Anomalias congênitas da transição craniovertebral Congenital anomalies of the cranio vertebral junction



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5 0 COLUNA/COLUMNA - VOLUME 4 (1) - JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2005 VISÃO DE OUTRA ESPECIALIDADE Anomalias congênitas da transição craniovertebral Congenital anomalies of the cranio vertebral junction Denise Tokechi Amaral 1-2 Lázaro L. F. Amaral 3 Guinel Hernandez Filho 1, 4 1 Médicos radiologistas do Fleury Centro de Medicina Diagnóstica - São Paulo/ SP; 2 Médica pós-graduanda do Departamento de Radiologia da Escola Paulista de Medicina/ UNIFESP São Paulo/ SP; 3 Médico neurorradiologista da Medimagem Hosp. Benef. Portuguesa de São Paulo/ SP; 4 Médico assistente do Serviço de Diagnóstico por Imagem da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo/ SP Versão original aceita em Português RESUMO A avaliação adequada através dos métodos de imagem (radiografias, tomografia computadorizada e ressonância magnética) das anomalias do desenvolvimento da junção craniovertebral é fundamental para um diagnóstico preciso e orientação adequada da conduta destes pacientes. Tais anomalias são relativamente comuns e podem estar relacionadas a uma instabilidade craniocervical, principalmente quando associadas a trauma. Estas alterações, por sua vez, não raramente apresentam anomalias múltiplas associadas, envolvendo as estruturas anatômicas regionais (junção craniovertebral, espaço subaracnóideo, medula espinhal e tronco cerebral). Este artigo tem por objetivo, fazer uma revisão das principais afecções, desta região, subdividindo-as de acordo com o local do acometimento: o osso occipital, atlas e áxis, e abordando suas características aos exames de imagem, em especial a ressonância magnética. PALAVRAS-CHAVE: vértebras cervicais, atlas, áxis, imagem por ressonância magnética, doenças da coluna vertebral ABSTRACT The radiologic assesment (radiographies, computerized tomography and magnetic resonance) of developmental anomalies of the craniovertebral junction is essential for a correct diagnosis and proper management of these patients. These anomalies are relatively common and are associated with craniovertebral instability, particularly in the context of trauma. These anomalies also include multiple malformations of the regional anatomic structures (e.g.: craniovertebral junction, subarachnoid space, spinal-cord and brain stem). This article intend to review the common and important anomalies of this region according to the anatomic structures involved, such as occipital bone, atlas and axis showing these features in the imaging exams, specially the magnetic resonance. KEY WORDS: cervical vertebrae, atlas, axis,magnetic resonance imaging, spinal disease INTRODUÇÃO As anomalias da junção craniovertebral e da medula cervical são relativamente freqüentes na infância e na adolescência. As mais comuns são aquelas resultantes das espondilodisplasias e encefalomielodisplasias. As espondilodisplasias incluem as displasias esqueléticas com defeito na formação e segmentação da coluna, enquanto as encefalomielodisplasias estão relacionadas às anomalias de fechamento do tubo neural (disrafismo). As manifestações com anomalias múltiplas são freqüentemente encontradas num mesmo paciente. As alterações ligamentares desta região, comumente acompanham as manifestações ósseas. QUADRO CLÍNICO As anormalidades da junção craniovertebral tendem a se manifestar clinicamente no período da infância e adolescência 1,2,3. Os sinais clínicos mais característicos são torcicolo, pescoço curto, anormalidades craniofaciais e cranioverterbrais, alteração na mobilidade da coluna cervical, dor cervical, aumento do volume (tumoração) na região cervical, elevação da escápula e linha de implantação baixa de cabelo 2,3. A sintomatologia está relacionada às alterações anatômicas da junção craniovertebral com comprometimento neurológico, vascular e do espaço subaracnóideo, levando a mielopatias e radiculopatias sen-

COLUNA/COLUMNA - VOLUME 4 (1) - JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2005 5 1 sitivas e motoras, síndromes cerebelares ou vestibulares, disfunções do tronco (nistagmo, ataxia, dismetria, oftalmoplegia e diplegia facial), disfunção dos pares cranianos (perda auditiva, disfagia, paralisia de palato mole, fraqueza no músculo trapézio e atrofia de língua) e comprometimento vascular (insuficiência vértebro-basilar) 1. Ocasionalmente estas anomalias são descobertas nos estudos radiográficos de pacientes vítimas de traumatismo cervicais leves, que apresentam quadros neurológicos exuberante, desproporcionais à intensidade do trauma 4. Algumas manifestações cutâneas, que fazem parte do espectro destas anomalias, também podem estar presentes tais como lipoma subcutâneo, tufo piloso, hemangiomas, telangiectasias, hiperpigmentação (nevo), pregas subcutâneas, cistos, sinus dermal e síndrome de Klippel-Feil 4. Em geral, as afecções da junção craniovertebral estão associadas a anomalias cromossômicas, genéticas e outras síndromes, tais como síndrome de Down, acondroplasia, mucopolissacaridoses, neurofibromatose tipo 1, Klippel-Feil, síndrome vertebral-anorretal- traqueoesofágica e renal (VATER). Podem ser observadas ainda deformidades cifoescolióticas associadas. OSSO OCCIPITAL Dentre as anomalias congênitas do osso occipital, algumas são decorrentes da fusão incompleta dos esclerótomos occipitais, que formam o clivus. Alguns ossículos supranumerários múltiplos ou solitários podem ser encontrados como variação anatômica. Quando existe a persistência do IV esclerótomo occipital (proatlas), ou a sua fusão incompleta, chamamos esta alteração de terceiro côndilo ou condilus tertius 1,5,6, que pode formar uma articulação ou pseudo-articulação com o processo odontóide, ou o arco anterior de C1, causando uma limitação da amplitude de movimento da junção craniovertebral. Nota-se um aumento na prevalência de os odontoideum associado a esta anomalia 6. Na hipoplasia dos côndilos occipitais (hipoplasia condilar), observa-se desenvolvimento incompleto destes, que morfologicamente se apresentam achatados, determinando uma invaginação vértebro-basilar e um aumento do ângulo atlanto-occipital 7. O processo odontóide e as massas laterais do atlas geralmente ficam abaixo de uma linha que une as porções inferiores das mastóides (linha bimastóidea). Nos casos de hipoplasia condilar o processo odontóide e o atlas ultrapassam esta linha 1. Pode-se ainda observar uma fusão dos côndilos hipoplásicos com as massas laterais do atlas, acentuando a invaginação basilar 7. No contexto clínico, estas alterações podem limitar a movimentação atlantooccipital, determinando compressão da artéria vertebral, devido a um deslizamento excessivo da porção posterior do osso occipital em relação ao atlas. A hipoplasia basioccipital varia de moderada a grave, dependendo do número de vértebras acometidas. Estas alterações levam a um encurtamento do clivus, geralmente Figura 1 Corte sagital de tomografia computadorizada demonstrando hipoplasia com horizontalização do clivus, associada a platibasia e invaginação basilar Computed tomography mid-sagittal plan demonstrate clivus hypoplasia, platybasia e basilar invagination Figuras 2 (a,b,c) Cortes sagitais de ressonância magnética (a e b) ponderada em T2, evidenciando hipoplasia e horizontalização do clivus, associada a platibasia e invaginação basilar. Corte coronal de RM ponderada em T2 (c) com hipoplasia dos côndilos occipitais caracterizada por uma acentuação do ângulo atlanto-occipital Midsagittal T2-weighted MR images (a,b) demonstrate clivus hypoplasia associated to platybasia and basilar invagination. Coronal T2- weighted MR image (c) demonstrate occipital condylar hypoplasia (c) and widening of the atlanto-occipital angle

5 2 COLUNA/COLUMNA - VOLUME 4 (1) - JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2005 associado a uma invaginação vértebro-basilar 1,9. A linha do clivus de Wackenhein é geralmente normal, embora o ângulo clivo-canal esteja diminuído. Estas alterações são mais difíceis de serem identificadas nas radiografias em perfil, sendo melhor evidenciadas nos cortes sagitais de ressonância magnética 1. Figura 3 Corte de RM no plano sagital ponderado em T1 demonstrando a linha do clivus de Wackenheim, acentuação do ângulo clivocanal, com hipoplasia do clivus, platibasia, invaginação basilar e compressão bulbo-pontina Midsagittal T1-weighted MR image demonstrate Wackenheim clivus baseline, widening of the clivus-canal angle, clivus hypoplasia, platybasia, basilar invagination and bulbo-pontine compression A assimilação atlanto-occipital decorre de uma falha na segmentação da primeira vértebra cervical e a base do crânio. Esta assimilação pode ser completa ou parcial e invariavelmente resulta em invaginação vértebro-basilar 5,7. A linha basal do clivus pode estar normal. A assimilação pode ser incompleta, observando-se o atlas bastante elevado nas radiografias em perfil, e quando estão fundidos podem até não ser visibilizados. Nota-se uma associação elevada da assimilação atlanto-occipital, com fusão do áxis com a terceira vértebra cervical. Associa-se ainda uma progressiva luxação atlanto-axial, em até 50% dos casos, decorrente de uma perda da movimentação atlanto-occipital 5,6. Em circunstâncias extremamente raras, a assimilação atlanto-occipital pode estar associada à morte súbita 1. ATLAS Com exceção da assimilação atlanto-occipital, as anomalias do atlas isoladamente, não produzem alteração da junção craniovertebral. A maioria das alterações são anomalias de fusão relacionadas aos centros de ossificação 1,5,6. Embora não tenham repercussão clínica não devem ser confundidas com fraturas A aplasia total ou parcial do arco posterior é rara. Embora a ausência do arco posterior isoladamente possa ser assintomática, algumas associações com luxação atlanto-axial devem ser feitas. As fendas são mais comuns do que as aplasias ou hipoplasias 7. A raquisquise posterior, a Figura 4 (a,b) Cortes de tomografia computadorizada com reconstruções nos planos coronal (a) e sagital (b) demonstrando assimilação atlantooccipital, caracterizada pela fusão do atlas com o osso occipital e sinais de invaginação basilar, bem como fusão dos corpos vertebrais de C2 e C3 Computed tomography coronal (a) e sagital (b) images demonstrate atlanto-occipital assimilation, with atlas fused to the basion and opstion, also noted C2 and C3 vertebral body fusion mais comum, é observada em 4% das autópsias em adultos 1. A maioria das fendas ocorre na linha média, enquanto os restantes são laterais, junto ao sulco da artéria vertebral. Figura 5 (a,b) Cortes de RM ponderadas em T2 nos planos sagital (a) e axial (b) demonstrando assimilação parcial do arco anterior e hipoplasia do arco posterior de C1 e fusão dos corpos vertebrais de C2 e C3 Midsagittal (a) and axial (b) T2-weighted MR images demonstrate incomplete C1 anterior arch assimilation and posterior arch hipoplasia, C2 and C3 vertebral body are also fused As anomalias de fusão do arco anterior de C1, são facilmente caracterizadas na tomografia computadorizada. Segundo Smoker 1, o estudo de RM revela uma ausência de sinal da medula óssea no arco anterior, formando uma massa arredondada relacionada a espessamento da cortical óssea (pseudotumor do arco anterior). Apesar de serem achados incidentais, tais alterações podem indicar um disrafismo da coluna, com atenção para algumas fendas maiores que se associam à instabilidade do atlas.

COLUNA/COLUMNA - VOLUME 4 (1) - JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2005 5 3 ser avaliados com radiografias em perfil em extensão e flexão, em tomografia e RM. Esta instabilidade leva a um estreitamento do canal e compressão do canal vertebral em C1. A diferenciação deve ser feita entre os odontoideum e fratura de odontóide tipo II em radiografias em perfil. Associado ao os odontoideum, o corpo do áxis apresenta uma margem superior com córtex bem definido e um arco de C1 hipertrófico e arredondado, enquanto nos casos de fratura a margem superior do áxis está achatada com a cortical irregular e o arco anterior apresenta a forma de meia lua de aspecto habitual 5,7. Figura 6 (a, b) Corte axial de TC (a) demonstrando fenda do arco anterior de C1 ( split atlas ). Reconstrução tomográfica tridimensional (b) que evidencia raquisquise do arco posterior Axial CT (a) demonstrate anterior C1 raquisquisis ( split atlas ). Tridimensional CT (b) reveals posterior arch raquisquisis ÁXIS Com exceção das anomalias de fusão, as anomalias congênitas do áxis estão restritas ao processo odontóide, podendo simular fraturas e também estão relacionadas aos núcleos de ossificação. A persistência do ossículo terminal, também denominado ossículo de Bergman, resulta de uma falha na fusão do ossículo terminal do processo odontóide, que ocorre geralmente em torno dos 12 anos de idade 1,7. Esta alteração pode ser confundida com a fratura do processo odontóide tipo I (avulsão do ossículo terminal) e a diferenciação entre os dois casos é muito difícil. Em ambos os casos a alteração é estável, e quando ocorre de forma isolada, tem pouco ou nenhum significado clínico 9. O processo odontóide geralmente tem altura normal. A aplasia total do odontóide é uma condição muito rara. Em algumas radiografias na incidência de boca aberta, a presença de um os odontoideum que se projeta no arco anterior de C1, pode simular uma aplasia de odontóide. 10. O termo os odontoideum, se refere a uma estrutura óssea independente, de localização superior ao corpo do áxis. O arco anterior do atlas tem aspecto arredondado e hipertrófico, com uma localização superior em relação ao corpo do áxis. A presença de um intervalo entre o os odontoideum e o corpo do áxis, que se estende acima do nível da faceta articular superior do áxis, associado a uma incompetência do ligamento transverso, favorecem o surgimento de uma instabilidade atlanto-axial em grande parte dos casos 10. Os graus de instabilidade podem Figura 7(a,b,c) Os odontoideum caracterizado na reconstrução de TC no plano sagital (a) e cortes axiais (b, c) localizado posterior e superiormente ao arco anterior do atlas. Nota-se fusão incompleta do arco anterior do atlas (c), com aspecto hipertrófico e arredondado no plano sagital (a) Midsagital (a) and axial (b,c) CT images demonstrate Os odontoideum localized posterior and superiorly to anterior atlas arch. Anterior C1 raquisquisis (a) appears plump and rounded on sagital image (a)

5 4 COLUNA/COLUMNA - VOLUME 4 (1) - JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2005 DISCUSSÃO As alterações anatômicas ósseas das anomalias descritas se associam a uma frouxidão ligamentar e conseqüente instabilidade craniocervical, podendo acometer tanto o segmento atlanto-occipital, quanto o atlantoaxial 8. A condição predisponente mais importante nesta categoria é a síndrome de Down, embora outras condições como infecções na transição craniovertebral e artrite reumatóide são comumente encontradas. A instabilidade atlanto-occipital também pode ser exacerbada no casos de fixação de C1 e C2 2,3. Figura 8 Os odontoideum observado em cortes sagitais de RM ponderados em T1(a) e T2(b). Existe um estreitamento do canal cervical com sinais de compressão da medula T1 and T2-weighted MR images: Os odontoideum. Note the narrowing of the spinal canal and spinal chord compression Figura 10 (a, b) Cortes de RM ponderados em T2 nos planos sagital (a) e axial (b) em um paciente com fratura do processo odontóide tipo II com deslocamento posterior do atlas, rotura do ligamento transverso (seta preta) Midsagittal (a) and axial (b) T2-weighted MR images in a type II odontoid fracture with posterior atlas displacement and transverse ligament rupture (black arrow) Figura 9 (a, b, c) Cortes sagitais de RM poderados em T2 num paciente portador de síndrome de Down, apresentando luxação atlantooccipital com acentuado edema da medula espinhal (a). Controle evolutivo evidencia persistência da luxação atlanto-occipital, estreitamento do forame magno, marcada atrofia da medula espinhal e hipoplasia com assimilação do arco posterior de C1 (b). O estudo funcional (flexão) demonstra piora da instabilidade Midsagittal T2-weighted images in a patient with Down Syndrom demonstrating atlanto-occipital instability and spinal chord edema (a). After a few months, a narrowing of foramen magnum is noted, with spinal chord hipotrophy and posterior C1 arch assimilation and hypoplasia (b). The postdental space is more reduced with flexion (c) A instabilidade rotatória se caracteriza por uma rotação entre os corpos vertebrais de C1 sobre C2, sendo esta a causa mais comum de torcicolos em crianças 3,8. Esta condição pode se apresentar espontanemente ou secundariamente a trauma ou processos inflamatórios regionais (face e pescoço). Figura 11 (a, b) Instabilidade rotatória de C1 sobre C2 observada nos cortes de TC no plano axial (a) e reconstrução tridimensional (b) Axial (a) and 3D (b) CT images: C1 and C2 rotatory instability

COLUNA/COLUMNA - VOLUME 4 (1) - JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2005 5 5 CONCLUSÃO As anomalias da junção craniocervical são relativamente comuns na infância podendo levar a uma instabilidade dos seus componentes, e conseqüente comprometimento do tronco cerebral e seqüelas neurológicas graves. O reconhecimento adequado destas alterações através dos métodos de diagnóstico por imagem são fundamentais para uma conduta adequada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Smoker WR. Craniovertebral junction: normal anatomy, craniometry and congenital anomalies. Radiographics 1994: 14: 255 277. 2. Canale S, Griffin D, Hubbard C: Congenital muscular torticollis. J Bone Joint Surg Am 1982: 64: 810-816 3. Dubonsett J: Torticollis inchildren caused by congenital anomalies of the atlas. J Bone Joint Surg Am. 1986: 68A: 178 4. Hensinger R, Fielding J: The cervical spine. In Hoffman AJ, Epstein F (Eds): Lovell and Winter s Pediatrics Orthopedics. Philadelphia, JB Lippincott, 1990 5. Von Torklus D, Gehle W. The upper cervical spine. New York, NY: Grune & Sttraton, 1972. 6. VanGilder JC, Menezes AH, Dolan KD. The craniovertebral junction and its abnormalities. New York, NY: Futura, 1987. 7. Menezes AH, Van Gilder JC. Anomalies of craniovertebral junction. In: Youman JR, ed. Neurological Surgery. 3 rd ed. Philadelphia, Pa: Saunders. 1990: 1359-1420. 8. Barnes PD, Kim FM, Crawley C. Developmental anomalies of craniovertebral junction and cervical spine. MRI Clin North Am 2000: 8: 651 674. 9. Ellis JH, Martel W, Lillie JH, Aisen AM. Magnetic resonance imaging of the normal craniovertebral junction. Spine. 1991 Feb;16(2):105-11. 10. Schweitzer ME, Hodler J, Cervilla V, Resnick D. Craniovertebral junction: normal anatomy with MR correlation. Am J Roentgenol. 1992 May;158(5):1087-90. Recebido em: 02/09/2004 Aprovado em: 14/01/2005 Visite o site da Sociedade Brasileira de Coluna: www.coluna.com.br