1 A OBRIGATORIEDADE CONSTITUCIONAL DA EFETIVAÇÃO DE LICITAÇÃO TOSHIO MUKAI

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Transcrição:

Doutrina Registro de Preços: Inconstitucionalidade do Artigo 8º do Decreto Federal nº 3.931/2001 e do Artigo 15-A, 3º, do Decreto Estadual nº 51.809/2007 (Figura do Carona ). Possibilitação de Cometimento do Crime Previsto no Artigo 89 da Lei nº 8.666/1993 TOSHIO MUKAI Mestre e Doutor em Direito (USP), Ex-Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie. SUMÁRIO: 1 A obrigatoriedade constitucional da efetivação de licitação; 2 O carona não pode existir no ordenamento jurídico constitucional do País; 3 Porém, esse verdadeiro crime em matéria de licitação e contratação (artigo 89 da Lei nº 8.666/1993) não parou por aí. 1 A OBRIGATORIEDADE CONSTITUCIONAL DA EFETIVAÇÃO DE LICITAÇÃO O inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal estatui que ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes... (grifamos). O Decreto nº 3.931, de 19.09.2001, trouxe, ao tratar do Registro de Preços em nível federal, duas novidades: a) a possibilidade de o órgão gerenciador (aquele que pretende dar início à licitação concorrência ou pregão) convidar outros órgãos ou entidades (mediante correspondência eletrônica ou outro meio eficaz) para participarem do Registro de Preços; ou seja, em cada licitação para os fins de Registro de Preços, além, de poderem existir diversos fornecedores, poderão também existir vários órgãos ou entidades contratantes. Até aí, nada de ilegal ou inconstitucional vemos nesta novidade; b) o art. 8º dispõe que a: Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem. Ora, neste caso, o inciso XXI do art. 37 da CF ficou aberto e escancaradamente violentado, pois, esses órgãos ou entidades, que, no curso da execução de uma Ata de Registro de Preços, podem adquirir os bens ou serviços licitados pelo órgão gestor e pelos outros convidados a participar, em última análise, RDU23.indd 78 28/1/2010 15:39:55

DPU Nº 23 Set-Out/2008 DOUTRINA... 79 estão adquirindo bens ou serviços sem ter participado de qualquer licitação. Eis aí a figura do carona, como a doutrina já apelidou esses órgãos ou entidades que, por essa via, compram bens ou contratam serviços sem licitação, o que é frontalmente contra o disposto no inciso XXI do art. 37 da CF. Na verdade, não pode existir essa figura estranha, denominada de carona, porque, além do mais, é crime dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade (art. 89 da Lei nº 8.666/1993). Portanto, o órgão gestor que permitir que o carona se utilize da Ata de Registro de Preços, porque este não participou da licitação, comete o crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993. No mesmo sentido, incorre na mesma pena (detenção de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa) aquele que, tendo comprovadamente concorrido para consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público (aqui, os fornecedores contratados pelo órgão gestor também receberão as penas referidas) (parágrafo único do art. 89 da Lei nº 8.666/1993). Veja-se que o 3º do art. 8º do Decreto referido dispõe que: As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços. Outra ilegalidade aberrante aqui se esconde: se o órgão gestor, que é o contratante (ou poder vir acompanhado de outros contratantes licitadores), pelo 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/1993, somente pode adquirir mais de 25% do valor inicial atualizado do contrato (nesse caso, o valor é o do pré-contrato Ata de Registro de Preços), como é que um órgão ou entidade ( o carona ) pode adquirir até 100% dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços? E se os caronas forem mais de um, cada um deles pode, pelo 3º do art. 8º, adquirir 100%. Se os caronas forem, por exemplo, 60 órgãos ou entidades, o valor inicial da Ata de Registro de Preços já não é mais parâmetro para nada, nem mesmo para os 25% do valor inicial da Ata. Destarte, sob este ponto, também, o carona é ilegal, pelo que dispõe o referido 3º do art. 8º do Decreto nº 3.931/2001, confrontado com o 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/1993. 2 O CARONA NÃO PODE EXISTIR NO ORDENAMENTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DO PAÍS Sabe-se que já o eg. Tribunal de Contas da União analisou um caso em que se aplicou o disposto no 3º do art. 8º mencionado no Acórdão nº 1.487/2007 TCU, Plenário, Processo TC 008.840/2007-3 sendo o órgão gestor, o Ministério da Saúde. RDU23.indd 79 28/1/2010 15:39:55

80... DPU Nº 23 Set-Out/2008 DOUTRINA Segundo o que se vê do acórdão, tratou-se de se examinar determinada representação da 4ª Secex, acerca de possíveis irregularidades na Ata de Registro de Preços do Pregão nº 16/05 da Coordenação Geral de Recursos Logísticos do Ministério da Saúde, ante o decidido no Acórdão nº 1.927/2006 da 1ª Câmara. Segundo a Secex, deveria se adotar medida cautelar no sentido de que fosse determinado à Coordenação Geral de Recursos Logísticos do Ministério da Saúde a suspensão das autorizações de adesão à Ata. Após todas as discussões e pareceres que foram produzidas no âmbito do Processo TC 008.840/2007-3, o TCU chegou à seguinte decisão: Acordam os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em: 9.1 Conhecer da presente representação por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno TCU, e considerá-la parcialmente (sic) procedente; 9.2 Determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que: 9.2.1 oriente os órgãos e entidades da Administração Federal para que, quando forem detectadas falhas na licitação para Registro de Preços que possam comprometer a regular execução dos contratos advindos, abstenham-se de autorizar adesões à respectiva ata; 9.2.2 adote providências com vistas à reavaliação das regras atualmente estabelecidas para o Registro de Preços no Decreto nº 3.931/2001, de forma a estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, visando preservar os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração, tendo em vista que as regras atuais permitem a indesejável situação e adesão ilimitada a atas em vigor, desvirtuando as finalidades buscadas por essa sistemática, tal como a hipótese mencionada no Relatório e Voto que fundamentam este Acórdão; 9.2.3 dê ciência a este Tribunal, no prazo de 60 (sessenta) dias, das medidas adotadas para cumprimento das determinações de que tratam os itens anteriores; 9.3 determinar à 4ª Secex, que monitore o cumprimento deste Acórdão; 9.4 dar ciência deste Acórdão, Relatório e Voto, ao Ministro da Saúde, à Controladoria Geral da União e à Casa Civil da Presidência da República. 10. Ata 32/07 Plenário. 11. Data da Sessão: 01.08.2007 Ordinária. Fica-se sabendo, da leitura do corpo do Acórdão, o verdadeiro escândalo criminoso que se praticou nesse caso. Com efeito, é do Relatório a seguinte passagem: RDU23.indd 80 28/1/2010 15:39:55

DPU Nº 23 Set-Out/2008 DOUTRINA... 81 Alinho-me ao entendimento da unidade técnica no sentido de que a permissão de um ilimitado número de adesões às Atas de Registro de Preços pode afrontar os princípios da competição e da igualdade de condições entre os competidores (no nosso entender, não é essa a critica que merece a questão do carona. É que se tratam de contratações sem licitação, eis que o próprio art. 8º dispõe que a Ata de Registros, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório. [...] Eis o Decreto nº 3.931/2001, autorizando a prática de um crime: Ademais, utilizando-se como exemplo o caso em questão, não parece razoável considerar que uma licitante que apresentou proposta de R$ 32 milhões de reais possa celebrar contratos com a Administração Pública que totalizam quase R$ 2 bilhões. (sic) De fato, caso todas as possíveis contratações ocorressem, tendo como objeto as quantidades máximas registradas na ata, também restaria claro a afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade (na verdade, isso foi o de menos); afrontou-se, através do Decreto nº 3.931/2001 e, depois, através da licitação para Registro de Preços do Ministério da Saúde, a regra da obrigatoriedade da licitação (art. 37, inciso XXI, da CF) e o art. 89, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993 (dispensa de licitação fora das hipóteses previstas em lei e, comprovadamente, o contratado foi beneficiado, pois concorreu para a consumação da ilegalidade, o que é crime). Além disso tudo, não podemos nos esquecer de que o detentor da Ata de Registro foi contratado para fornecer um quantitativo determinado e que, no caso, fornecendo o mesmo bem para os caronas, sem licitação (portanto, ilegalmente, pois um decreto não pode contrariar nem a Lei nº 8.666/1993, nem a Constituição), em um quantitativo muito maior (a caronas para usufruir de uma situação, criminosa e absolutamente ilegal e inconstitucional). Do voto do Ministro Relator, colhe-se a seguinte informação: No caso em concreto sob exame, a 4ª Secex faz um exercício de raciocínio em que demonstra a possibilidade real de a empresa vencedora do citado Pregão 16/05 (só podia ser...) ter firmado contratos com os 62 órgãos que aderiram à ata (diga-se, como caronas ), na ordem de R$ 2 bilhões de reais, sendo que, inicialmente, sagrou-se vencedora de um único certame licitatório para prestação de serviços (sic não é registro de preços?) no valor de R$ 32 milhões. Observa-se, assim, que o art. 8º do Decreto nº 3.931/2001, além de possibilitar esse verdadeiro escândalo, criminoso e inconstitucional, ofende frontalmente o princípio do art. 37 da CF e do art. 3º da Lei nº 8.666/1993, ou seja, o da igualdade, o da moralidade e o da competitividade. RDU23.indd 81 28/1/2010 15:39:55

82... DPU Nº 23 Set-Out/2008 DOUTRINA 3 PORÉM, ESSE VERDADEIRO CRIME EM MATÉRIA DE LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO (ARTIGO 89 DA LEI Nº 8.666/1993) NÃO PAROU POR AÍ É que o Governo do Estado de São Paulo baixou o Decreto nº 51.809, de 16 de maio de 2007, que dispõe sobre o Registro de Preços em nível estadual. E este diploma legal(?), através do seu art. 2º, sem nenhuma vergonha nem rebuços, acresceu ao Decreto nº 47.495, de 16.07.2003, os arts. 15-A e 15-B com as seguintes redações: Art. 15-A. A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao Órgão Gerenciador, desde que comprovada a vantagem dessa adesão. 1º Caberá ao fornecedor beneficiário da Ata de Registro de Preços, observadas as condições nela estabelecidas, optar pela aceitação ou não do fornecimento, independentemente dos quantitativos registrados em Ata, desde que este fornecimento não prejudique as obrigações anteriormente assumidas. (grifamos) 2º As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços. 3º Poderão igualmente utilizar-se da Ata de Registro de Preços, mediante prévia consulta ao Órgão Gerenciador, outros entes e entidades da Administração Pública, desde que observadas as condições estabelecidas nos 1º e 2º deste artigo. Verifica-se, pois, que o decreto seguiu, sem tirar nem por, o que está contemplado no Decreto Federal nº 3.931/2001. Ou seja, o art. 15-A, 3º, é absolutamente inconstitucional, posto que violenta, às escâncaras, o disposto no art. 37, inciso XXI, da CF que, ressalvando os casos previstos em lei (arts. 17 e 24 da Lei nº 8.666/1993), obriga que todas as compras, serviços, obras e alienações serão contratadas mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições aos concorrentes.... Portanto, quando o decreto estadual admite que qualquer órgão ou entidade, que não participou (não promoveu) do certame, possa efetuar compras, aderindo à Ata de Registro de Preços, proveniente de licitação efetuada por outro órgão ou entidade estadual, estará contratando sem licitação (como, aliás, o próprio art. 15-A confessa), e, portanto, esta contratação é inconstitucional. E, ao mesmo tempo, constitui-se em um crime, posto que, segundo o art. 89 da Lei nº 8.666/1993, qualquer contratação feita pelos órgãos e entidades da Administração Pública, sem licitação, fora das hipóteses legais (previstas nos arts. 17, 24 e 25 da Lei nº 8.666/1993), se constitui em crime. Destarte, o decreto estadual dirige o agente contratante ao cometimento de um crime, pois aí há dolo, posto que, tanto os autores do decreto, como os RDU23.indd 82 28/1/2010 15:39:55

DPU Nº 23 Set-Out/2008 DOUTRINA... 83 seus cumpridores sabem que estão violando a legislação, eis que essa figura que foi denominada de carona inexiste e não pode existir no ordenamento jurídico nacional. Já o art. 15-B vai mais além. Diríamos que o artigo anterior admite o carona estadual. O art. 158-B admite o carona em nível nacional. Diz ele: Os órgãos e entidades da Administração estadual poderão utilizar-se de Atas de Registro de Preços realizadas pela União, Distrito Federal, outros Estados e Municípios, desde que demonstrada a vantagem econômica em tal adesão comparativamente aos preços registrados no Sistema Integrado de Informações Físico-Financeiras Siafisico. Quer dizer, o decreto generalizou a idéia do carona, agora, não só transgredindo o princípio da obrigatoriedade de licitação (art. 37, XXI, da CF), como continuando a admitir o crime (em todo o território nacional) previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, como, também, quebrando, violentamente, o sistema federativo. Para o art. 15-B, inexiste fronteiras autonômicas competenciais, mas, entre os diversos níveis de Governo, já que os órgãos e entidades da Administração estadual poderão pegar carona em licitações de Registro de Preços efetuadas por qualquer órgão ou entidade pertencente à União, Municípios, Distrito Federal e outros Estados. Isto representa a demolição da Federação. O decreto estadual, neste ponto, aboliu a Federação, eis que, para ele, inexiste autonomias e competências das entidades federativas. Ora, se, pelo art. 60, 4º, da Constituição, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I a forma federativa de Estado, quanto mais um simples decreto. Ou seja, se existe vedação, cláusula pétrea, como essa, que até mesmo por emenda constitucional não pode abolir a Federação, pode um simples decreto federal fazê-lo como, efetivamente, o fez? Portanto, os arts. 15-A, 3º e 15-B, acrescidos ao Decreto nº 47.495, de 16.07.2003, são flagrantemente inconstitucionais, constituindo-se, ao nosso ver, numa verdadeira aberração jurídica. O pior de tudo isso é que o regime federativo foi completamente abandonado, conspurcado, violentado e, criminosa e corruptamente, ignorado, pois, segundo consta, a figura do carona já foi adotada pela Secretaria da Saúde do Rio de Janeiro, órgãos do Estado do Amazonas, Minas Gerais, Mato Grosso e do Distrito Federal e, ainda, o Estado do Ceará aderiram também ao carona. Até o Tribunal de Justiça do Maranhão teria se utilizado dessa notória estratégia de corrupção e efetivação de crime. RDU23.indd 83 28/1/2010 15:39:55