ANÁLISE QUALITATIVA DO EFEITO DA EQUOTERAPIA PARA CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL

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Transcrição:

ANÁLISE QUALITATIVA DO EFEITO DA EQUOTERAPIA PARA CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL QUALITATIVE ANALYSIS OF THE EFFECT OF EQUINE-ASSISTED THERAPY FOR CHILDREN WITH CEREBRAL PALSY EL ANÁLISIS CUALITATIVO DE LOS EFECTOS DE HIPOTERAPIA PARA NIÑOS CON PARÁLISIS CEREBRAL Jackeline Tuan Costa Ferreira Diego Lorenzi de Carvalho Flávia Cristina Carbonero Denise Campos RESUMO A paralisia cerebral (PC) é uma lesão que afeta o sistema nervoso central e determina uma desordem motora. A equoterapia é um método terapêutico que ajuda na reabilitação de crianças com deficiência. Este estudo teve por objetivo avaliar crianças com PC pré e pós-tratamento equoterapêutico. Tratou-se de um estudo de caso de três crianças com PC. Para avaliação foi utilizada a Medida de Independência Funcional (MIF). O tratamento foi realizado individualmente utilizando cavalo e protocolo de exercícios. Cada sessão durou 30 minutos, sendo uma vez por semana, durante seis meses. Após o tratamento, as crianças apresentaram aumento na pontuação total da MIF. Houve melhora nos itens relativos à autocuidados (alimentação, higiene pessoal, banho, vestir-se, uso do vaso sanitário), mobilidade (leito/cadeira, vaso sanitário, banheiro/chuveiro), locomoção (marcha/cadeira de rodas, escadas), comunicação (expressão) e cognição social (interação social, resolução de problemas). Concluiu-se que a equoterapia foi eficaz no tratamento de crianças com PC. Palavras-chave: Equoterapia, Terapia Assistida Por Cavalos, Paralisia Cerebral. ABSTRACT The Cerebral Palsy (CP) is a damage which affects the central nervous system and results in a motor disorder. The riding therapy is a therapeutic method that supports the rehabilitation of children with disabilities. This study aimed to assess children with CP before and after the riding therapy treatment. This was a case report of three children with CP. Functional Independence Measure (FIM) was used to assessment the children. The treatment was performed individually with a horse and an exercise protocol. Each session lasted 30 minutes, once a week, for six months. After treatment, the children increased their total FIM s score. There was improvement regarding the self-care practices (healthy feed, personal hygiene, bath, to dress themselves, to use the toilet), mobility (from the seat to the bed, 62

toilet/shower), locomotion (walking/wheelchair, stairs), communication (expression), social cognition (social interaction, to solve problems). It was concluded that riding therapy was effective for the CP children s treatment. Keywords: Equine-Assisted Therapy, Horseback Riding Therapy, Cerebral Palsy. RESUMEN La parálisis cerebral (CP) es una lesión que afecta al sistema nervioso central y determina un trastorno motor. La equinoterapia es un método terapéutico que ayuda en la rehabilitación de niños con discapacidades. Este estudio tuvo como objetivo evaluar niños con pre y postratamiento equoterapêutico PC. Este fue un estudio de caso de tres niños con parálisis cerebral. Para la evaluación se utilizó la medida de la independencia funcional (FIM). El tratamiento se realizó individualmente utilizando caballo y protocolo de ejercicio. Cada sesión duró 30 minutos, una vez por semana durante 6 meses. Después del tratamiento, los niños mostraron un aumento en la puntuación total de la FIM. Hubo una mejora en los elementos relacionados con el cuidado personal (nutrición, higiene personal, bañarse, vestirse, ir al baño), movilidad (cama/silla, tocador, baño/ducha), la locomoción (caminar/silla de ruedas, escaleras), comunicación (expresión) y la cognición social (interacción social, resolución de problemas). Se concluyó que la terapia equina fue eficaz en el tratamiento de niños con parálisis Palabras clave: La Hipoterapia, Caballos De Terapia Asistida, Parálisis Cerebral. 1 - INTRODUÇÃO A paralisia cerebral (PC) é uma lesão, ocorrida no período pré-natal, perinatal ou pós-natal, que afeta o sistema nervoso central imaturo ocasionando uma desordem no desenvolvimento motor. Alguns fatores são determinantes para a lesão cerebral irreversível. Os mais observados são infecções do sistema nervoso, hipóxia e trauma de crânio (CHAGAS et al., 2008). A disfunção motora se expressa em padrões anormais de postura e movimentos, associados com tônus postural anormal, e persistência de reflexos primitivos e anormais (MARTINEZ, 2005). A criança com PC apresenta anormalidade de tônus muscular, o que altera sua mobilidade. A hipotonia é caracterizada pela flacidez extrema, de modo que a criança não consegue produzir força muscular necessária para movimentar o corpo, sobretudo em oposição à gravidade (BARELA; ALMEIDA, 2006) Em contrapartida, a espasticidade caracteriza-se pelo aumento da resistência dos músculos aos movimentos passivos, havendo inabilidade para dissociar uma articulação em decorrência de sinergia anormal, podendo demonstrar incapacidade de ativar os músculos isoladamente e controlar a força muscular para produzir movimento voluntário (VASCONCELOS et al., 2009; ASSUNÇÃO et al., 2011). A alteração mais comum é a espasticidade, a qual se caracteriza por tônus muscular aumentado e reflexos tendíneos exacerbados. As crianças espásticas são classificadas em três categorias: quadriplegia, diplegia ou hemiplegia, de acordo com as partes do corpo que estão comprometidas (CHAGAS et al., 2008). A quadriplegia envolve todo o corpo, sendo os membros superiores os mais acometidos. Tratase de uma forma grave, onde a criança geralmente apresenta dificuldade para se alimentar e comunicar. Na diplegia, geralmente são acometidos os membros inferiores, havendo preservação do controle de tronco, cabeça, e membros superiores. Já a hemiplegia envolve alterações em um lado do corpo (MEDEIROS, 2008). Diante do quadro de alterações sensório-motoras apresentadas pelas crianças com PC, torna-se necessário a realização de estimulação global, em caráter multidisciplinar para favorecer o desenvolvimento neuropsicomotor (MEDEIROS, 2008). Em 1989 foi fundada a Associação Nacional de Equoterapia (ANDE) no Brasil; e em 1990, 63

aconteceu a primeira sessão de equoterapia com pacientes, realizada no centro da ANDE, com apoio dos profissionais de saúde do Hospital Sarah Kubitschek (MARTINEZ, 2005). A equoterapia é um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo para estimular o desenvolvimento biopsicossocial (MEDEIROS, 2008). Essa terapia pode proporcionar movimentos rítmicos, precisos e tridimensionais com a andadura do cavalo. O cavalo possui três andaduras: passo, trote e galope (SANCHES, 2010). O passo é a andadura mais utilizada na equoterapia. Trata-se de uma andadura rolada ou marchada, havendo um ou mais membros em contato com o solo, ritmada e cadenciada em quatro tempos, ouvindo-se quatro batidas distintas, nítidas e compassadas do pouso do membro do animal. Cabe destacar que o passo é uma andadura simétrica, de modo que todos os movimentos produzidos de um lado do animal são reproduzidos igualmente do outro (NASCIMENTO et al., 2010). O passo que o cavalo produz e transmite ao praticante é caracterizado por uma série de movimentos sequenciados e simultâneos, que tem como resultado um movimento tridimensional. No plano horizontal, é produzido um movimento para direita e esquerda; no plano transversal, ocorre um movimento para frente e para trás; e por fim, há uma pequena torção do quadril do praticante, provocada pelas inflexões no dorso do animal. Esta sequência de movimentos transmitidos pelo cavalo é altamente complexa. Tais movimentos são conduzidos ao cérebro, por meio do sistema nervoso, o qual gera respostas para ativar o organismo (MARTINEZ, 2005; NASCIMENTO et al., 2010; SEVERO, 2010). De modo geral, o movimento de aceleração e desaceleração do cavalo provoca inclinação anterior e posterior de pelve e tronco do praticante. Quando ocorre a aceleração do movimento ao passo, a pelve e o tronco do praticante de deslocam, inclinando-se para trás. Quando o cavalo firma o membro posterior no solo, na fase de desaceleração, o praticante inclina a pelve e o tronco para frente. Considerando o movimento que o cavalo faz de rotação da anca, ao trocar de membros posteriores, o praticante realiza movimento de flexão lateral da pelve. O terceiro movimento do passo efetiva-se quando o cavalo realiza deslocamento para frente do membro posterior, que provoca uma flexão em seu tronco, e consequentemente a rotação do tronco e pelve do praticante (NASCIMENTO et al., 2010; SEVERO, 2010). Acredita-se que a equoterapia pode proporcionar muitos benefícios ao praticante, exigindo a participação integral do corpo, regulando o tônus muscular, facilitando o desenvolvimento de controle postural, força muscular, coordenação motora, dissociação de cinturas, equilíbrio, propriocepção, autoconfiança e autoestima (SANCHES, 2010). Considerando-se as diversas alterações sensóriomotoras apresentadas pelas crianças com PC, pretende-se com essa pesquisa verificar os efeitos da equoterapia em três crianças com PC, utilizando a Medida de Independência Funcional (MIF), um instrumento recente, válido, preciso e universal para avaliar a capacidade funcional. Por meio desta escala é possível observar e quantificar a participação do indivíduo nos seus autocuidados, controle de esfíncteres, mobilidade, locomoção e nas suas funções mentais superiores (comunicação e cognição social). 2 - MÉTODOS Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Anhanguera Educacional (número: 013139/2013). Tratou-se de um estudo de caso de três crianças. Foram incluídas crianças de ambos os sexos, com diagnóstico de PC, que não faziam equoterapia nem a fisioterapia convencional. As crianças foram atendidas em um Instituto de Equoterapia, em Bragança 64

Paulista, com idade entre nove e dez anos, e os pais autorizaram a participação na pesquisa. Para avaliação foi utilizada a Medida de Independência Funcional (MIF) a qual foi desenvolvida pela Academia Americana de Medicina Física e de Reabilitação, com objetivo de criar um instrumento capaz de medir o grau de solicitação de cuidados. O instrumento citado gera parâmetros adequados para avaliação do paciente, permitindo uma visão global da estrutura corporal. O instrumento de avaliação pode ser utilizado em crianças e adultos. Trata-se de uma avaliação que não compreende unicamente atividades motoras, mas também os aspectos cognitivos e capacidade de comunicação. O principal objetivo da MIF é avaliar de forma quantitativa os cuidados para realização de séries de tarefas motoras e cognitivas de vida diária. Estas atividades incluem aspectos relativos ao autocuidado, transferências, locomoção, controle esfincteriano, comunicação e cognição social, incluindo memória, interação social e resolução de problemas. A pontuação obtida em cada atividade varia de 1 ponto (dependência total) a 7 pontos (independência completa). Portanto, a pontuação total pode variar de 18 a 126 pontos. Esta avaliação dura em torno de 20 a 40 minutos, gerando uma comparação de valores médios de cada uma das tarefas da MIF (RIBEIRO et al., 2004). Níveis: (1) Dependência completa (0%) (2) Dependência máxima (25%) (3) Dependência moderada (50%) (4) Dependência mínima (75%) (5) Supervisão (6) Independência modificada (ajuda técnica) (7) Independência Completa (em segurança, em tempo normal) As crianças foram avaliadas por um único terapeuta, para evitar a variação interobservador. Após avaliação inicial com a MIF, as crianças receberam atendimentos individuais específicos na equoterapia. A principal ferramenta foi o cavalo, escolhido de acordo com o perfil de cada criança. Foram utilizados sela, estribos e alça longa para manter a segurança. O protocolo de exercícios incluía: elevar e sentar na sela para fortalecimento de membros inferiores; jogos lúdicos, exercitando a memória, atenção, e fazendo uma boa socialização com os terapeutas. Além disso, durante a sessão, foram realizadas brincadeiras de mudança de postura sobre o cavalo, tais como: andar no cavalo em postura invertida; deitado em decúbito dorsal e ventral na postura de índio ferido ; posicionar as mãos na crina e na anca do cavalo; e diversas posições com os membros superiores, fazendo asa de avião (braços em abdução), asa de borboleta (com as mãos atrás da cabeça), foguete (com as mãos elevadas) e super-herói (braços para frente). O circuito com o cavalo foi realizado em diferentes tipos de solo (grama e concreto) a fim de proporcionar balanços e estímulos. Os solos de grama foram menos impactantes e geraram mais estímulos, tendo aclives e declives; e o solo de concreto foi mais impactante, porém não gerou tanto estímulo quanto os solos de grama. Foram realizados também métodos de manejo do cavalo, que não necessariamente precisava estar montado como: escovar os pelos do cavalo com vários tipos de escovas, para estimular o conhecimento de texturas e temperaturas. Essas atividades trabalharam muitos aspectos físicos relativos aos músculos de membros superiores e membros inferiores, tais como: alongamento e fortalecimento muscular, controle postural, propriocepção, dissociação de cinturas, coordenação motora e equilíbrio. O tempo de cada sessão variou em torno de 30 minutos, sendo uma vez por semana, durante seis meses. 65

Após este período de tratamento, a MIF foi aplicada novamente pelo mesmo terapeuta em cada criança, para colher informações da assistência equoterapêutica. 3 - RESULTADOS A criança 1 era do sexo feminino, tinha dez anos de idade e diagnóstico clínico de quadriplegia espástica. As crianças 2 e 3 eram do sexo masculino, tinham diagnóstico de diplegia espástica e idade de nove e dez anos, respectivamente. A tabela 1 mostra a avaliação das crianças pré e pós tratamento equoterapêutico. Pôde-se notar que as três crianças apresentaram aumento na pontuação total da MIF. Houve melhora para realização das atividades de vida diárias relacionadas à autocuidados, mobilidade, locomoção, comunicação e cognição social. 4 - DISCUSSÃO O presente estudo teve como foco avaliar três crianças com PC antes e depois do tratamento equoterapêutico. Pôde-se notar que todas as crianças foram beneficiadas com o tratamento. Porém, as crianças 2 e 3 apresentaram maior ganho de pontuação em relação a criança l. Um fator que pode ter contribuído para tal achado refere-se às características clínicas das crianças. No estudo de Chagas et al. (2008) as crianças com PC foram classificadas funcionalmente por meio da escala Gross Motor Function Classification System (GMFCS). Os resultados mostraram que as crianças hemiplégicas foram classificadas com comprometimento leve, as crianças diplégicas foram classificadas com mais frequência com comprometimento leve e moderado, e a maioria das crianças quadriplégicas foram classificadas com comprometimento grave. Seguindo essa linha de pensamento, teoricamente as crianças 2 e 3 do nosso estudo (com diagnóstico de diplegia espástica) tinham maior potencial de recuperação, visto que o comprometimento Tabela 1 - Avaliação das crianças com a MIF pré e pós tratamento equoterapêutico. Atividades Avaliadas Criança 1 Criança 2 Criança 3 Auto-cuidados Pré Pós Pré Pós Pré Pós Alimentação 2 2 3 4 3 5 Higiene pessoal 1 1 2 3 2 3 Banho (lavar o corpo) 1 1 2 3 2 3 Vestir-se acima da cintura 1 1 3 4 3 4 Vestir-se abaixo da cintura 1 1 2 2 1 2 Uso do vaso sanitário 1 1 1 2 1 2 Controle dos Esfíncteres Pré Pós Pré Pós Pré Pós Controle de urina 2 2 5 5 5 5 Controle de fezes 2 2 5 5 5 5 Mobilidade Transferências Pré Pós Pré Pós Pré Pós Leito, cadeira, cadeira de rodas 1 1 3 4 2 4 Vaso sanitário 1 1 3 4 2 4 Banheiro ou chuveiro 1 1 3 4 2 4 Locomoção Pré Pós Pré Pós Pré Pós Marcha/ cadeira de rodas 1 2 3 4 2 4 Escadas 1 1 3 4 2 3 Comunicação Pré Pós Pré Pós Pré Pós Compreensão 3 3 7 7 7 7 Expressão 2 3 7 7 7 7 Cognição Social Pré Pós Pré Pós Pré Pós Interação social 1 2 6 7 5 7 Resolução de problemas 1 1 3 5 3 5 Memória 3 3 7 7 7 7 66

Total 26 29 68 81 61 81 MIF: Medida de Independência Funcional neuromotor era menor que a criança 1 (com diagnóstico de quadriplegia espástica). É possível que as crianças clinicamente mais comprometidas se beneficiem de protocolos de tratamento diferenciados e tempo de reabilitação maior em relação às crianças menos comprometidas. Entretanto, cabe destacar, que as três crianças do presente estudo apresentaram melhora para realização das atividades de vida diárias relacionadas aos autocuidados, mobilidade, locomoção, comunicação e cognição social. Esses resultados confirmam os achados da literatura, os quais revelam que após as sessões de equoterapia, as crianças com PC melhoram o alinhamento postural, a modulação do tônus, o controle de tronco, o posicionamento da cabeça e endireitamento do tronco na postura sentada (LOCATELLI; ROMERO, 2011). De modo geral, a equoterapia é capaz de promover controle postural e coordenação de movimentos, pois melhora as relações das partes superiores com as inferiores do tronco, do tronco com a pelve e da pelve com as pernas, estimulando a aquisição de um equilíbrio melhor (SEVERO, 2010). Acredita-se que a equoterapia pode influenciar positivamente o equilíbrio estático e dinâmico de crianças com PC do tipo diplegia espástica, aprimorando suas habilidades motoras e contribuindo para o prognóstico de marcha (COIMBRA et al., 2006). Estes dados corroboram com os resultados do presente estudo, onde as crianças 2 e 3 (com diagnóstico de diplegia espástica), assim como as crianças do estudo de Coimbra et al. (2006), apresentaram menor dificuldade para realizar a marcha e subir escadas após a intervenção. Vale ressaltar ainda que em nosso estudo também houve melhora da marcha para a criança 1, que apresentava quadriplegia espástica. Resultados semelhantes foram encontrados por Araújo et al. (2010). Este estudo incluiu 27 crianças com PC do tipo espástica e avaliou o alinhamento e a simetria de cabeça, ombros, tronco, coluna, e pelve no pré e pós-tratamento com equoterapia. Os autores constataram melhora na coordenação dos movimentos e tonicidade, contribuindo assim, para o prognóstico de marcha das crianças. Outro estudo mostrou melhora em crianças com PC do tipo quadriplégica que realizaram equoterapia. Houve aumento de pontuação na escala Gross Motor Function Mensure (GMFM), sugerindo melhora na habilidade de sentar e no controle de cabeça, os quais permitiram aumento do campo visual, melhora da socialização e autoestima dessas crianças (NASCIMENTO et al., 2010). 5 - CONCLUSÃO Concluiu-se, neste estudo, que a equoterapia foi eficaz no tratamento das crianças com PC. Após o tratamento, as três crianças apresentaram melhora para realização das atividades de vida diárias relacionadas à autocuidados, mobilidade, locomoção, comunicação e cognição social. Contudo, é importante salientar a necessidade de aprofundamento e realização de novas pesquisas sobre os benefícios da equoterapia, visto a escassez de estudos sobre o tema. Estudos futuros deveriam comparar a utilização da equoterapia nos diferentes diagnósticos clínicos de PC, buscando entender, por exemplo, se as crianças mais comprometidas poderiam se beneficiar de protocolos de tratamento diferenciados ou tempo de reabilitação maior em relação às crianças menos comprometidas. 6 - REFERÊNCIAS ARAUJO, A.E.; RIBEIRO, V.S.; SILVA, B.T.F. A equoterapia no tratamento de crianças com paralisia cerebral no Nordeste do Brasil. Fisioter. Bras., v.11, p.4-8, 2010. 67

ASSUNÇÃO, M.S.; PIUCO, E.C.; CORRÊA, E.C.R.; REIS, L.G.K. Coativação, espasticidade, desempenho motor e funcional na paralisia cerebral. Motriz: Rev. Educ. Fis., v.17, n.4, p.650-659, 2011. BARELA, A.M.F.; ALMEIDA, G.L. Controle de movimentos voluntários no membro superior não plégico de portadores de paralisia cerebral hemiplégica espástica. Braz. J. Phys. Ther., v.10, n.3, p.325 332, 2006. CHAGAS, P.S.C.; DEFILIPO, E.C.; LEMOS, R.A.; MANCINI, M.C.; FRÔNIO, J.S.; CARVALHO, R.M. Classificação das funções motoras e do desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral. Braz. J. Phys. Ther., v.12, n.5, p. 409 416, 2008. COIMBRA, S.A.L.; BONIFÁCIO, T.D.; SANCHES, K.C.; SOUZA, M.F.; JORGE, D.A. A influência da equoterapia no equilíbrio estático e dinâmico: apresentação de caso clínico de encefalopatia não progressiva crônica do tipo diparético espástico. Fisioter. Bras., v.7, n.5, p. 391-395, 2006. LOCATELLI, J.P.; ROMERO, C.H. Os efeitos da equoterapia em pacientes com paralisia cerebral. FIEP Bulletin On-line, v.79, n.2, p.109-112, 2009. MARTINEZ S.L. Fisioterapia na Equoterapia. Análise de seus efeitos sobre o portador de necessidades especiais. São Paulo, Idéias & Letras, 2005. 127p. MEDEIROS M. A criança com disfunção neuromotora, a equoterapia e o Bobath na prática clínica. Rio de Janeiro: Revinter, 2008. 139p. NASCIMENTO, M.V.M.; CARVALHO, I.S.; ARAUJO, R.C.S.; SILVA, I.L.; CARDOSO, F.; BERESFORD, H. O valor da equoterapia voltada para o tratamento de crianças com paralisia cerebral. Braz. J. Biomotricity, v.4, p. 48-56, 2010. SANCHES, S.M.N. Equoterapia na reabilitação da meningoencefalocele: estudo de caso. Fisioter. Pesqui., v.17, n.4, p. 358 361, 2010. SEVERO, J.T. Equoterapia, equitação, saúde e educação. São Paulo, Senac, 2010. 368p. RIBEIRO, M.; MIYAZAKI H.M.; JUCÁ S.S.; SAKAMOTO H; PINTO NP; BATTISTELLA, L. Validação da versão brasileira da medida de independência funcional. Acta fisiatr., v.11, n.2, p. 72 76, 2004. VASCONCELOS, R.L.M.; MOURA, T.L.; CAMPOS, T.F.; LINDQUEST, A.R.R.; GUERRA, R.O. Avaliação do desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral de acordo com níveis de comprometimento motor. Braz. J. Phys. Ther., v.13, n.5, p.390 397, 2009. Recebido em: 21.11.2016 Aceito em: 17.03.2017 68