também sugerirem associação entre RI e excesso de gordura sub-cutânea abdominal (23). Portanto, obesidade abdominal, seja ela visceral ou subcutânea guarda clara associação com RI e SM. Este tipo de obesidade libera quantidade excessivamente elevada de ácidos graxos não-esterificados do tecido adiposo, que leva ao acúmulo de lípides em músculos e fígado, que predispõe à RI e dislipidemias (24). O tecido adiposo é um órgão dinâmico que secreta vários fatores, denominados adipocinas. Estas estão relacionadas, direta ou indiretamente, em processos que contribuem na aterosclerose, hipertensão arterial, resistência insulínica e diabetes tipo 2 e dislipidemias, ou seja, representam o elo entre adiposidade, síndrome metabólica e doenças cardiovasculares. Na obesidade, os depósitos de gordura corporal estão aumentados, apresentando conseqüente elevação na expressão e secreção das adipocinas, proporcionalmente ao maior volume das células adiposas. Adipocinas de pessoas obesas interferem com a sensibilidade à insulina e podem ter ação aterogênica. Entre essas adipocinas aumentadas estão as citocinas inflamatórias e o inibidor da ativação de plasminogênio; simultaneamente, à liberação diminuída de adiponectina, uma adipocina potencialmente protetora. 24