Gerador de malha de elementos de contorno e de elementos finitos Gabriel Viecelli Renostro¹, Maicon José Hillesheim² 1 Bacharel, Universidade do Estado de Mato Grosso, viecellieng@gmail.com ² Mestre, Universidade do Estado de Mato Grosso, maicon@unemat-net.br Resumo: Grande parte dos fenômenos de engenharia são governados por equações diferenciais que não possuem solução analítica exata e por isso requerem processos numéricos para discretizar o objeto de forma a obter resultados satisfatórios. Fenômenos como propagação de calor, fluxo de água em barragem e campo de tensões em um sólido, são exemplos de problemas que necessitam de discretização para que se consiga observar o comportamento de determinado fenômeno. A discretização é a etapa de pré-processamento que antecede a utilização dos métodos numéricos, é nessa etapa que a malha de elementos é concebida com o intuito de representar de forma simplificada a geometria original do objeto. Dentre os vários métodos numéricos, os que mais se destacam são, o Método dos Elementos Finitos (MEF) e o Método dos Elementos de Contorno (MEC), sendo que cada um necessita de um determinado tipo de malha para que se torne possível a sua utilização. A malha é formada por um conjunto de elementos ligados uns aos outros através de seus vértices, e apesar de uma grande variedade de tipos de elementos, os mais utilizados são os lineares para uma dimensão, os triangulares para duas dimensões e os tetraedros para três dimensões. Este artigo apresenta um gerador de malha de contorno e malha de superfície para discretizar objetos que possuem bordas curvas. Para comprovar a utilidade e o potencial no desenvolvimento dessa técnica, foi concebida a malha de uma elipse. Palavras chave: equações diferenciais, gerador de malha, elementos de contorno, elementos finitos, métodos numéricos. Contour element and finite element mesh generator ABSTRACT Most of the engineering events are governed by differential equations that do not have an exact analytical solution and therefore require numerical processes to discretize the object in order to obtain satisfactory results. Circumstances such as heat propagation, dam water flow and stress field in a solid are examples of problems that require discretization in order to observe the behavior of a given phenomenon. The discretization is the stage of pre-processing that precedes the use of the numerical methods, it is in this stage that the mesh of elements is conceived with the intention of representing in a simplified form the original geometry of the object. Among the various numerical methods, the most important are the finite element method and the contour element method, each of which requires a certain type of mesh in order to make it possible to use them. The mesh is formed by a set of elements connected to each other through its vertices, and although there is a great variety of types of elements the most used are the linear ones for a dimension, the triangular
ones for two dimensions and the tetrahedra for three dimensions. This article presents a contour mesh and surface mesh generator for discretizing objects that have curved edges. To prove the usefulness and the potential in the development of this technique, the mesh of an ellipse was conceived. Keywords: contour element, differential equations, finite elemento, mesh generator, numerical methods. Introdução Os métodos numéricos começaram a ser desenvolvidos ainda no século XVIII quando Gauss propôs a utilização de funções de aproximação para resolução de problemas matemáticos. Mas somente com o avanço dos computadores por volta do ano de 1950 se tornou possível a aplicação prática desses métodos devido ao grau de complexidade dos sistemas de equações. Uma das primeiras aplicações dos métodos numéricos de grande notoriedade na comunidade científica foi em 1956, quando Turner, Clough, Martins e Topp, utilizaram um método de análise numérica em um projeto de aeronaves para a Boeing. Esse método utilizado por eles, hoje é conhecido como o Método dos Elementos Finitos (LOTTI, et al., 2006). Vendo o potencial da aplicação do método para a resolução de problemas que seriam impossíveis de solucionar com fórmulas analíticas, foram feitas pesquisas ao longo dos anos para desenvolver e melhorar as técnicas numéricas. Atualmente vários campos da ciência como, Engenharia, Medicina, Odontologia e outras áreas afins, utilizam de tais técnicas para resolver problemas com um elevado grau de complexidade (LOTTI, et al., 2006). O Método dos Elementos Finitos e o Método dos Elementos de Contorno são os que mais se destacam entre os métodos que foram desenvolvidos ao longo do tempo, e as principais diferenças entre eles é a quantidade de equações lineares que precisam ser resolvidas, e o tipo de malha que possibilita a utilização do método. Os métodos numéricos são utilizados para resolver problemas como propagação de calor, fluxo de água em barragens e campo de tensões em um sólido, sendo que na maioria das vezes o domínio do objeto possui forma complexa e precisa ser representado por formas geométricas mais simples. Tais formas são denominadas de elementos que contém nós em seus vértices e algumas vezes em pontos no intermédio de suas arestas. Existem vários tipos de elementos que podem ser utilizados para representar determinado tipo de objeto, porém os mais utilizados são os elementos lineares para uma dimensão, triangulares para duas dimensões e tetraedros para três dimensões. Ao conjunto desses elementos denomina-se malha que podem ser classificadas em duas classes, malhas estruturadas e malhas não estruturadas. Nas malhas estruturadas os elementos possuem as mesmas dimensões, ao passo que nas malhas não estruturadas as dimensões dos elementos variam se ajustando de acordo com o domínio. As malhas têm como finalidade representar objetos que possuem formas complexas, possibilitando simulações computacionais para observar o comportamento de tais objetos perante a aplicações de esforços e variação de temperatura e pressão por exemplo.
Portanto, tendo em vista a importância na concepção das malhas, este artigo apresenta um gerador de malha de contorno e malha de superfície, com base em funções de forma de elementos lineares e elementos parabólicos, com intuito de discretizar objetos com geometria complexa e com bordas curvas. Para comprovar a utilidade e o potencial que esta técnica pode proporcionar para os geradores de malha, foi concebida a malha de uma elipse. Materiais e Métodos A geração de malha começa com uma pré-discretização manual do contorno, com alguns pontos específicos que são informados pelo usuário. Esses pontos devem formar o contorno do objeto de modo que se aproxime ao máximo da sua forma original. Para que seja possível a utilização do método, a quantidade de nós informados pelo usuário precisa totalizar em um número par e estar em sentido anti-horário, e as coordenadas cartesianas dos nós bem como a incidência, precisam estar alocadas em um arquivo de texto. A Figura 1 mostra o arquivo de texto de um círculo representado na Figura 2. Figura 1 - Arquivo de texto As coordenadas extraídas formam a matriz de coordenadas sendo que na primeira coluna são alocadas as coordenadas X e na segunda coluna são alocadas as coordenadas Y dos nós. A matriz de incidência representa os nós que pertencem a determinado elemento, sendo que cada linha representa um elemento diferente. Na discretização inicial, os elementos são parabólicos conforme ilustra a Figura 2, e por isso a matriz de incidência contém três colunas. Na discretização do contorno, a matriz de incidência é concebida com duas colunas, pois os elementos são lineares e necessitam de apenas dois nós para serem representados. E na concepção da malha de superfície, a matriz de incidência deve conter três colunas para a representação de cada triangulo criado. O número de refinamentos indica a quantidade que cada elemento do contorno vai ser subdividido, o que influenciará diretamente na qualidade da malha de superfície. O número de dimensões indica que a representação geométrica do objeto é bidimensional.
O número de nós indica a quantidade de nós iniciais informados pelo usuário na discretização inicial. O número de elementos indica quantos elementos parabólicos estão sendo usados para discretizar o contorno do objeto. E o número de nós por elemento é a quantidade de nós necessários para formar um elemento parabólico. O refinamento do contorno se dá através da subdivisão dos elementos parabólicos em segmentos de retas, sendo que cada elemento pode ser subdividido em quantidades diferentes de segmentos de acordo com o informado pelo usuário. Isso faz com que haja flexibilidade na concepção das malhas, e consequentemente uma melhor adaptação em locais que necessitam de uma densidade maior de elementos para formar uma malha de boa qualidade. As coordenadas cartesianas dos nós são obtidas através das funções de forma nas quais, o domínio natural ( ) do elemento, que é de -1 a 1, é subdivido em n partes. A Figura 3 ilustra o refinamento de um elemento do círculo da Figura 2 em quatro partes. Figura 2 - Discretização inicial Domínio natural (D) = 2 n 4 D 2 Diferencial (d) = 0, 5 n 4 Figura 3 - Refinamento do elemento parabólico
A seguir é apresentada a equação que descreve os pontos cartesianos: Sendo: x x x ( j) ia ( j) ib ( j) ic ( j) j j i A ia B ib C ic x h x h x h x (Equação 1) Coordenada cartesiana cujo 1 Coordenada cartesiana cujo 0 Coordenada cartesiana cujo 1 Esses elementos têm as funções de forma a seguir: 1 ha 1 2 hb 1 ha 1 2 1 1 (Equação 2) Na Tabela 1 é mostrado a relação entre as coordenadas naturais e as coordenadas cartesianas do elemento ilustrado na Figura 3. Tabela 1 - Relação de com as coordenadas cartesianas Xi Yi -1 0-10 -0,5 4,035-9,035 0 7,0711-7,0711 0,5 9,035-4,035 1 10 0 Após o refinamento do contorno, a malha de superfície começa a ser concebida com elementos triangulares. A concepção da malha é baseada no método do avanço de fronteira, pois é um dos mais utilizados pela sua simplicidade (VAZ, 2003). Esse método consiste na criação de elementos bidimensionais a partir do contorno do objeto fazendo com que a cada elemento criado a fronteira seja atualizada. O método do avanço de fronteira possui estruturas peculiares como fronte, face ativa, face passiva, face base e ponto ideal (BATISTA, 2005). O fronte é a principal estrutura a ser definida, e é a partir dele que os elementos são criados, fazendo com que seja uma estrutura dinâmica, que se modifica a cada elemento inserido. Nas malhas geradas pelo método do avanço de fronteira, o fronte inicial é igual a malha de contorno formada pelos elementos lineares denominados de faces. A face que pertence ao fronte é uma face ativa, caso contrário, a face é dita passiva. Uma face ativa selecionada para criação de um elemento triangular é denominada de face base e a partir dela é calculado o ponto ideal de modo a resultar em triângulos mais equiláteros possíveis.
A geração da malha de superfície começa a partir do fronte inicial e preenche todo o domínio do objeto de forma gradativa até que não seja mais possível criar um triângulo. Os elementos triangulares vão sendo gerados através da conectividade entre os nós que pertencem à face base e o ponto ideal inserido no interior do objeto. O ponto ideal é calculado a uma distância H definida pelo usuário e deve ser ajustada por tentativa e erro para cada discretização, até que a intervenção manual seja mínima ou desnecessária. A Figura 4 ilustra a criação de dois triângulos a partir das faces bases que pertencem ao contorno do objeto. Figura 4 - Criação de um triangulo Além da distância H, a criação do ponto ideal depende do ângulo entre as duas faces bases selecionas pelo algoritmo. Se o ângulo entre as duas faces for menor que (90º) um triângulo simples é criado, se o ângulo estiver entre 2 e 2 3 (90º e 120º), então são criados dois triângulos e, se o ângulo for maior que 2 3 (120º), apenas um triangulo é criado (VAZ, 2003). O cálculo do ângulo entre as duas faces é feito com a equação 3, que relaciona o cosseno do ângulo com a razão entre o produto escalar de dois vetores e o produto dos módulos desses vetores. cos ab a b (Equação 3) 2 Porém, a fórmula computa apenas ângulos em um intervalo de 0 a (180º), isso gera um problema quando o ângulo entre duas faces e interno ao objeto é maior que (180º), por isso é necessário verificar se o ângulo é interno ou externo ao domínio do objeto. Essa verificação é feita através do cálculo da área de um triangulo usando a equação 4. A 1 x 2 y x 1 2 2 3 3 1 y 1 2 x x x x y2 y3 y3 y1 (Equação 4)
O cálculo da área de um triângulo feito pela forma matricial, gera valores positivos ou negativos dependendo do sentido em que os pontos dispostos. Assim, se a área do triângulo for positiva, significa que o ângulo calculado é convexo, ou seja, está dentro do domínio, caso contrário o ângulo é não convexo (fora do domínio). Após a correção do ângulo então é verificado qual dos três critérios será utilizado para a criação do triangulo. Se o ângulo for menor que 2 (90º), será criado um triangulo conforme ilustra a Figura 5. Se o ângulo estiver entre dois triângulo conforme a Figura 6 e a Figura 7. 2 e 2 3 (90º e 120º), será criado Figura 5 - Elemento triangular para ângulos menores que 90º Figura 6 - Critério para ângulos entre 90º e 120º Figura 7 - Elementos triangulares para ângulos entre 90º e 120º
Figura 9. E se for maior que 2 3 (120º), será criado um triangulo conforme a Figura 8 e a Figura 8 - Critérios para ângulos maiores que 120º Figura 9 - Elemento triangular para ângulos maiores que 120º O ângulo indicado na Figura 6 e na Figura 8 também precisa ser verificado, pois ele é calculado usando a equação 3. A verificação é feita subtraindo a coordenada Y do segundo nó em relação ao primeiro nó do vetor que representa a face base. Se o resultado da subtração for negativo, o ângulo deve ser multiplicado por -1, caso contrário o ângulo permanece o mesmo. Resultados e Discussão O gerador de malha deste trabalho tem como foco principal, automatizar a concepção da malha de contorno a partir de alguns pontos específicos indicados pelo usuário na discretização inicial, e com base nessa malha de contorno, conceber a malha de superfície para representar o objeto. A malha de contorno pode ser utilizada na resolução de problemas de engenharia através do Método dos Elementos de Contorno e utilizar a malha de superfície para visualizar graficamente os resultados, ou utilizar a malha de superfície para solucionar problemas através do Método dos Elementos Finitos. Com o gerador de malha foi concebida com sucesso a malha de uma elipse com raio a 10 u e b 5 u, conforme ilustra a Figura 10. A distância H que possibilitou a concepção completa da malha é igual 0,11 e os elementos parabólicos da extremidade da direita e da
esquerda divididos em 20 partes e os outros divididos em 10 partes. Assim todos os elementos foram formados automaticamente com o gerador de malha sem a necessidade de intervenção manual. Com esses parâmetros foram gerados 3911 nós e 7700 elementos triangulares. A malha de contorno foi submetida a um algoritmo via Método dos Elementos de Contorno para gerar o empenamento da seção de uma barra sujeita a torção uniforme (Torção de Saint-Venant), possibilitando a visualização das isolinhas conforme a Figura 11 que mostra o aspecto do empenamento desse tipo de seção transversal. Figura 10 - Discretização inicial de uma elipse Figura 11 Empenamento de uma seção elíptica Conclusão O gerador de malha deste trabalho funciona como uma ferramenta para facilitar a discretização de alguns domínios. É possível perceber através da Figura 10 e da Figura 11,
que na discretização inicial foram necessários informar apenas 16 nós, e que a partir desses foram gerados 3911 nós e 7700 elementos triangulares, comprovando assim a eficácia da técnica. Também é possível observar na Figura 11 que os elementos triangulares das extremidades direita e esquerda são menores devido ao refinamento dos elementos parabólicos ser independente um do outro. Essa possibilidade de refinamento independente foi fator determinante para que a malha fosse concebida totalmente sem intervenção manual do usuário. Portanto, é perceptível o potencial dessa técnica em geradores de malha para auxiliar na discretização de objetos com geométrica complexa e contornos curvos. O gerador reduz drasticamente o trabalho manual que o usuário teria para calcular as coordenadas cartesianas dos nós internos ao objeto, e montar a matriz de coordenadas e a matriz de incidência dos elementos lineares e triangulares. Além disso, uma característica peculiar dessa técnica, é que há possibilidade de subdividir os elementos parabólicos independentemente uns dos outros, permitindo que o usuário altere os parâmetros de refinamento para conceber a malha de contorno e a malha de superfície. Isso pode evitar a necessidade de inserção de novos nós sobre o contorno para a criação de elementos parabólicos, pois se a malha de superfície não for criada completamente, será necessário a intervenção manual, podendo acarretar em uma nova discretização inicial. Referências BATISTA, V. H. F. Geração de malhas não-estruturadas tetraédricas utilizando um método de avanço de fronteira. Rio de Janeiro: COPPE, 2005. Tese (Mestrado) - Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia. HILLESHEIM, M. J. Análise de torção de saint-venant em barras com seção arbitrária via método dos elementos de contorno (m.e.c). Ouro Preto: UFOP, 2013. Dissertação (Mestrado) - Escola de minas, Universidade Federal de Ouro Preto. LACASSA, A. D. Geração de Malhas Adaptativas. São Carlos: ICMC-USP, 2012. 77 p. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo. LOTTI, R. S. et al. Aplicabilidade científica do método dos elementos finitos. Rev. Dental Press. Ortodon. Ortop. Facial, Maringá, v. 11, n. 2, p. 35-43, mar/abril 2006. SAKAMOTO, M. M. Algoritmo de refinamento de delaunay a malhas seqüenciais. São Paulo: USP, 2007. 133 p. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica da Universade de São Paulo. VAZ, M. D. O. Geração de malhas de elementos finitos triangulares em domínios planos usando método do avanço da fronteira. Curitiba: PUC, 2003. 154 p. Dissertação (Mestrado) - Pontífica Universidade Católica do Paraná.