Capítulo 1: Alguém com os outros

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Transcrição:

BAUMAN, Z.; MAY, T., APRENDENDO A PENSAR COM A SOCIOLOGIA, RJ: ZAHAR, 2010. Capítulo 1: Alguém com os outros Introdução à Sociologia Profa. Dra. Valquiria Padilha FEARP/USP

Somos livres? Viver em sociedade é não ter controle sobre tudo, é sofrer coerções, é sentir que é livre mas não ser. Isso causa sensações de ambivalência e frustração, mas também desencadeia criaividade e inovação. A nossa habilidade para tomar decisões e fazer escolhas é um exercício de liberdade. Mas, em sociedade, somos responsáveis por nossas ações e decisões, sob pena de sermos punidos se não seguimos s regras. As regras orientam minhas ações e as ações dos outros sobre mim.

Somos livres? Há muitas situações em que nossa liberdade de agir é limitada por circunstâncias sobre as quais não temos controle. (p.34) Estar sem emprego é culpa apenas do desempregado? Pode-se deduzir que ele é preguiçoso ou não se esforçou o bastante? Quais fatores externos ao desempregado devem ser considerados nessa análise?

É preciso considerar: 1) Situações de escassez limitam nossas potencialidades. 2) Nem todas as pessoas que se esforçam alcançam os mesmos objetivos = o número de recompensas é limitado. 3) Competimos uns com os outros (cada vez mais!) e o resultado pode depender apenas parcialmente de nossos esforços. 4) «Nós nos tornamos dependentes dos outros porque são eles que pronunciam o veredicto quanto à suficiência de nossos esforços e avaliam se apresentamos as características certas para justificar nossa admissão.» (p.35)

É preciso considerar: 5) Fatores materiais conformam nossa capacidade de alcançar objetivos. 6) A liberdade de escolha não garante nossa liberdade de efetivamente atuar sobre essas escolhas nem assegura a liberdade de atingir os resultados desejados. 7) Nossas escolhas anteriores + fatores biológicos (raça, gênero, idade) têm efeitos em ações futuras = achar um emprego, por exemplo. 8) Somos ao mesmo tempo autorizados e constrangidos para praticar a nossa liberdade.

É preciso considerar: 9) Não optamos por ser brasileiros, brancos, negros, de classe média ou pobre. Podemos aceitar nossas condições ou tentar mudá-las de alguma forma. Nossas decisões são influenciadas pelo que os outros pensam de nós ou esperam de nós. 10) Nossas ações são frutos de uma cultura! «As maneiras como agimos e nos percebemos são conformadas pelas expectativas dos grupos a que pertencemos, o que se manifesta de vários modos». (p.38) = há maior expectativa do nosso grupo cultural de que mulheres cuidam de crianças, da casa, façam comida,por exemplo.

É preciso considerar: 11) Critério de relevância: os grupos se identificam por ações que os distinguam dos que estão fora de suas redes de relações (p.39) Fomos ensinados a distinguir os objetos ou pessoas relevantes ou irrelevantes para nossos projetos de vida. Identificar aliados, inimigos, rivais, pessoas a considerar ou ignorar é parte desse processo. 12) Temos um conhecimento tácito (silencioso) que orienta nossa conduta sem que sejamos necessariamente capazes de expressar como e por que ele opera = por exemplo, falamos corretamente, mas não necessariamente sabemos explicar as regras gramaticias que usamos.

Como nos tornamos nós mesmos «Nos tornamos nós mesmos com os outros» (p.40) Nosso eu não nasce pronto, ele se forma continuamente, do início ao fim da vida, no decorrer do tempo, na relação com os outros. Nós aprendemos sobre nós a partir da interação com os outros = «uma crescente consciência de nós é derivada das respostas alheias» (p.41) Na infância, aprendemos a encenar diferentes «outros», por meio de papéis e uma variedade de personagens. São as atitudes do grupo, ao longo da vida, que nos mostram as regras dessa encenação e moldam nosso caráter.

Como nos tornamos nós mesmos Quem sou eu afinal? Vivemos um conflito interior a partir das contradições entre liberdade e dependência na vida social. O tempo todo temos que agir superando o conflito entre o que desejo e o que devo fazer por conta da presença dos outros que dão significado ao meu «eu». «Há, portanto, imagens de comportamento aceitável que são projetadas sobre nossas predisposições» (p.43). O que chamamos privilégio pode ser «um grau mais elevado de liberdade e mais baixo de dependência» (p. 49).

O que é biológico e o que é social? O comportamento humano tem uma base genética? Até que ponto somos cooperativos ou competitivos por natureza? Sabemos que as ações humanas diferem de uma cultura para outra! Nosso ego estaria dividido entre os instintos (id) de um lado e o superego (a voz da cultura controladora) do outro, como disse Freud? A sociedade tem a função de conter os impulsos animais nos humanos? = a isso se chama «processo civilizatório»

Socialização Socialização é o processo de formação do self (eu) e de como nossos instintos podem ou não ser suprimidos. (p.44) Somos socializados para sermos seres capazes de viver em sociedade. Para isso, precisamos internalizar as coerções sociais.

Socialização O que é se comportar de maneira aceitável? Quem determina os parâmetros do que é certo e errado em termos de comportamento humano? Grupos de referência = grupos em relação aos quais medimos nossas ações e que fornecem os padrões a que aspiramos (p.45). Pode ser o seu grupo ou outro grupo de referência comparativo (ao qual você não pertence) (p.46). O modo como vestimos, falamos, sentimos e agimos estão de acordo com nosso grupo de referência. Ou a um grupo de referência comparativo, como quando a mídia diz o que a moda recomenda, por exemplo.

Esses processos de socialização não são sempre conscientes. A socialização nunca cessa durante toda nossa vida. Nossos critérios e grupos de referência podem mudar várias vezes ao longo da vida. Nossa liberdade nunca está completa quando vivemos em sociedade. O outro está sempre limitando o potencial da minha liberdade e viceversa.