Debate em saúde. Câncer de pulmão: prevenção e cura parte 1. Introdução

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Transcrição:

Debate em saúde A medicina está longe de ser uma ciência exata. Tal qual uma partitura musical que permite várias interpretações, lidar com doentes e doenças também permite diferentes opções, ainda que solidamente embasadas em conhecimentos técnico-científicos. Dessa diversidade de abordagem surge a idéia desta subseção, na qual áreas da medicina são abordadas e discutidas em diferentes ângulos, por renomados especialistas. Nelson Hamerschlak Gisela Dias de Matos Editores da seção Câncer de pulmão: prevenção e cura parte 1 Nelson Hamerschlak 1, Gisela Dias de Matos 2, Jacques Tabacof 3, Ricardo Sales dos Santos 4, Artur Malzyner 5, José Ribas Milanez de Campos 6 1 Hematologista; Chefe do Serviço de Hematologia, Hospital Israelita Albert Einstein HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 2 Enfermeira; Gerenciadora de Práticas Assistenciais, Diretoria de Prática Médica, Hospital Israelita Albert Einstein HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 3 Fellow em Oncologia no MD Anderson Cancer Center Estados Unidos; Oncologista Clínico e Hematologista, Centro de Oncologia e Hematologia, Hospital Israelita Albert Einstein HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 4 Cirurgião do Tórax; Coordenador do Centro de Cirurgia Torácica Minimamente Invasiva, Hospital Israelita Albert Einstein HIAE, São Paulo (SP), Brasil; Coordenador do Programa Einstein de Rastreamento do Câncer de Pulmão, Hospital Israelita Albert Einstein HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 5 Oncologista; Departamento de Oncologia e Hematologia; Hospital Israelita Albert Einstein HIAE, São Paulo (SP), Brasil; Supervisor Técnico de Oncologia Clínica UGA I da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo São Paulo (SP), Brasil; Diretor Clínico, Clínica de Oncologia Médica São Paulo São Paulo (SP), Brasil. 6 Professor Livre-Docente, Disciplina de Cirurgia Torácica, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo USP, São Paulo (SP), Brasil; Membro da equipe de Médicos Responsáveis pela Retaguarda de Cirurgia Torácica, Hospital Israelita Albert Einstein HIAE, São Paulo (SP), Brasil. Introdução A Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein criou recentemente o Instituto de Oncologia e Hematologia. É como se fosse um hospital virtual dentro do próprio Hospital Israelita Albert Einstein trabalhando em matriz. Um acordo de 10 anos firmado com o MD Anderson Cancer Center propiciará que nossa instituição possa se distinguir em oncologia, por meio de ações claras e bem estabelecidas para o corpo clínico, áreas de farmácia, enfermagem, pesquisa, ensino e prevenção. O mais importante será a visão de atendimento multidisciplinar ao paciente por meio de TUMOR Boards e das Clínicas Integradas. Com relação ao câncer de pulmão, já existe uma reunião semanal que visa estabelecer protocolos, discutir casos difíceis e integrar uma equipe composta de radio-oncologistas, oncologistas clínicos, cirurgiões de tórax e pneumologistas que, ao lado de um grupo de enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos e profissionais de medicina integrativa, focam o devido cuidado ao paciente. Estão previstas ainda para este ano, como o que já ocorre com câncer de mama e próstata, as clínicas integradas de tórax, nas quais os pacientes serão atendidos na mesma consulta por pneumologista, cirurgião torácico, radioterapeuta, oncologista clínico e enfermeira, facilitando a decisão dos cuidados ao paciente. Neste número da revista Educação Continuada em Saúde einstein, abordamos o tema Câncer de pulmão: prevenção e cura, dentro dessa visão estratégica. Foram convidados: Dr. Jacques Tabacof, Dr. Ricardo Sales dos Santos, Dr. Artur Malzyner e Dr. José Ribas Milanez de Campos. Cada um, com sua especialidade, relata experiência no tratamento da doença. Espero que gostem. Boa leitura! Nelson Hamerschlak Gisela Dias de Matos Nelson Hamerschlak (NH) e Gisela Dias de Matos (GDM): Qual a importância do fumo no desenvolvimento do câncer de pulmão? Jacques Tabacof (JT): O câncer de pulmão é hoje a primeira causa de morte por câncer em muitos países. No início do século XX, era uma doença rara, representando aproximadamente 1% dos casos de câncer. Com a disseminação do tabagismo, houve um rápido aumen-

72 to da incidência e, desde 1950, inúmeros estudos epidemiológicos mostraram clara relação entre tabagismo e mortalidade por câncer de pulmão. Pessoas fumantes apresentam risco entre 10 e 30 vezes maior de desenvolver câncer de pulmão, se comparadas com as não fumantes. Alguns estudos em fumantes pesados revelaram risco cumulativo de 30% contra 1% em pessoas que não fumam cigarros. A fumaça de cigarro possui centenas de substâncias potencialmente carcinogênicas. O benzopireno causa danos em loci específicos do p53, que é um importante gene supressor de tumores. Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos presentes na fumaça dos cigarros também desempenham papel importante na carcinogênese. Existe clara relação entre consumo de cigarros (dose) e risco de câncer de pulmão. Um estudo estimou para um fumante de 35 anos de idade consumindo menos de 25 cigarros por dia um risco de morrer de câncer de pulmão antes do 85 anos em 9 versus 18% para o consumo maior que 25 cigarros por dia. O combate ao tabagismo deve ser uma prioridade e é a melhor forma de prevenção de câncer de pulmão, uma importante causa de sofrimento e mortes precoces na nossa sociedade. Ricardo Sales dos Santos (RSS): O fumo é o principal agente causador do câncer de pulmão, sendo responsável pelo desenvolvimento do câncer em mais de 90% das pessoas diagnosticadas. Estima-se que o fumante tenha cerca de 20 a 30 vezes mais chances de desenvolver o câncer de pulmão do que o indivíduo que nunca fumou (1). O fumante passivo, aquele que convive com o fumante, também tem chances aumentadas de câncer. Contudo, os danos causados pela exposição secundária ao tabaco vão além da ocorrência do câncer; artigo recente do Lancet (2) estimou em mais de 600 mil as mortes relacionadas ao tabagismo passivo em 192 países, o que foi equivalente a 1% de todas as mortes naquele ano, com agressão mais significativa em crianças abaixo de 5 anos. 1. Pinsky PF. Racial and ethnic differences in lung cancer incidence: how much is explained by differences in smoking patterns? (United States). Cancer Causes Control. 2006;17(8):1017-24. 2. Oberg M, Jaakkola MS, Woodward A, Peruga A, Prüss-Ustün A. Worldwide burden of disease from exposure to second-hand smoke: a retrospective analysis of data from 192 countries. Lancet. 2011;377(9760):139-46. Comment in Lancet. 2011;377(9760):101-2. Natl Med J India. 2011;24(3):164-5. Artur Malzyner (AM): O câncer de pulmão é o mais comum de todos os tumores malignos, representando um grande problema de saúde pública. Em 90% dos casos diagnosticados, ele está associado ao consumo de derivados de tabaco. No Brasil, foi responsável por 21.069 casos, em 2009, sendo o tipo de câncer que mais fez vítimas. A estimativa de novos casos para 2012 é de 27.320. No fim do século XX, o câncer de pulmão tornou-se uma das principais causas de morte evitável. O padrão da ocorrência dessa neoplasia é determinado por exposição ao tabagismo. Os casos de câncer do pulmão relacionados ao tabaco representam 80% ou mais dos casos. Comparados com os não fumantes, os tabagistas têm cerca de 20 a 30 vezes mais risco de desenvolver câncer do pulmão. Em geral, as taxas de incidência em um determinado país refletem seu consumo de cigarros. Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer INCA [Internet]. [citado 2012 Abr 30]. Disponível em: www.inca.gov.br José Ribas Milanez de Campos (JRMC): O tabagismo é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a principal causa de morte evitável em todo o mundo. A OMS estima que um terço da população mundial adulta, isto é, 1 bilhão e 200 milhões de pessoas (entre as quais 200 milhões de mulheres), sejam fumantes. Pesquisas comprovam que aproximadamente 47% de toda a população masculina e 12% da população feminina no mundo fumam. Enquanto nos países em desenvolvimento os fumantes constituem 48% da população masculina e 7% da população feminina, nos países desenvolvidos a participação das mulheres mais do que triplica: 42% dos homens e 24% das mulheres têm o comportamento de fumar. A tendência de crescimento do tabagismo feminino ao longo das últimas décadas aponta para um quadro extremamente complexo, em que problemas emergentes se articulam aos anteriores e no qual questões de saúde reprodutiva se associam às não reprodutivas. O uso do tabaco potencializa os riscos, por exemplo, das associações entre doenças como o câncer de pulmão, doenças cardiocerebrovasculares e a contracepção hormonal e, nas afecções tradicionais, as relacionadas à gravidez e ao parto. As tendências epidemiológicas do tabagismo apontam para um problema que, dentro de poucos anos, será majoritariamente feminino. Para Selmo Minucelli, oncologista do Frischmann Aisengar, o cigarro chega a matar hoje, nos países em desenvolvimento, mais que a soma de outras causas evitáveis de morte, tais como a cocaína, heroína, álcool, incêndios, suicídios e Aids. A causa mais comum de morte por câncer nos Estados Unidos e no mundo é o câncer de pulmão. No Brasil, o câncer de pulmão também é a primeira causa de morte por câncer em homens e a segunda em mulheres. O consumo de tabaco é o mais importante fator de risco para o desenvolvimento do câncer de pulmão, segundo especialistas. Estudos apontam como outros fatores de

73 risco para o câncer de pulmão a exposição ao asbesto, o fumo passivo (conviver com fumantes), o gás radioativo radônio e a poluição do ar, assim como infecções pulmonares de repetição e predisposição genética, dentre outros. Autoridades de saúde em todo mundo frisam que o combate ao tabagismo seria a estratégia primordial para a prevenção do câncer de pulmão. As principais ações seriam impedir que pessoas iniciem o vício e ajudar os fumantes a abandonar o tabagismo. NH e GDM: A poluição constitui risco? JT: Exposição a inúmeras toxinas do ambiente estão associadas a maior risco de desenvolver câncer de pulmão. Entre elas podemos citar o fumo passivo, asbesto, radônio, metais pesados como arsênico, cromo e níquel, além da radiação ionizante. RSS: Muito embora intuitivamente seja fácil pensar que sim, provar de forma irrefutável que a poluição causa câncer de pulmão não é tão simples. Desde a década de 60 está comprovado que o tabagismo causa câncer; porém, a grande variabilidade de métodos em calcular o efeito da poluição na ocorrência da neoplasia do pulmão leva a resultados discrepantes entre os estudos. A presença do tabagismo ativo ou passivo em moradores de cidades mais poluídas é um fator que também confunde a análise dos resultados. Contudo, de forma geral, conclui-se que a inalação de pequenas partículas e aquelas resultantes da combustão de gases tem um possível efeito no aumento da incidência de câncer (1). Existem cidades onde a exposição ambiental ao radônio (oriundo de águas subterrâneas ou do solo) tem comprovado aumento da ocorrência de câncer de pulmão. No Brasil, já foi publicado trabalho sobre maior ocorrência de câncer em trabalhadores de minas de carvão, onde também ocorre esse tipo de exposição ambiental (2). A exposição ao asbesto, presente em telhas e freios de disco de automóveis, é fator de risco comprovado para o mesotelioma; trabalhadores de fábricas que manipulam e inalam as fibras de amianto também constituem grupo de risco (3). Independentemente da ocorrência do câncer, a vida em cidades mais poluídas, além de desagradável, causa diminuição da função pulmonar, aumento das doenças respiratórias, exacerbação da asma, restrição de atividades físicas, maior taxa de hospitalização e mortalidade cardiopulmonar. Portanto, existe risco a saúde evidente para população residente em áreas com poluição atmosférica. 1. Cohen AJ, Pope CA 3rd. Lung cancer and air pollution. Environ Health Perspect. 1995;103 Suppl 8:219-24. Review. 2. Veiga LH, Amaral EC, Colin D, Koifman S. A retrospective mortality study of workers exposed to radon in a Brazilian underground coal mine. Radiat Environ Biophys. 2006;45(2):125-34. 3. Pedra F, Tambellini AT, Pereira Bde B, da Costa AC, de Castro HA. Mesothelioma mortality in Brazil, 1980-2003. Int J Occup Environ Health. 2008;14(3):170-5. Erratum in: Int J Occup Environ Health. 2009;15(4):391. AM: A revista American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine analisou dados relacionando o desenvolvimento do câncer de pulmão à exposição à poluição ambiental (1,2). As pessoas que vivem em metrópoles muito poluídas têm 12% mais probabilidade de desenvolverem câncer de pulmão. O agente causador está nas finas partículas poluentes do ar, como aquelas presentes na fumaça negra dos ônibus, por exemplo (3). Contudo, o maior fator de risco para câncer de pulmão é o tabagismo, responsável por até 90% dos casos. ReferênciaS 1. Turner MC, Krewski D, Pope CA 3rd, Chen Y, Gapstur SM, Thun MJ. Longterm ambient fine particulate matter air pollution and lung cancer in a large cohort of never-smokers. Am J Respir Crit Care Med. 2011;184(12):1374-81. 2. Abbey DE, Nishino N, McDonnell WF, Burchette RJ, Knutsen SF, Lawrence Beeson W, Yang JX. Long-term inhalable particles and other air pollutants related to mortality in nonsmokers. Am J Respir Crit Care Med. 1999; 159(2):373-82. 3. Câncer de pulmão está relacionado à poluição do ar. Atualidades em Tabagismo e Prevenção do Câncer [Internet]. 2002;11. [citado 2012 Jun 10] Disponível em: http://www.inca.gov.br/atualidades/ano11_1/pulmao.html JRMC: Pessoas que nunca fumaram, mas que vivem em áreas com níveis mais elevados de poluição do ar, têm cerca de 20% mais probabilidade de morrer de câncer de pulmão do que as pessoas que vivem com um ar menos poluído. Embora o tabagismo seja a causa número um de câncer de pulmão, cerca de 1% das pessoas que desenvolvem câncer de pulmão nunca fumaram. Michelle Turner, autora principal do estudo e estudante de pós-graduação da Universidade de Ottawa, disse que esse caso é de se preocupar. O câncer de pulmão em não fumantes é quase sempre um câncer muito grave. É a sexta maior causa de câncer nos Estados Unidos. As partículas finas na poluição do ar, que podem irritar os pulmões e causar inflamação, são pensadas para ser um fator de risco para o câncer de pulmão. Nesse estudo, Turner e seus colegas acompanharam mais de 180 mil pessoas que não eram mais fumantes há 26 anos. Durante todo o período do estudo, 1.100 pessoas morreram de câncer de pulmão (1). Depois que a equipe levou em conta outros fatores do risco de câncer, como fumo passivo pessoa que não fuma, mas está próxima de um fumante no ato, eles descobriram que para cada dez unidades extras de exposição à poluição do ar, o risco de uma pessoa ter câncer de pulmão aumentou de 15 para 27%. O aumento do risco de câncer de pulmão associado à poluição é pe-

74 queno em comparação com o risco 20 vezes maior de fumar. E a equipe de estudo não provou que a poluição causa câncer, mas há muitas evidências de que a exposição a partículas finas aumenta a mortalidade cardiopulmonar. Partículas finas na poluição do ar podem prejudicar os pulmões por causar inflamações e danos ao DNA, segundo a equipe de Turner. Pesquisa anterior sugeriu conclusões semelhantes. Um estudo feito na China, por exemplo, encontrou um risco maior de câncer de pulmão atribuído à poluição do ar interior da queima de carvão e madeira para aquecer as casas durante o inverno. Vários estudos europeus também ligaram níveis de exaustão de fuligem e de veículos com o câncer de pulmão em não fumantes. 1. Pope CA 3rd, Burnett RT, Turner MC, Cohen A, Krewski D, Jerrett M, et al. Lung cancer and cardiovascular disease mortality associated with ambient air pollution and cigarette smoke: shape of the exposure-response relationships. Environ Health Perspect. 2011;119(11):1616-21. NH e GDM: Como devem ser conduzidos os check- -ups para termos um diagnóstico precoce? JT: Inúmeros estudos de rastreamento populacional com raios x de tórax e citologia de escarro foram conduzidos nas últimas três décadas. De maneira geral, esses estudos não demonstraram benefício em termos de incidência de câncer de pulmão nem de sobrevida. Um importante estudo sobre rastreamento populacional conhecido com National Lung Screening Trial (NLST) foi conduzido em 33 centros americanos e recentemente publicado. Esse estudo inclui mais de 53.000 homens e mulheres fumantes entre 55 e 74 anos de idade. Metade do grupo foi submetida a raios x de tórax anuais por 3 anos e a outra metade a tomografias computadorizadas de baixa taxa de dose, também a nualmente, por 3 anos. O achado mais importante foi a redução de 20% da mortalidade por câncer de pulmão no grupo rastreado com tomografias. Esse estudo tem inúmeras implicações de saúde pública e questões de custo-efetividade e dificuldades de implementação. A taxa de falso-positivos foi de 96% com a tomografia de baixa taxa de dose, o que exige uma equipe multidisciplinar preparada para conduzir o screening de forma segura. RSS: O diagnóstico precoce do câncer de pulmão é isoladamente o melhor fator prognóstico para essa doença, com chances de cura superiores a 80%. Contudo, no Brasil, menos de 10% dos pacientes são diagnosticados com a doença em fase inicial. Apesar desse quadro caótico, estudo recente do Instituto Nacional de Câncer (INCA) (1) demonstrou uma tendência na diminuição da mortalidade por câncer de pulmão em homens no Brasil, com aumento relativo em mulheres; os autores concluíram que esses são resultados positivos das campanhas antitabagismo iniciadas na década de 80. Entretanto, essa estimativa deve ser considerada sob a perspectiva da baixa notificação dos casos, especialmente em áreas mais remotas, onde o acesso ao diagnóstico é insuficiente ou inexistente. A prevenção primária com o combate ao tabagismo e o melhor acesso ao diagnóstico, especialmente o realizado de forma precoce, proporcionam significativo aumento de sobrevida no câncer de pulmão. Considerando que o tabagismo aumenta em mais de 20 vezes o risco de câncer de pulmão; os check-ups dos indivíduos fumantes ativos ou passivos diferem daqueles sem exposição ao tabaco. Estudo publicado recentemente no New England Journal of Medicine (2), em conclusão do National Lung Screening Trial (NLST), demonstrou diminuição de 22% da mortalidade por câncer de pulmão nos fumantes submetidos à tomografia, quando comparados aos submetidos à radiografia do tórax. Existe evidência adicional recente de que a radiografia não funciona como exame de rastreamento para o câncer de pulmão (3). Há grande debate na literatura acerca da realização do rastreamento do câncer de pulmão sob a ótica do custo-efetividade, e sobre potenciais riscos a saúde física e mental dos pacientes submetidos ao exame (4). Esse debate não deve ser ignorado; entretanto, seguindo as recomendações preconizadas no último Guideline do National Comprehensive Cancer Network (NCCN) (5), temos em prática, no Hospital Israelita Albert Einstein, a realização de check-up com tomografia de baixa dosagem e estudo prospectivo controlado dessa prática em nosso meio; assim, chegaremos às nossas próprias conclusões sobre o tema. Fumantes acima dos 50 anos, com pelo menos 20 anos-maço (número de maços vezes anos de tabagismo) têm indicação para realização da tomografia de rastreamento. Um grupo multidisciplinar constituído por radiologista, pneumologista e cirurgião torácico é responsável pela realização do exame e pela condução da análise dos resultados, incluindo a avaliação de dependência de nicotina, questionários sobre qualidade de vida e níveis de ansiedade, bem como inclusão voluntária em programa de cessação de tabagismo. A condução de check-ups para o diagnóstico precoce do câncer de pulmão deve ser feita sem acarretar danos ao paciente, considerando que existe alta taxa de falso-positivos. 1. Souza MC, Vasconcelos AG, Cruz OG. Trends in lung cancer mortality in Brazil from the 1980s into the early 21st century: age-period-cohort analysis. Cad Saude Publica. 2012;28(1):21-30.

75 2. National Lung Screening Trial Research Team, Aberle DR, Adams AM, Berg CD,Black WC, Clapp JD, Fagerstrom RM, Gareen IF, Gatsonis C, Marcus PM, Sicks JD. Reduced lung-cancer mortality with low-dose computed tomographic screening. N Engl J Med. 2011;365(5):395-409. 3. Oken MM, Hocking WG, Kvale PA, Andriole GL, Buys SS, Church TR, Crawford ED, Fouad MN, Isaacs C, Reding DJ, Weissfeld JL, Yokochi LA, O Brien B, Ragard LR, Rathmell JM, Riley TL, Wright P, Caparaso N, Hu P, Izmirlian G, Pinsky PF, Prorok PC, Kramer BS, Miller AB, Gohagan JK, Berg CD; PLCO Project Team. Screening by chest radiograph and lung cancer mortality: the Prostate, Lung, Colorectal, and Ovarian (PLCO) randomized trial. JAMA. 2011;306(17):1865-73. Comment in: JAMA. 2011;306(17):1916-8. Nat Rev Clin Oncol. 2011;8(12):689. Ann Intern Med. 2012;156(6):JC3-8. 4. Goulart BH, Bensink ME, Mummy DG, Ramsey SD. Lung cancer screening with low-dose computed tomography: costs, national expenditures, and cost-effectiveness. J Natl Compr Canc Netw. 2012;10(2):267-75. 5. National Comprehensive Cancer Network [Internet]. [cited 2012 May]. Available from: http://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/lung_ screening.pdf AM: Diagnosticar o câncer de pulmão em estágio inicial sempre foi um desafio: a doença é frequentemente silenciosa e, não raro, exibe sinais ou sintomas somente quando já está em fase mais avançada. A maioria dos casos é descoberta tardiamente: menos de 20% dos casos são diagnosticados em fases iniciais. Apesar do perfil de paciente com predisposição ao problema ser bastante conhecido (fumantes e na sexta década de vida), até recentemente se desconhecia um método custo-efetivo para rastrear os tumores nos grupos de risco. A radiografia anual do tórax é um exame conveniente e barato, porém pouco preciso, uma vez que o tumor pode se desenvolver de forma mais rápida, no intervalo de 12 meses. Em contrapartida, aumentar sua frequência poderia expor o paciente a maior quantidade de radiação. O uso de tomografias com baixas doses de radioatividade tem permitido diagnosticar mais precocemente a doença. O risco de morte foi reduzido em 20% quando comparado ao rastreamento feito com três raios x convencionais por ano. Fonte: National Lung Screening Trial Research Team, Aberle DR, Adams AM, Berg CD, Black WC, Clapp JD, Fagerstrom RM, Gareen IF, Gatsonis C, Marcus PM, Sicks JD. Reduced lung-cancer mortality with low-dose computed tomographic screening. N Engl J Med. 2011;365(5):395-409. Comment in: Expert Rev Anticancer Ther. 2011;11(12):1833-6. N Engl J Med. 2011;365(21):2037; author reply 2037-8. N Engl J Med. 2011;365(21):2036; author reply 2037-8. Nat Rev Clin Oncol. 2011;8(9):510. Am J Respir Crit Care Med. 2012;185(5):584-5. N Engl J Med. 2011;365(5):455-7. N Engl J Med. 2011;365(21):2036-7; author reply 2037-8. N Engl J Med. 2011;365(21):2036; author reply 2037-8. Ann Intern Med. 2011;155(10):JC5-06. N Engl J Med. 2011;365(21):2035; author reply 2037-8. Praxis (Bern 1994). 2011;100(22):1377-8. JRMC: O câncer de pulmão é um dos tipos mais frequentes de câncer e o de maior mortalidade no Brasil e no mundo. O diagnóstico precoce tem papel fundamental para a cura da doença. Atualmente, um dos grandes aliados da medicina na identificação desse tipo de câncer é a chamada tomografia computadorizada de baixa dosagem (TCBD). Já disponível em todas as Unidades de Medicina Diagnóstica do HIAE, a TCBD é o exame mais indicado como método de rastreamento para o câncer de pulmão. Devido à sua menor dose de radiação, pode ser repetida frequentemente para o acompanhamento dos pacientes com alguma alteração já identificada no pulmão. Além disso, a TCBD também detecta possíveis doenças provocadas pelo tabagismo, antes mesmo de manifestarem qualquer sintoma. Métodos como radiografia do tórax, citologia do escarro e marcadores biomoleculares não demonstram eficácia na prevenção da mortalidade por câncer de pulmão. Os pacientes candidatos ao rastreamento de câncer de pulmão por meio da TCBD devem ser: - fumantes com carga tabágica (exposição do indivíduo ao tabagismo) maior ou igual a 30 maços-ano (número de maços por dia x anos que fumou); - ex-fumantes que cessaram o tabagismo há menos de 15 anos, e com idade entre 55 e 74 anos; - preferencialmente, devem ser pessoas sem sintomas, pois tal condição já pode ser um sinal de doença mais avançada cujo diagnóstico precoce é menos provável; - para esse perfil de pacientes, já há evidências na literatura médica de que a TCBD como método de rastreamento possibilita uma redução significativa da mortalidade (mais de 20%) por câncer de pulmão.