DO MODELO KEYNESIANO-FORDISTA AO SISTEMA DE ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL: MUDANÇAS NO PERFIL DO TRABALHO E NA QUALIFICAÇÃO Ricardo Afonso Ferreira de VASCONCELOS PGTE Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Domingos Leite Lima Filho PGTE Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) RESUMO: Nas ultimas décadas do século XX ocorreram significativas mudanças no sistema produtivo e na estrutura da sociedade e economia capitalista. O modelo Keynesiano e fordista passou a ser questionado pelo neoliberalismo. Desenvolveu-se o modelo de produção flexível e as relações de trabalho foram seriamente afetadas e modificadas. E tais alterações ocorridas na relação entre capital e trabalho revelaram-se através de uma mudança de correlação de forças nitidamente desfavorável aos trabalhadores, pois, o término do século passado e início do novo milênio revelaram uma nova roupagem de dominação capitalista baseada na flexibilização, na produção e nas relações de trabalho e, consequentemente, também trouxe a precarização do trabalho, traduzida em novos cenários de desemprego estrutural, desregulamentação social e da legislação do trabalho, aumento do emprego temporário e terceirização. Por conseguinte, novas exigências de perfil qualificação do trabalhador foram impostas e consequentemente, tornaram o mundo do trabalho mais hostil às camadas exploradas e excluídas da sociedade capitalista. Portanto, além de um breve estudo sobre as mudanças ocorridas no mundo do trabalho desde o modelo produtivo Taylorista-Fordista até o modelo de acumulação flexível, pretende-se analisar, a questão do novo perfil de qualificação do trabalhador ligado aos conceitos de competência e empregabilidade, relacionando-o com a política de educação profissional adotada em meados dos anos 90 no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Mudanças no trabalho; competência e educação profissional. 1. Introdução
Este artigo pretende discutir algumas das principais mudanças ocorridas no mundo do Trabalho e a partir delas refletir sobre a situação e desafios no que concerne a formação dos trabalhadores na atualidade. O artigo está dividido em três partes. Em primeiro lugar discute - se aspectos referentes à crise e as mudanças ocorridas no capitalismo durante os anos 70 e 80 e que estão associadas à crise do modelo Keynesiano-Fordista e ao surgimento do modelo de acumulação flexível. O segundo tópico trata do perfil de trabalhador exigido a partir da reestruturação produtiva das últimas décadas e as novas exigências de qualificação profissional. Finalmente, no terceiro e último tópico discute-se o processo de reestruturação produtiva no Brasil e os seus desdobramentos no âmbito da redefinição do perfil de qualificação profissional e na reestruturação das políticas públicas voltadas para a educação profissional e que foram implantadas nos anos 90 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. 2. Mudanças no capitalismo: crise do modelo Keynesiano-fordista Até meados dos anos 60 o modelo Keynesiano-Fordista vigorou plenamente estável nos EUA e países aliados da Europa Ocidental. No entanto, segundo Harvey (1992) e Antunes, (1999) o final da década de 1960 marcou o início da crise de hegemonia deste modelo em decorrência do aumento da demanda de produção por parte dos países da Europa Ocidental e do Japão. Estas regiões centrais do capitalismo experimentaram modernizações em seus parques industriais e passaram a oferecer produtos (gêneros manufaturados) a preços e custos mais competitivos pressionando a demanda em nível mundial. Assim é descrito este novo cenário: Em primeiro lugar, o grande deslocamento do capital para as finanças foi a conseqüência da incapacidade da economia real, especialmente das indústrias de transformação, de proporcionar uma taxa de lucro adequada. Assim, o surgimento de excesso de capacidade e de produção, acarretando perda de lucratividade nas indústrias de transformação a partir do final da década de 1960, foi a raiz do crescimento acelerado do capital financeiro a partir do
final da década de 1970 [...] As raízes da estagnação e da crise atual estão na compressão dos lucros do setor manufatureiro que se originou no excesso de capacidade e de produção fabril, que era em si a expressão da acirrada competição internacional (BRENNER apud ANTUNES, 1999, p. 30). Harvey aponta neste contexto de aumento de demanda uma rigidez do modelo Keynesiano - Fordista: De modo mais geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do Fordismo e do Keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor monopolista ). (HARVEY, 1992, p. 135) O início dos anos 70 agravou o quadro de instabilidade em decorrência da eclosão da Crise do Petróleo de 1973. a diminuição da oferta deste insumo energético fez aumentar os gastos com energia das nações industrializadas. Em médio prazo, ocorreu o aumento dos juros em âmbito financeiro internacional o que contribuiu para o encarecimento dos empréstimos aos países pobres e especialmente, as nações emergentes ou em via de desenvolvimento. A economia do Brasil, a exemplo, neste período final dos anos 70 - foi marcada pelo rápido e substancial crescimento da dívida externa e do processo inflacionário, bem como o inicio do processo recessivo com aumento do desemprego e do arrocho salarial para a classe trabalhadora. Em âmbito mundial, a segunda metade dos anos 70 marcou o início de um período de recessão, particularmente na economia norte-americana. A partir daí as bases do modelo Keynesiano Fordista foram questionadas. No âmbito da produção, a crise instaurada demonstrou que o Fordismo era um sistema rígido que não conseguiu dar respostas rápidas para superar os obstáculos que se apresentavam naquele novo contexto. No Japão, ao contrário, onde a produção baseava-se no modelo Toyotista a produção já adotava os princípios da flexibilidade produtiva, por conseguinte, um sistema
produtivo mais ágil e capaz de responder de forma mais eficiente às novas exigências de um mercado em crise e com profundas contradições. Dessa forma, comparando com o Fordismo, Harvey assim delineia os traços da nova estrutura produtiva: A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimentos de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. (Idem, p.140). No âmbito do Estado Keynesiano, o aumento dos gastos governamentais e a crise fiscal decorrente de uma maior emissão de moeda resultaram nos Estados Unidos em uma crise de estagflação - estagnação econômica associada à inflação. As diretrizes econômicas do Estado Keynesiano tornaram-se inflacionárias, sendo que as despesas públicas cresciam enquanto a capacidade fiscal estagnava. E, em decorrência deste quadro de crise as idéias ligadas ao Welfare State passam a ser criticadas por intelectuais conservadores vinculados às idéias monetaristas e neoliberais. O ajuste neoliberal da crise preconiza a defesa do mercado livre, como pressuposto da liberdade civil e política; a desregulamentação da economia e administração; a configuração do estado mínimo, subordinados às prerrogativas do mercado; e, finalmente, oposição e crítica aos sistemas de proteção social [...] O neoliberalismo tem seus princípios expressos na economia de mercado, na regulação estatal mínima e na formação de uma cultura que deriva liberdade política da liberdade econômica (MOTA apud ALMEIDA; ALENCAR, 2001, p.100). O final dos anos 70 e início dos anos 80 marcou a subida ao poder de Ronald Reagan e Margareth Tatcher, respectivamente nos Estados Unidos e Inglaterra. O conservadorismo destes governos deu início ao longo processo de estruturação de uma hegemonia ideológica de caráter neoliberal.
2 O Modelo de Acumulação Flexível e as mudanças no mundo do trabalho Segundo Antunes (1997, p.17) atribui-se a Sobel e Piore o pioneirismo na tese da especialização flexível. Tal sistema em comparação ao Fordismo apresenta vantagens compatíveis com as novas demandas do capital, especialmente a partir dos anos 80. Tal modelo produtivo o de acumulação flexível - engendrou uma série de mudanças produtivas dentre elas: -Na Produção, busca maior produtividade e flexibilidade através da produção em pequenos lotes, com diminuição do tempo de giro de produção decorrente do uso de novas tecnologias. Também ocorrem mudanças no âmbito gerencial/organizacional permitindo a implantação do sistema Just-in-time, ou seja, aquele sistema no qual o produto ou matéria prima chega ao local de utilização somente no momento exato em que for necessário, sendo que os mesmos somente são fabricados ou entregues a tempo de ser vendidos ou montados. -Novas formas de gestão da mão-de-obra, pois, trabalhadores passam a vivenciar um novo ambiente tendo por base o princípio do maior envolvimento destes com o processo de controle de qualidade da produção. De acordo com a linguagem da ciência administrativa, a departamentalização e a verticalização - próprias do Fordismo - são substituídas pela horizontalização e maior participação dos trabalhadores, tanto no controle de produção como no processo de gestão participativa dos grupos de trabalho. -Precarização do Trabalho, ou seja, a estruturação do modelo de produção flexível implicou diretamente na expansão do Desemprego Estrutural. Seja nos países centrais do capitalismo ou nos países periféricos constata-se desde os anos 80 a progressiva expansão do desemprego, em especial, aquele ligado as mudanças tecnológicas e organizacionais implantadas pelas empresas. Exemplos significativos desta situação são enumerados por Antunes (1997, p. 41-47) no que se refere a retração dos contingentes de trabalhadores da industria manufatureira. Tal cenário trouxe também como novo elemento a questão da desproletarização do trabalho fabril, ou seja, o movimento de redução do operário industrial e o aumento do subproletariado. Países como Estados Unidos, Itália, Canadá têm enfrentado tal fenômeno econômicoprodutivo. O referido autor também indica que ocorreu uma drástica redução de
emprego por tempo completo e o aumento dos empregos em tempo parcial. Outro aspecto de mudança ocorrida no universo do trabalho diz respeito ao aumento da presença feminina no mercado de trabalho. No entanto, tal mudança não significa um resgate da dignidade da mulher ou ainda a aceitação deste gênero no sistema produtivo em condições de igualdade em relação a força de trabalho masculina. Efetivamente, as mulheres estão sendo utilizadas como força de trabalho depreciada, em atividades parciais, cada vez mais precarizadas e insalubres (HIRATA, 1996, p. 54). Além disso, as mudanças ocorridas no âmbito do trabalho também colocam em evidência a questão da qualificação do trabalhador. Isto ocorre por causa das mutações no universo da classe trabalhadora que varia de ramo para ramo, de setor para setor etc.. Desqualificou-se o trabalho em vários ramos ou atividades. Paralelamente a esta tendência se acrescenta outra, dada pela desqualificação de inúmeros setores operários, atingidos por uma gama diversa de transformações que levam de um lado, a desespecialização do operário industrial oriundo do fordismo. (ANTUNES, 1997, p. 52). - Mudanças no perfil do Estado, ou seja, a partir da crise do modelo Keynesiano - Fordista e das modificações impostas pelas grandes corporações capitalistas dentre as quais: demissões para enxugamento de pessoal, reestruturação na linha de produção, políticas de redução de salários e benefícios sociais, além das reformas governamentais com cortes nos gastos públicos, especialmente na área social, aumento de impostos e políticas antiinflacionárias ocasionaram reações dos trabalhadores. Por outro lado, muitas empresas iniciaram programas de reestruturação tendo como modelo a acumulação flexível. Já, sob a hegemonia do modelo flexível cada vez mais adotado pelas empresas do Ocidente a partir dos anos 80 e que desde os anos 60 vinha sendo estruturado no Japão sob a forma do Toyotismo. Foram desenvolvidos os programas de controle de Qualidade, o Kanban, o Jus-in-time e outros mecanismos de reestruturação produtiva objetivando otimizar lucros e aumentar a rentabilidade na produção. No âmbito das relações trabalhistas o modelo flexível japonês provocou mudanças no tratamento dispensado aos sindicatos. Combinando repressão com cooptação, o sindicalismo de empresa teve como contrapartida à sua subordinação patronal, a obtenção do emprego
vitalício [...] e também ganhos salariais decorrentes da produtividade... (ANTUNES, 1997: p. 25). Segundo Hirata (1996, p. 54-55) dentre as mudanças recentes no modelo japonês de relações industriais e de organização da empresa estão: a expansão do trabalho feminino e do emprego de estrangeiros. Sobre este último é importante ressaltar que geralmente são trabalhadores recrutados para trabalho não-qualificado ou semi-qualificado, na condição de ilegalidade e recrutados em países asiáticos ou ainda imigrantes descendentes de japoneses oriundos do Brasil, Argentina e Peru. 3 O novo perfil de trabalhador Na perspectiva do paradigma de produção Taylorista Fordista o perfil de mão-de-obra exigido por este sistema produtivo diz respeito a um trabalhador especializado, geralmente semi-qualificado e voltado para a execução de tarefas simples, parceladas e repetitivas. Por conseguinte - nesta perspectiva os cursos de treinamento tinham como função especializar o trabalhador numa determinada etapa da produção específica de um determinado ramo industrial. Pouco se falava sobre conhecimento generalizante. Também pouco se falava sobre desenvolvimento de iniciativa, de concepção ou geração de idéias referentes ao processo de gerenciamento ou planejamento da produção. De maneira que, em poucas ocasiões os trabalhadores eram ouvidos no que concerne ao processo produtivo como um todo ou sobre os rumos da produção e gestão da empresa. Ao contrário, o cotidiano do trabalhador possibilitava apenas a execução de tarefas. Com o surgimento e desenvolvimento do sistema de acumulação flexível ocorreram mudanças na estrutura produtiva. Tendo como referência principal o Toyotismo desenvolveu-se, pois, um novo modelo ou perfil de trabalhador: polivalente, mais participativo e mais envolvido no processo de controle de qualidade e produtividade em seu ambiente de trabalho. Além disso, a constituição de Círculos de Controle de Qualidade induzem o trabalho em equipe, com maior espaço para discussão, crítica e auto-crítica (feedback), uma estrutura mais horizontalizada e, por conseguinte, menos departamentalizada/verticalizada. Também, exige-se do trabalhador
conhecimentos mais abrangentes e diversificados, uma postura mais coletiva e dinâmica. Hirata (1996, p. 47) ressalta que no modelo japonês toyotista predomina a prática da polivalência generalizada (fabricação, manutenção, controle de qualidade e gestão dos fluxos assegurada pelo mesmo operário de produção) e de um rodízio bastante amplo de tarefas, diferenciando-se, portanto, do modelo fordista clássico em decorrência do envolvimento do trabalhador no processo produtivo (idem). Não obstante, tais exigências de polivalência, flexibilidade, versatilidade, com sólida e atualizada formação profissional e cultural não garantem ao trabalhador salários mais elevados. A preferência das empresas que recrutam trabalhadores recai sobre aqueles que estão dispostos a aceitar postos de trabalho precarizados e com baixos rendimentos. Além do que, o espírito crítico e de iniciativa do pretendente ao emprego não deve extrapolar os limites da inconveniência de questionar a exploração empresarial ou ainda suscitar o espírito de combatividade ou militância sindical. A respeito deste novo perfil de trabalhador afirma-se que: As características da organização do trabalho da empresa japonesa em ruptura com o taylorismo e o fordismo são essencialmente o trabalho cooperativo em equipe, a falta de demarcação das tarefas a partir dos postos de trabalho e tarefas prescritas a indivíduos, o que implica num funcionamento fundado sobre a polivalência e a rotação de tarefas (de fabricação, de manutenção, de controle de qualidade e de gestão de produção). O trabalhador japonês, polivalente e multifuncional, Não tem uma visão parcial e fragmentada, mas uma visão de conjunto do processo de trabalho em que se insere (J. Megaud e K. Sugita, 1992). Tal visão de conjunto é necessária para julgar, discernir, intervir, resolver problemas, propor soluções a problemas concretos que surgem cotidianamente no interior do processo de trabalho. (HIRATA: 1996, p. 130). 4 - O novo modelo de competências Como já foi mencionado antes, o novo modelo de produção flexível exige novas atitudes e habilidades no processo produtivo. Por isso, a produção flexível requer um perfil diversificado de trabalhador, criando assim, novas demandas de formação e qualificação profissional.
Se antes, no modelo taylorista/fordista, predominava o conceito de qualificação do emprego, já no modelo de acumulação flexível desenvolve-se o novo conceito de competência, intrinsecamente associado aos novos cenários de empregabilidade e flexibilidade. As mudanças decorrentes do processo de globalização e a adoção de novos padrões de produção industrial caracterizado, principalmente, pela flexibilidade impõe a necessidade de reestruturar a educação profissional, visando sua adequação aos novos requisitos exigidos dos trabalhadores [...] (OLIVEIRA, 2003:32). O novo perfil de competência tem a ver com o aumento do desemprego em particular o estrutural e com ele, a crise da noção de postos de trabalho (Zarifian apud Hirata, 1996, p. 133). A competência remete, assim, a um sujeito e a uma subjetividade, e nos leva a interrogar sobre condições subjetivas (e intersubjetivas) da produção (idem: 133). Portanto, no modelo Taylorista/Fordista a qualificação estava intimamente ligada à lógica de produção baseada na relação intrínseca entre qualificação e posto de trabalho, bem como entre qualificação e trabalho especializado, havendo regras mais claras e objetivas de perfil de trabalhador. Já, o modelo de acumulação flexível carrega em si certos padrões de subjetividade, valorizando determinados atributos pessoais ligados a individualidade, tais como: espírito de liderança, capacidade de relacionar-se em grupo, espontaneidade etc. Isso, abre espaço para avaliações arbitrárias e apreciações baseadas em critérios nada objetivos que se refere a determinação de perfil do trabalhador para determinada realidade da empresa. 5. O Brasil dos anos 80 e 90 e a reestruturação produtiva. No âmbito econômico, a crise do Milagre Econômico desencadeada em meados dos anos setenta, deixou como herança para a década seguinte os anos oitenta o aumento da inflação, a crise fiscal do Estado e a recessão econômica. Era o quadro econômico definido como estagflação. Depois de um breve período de reaquecimento econômico, nos anos de 1984 e 1985, o fracasso dos Planos Econômicos: Cruzado I e II, Verão e outros, durante o governo Sarney (1985-1989) desencadearam forte crise inflacionária marcando os anos oitenta como a década perdida, em decorrência do persistente quadro recessivo em nosso país.
O início da década de noventa foi marcado pela ascensão de governos de tendência neoliberal. Collor, Itamar e Fernando Henrique representaram governos comprometidos com ajustes econômicos, políticos e sociais que promoveram medidas de controle fiscal e antiinflacionária e ajustes econômicos de acordo com o receituário dos organismos internacionais (Banco Mundial, FMI) e sintonizaram o Brasil com o novo processo de hegemonia capitalista em curso: a globalização ou mundialização e o neoliberalismo. E foi neste contexto das décadas de 1980 e 1990 que ocorreram importantes mudanças produtivas no Brasil. O processo de reestruturação produtiva no Brasil ocorreu de maneira efetiva no início da década de 1990. Antes desse período, segundo Márcia de Paula Leite (1994: p. 565-566), no início dos anos oitenta ocorreram algumas experiências de mudanças baseadas na difusão do CCQs (Círculos de Controle de Qualidade), que foram adaptações da experiência japonesa no Brasil e em decorrência da resistência dos gerentes em criar esquemas participativos para os trabalhadores e a tentativa de desviar o ímpeto participativo dos trabalhadores para formas alternativas de organização que contassem com maior controle gerencial acabaram por esvaziar tais experiências levando-as ao fracasso (Idem, p. 566 ). Na segunda fase, que ocorre em 1984-1985 percorrendo a segunda metade da década de 80, foi caracterizada por Leite (1994: p.565-567), como o período da rápida difusão dos equipamentos com base nas MFCN (máquinas-ferramentas de controle numérico), robôs e sistemas CAD/CAM. Também, foram implementadas novas formas organizações tais como: controle de Qualidade na Produção, o just-in-time e as células de fabricação (organização das máquinas a partir de fluxos de produção). E, não obstante os avanços deste período, vários problemas ocorreram, entre eles: a resistência do empresariado em lidar com a maior participação dos trabalhadores nos processos de decisão; distorção do conceito original de just-in-time criando um perfil de trabalhador padronizado e polivalente (apenas para alimentar várias máquinas). Estabeleceu-se um just-in-time taylorizado com menos compromisso dos trabalhadores e mais uso da coerção e pressão por parte das gerências (Idem, p. 565-567). E, ao contrário do Japão onde havia para
parcela dos trabalhadores a estabilidade no emprego, aqui, permaneceu a alta rotatividade da mão-de-obra no mercado. O início dos anos noventa marcou a terceira fase de mudanças produtiva no Brasil. Caracterizada por maior difusão dos Programas de Qualidade Total e busca por maior competitividade e produtividade, maior processo de terceirização e precarização das condições de trabalho ou seja, com menor nível de salário, de benefícios sociais, maior jornada de trabalho, maior negligência quanto ao uso de equipamentos de segurança ou cuidados em atividades e prevenções em insalubres (Leite: 1994, p. 373 e se.). 6. Mudanças na política de educação profissional A mudança na política educacional ocorrida em meados dos anos 90 no Brasil não deve ser vista como uma iniciativa isolada. Tal mudança está inserida no contexto maior da política de reformas neoliberais colocadas em prática pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Sobre a orientação ideológica neoliberal dessa reforma, Lima Filho (1999, p. 123) afirma: Um dos pontos nodais da reforma estrutural é a redefinição do papel do Estado, sob os paradigmas da desregulamentação, flexibilização e privatização. Essa é a concepção, centrada na lógica do mercado, que passa a orientar as políticas públicas, e é neste contexto e nestes limites que se inscrevem as reformas educacionais em curso no Brasil. Esta nova política educacional teve como pressupostos as idéias de que: a) seria necessário racionalizar recursos na área de educação; b) redirecionar investimentos educacionais priorizando a educação voltada para a profissionalização e para atender as novas demandas de competências exigidas pelo mercado de trabalho; c) reestruturar o ensino técnico-profissional desvinculando-o da educação de ensino médio e direcionando aluno para o mercado de trabalho logo após a conclusão do curso técnico ou tecnológico. A reforma educacional teve como seu principal instrumento jurídico-normativo o Decreto no. 2.208/97 de 17.04.97. Para Lima Filho uma das principais funções dessa reforma é:... a de proporcionar uma alternativa ao ensino superior. Esta função contenedora [sic] é buscada pela oferta de cursos pós-
médios para a formação de tecnólogos. A reforma, ao mesmo tempo que redireciona a demanda para estes cursos, vincula às necessidades imediatas do mercado a oferta de cursos, a flexibilização de currículos e a própria organização e gestão das instituições educacionais. Enfim, a relação educação-trabalho é reduzida ao paradigma fornecedor-cliente, no qual a escola é associada ao primeiro e a empresa ao segundo. Os produtos educandos, assessorias etc., são como outras mercadorias, que tem suas ofertas, demandas e valores de troca regulados conforme as relações de mercado. (Idem: 126). O mesmo decreto de reforma também permitiu a estruturação de cursos em módulos de curta duração e a separação entre a rede de educação profissional e a estrutura educacional regular, reforçando o velho sistema de dualidade escolar, no qual, a educação profissional desde a sua implantação no Brasil sempre foi vista como uma estrutura à parte, separada do sistema regular de ensino e destinada à profissionalização dos filhos de camadas pobres ou menos favorecidas. A análise de Lima Filho conclui que a reforma educacional de 1997 contribuiu para aumentar a exclusão social. Além disso, pode-se afirmar que, esta reforma contribui para reforçar o modelo de educação pautado na Teoria do Capital Humano, que prioriza investimentos na área educacional, visando fornecer mão-de-obra a ser utilizada pelos empresários capitalistas no mercado de trabalho. 7. Considerações Finais Durante o desenvolvimento do capitalismo a questão da qualificação do trabalhador frequentemente foi influenciada pelas mudanças produtivas. Tais mudanças frequentemente trouxeram à tona a contradição: qualificação/desqualificação. No modelo taylorista-fordista foi construído um perfil de trabalhador especializado e, dependendo da atividade produtiva, atributos ou necessidades de maior ou menor qualificação. Por conseguinte, em torno das necessidades de qualificação estrutura-se um determinado perfil profissional geralmente delineado nas escolas e cursos de formação profissional. A partir do advento do sistema flexível passou-se a exigir um perfil modificado de mão-de-obra, mais versátil, multifuncional. As exigências do
mercado para as profissões passam a mudar muito rapidamente, aumentando o descompasso entre a qualificação fornecida pela escola e a desqualificação efetiva do mundo do trabalho. Além do que, em vista da constante mudança definida pela crescente flexibilização do trabalho, define-se a partir dos anos oitenta do século passado, um novo perfil de trabalhador baseado no modelo de competências. Inserido nesta dinâmica, em sua origem, o ensino técnico no Brasil foi profundamente marcado pela necessidade imposta pelas elites dominantes de formar uma mão-de-obra disciplinada, dócil, domesticada e adaptada ao sistema de produção fabril. E, no processo de industrialização do Brasil assim como o SENAI serviu aos interesses dominantes de formação e treinamento e recrutamento de mão-de-obra para a indústria, também as instituições de ensino técnico serviram ao interesse de formar um staff ou quadro de profissionais especializados, geralmente em nível médio de estudo, para atuarem no processo produtivo-industrial em curso no país. Portanto, mesmo sob nova roupagem denominada de competências, as mudanças de perfil da mão-de-obra continuam sendo peças constituintes da engrenagem de exploração capitalista utilizadas para otimizar e renovar a extração de mais-valia do trabalhador e servem para mascarar as injustas e desiguais relações capitalistas de produção. 8. Referências Almeida, Ney Luis Teixeira de; Alencar, Mônica Maria Torres de. Transformações estruturais e desemprego no capitalismo contemporâneo. In Serra, Rose (org). Trabalho e reprodução social, enfoques e abordagens. S. Paulo, Cortez, 2001. Antunes, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. S. Paulo, Boi tempo Editorial, 1999.. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. S. Paulo. Cortez, 1997. Harvey, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Tradução: Adail Ubirajara e Maria Stela Gonçalves. 5ª. Ed. S. Paulo: Edições Loyola, 1992. Hirata, Helena. Fordismo e modelo japonês. In: Fortes, José e Soares, Rosa (orgs). Padrões tecnológicos, trabalho e dinâmica espacial. Brasília, ed. UNB, 1996.. Da polarização das qualificações ao modelo de competências. In: Ferretti, Celso João (Org. et al). Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
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