FICHA TÉCNICA OS JOVENS JULHO 2012
Enquadramento A abordagem da sinistralidade envolvendo jovens incide sobre os utentes com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos. Este critério baseia-se na idade mínima exigida para a obtenção da carta de condução de automóveis ligeiros e, por outro lado, no pressuposto geralmente aceite de que um condutor experiente é aquele que conduz há, pelo menos, 6 anos. Deste modo, o grupo em análise abrange peões, passageiros e, no que respeita aos condutores, inclui apenas os recém encartados e condutores sem experiência. O peso destes utentes no total das vítimas de acidentes de viação tem suscitado um grande interesse e preocupação na literatura de segurança rodoviária por ser excessivamente elevado na generalidade dos países. Em Portugal a situação não é muito diferente: em 2010, os jovens dos 18 aos 24 anos constituíram 8% da população e representaram 16% do total de vítimas resultante de acidentes rodoviários. A sobre-representatividade desta faixa etária verifica-se também em relação aos acidentes mais graves, uma vez que o risco de morte destes utentes é superior ao dos restantes grupos etários. Conforme ilustrado no gráfico, em 2010, registaram-se 88 mortos por um milhão de habitantes entre os jovens, enquanto no caso dos outros utentes este indicador foi igual a 68. 2
A investigação efectuada neste âmbito sugere que a causa dos acidentes observados neste estrato da população resulta, essencialmente, de uma conjunção de características relacionadas com a idade, designadamente, uma elevada apetência para o risco e insuficientes habilidades/competências de condução. Contudo, este não é um problema que se restrinja aos condutores, já que o maior número de passageiros vítimas em acidentes rodoviários pertence, igualmente, ao escalão dos 18-24 anos. De acordo com o último relatório publicado pela OMS (European Status Report on Road Safety, 2008), os acidentes de viação são a principal causa de morte dos jovens entre os 15 e os 29 anos e um grave problema de saúde pública. A morte prematura ou invalidez causadas pelos acidentes de viação são tanto mais inaceitáveis quanto mais vasto e diversificado é o leque de medidas de prevenção viáveis e eficazes. Prova disso são os excelentes resultados alcançados pelos países que têm investido na segurança rodoviária ao longo de décadas, expressos em reduções substanciais dos respectivos índices de sinistralidade. A nível da União Europeia, Portugal foi o país que, entre 1999 e 2008, apresentou a maior redução, relativamente às vítimas mortais com idades situadas entre os 18 e os 24 anos (-73%). 3
Ainda neste contexto, Portugal foi também o estado-membro onde a proporção destas vítimas, em relação ao total nacional registado em 2008, assumiu o valor mais baixo (13%), conforme representado no gráfico seguinte. Face ao exposto, considera-se que a posição do país é bastante satisfatória neste domínio específico, registando valores inferiores à média europeia. 4
Evolução Em termos da evolução das vítimas com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos, constata-se que nos últimos dez anos (2001 a 2010) o número de mortos e de feridos graves diminuiu 74% e 66%, respectivamente. Estas reduções foram superiores às que se observaram entre os restantes utentes, que apresentaram decréscimos na ordem dos 43% mortos e 52% feridos graves. Tendo em conta que para os resultados obtidos não são indiferentes as variações registadas pela população, em igual período, analisou-se a evolução das vítimas mortais ponderadas pelo número de habitantes de cada um dos grupos em causa (18-24 anos e outros grupos etários, respectivamente). Verifica-se, então, que entre 2001 e 2010 a taxa de mortalidade dos jovens se caracterizou por uma diminuição mais acentuada (-68% mortos por milhão de habitantes, comparativamente com -46% para os restantes utentes) o que vem confirmar os progressos significativos registados por esta faixa etária nos últimos anos. 5
No que respeita à categoria de utentes, a contribuição dos condutores e passageiros para a melhoria observada até 2010 foi muito positiva: o número de condutores mortos e feridos graves diminuiu 79% e 67%, respectivamente, e o de passageiros 67% e 65%. A representatividade dos peões, por sua vez, é pouco relevante neste estrato da população, não ultrapassando, em média, 5% do total de jovens vítimas em acidentes. 6
Caracterização A caracterização da sinistralidade efectuada neste ponto tem como referência os valores registados na última década (2001-2010). Conforme referido anteriormente, os jovens dos 18 aos 24 anos são o grupo etário onde se observa um maior número de vítimas. Em 2010, estes utentes representaram 10% do total de mortos registado a nível nacional, e 16% dos feridos graves e dos feridos ligeiros, respectivamente. Os condutores constituem 65% dos jovens mortos e 63% dos feridos graves, de acordo com os gráficos abaixo, os passageiros correspondem a 1/3 destas vítimas e os peões representam, apenas, 3% das vítimas mortais e 5% dos feridos graves. A importância relativa dos passageiros e peões entre os jovens diverge bastante da que se verifica nos restantes grupos etários: o número de passageiros assume um peso superior (32% dos jovens mortos versus 19%, para os outros utentes, e 32% dos feridos graves versus 23%), e o de peões, pelo contrário, é muito inferior (3% dos jovens mortos contra 21%, no caso dos outros utentes, e 5% dos feridos graves contra 22%). 7
Aproximadamente 2/3 dos jovens condutores e passageiros circulam em automóveis ligeiros e 1/4 em motociclos, sendo que os ocupantes de outros veículos assumem pouco relevo, conforme evidenciam os gráficos referentes às vítimas mortais e feridos graves por categoria de veículo. A maioria das vítimas pertence ao sexo masculino: 83% do total de jovens mortos, 78% dos feridos graves e 63% dos feridos ligeiros. Claro que a maior taxa de mortalidade registada pelos homens não é alheia ao facto de estes serem mais numerosos, relativamente ao total de condutores, e de conduzirem com maior frequência. Assim, com o objectivo de proceder a uma análise isenta destas influências, calculou-se o número de condutores mortos por cada mil vítimas segundo o género, e constatou-se que entre os condutores do sexo feminino se verificam 6 mortes, por cada mil vítimas, enquanto para o sexo masculino este indicador é igual a 23 mortos. 8
Comprova-se, portanto, que os homens apresentam um risco de morte em acidentes rodoviários que é cerca de 4 vezes superior ao das mulheres. Em termos de localização, mais de metade das vítimas mortais dos 18 aos 24 anos resulta de acidentes que ocorrem fora das localidades (55%), principalmente em estradas nacionais, enquanto os feridos graves e ligeiros apresentam valores superiores nas zonas urbanas (57% e 66%, respectivamente). Os acidentes repartem-se, basicamente, em colisões e despistes, tendo em conta que o número de atropelamentos se situa entre os 4% e 6% (gráficos abaixo). 9
Comparando com os outros grupos etários, constata-se que os despistes são relativamente mais frequentes na sinistralidade que envolve os jovens: 49% do total de mortos e 44% dos feridos graves resultam de despistes, quando para os utentes de outras idades estes acidentes correspondem a 36% vítimas mortais e 29% feridos graves. Outra particularidade que diferencia os acidentes com jovens da sinistralidade em geral, e que decorre naturalmente do seu estilo de vida, prende-se com os dias da semana e as horas em que aqueles ocorrem. Com efeito, os acidentes registados ao sábado e domingo são responsáveis por 46% das mortes entre os jovens e 41% dos feridos graves, enquanto para os restantes grupos etários estas proporções são de 34% e 33%, respectivamente. Quanto ao período horário, 30% do total de jovens mortos e 25% dos feridos graves ocorrem entre a meia-noite e as 6 horas da madrugada, sendo que para os outros utentes estas percentagens são de 15% e 11%, respectivamente. 10
A nível geográfico, Lisboa e Porto são os distritos onde se observa o maior número de vítimas entre os 18 e os 24 anos: 26% do total de mortos registado a nível nacional, 29% dos feridos graves e 36% dos feridos ligeiros. Nos distritos que se seguem (Santarém, Setúbal, Braga e Leiria) a média das vítimas não excede os 9%, qualquer que seja a gravidade da lesão (mortal, grave ou ligeira). 11
Medidas De uma apreciação global do exposto conclui-se que o risco de morte em acidentes é mais elevado para os jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos, na sua maioria condutores, e para os homens, quando comparados com as mulheres do mesmo grupo etário. O elevado número de despistes, reflectindo a ocorrência frequente de perda de controlo do veículo é também outro aspecto a assinalar. A enorme apreensão causada pelo facto destes utentes serem as principais vítimas de acidentes rodoviários motivou a pesquisa e identificação de inúmeros factores, conforme já referido, dos quais se destacam a inexperiência e a idade. A condução é uma actividade extremamente complexa, que requer a elaboração de uma sucessão de operações/tarefas exigindo, por parte do condutor, a plena posse de todas as suas capacidades físicas e psicológicas. Embora muitas acções e manobras, ao fim de algum tempo, sejam executadas de forma automatizada, numa fase inicial o condutor precisa de exercer um controlo muito mais consciente sobre o veículo, tendo em conta que a sua capacidade de atenção e desempenho de uma série de tarefas em simultâneo é limitada. O tempo e a prática são, pois, imprescindíveis para adquirir um nível de competências adequado a uma condução segura. Acresce que os condutores mais novos tendem a desvalorizar a complexidade do trânsito e as situações de perigo, quer seja por desconhecimento, já que a condução de veículos motorizados é uma actividade recente para eles, quer porque os acidentes com vítimas, sobretudo os mais graves, são acontecimentos relativamente raros, cujas consequências fazem parte de uma realidade para a qual eles não se encontram suficientemente despertos. Sendo certo que a inexperiência é uma limitação, como se deduz do que atrás ficou dito, superá-la não é fácil - se, por um lado, existem aptidões (psicomotoras, perceptivas e cognitivas) indispensáveis a uma condução segura que só se adquirem com muita prática, por outro, a aprendizagem e a obtenção de experiência constituem um processo que acarreta, inevitavelmente, a exposição dos jovens ao risco de acidente. A idade é outra das explicações mais exploradas e defendidas neste contexto, sendo que a sua influência é evidenciada em estudos como o da OCDE, 2006 (Young Drivers: The Road to Safety), que comparam as taxas de acidentes de recém encartados com diferentes idades, concluindo que esta é superior para os mais novos devido à sua imaturidade física e emocional. Com efeito, a adolescência e o início da idade adulta representam um período da vida em que os jovens experienciam um aumento de liberdade e iniciam um processo de individualização, procurando a sua própria identidade. O seu comportamento é ditado, antes de tudo, pelas normas sociais e pela necessidade de auto-afirmação perante os amigos e pessoas da mesma idade. 12
Algumas características - como sejam a sobrevalorização das capacidades pessoais, a procura de sensações e a predisposição para correr riscos resultante da sua tendência em valorizar mais os benefícios do que os custos - embora habituais nesta idade, principalmente nos rapazes, favorecem atitudes/acções que concorrem para a ocorrência de acidentes, designadamente, a realização de manobras perigosas, o desprezo pelas regras de trânsito e a pouca atenção dispensada ao uso de acessórios de protecção, como o cinto de segurança. Estes aspectos são agravados por um estilo de vida propício à exposição a situações menos seguras. Conforme foi oportunamente evidenciado, os jovens conduzem regularmente à noite, quando a visibilidade é reduzida e a propensão para praticar velocidades elevadas é maior, bem como aos fins-de-semana, regra geral acompanhados por amigos, que podem ser uma fonte de distracção, e, muitas vezes, depois de terem ingerido álcool ou outras substâncias. Alguma investigação refere que a condução sob a influência de álcool é menos frequente entre os jovens. Contudo, o facto de eles ingerirem bebidas alcoólicas apenas ocasionalmente (fins-desemana, festas, ) leva a que sejam afectados com baixos níveis de álcool no sangue sendo precisamente por este motivo que a probabilidade de sofrerem acidentes é maior do que para os condutores que possuem hábitos de consumo moderado e regular de álcool, mesmo que tenham uma taxa de álcool igual ou superior. Dos resultados apresentados, depreende-se que são vários os factores que explicam a elevada sinistralidade envolvendo o grupo dos 18-24 anos, por vezes com consequências trágicas, e também que grande parte deles são próprios da juventude e absolutamente naturais, especialmente nos momentos de lazer. Importa, por isso, encontrar soluções que permitam minimizar o risco de acidente inerente a estes utentes sem os penalizar injustamente, até porque há que ter em conta a sua heterogeneidade, isto é, que nem todos os jovens são intervenientes em acidentes. Neste âmbito, é claro e indiscutível que o sistema de formação e avaliação de condutores instituído é determinante, uma vez que a preparação inicial dos novos condutores, seja ao nível dos comportamentos, seja em relação aos conhecimentos e competências técnicas, depende da sua estrutura e funcionamento. Porém, não cabe aqui aprofundar esta matéria, mas sim proceder a uma breve apresentação das medidas recomendadas para reduzir o risco de acidente dos jovens a partir do momento em que são titulares de carta de condução. Estas classificam-se em dois tipos: as medidas proteccionistas e as que visam desencorajar comportamentos de transgressão e/ou inadequados. As primeiras assentam no princípio de que os jovens não devem ser expostos a riscos que ainda não estão aptos a gerir e, como tal, há que protegê-los, evitando que conduzam em circunstâncias 13
comprovadamente arriscadas. Integram-se neste grupo de medidas a proibição de conduzir à noite ou de transportar passageiros do mesmo escalão etário durante um certo tempo após a obtenção da carta de condução, o estabelecimento de um limite de álcool mais baixo para os recém-encartados (0,20 g/l), etc. Estas e outras intervenções idênticas, no entanto, não devem ser implementadas sem primeiro efectuar uma avaliação rigorosa da realidade nacional, uma vez que a imposição de restrições à liberdade de conduzir e adquirir experiência, bem como às oportunidades que a condução de veículos motorizados proporciona, em termos de mobilidade, tem custos sociais que não podem ser ignorados. No que respeita às acções destinadas a induzir uma condução segura referem-se, nomeadamente, a fiscalização, a criação de recompensas/sanções (incentivos fiscais, prémios de seguros, etc.) e a educação e comunicação. Com efeito, embora até agora não se tenha abordado o papel das acções de formação, informação e sensibilização, este é essencial como meio de consciencializar os jovens para os riscos relacionados com a condução. Apesar da sua inexperiência e das características intrínsecas a esta etapa do desenvolvimento humano estarem na origem de muitos comportamentos preocupantes, e, ainda, de nestas idades os pares ocuparem um lugar primordial na sua vida, é nosso dever e obrigação alertar e afastar os jovens dos principais perigos, e também orientá-los de maneira a que, em momentos complicados, saibam reagir adequadamente. Nesta perspectiva, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) desenvolveu uma campanha destinada ao grupo etário dos 18 aos 24 anos, intitulada SOU O MAIOR Conduzo com Segurança, em parceria com as Entidades Fiscalizadoras (GNR e PSP), a Associação Nacional dos Industriais do Ensino de Condução Automóvel (ANIECA), a Associação dos Industriais do Ensino de Condução Automóvel de Portugal (ANORECA), a Associação de Profissionais do Ensino da Condução (APDEC), a Associação Portuguesa de Escolas de Condução (APEC), a Fundação da Juventude e o Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ). Considera-se que é fundamental promover a interiorização de uma atitude de preocupação com a segurança rodoviária junto dos jovens, tendo em conta que as mudanças de comportamento requerem, desde logo, que se conheçam e compreendam os perigos, bem como a razão de ser das normas de segurança. 14