INOVAÇÕES DO SISTEMA DAS (IN) CAPACIDADES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A INFLUÊNCIA NO INSTITUTO DA CURATELA

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Transcrição:

INOVAÇÕES DO SISTEMA DAS (IN) CAPACIDADES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A INFLUÊNCIA NO INSTITUTO DA CURATELA GT I: Direito, Cidadania e Concretização dos Direitos Humanos e Fundamentais. Bernardo Monteiro de Souza Araujo Porto 1 Gabriela Quinhones de Souza 2 RESUMO A Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência trouxe ao Brasil uma visão além da mera proteção, mas sim, da verdadeira promoção, afastando qualquer limitador, tanto social ou jurídico, que possa vir a tolher Direitos Fundamentais ligados a fruição da cidadania. O Estatuto da Pessoa com Deficiência adequou o ordenamento jurídico de acordo com a Convenção, trazendo modificações importantes na Teoria das Incapacidades do Código Civil e também no Instituto da Curatela. Neste presente artigo é feito uma análise histórica quanto a Pessoa Natural Incapaz no Código Civil, as modificações feitas pelo Estatuto e a nova visão civilista quanto à curatela. Palavras Chave: Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência; Estatuto da Pessoa com Deficiência; Teoria das Incapacidades; Código Civil; Curatela. ABSTRACT The Convention on the Rights of Persons with Desabilities brought to Brasil a vision beyond simple protection, but the true promotion, moving away anything that limits both social and legal, and can hinder Fundamental Rights attached to the enjoyment of citizenship. The Statute of Persons with Desabilities adapted the legal system in accordance with the Convention, bringing significant changes in the Theory of Incapacity of the Civil Code and also at the institution of Curatorship. In the present article is made a historical analysis as the Natural Person with incapacity in the Civil Code, the modification made by the Statute and the new civilian vision as the Curatorship. 1 Discente pesquisador do Centro Universitário de Barra Mansa/RJ do 7º período do curso de Direito Email: bernardo.monteiro@live.com 2 Docente do Centro Universitário de Barra Mansa/RJ e Mestre em Direito. Email: gabrielaquinhones05@gmail.com

Key Words: Convention on the Rights of Persons with Desabilities; Statute of Persons with Desabilities; Theory of Incapacity; Civil Code; Curatorship I INTRODUÇÃO A pessoa natural com deficiência é citada amplamente na legislação brasileira, em leis municipais, estaduais, federais e na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, visando proteger o direito à saúde, integração social, acessibilidade e urbanização, educação especial, meio ambiente do trabalho adequado, previdência e assistência social, no direito tributário etc. Em 2007, na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, foi realizado a Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência, sendo o Brasil um dos países signatários. A Convenção e seu Protocolo Facultativo foram aprovados pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, materializando a autorização parlamentar, sendo posteriormente, ratificado e promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto Presidencial nº 6949/2009. Interessante mencionar que este Tratado Internacional de Direitos Humanos, além de conter caráter materialmente constitucional, foi o primeiro a ser internacionalizado com status formalmente constitucional, desde a Emenda Constitucional de 45/2004, que introduziu o 3º no art.5º da CRFB/1988, tendo com isso, força de emenda a constituição (PORTELA, 2015, 133). Dessa forma, é possível perceber, que o Estatuto da Pessoa com Deficiência é altamente influenciado pelo texto da Convenção e do Protocolo, tendo sido criado, pela necessidade de adequar o ordenamento jurídico brasileiro a nova realidade de proteção aos Direitos Humanos Internacional. O presente artigo tem o objetivo de analisar alguma das modificações que o Estatuto trouxe para o direito brasileiro e também expor criticas quanto àquilo que foi omitido ou negligenciado pelo legislador, dado pelo grande influencia e relevância direta na vida da Pessoa Natural com deficiência. Primeiramente será feito uma explanação histórica, para depois ser analisado os temas centrais quanto as alterações e os impactos no ordenamento. A metodologia utilizada foi a de pesquisa em leis e doutrinas especializadas. II O CONTEXTO HISTÓRICO DA PESSOA NATURAL INCAPAZ NO CÓDIGO CIVIL. A lei nº 3071/1916, também chamado de Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, pensando por Clóvis Beviláqua e influenciado pelo doutrinador Teixeira de Freitas, regulava o ordenamento jurídico de sua época com expressões e termos que hoje são considerados ofensivos e inadequados, começando pelo art.2º, que usava a palavra homem invés de pessoa.

No seu artigo 5º continha os absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: os menores de dezesseis anos; os loucos de todo o gênero; os surdos mudos, que não puderem exprimir a sua vontade; os ausentes, declarados tais por ato do juiz. Quanto aos incapazes relativamente a certos atos ou à maneira de exercêlos, contidos no art.6º, teve uma modificação pela lei 4121/1962 Estatuto da Mulher Casada, que excluiu a mulher casada do rol do artigo, mantendo os outros incisos: os maiores de 16 e os menores de 21; os pródigos; os silvícolas. Em 2002, o ordenamento brasileiro conheceu a lei 10406/2002, conhecido como o novo Código Civil, pensado por grandes civilistas brasileiros sob a supervisão de Miguel Reale, a nova lei superou as concepções individualistas e avançou em direção aos valores fundamentais da Pessoa Humana a luz da Constituição Federal de 1988, sob três princípios: a socialidade, a eticidade e a operabilidade. No seu art. 3º, prevê os absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: os menores de 16 anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Com relação aos que são incapazes relativamente, a certos atos ou à maneira de exercê-los, enumerado no art.4º: os maiores de 16 anos e menores de 18; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, sem o desenvolvimento mental completo; os ébrios habituais e os viciados em tóxico; aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; os pródigos. É possível perceber que a mudança é muito grande de um Código Civil para o outro, trazendo grandes avanços para a condição da Pessoa Natural, mas olhando o ordenamento civilista como um todo, houve nos últimos anos o aparecimento de microssistemas jurídicos justificado pela constitucionalização do direito privado, pelo dinamismo e a complexidade das relações. Podendo citar como exemplo os Estatutos: do Índio; do Estrangeiro; da Criança e do Adolescente; da Cidade; do Idoso; da Igualdade Racial; da Juventude; da Metrópole; da Pessoa com Deficiência, em que este último alterou substancialmente o Código Civil em sua teoria das incapacidades. III AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA TEORIA DAS INCAPACIDADES DO CÓDIGO CIVIL. Os artigos 3º e 4º do Código Civil de 2002, expostos anteriormente, não possuem mais o texto original, pois o Estatuto os modificou substancialmente, a começar pelo art. 3º, que considera como absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos e finalizando no art. 4º, que excluiu do inciso II as pessoas que tenham discernimento reduzido pela deficiência mental e modificou todo o inciso III, excluindo do texto os excepcionais,

sem desenvolvimento mental completo e optando pelo: aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. Percebe-se que não mais existe absolutamente incapaz maior de idade e que a expressão deficiente já não é mais usada como sinônimo de incapaz, ou seja, a existência de alguma deficiência não pode ser usada como justificativa para declarar a incapacidade jurídica de uma pessoa natural. É neste raciocínio que o Estatuto declara em seu art. 6º: Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I casar-se e construir união estável II exercer direitos sexuais e reprodutivos III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Atualmente o legislador preza pela inclusão social e pela proteção a cidadania. O Estatuto não acabou com a Teoria das incapacidades, pelo contrário, as adequou de forma humanitária, podendo-se dizer que a capacidade é regra e a incapacidade é exceção. Nesse diapasão Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald defendem o novo paradigma: Aliás, até porque toda pessoa humana é especial pela sua simples humanidade, tenha, ou não, algum tipo de deficiência. Não se justifica, em absoluto impor a uma pessoa com deficiência o enquadramento jurídico como incapaz, por conta de um impedimento físico mental, intelectual ou sensorial. Toda pessoa é capaz, em si mesma. E, agora, o sistema jurídico reconhece essa assertiva. Até porque, de fato, evidencia-se discriminatório e ofensivo chamar um humano de incapaz somente por conta de uma deficiência física ou mental. (FARIAS e ROSENVALD, 2016: 328) O sistema anterior civilista não protegia a pessoa em si, mas os negócios e os atos patrimoniais praticados, em uma visão excessivamente patrimonialista, a critica a esse sistema pela Escola da Personalização do Direito Civil, é de que a proteção jurídica deve ser à Pessoa com deficiência na condição de Pessoa Humana no contexto intrínseco da dignidade e nunca na condição de Pessoa possuidora de bens patrimoniais. (TARTUCE, 2016: 128) Ficando claro que a ideia protecionista foi projetada no Estatuto: Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

1 o A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. 2 o A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado. 3 o No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado. O Homem possui na sua qualidade de ser uma característica ontológica que outorga a ele sua dimensão de natureza racional onde reside a dignidade (HERVADA,1992: 95) e por isso, não se deve confundir capacidade com personalidade, que não pode ser quantificado ou relativizado pois está relacionado a atos existenciais. Evidenciado no art. 12 do Estatuto que remete a liberdade de gerir o corpo e externar a sua vontade: Art. 12. O consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa com deficiência é indispensável para a realização de tratamento, procedimento, hospitalização e pesquisa científica. 1 o Em caso de pessoa com deficiência em situação de curatela, deve ser assegurada sua participação, no maior grau possível, para a obtenção de consentimento. 2 o A pesquisa científica envolvendo pessoa com deficiência em situação de tutela ou de curatela deve ser realizada, em caráter excepcional, apenas quando houver indícios de benefício direto para sua saúde ou para a saúde de outras pessoas com deficiência e desde que não haja outra opção de pesquisa de eficácia comparável com participantes não tutelados ou curatelados. Não é por outro motivo que a todo instante o Poder Judiciário é chamado a solucionar conflitos de interesses, aplicando regras de interpretação sistemática Civil-Constitucional na proteção do valor máximo axiológico constitucional, qual seja a dignidade da pessoa humana, com vistas a melhor proteção da Pessoa Natural detentora de Direitos Fundamentais e não apenas sujeito de uma relação jurídica. IV IMPACTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO CAUSADO PELO ESTATUTO QUANTO AO INSTITUTO DA CURATELA. Embora o Estatuto da Pessoa com Deficiência indique que toda pessoa tem capacidade e que sua vontade deve ser levada em consideração no momento em que exerce os atos da vida civil, algumas situações devem ser consideradas como a hipótese da pessoa com deficiência intelectual que não possui habilidades para exprimir sua vontade, e consequentemente, praticar atos sem auxílio. Para esta situação, a legislação criou a hipótese da Tomada de Decisão Apoiada e para situações extremas, a Curatela.

O instituto da Curatela foi desenvolvido com a finalidade de garantir proteção da pessoa até então considerada como incapaz e gestão de seu patrimônio e de seus interesses. A legislação anterior ao Estatuto da Pessoa com Deficiência tratava o instituto da curatela como necessário à proteção da dignidade-vulnerabilidade, em que a pessoa com deficiência, em especial mental, era considerada como vulnerável em nossa sociedade e, portanto, precisaria de uma pessoa para preservar seus interesses, após a verificação do Estado de sua situação especial. A partir da Convenção de Nova Iorque, como dito acima, a pessoa com deficiência deixa de ser considerada vulnerável, mas sim detentora de plena capacidade de decidir questões de sua vida, especialmente, familiares. Desta forma, passou-se a adotar para eles a proteção da dignidade-liberdade para fins de inclusão, motivo pelo qual houve a alteração da legislação civil nos casos de incapacidade como já identificado no item anterior. Essa específica curatela apenas afetará os negócios jurídicos relacionados aos direitos de natureza patrimonial. A curatela não alcança nem restringe os direitos de família (inclusive de se casar, de ter filhos e exercer os direitos da parentalidade), do trabalho, eleitoral (de votar e ser votado), de ser testemunha e de obter documentos oficiais de interesse da pessoa com deficiência (LOBO, 2015. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2015- ago-16/processo-familiar-avancos-pessoas-deficiencia-mental-nao-saoincapazes> Acesso em: Jun, 28.2016) Embora a doutrina tenha debatido o tema, parece que o posicionamento majoritário é no sentido de que caminhou bem a legislação brasileira na adoção da preservação da dignidade-liberdade às pessoas com deficiência, nos termos do preceito do art. 1º da Convenção de Nova Iorque. Contudo, como a questão irá ser tratada perante o Judiciário brasileiro, apenas o tempo poderá dizer se o preceito normativo trará bons frutos aos beneficiários da nova norma. Com relação à curatela, embora tenha deixado de existir pessoas maiores absolutamente incapazes, a mesma não se fez letra morta para o ordenamento jurídico. Isto porque o próprio Estatuto indica que se houver necessidade poderá ser nomeado curador para fins de preservação e proteção do patrimônio. Desta forma, chega-se à conclusão de que a pessoa maior não pode ser absolutamente incapaz, mas permanece uma incapacidade relativa para fins patrimoniais, que será observada no caso concreto. O Estatuto da Pessoa com Deficiência ao revogar as causas de incapacidade absoluta para os maiores tornou a medida de curatela excepcional, haja vista que para os menores de dezesseis anos a incapacidade resolve-se por meio do Poder Familiar e por meio da tutela. Para os maiores, a medida da curatela, excepcionalmente, está prevista, no art. 84, 1º do Estatuto e indica que a curatela pode ser deferida de acordo com as necessidades da pessoa com deficiência e perdurará pelo menor tempo possível. Tudo por ser medida excepcional. A título de exemplo, tem-se que caso a deficiência

indique que a pessoa não possa exprimir vontade, a curatela concedida deve ser a mais ampla possível para atingir a finalidade legislativa, em que a decisão judicial deve esmiuçar os contornos do limite da curatela e atuação do curador nomeado. Neste novo preceito legislativo decisões genéricas de concessão de curatela não podem ser proferidas por duas razões: (i) a uma, por conta do artigo 11 do Código de Processo Civil que contem norma fundamental de obrigatoriedade de fundamentação de decisão; (ii) a duas, por conta do artigo 84, 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência que determina que a curatela seja analisada casuisticamente e de acordo com as necessidades do curatelado. Assim, verifica-se que o Poder Judiciário deverá adotar nova postura na análise dos casos de curatela em proteção à pessoa com deficiência, como por exemplo indicar para quais atos serão obrigatórios a presença do curador, plano de tratamento a que a pessoa curatelada deverá submeter-se, se será caso de aplicação de regime misto de assistência e representação e etc. Determina a lei que a definição da curatela será proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso e que durará o menor tempo possível ( 3º do Art. 84). Isso significa que para definição da curatela será considerada a pessoa e a espécie e grau de deficiência que possui, devendo constar da sentença as razões e motivações dessa definição. Em relação à duração da curatela a determinação menor tempo possível implica que o objetivo a ser almejado pela pessoa com deficiência é o do aprimoramento de suas habilidades e da efetiva inclusão na sociedade para exercício de sua capacidade plena (RIBEIRO, 2015: 116) No mesmo sentido, tem-se os dizeres de Farias e Rosenvald. A depender do grau conferido, continuando a ilustração, o juiz poderia estar privando uma pessoa humana do exercício do direito ao trabalho, à educação e à liberdade, dependendo, sempre, da aquiescência de um terceiro (que pode não ter sensibilidade suficiente para perceber as necessidades pessoais de um portador de doença mental) para exercitar os seus direitos fundamentais (FARIAS e ROSENVALD, 2016: 349). É importante frisar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência não está em sintonia com a nova legislação processual. Enquanto esta ainda faz a previsão de interdição, vocábulo que a doutrina classifica como estigmatizante por indicar morte civil, aquela menciona procedimento para nomeação de curador para fins patrimoniais, mas não indica que seria caso de interdição. Na verdade, as regras processuais previstas no Estatuto tiveram pouco tempo de vigência, pois o novo Código de Processo Civil que passou a vigorar no país cerca de dois meses após o Estatuto revogou as suas normas mais inovadoras com relação à curatela. Chama-se a atenção para a revogação pelo Código de Processo Civil da possibilidade do pedido de nomeação de curador formulado pela própria pessoa com deficiência, que foi nomeado pela doutrina como autocuratela (FARIAS e ROSENVALD, 2016: 351) ou autointerdição (TARTUCE, 2015: 479). Tratava-se de medida inovadora em benefício da pessoa com deficiência.

Segundo o professor Flavio Tartuce em sua obra o Novo CPC e o Direito Civil, a questão será resolvida com base na Convenção de Nova Iorque da qual o Brasil é signatário. De toda sorte, mais uma vez, pensamos que, doutrinariamente, enquanto a nova norma não surge para resolver o dilema, pode-se sustentar que a autointerdição é viável juridicamente, diante da força constitucional da Convenção de Nova Iorque. Vejamos como a jurisprudência se posicionará no futuro.(tartuce, 2016: 480) Já para outra parcela da doutrina, o Estatuto da Pessoa com Deficiência é norma especial e, portanto, não foi alterado e suas normas não foram revogadas pelo Novo Código de Processo Civil, permanecendo a alteração feita para permitir a autocuratela/autointerdição, com base em regras de hermenêutica e de vigência de normas (FARIAS e ROSENVALD, 2016: 351). Neste ponto, ainda, será necessário aguardar o posicionamento da jurisprudência para análise dos casos concretos. Neste quesito todas as críticas devem ser feitas ao legislador brasileiro que demorou anos para aprovar a versão final do novo Código de Processo Civil e não se deu conta da tramitação do Estatuto da Pessoa com Deficiência e os impactos da incompatibilidade das normas. Diante da impropriedade legislativa, a questão como visto acima terá como fundamento normativo a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência até que a impropriedade seja corrigida pelo legislador, e principalmente pelo fato da Convenção ter força de emenda à constituição, para quem adotar a tese de revogação das normas trazidas pelo Estatuto pelo Código de Processo Civil. É certo que conviver, cuidar e tratar de pessoa com deficiência é custoso financeiramente para a família e nem sempre o afeto fala mais alto para que a pessoa fique no convívio familiar. Assim, muitas pessoas com deficiência são abandonadas por seus familiares em abrigos ou estabelecimentos que tem por finalidade acolhê-los. Assim, o Código de Processo Civil, em seu artigo 747, III, trouxe medida inovadora e digna de elogios, que foi permitir que o representante dos estabelecimentos de abrigamento tenham legitimidade ativa para promover o pedido de nomeação de curador para permitir que essas pessoas não percam acesso a direitos que lhes são assegurados, como benefícios previdenciários, medicamentos e alimentação especial. Isto é garantir a concretização dos direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana, mesmo para aqueles cujos familiares os rejeitaram. V CONCLUSÃO. Ante ao exposto, mesmo o ordenamento jurídico tendo reconhecido os direitos fundamentais específicos para a condição da Pessoa Natural com deficiência ao longo dos anos, nada se compara ao que a Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência fez ao ordenamento interno, e mesmo não necessitando de lei para fiel aplicabilidade, ante ao fato de ter força de emenda à

constituição, o legislador brasileiro trouxe o Estatuto da Pessoa com Deficiência, trazendo mudanças na visão de como o Ser Humano tem de ser visto perante o Direito, seja Público ou Privado. Fica evidenciado que o tempo irá mostrar o impacto na vida social e no mundo jurídico, mas um paradigma tem que ser imediatamente afastado da sociedade: de que o deficiente é um incapaz. BIBLIOGRAFIA FARIAS, Cristiano Chaves de. CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Estatuto da Pessoa com Deficiência Comentado artigo por artigo. 1. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.. Curso de Direito Civil: parte geral e LINDB. 14. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Esquematizado v.1. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. HERVADA, J. Lições propedêuticas de filosofia do direito. Tradução por Elza Maria Gasparotto. São Paulo:WMF Martins Fontes, 2008. LOBO, Paulo. 2015. Com avanços legais, pessoas com deficiência mental não são mais incapazes. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2015-ago- 16/processo-familiar-avancos-pessoas-deficiencia-mental-nao-sao-incapazes> Acesso em: Jun, 28.2016. PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado Incluindo noções de Direitos Humanos e de Direito Comunitário. 7. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. RIBEIRO, Iara Pereira. A capacidade Civil da Pessoa com Deficiência Intelectual. In: FIUZA, Cesar Augusto de Castro; SILVA NETO, Orlando Celso da; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz (Coord). Direito Civil Contemporâneo II. Florianópolis: CONPEDI, 2015. Disponível em <www.conpedi.org.br em publicações> Acesso em: Jun. 28.2016. TARTUCE, Flávio. O Novo CPC e o Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2016.. V.1 Lei de Introdução e Parte Geral. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.