Pollianna Milan Resenha de Narrativas Autobiográficas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos de Linguagem

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Transcrição:

FERREIRA, Aparecida de Jesus (org). Narrativas Autobiográficas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos de Linguagem. Campinas: Pontes Editores, 2015. Pollianna Milan Resenha de Narrativas Autobiográficas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos de Linguagem O livro Narrativas Autobiográficas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos de Linguagem é resultado do projeto de pósdoutorado da organizadora da obra, a professora Dra. Aparecida de Jesus Ferreira. A mesma é autora de um dos dez capítulos do livro, somada a outros nove escritores. Os autores tratam de assuntos sobre raça, gênero, sexualidade e classe. As correntes teóricas revisitadas nesta obra são: contação de histórias, pesquisa narrativa, língua enquanto identidade étnica/social/de raça, teoria racial crítica (a partir de agora TRC), narrativas autobiográficas, teoria do posicionamento e teorias queer. Será abordado nesta resenha cada capítulo do livro individualmente com seus respectivos temas porque, apesar de muitos serem comuns entre os capítulos da obra, os mesmos foram tratados de maneira bastante peculiar por seus autores. Ainda, serão acrescentadas algumas discussões a partir de textos e fragmentos de livros lidos durante a disciplina de Formação de Professor nas Letras Estrangeiras, do programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná. O primeiro capítulo, Identidade de Pesquisador(a), Pesquisa Narrativa e Pesquisa Sobre Ensino de Línguas, de Bonny Norton e Margaret Early, discute o fato de o pesquisador, muitas vezes, ser visto como ausente no relatório de pesquisa, mesmo sabendo-se que ele pode moldar os resultados de pesquisa, pois tudo costuma ser bastante subjetivo. O artigo aparece como uma maneira de compensar o que, segundo os autores, já foi observado por Canagarajah (1996), ou seja, a ausência de vozes dos (das) pesquisadores (as) nos relatórios de pesquisa. Para a discussão, Norton e Early usaram uma pesquisa feita em comunidades de Uganda na última década. Os pesquisadores, em

Uganda, conduziram oficinas sobre uma biblioteca digital portátil, o egranary 1, aplicaram questionários e fizeram entrevistas com os nove professores dois deles eram de inglês e os outros das áreas de humanas, ciências e ciências sociais. Durante a pesquisa, os autores deste capítulo observaram a importância de se concentrar em histórias que revelam as múltiplas identidades do (a) pesquisador (a). A partir da análise das histórias (dados narrativos) relativas à identidade de pesquisador (a), Norton e Early conseguiram classificar quatro posições identitárias: i) o (a) pesquisador (a) como um convidado internacional; como num trecho de uma das narrativas em que o pesquisador fala sobre sua história de viagem, carregando malas, computadores, câmeras digitais, carregadores e muitos livros para uma biblioteca comunitária. ii) O (a) pesquisador (a) como um membro colaborativo de equipe, em que o pesquisador diz fazer parte de uma equipe de uma dada universidade e que cada membro tem interesses e habilidades diferentes para o letramento digital. iii) O (a) pesquisador (a) como professor (a), como quando os pesquisadores se apresentam como professores colegas ao invés de pesquisadores. iv) O (a) pesquisador (a) como formador de professor (a), a partir de uma das narrativas em que o pesquisador negocia com os professores (as) visões sobre o uso da língua materna em sala de aula ou quando se posiciona dizendo o que é possível adicionar no egranary. Para os autores, o que se tornou claro foi que histórias contadas por eles mesmos, enquanto pesquisadores (as), frequentemente coconstruídas com os (as) professores (as) de Uganda, formaram um tema importante e recorrente nos dados, e evidenciaram uma variedade de identidade do (a) pesquisador (a). Cada vez que falamos, estamos negociando e renegociando o nosso sentido do eu em relação ao mundo social maior, e reorganizando essa relação através do tempo e do espaço (NORTON E EARLY 2015, p.31). Gimenez (2011, p.133) lembra da importância de o pesquisador destruir a sua imagem (de pesquisador) para que a pesquisa ocorra naturalmente, corroborando com as conclusões dos autores deste Capítulo 1. Para ela, pesquisadores comprometidos com práticas socio-educacionais revolucionárias buscam romper com a separação entre pesquisadores e professores, criando espaços híbridos entre pesquisa, extensão e ensino. 1 Trata-se de um disco rígido potente que pode ser acessado com eletricidade limitada e sem a necessidade de conectividade. Contém milhões de documentos que podem ser pesquisados, semelhante ao que acontece com a Wikipédia.

O Capítulo 2, Línguas de Imigrantes em um Cenário Multiétnico: o Português Brasileiro em Londres, de Ana Souza, objetiva fornecer uma visão geral dos fatores que impulsionam mães brasileiras a levar seus filhos, que nasceram e vivem em Londres e que, portanto, falam inglês, a aulas de português. Fazem parte deste estudo três crianças. A autora observou como as crianças são influenciadas pela percepção de autoidentificação de suas mães com o objetivo de verificar a importância da língua na construção da identidade de um grupo de mães de herança brasileira na Inglaterra. Souza A partir das narrativas, Souza percebeu que as mães falam em casa em português com seus filhos porque existe um sentimento de pertencimento a essa etnia. As crianças, por sua vez, sentem-se motivadas a usar línguas diferentes de acordo com a situação ou seja, escolhem a língua a ser falada conforme a pessoa com que se comunicam, algumas, inclusive, dizem falar mais português do que inglês. Uma das crianças contou, em uma das narrativas, ter aversão ao português por causa do seu desempenho em relação a esta língua. A mesma afirma que o inglês é mais fácil. Mesmo assim, as crianças dizem terem herdado de suas mães o sentimento à cultura brasileira. A autora conclui, em seu artigo, que as mães migrantes influenciam, assim, de maneira positiva os seus filhos com relação a sua etnia e, consequentemente, a sua língua, o português brasileiro. A partir de agora, do Capítulo 3 até o Capítulo 7, serão abordados, sobretudo, temas em relação à questão racial. Intitulado Narrativas de Professores: Identidades Sociais de Raça e Classe no Processo de Ensino-Aprendizagem de Inglês, de Romar Souza Dias e Mariana R. Mastrella-de-Andrade, o Capítulo 3 discute a maneira como identidades de classe e raça se fazem presentes e influenciam o ensino-aprendizagem de inglês de professores desta língua. Os autores lembram que a língua não é apenas um sistema linguístico de signos e símbolos, mas também uma prática social complexa, de atribuições de valor e significado a quem fala. A língua estrangeira, enquanto tal, também tem um papel ativo na contínua produção das identidades dos aprendizes, especialmente quando identidade é entendida como relação, não como característica fixa ou naturalmente dada (DIAS e MASTRELLA-DE-ANDRADE 2015, p. 79). Os autores consideram como pontos fundamentais para a construção de identidades sociais de classe o fato de elas serem algo cultural e dinâmico; de a identidade ser marcada por meio de símbolos relacionados a outras identidades e, ainda,

porque a fixação das identidades sociais depende de sua constante repetição. Lembram, ainda, que as identidades são produzidas através do caráter performativo da linguagem. O objetivo, então, foi investigar o processo de construção de identidade de alunos de classes sociais menos favorecidas que aprendem inglês como LE. Os dados foram coletados ao longo de cinco semanas com ex-alunos da Universidade do Estado da Bahia. Em cada encontro os alunos deveriam fazer uma leitura prévia de um texto indicado pelos pesquisadores, sobre questões de identidade e ensino-aprendizagem de línguas. No primeiro momento do encontro discutia-se o texto e, depois, abria-se espaço para as narrações de histórias de vida. Participaram três ex-alunos, mas foram usados, para este artigo, apenas os dados de um deles. Este, estudante de línguas, 23 anos, recém-casado, negro, pertencente a uma classe social menos favorecida, atuando como professor de ensino fundamental em uma rede municipal de ensino. O aluno descreveu empecilhos no estudo de inglês que enfatizam a questão de classe social e raça, tais como, dificuldades financeiras para continuar o curso, conselhos da família (principalmente da mãe) que não vê vantagens no aprendizado desta língua. Gimenez (2011 p.132) lembra da importância e tendência, nos últimos anos, de o professor de línguas passar do mero ensino-aprendizagem para o papel social que a língua desempenha. A autora lembra do desejo das pesquisas em observar o papel dos professores na conscientização dos aprendizes sobre o valor das línguas estrangeiras, as pesquisas têm procurado identificar como professores concebem seus papéis para além de instrumentalizadores em língua estrangeira. Diante das narrativas do aluno, Dias e Mastrella-de-Andrade concluem que o Brasil carece de uma política estruturante do ensino de línguas, que propicie acesso justo a seus cidadãos e, ainda, que a sala de aula precisa ser pensada como um espaço de possibilidades. No Capítulo 4, Repensar a Pedagogia para (Re)Centralizar Raça: Algumas Reflexões, de Caitlin L. Ryan e Adrienne D. Dixson, são apresentados outros conceitos relacionados à questão racial, como a Teoria Racial Crítica (a partir de agora TRC), que é uma resposta às limitações da lei, ao tratar e compensar a desigualdade social e tornar visíveis as estruturas de privilégio racial. Uma das autoras deste capítulo é participante ativa em um curso de Linguística Aplicada para Educadores e narra como foi o contato com os alunos do curso durante a discussão de temas relacionados à raça. Ela diz ter tido sucesso enquanto educadora que trata de questões de raça, porque pode ver as

mudanças individuais dos (as) alunos (as) como progresso e aprendizado. Os alunos, segundo ela, demonstraram consciência da variação linguística. Contreras (2012, p. 148) lembra das dificuldades que os professores têm em obter este sucesso descrito pelas autoras deste artigo. Nós, docentes, em um mundo não só plural, mas também desigual e injusto, nos encontramos submetidos a pressões e vivemos contradições e contrariedades das quais nem sempre é fácil sair, ou nem sequer captar com lucidez. O Capítulo 5, Narrativas Autobiográficas de Professoras (es) de Línguas na Universidade: Letramento Racial Crítico e Teoria Racial Crítica, é de autoria da organizadora do livro, Aparecida de Jesus Ferreira. A autora também adota a TRC, além das Narrativas Autobiográficas e o Letramento Crítico. Ferreira se preocupa em educar professores que estejam preparados para escutar a voz das (os) alunas (os) e, assim, saibam tratar de temas como o letramento racial crítico em sala de aula. Por isso, ela se propõe a observar como professoras (es) de línguas tiveram acesso ao letramento racial crítico no ambiente universitário, por meio de um questionário. Alguns fragmentos do que foi observado nas narrativas (respostas dos questionários) é de que estes professores e/ou futuros professores dizem saber da existência do racismo, mas que viveram situações de racismo em sala de aula, por exemplo, e não souberam como reagir, se deveriam chamar os pais ou não. Isso demonstra o que Perrenoud aponta. Os professores têm de enfrentar um número crescente de dilemas, produto da defasagem entre os programas e o nível, os interesses e os projetos dos alunos; esses dilemas também estão relacionados à sobrecarga de conteúdos dos programas e à ilusão que sugere que seria possível dispor das horas previstas nos textos para ensinar, enquanto uma parcela do tempo de aula é utilizada para gerenciar transições, para prevenir ou combater a desordem; em suma, para (re)criar as condições do trabalho pedagógico (PERRENOUD 2002, p. 55). Pelas narrativas, Ferreira percebe que é falsa a crença de que o racismo está diminuindo. Os estudantes narraram para a pesquisadora tentativas de embranquecimento, de professores dizendo que os alunos negros não eram negros, mas sim morenos escuros. Diante disso, Ferreira conclui que é necessário refletir sobre raça e racismo e que, por isso mesmo, os cursos de formação de professores têm que propiciar que estas discussões ocorram.

No Capítulo 6, As Ordens de Indexicalidade sobre Ensino de Inglês e Raça Mobilizadas na Narrativa de uma Professora de Língua Inglesa, de Glenda Cristina Valim de Melo, apresenta-se uma pesquisa de cunho etnográfico com uma professora negra de inglês, 22 anos. A entrevista com a professora negra de inglês ocorreu via e-mail. Foram 10 perguntas tais como o perfil da professora, como ela se descobriu negra, se tem alunos negros, como a questão racial é abordada nas aulas de inglês, se o material didático fornece possibilidades de trabalhar com racismo e como ela lida com racismo em sala de aula. A professora, em suas narrativas, diz que o processo racial se deu ao longo de sua vida. Ela sinaliza que se viu negra no passado e por meio de seus pais. Diz que onde trabalha não é a única afrodescendente. Para a professora, é possível trabalhar com a questão racial em sala de aula por meio de material didático autêntico e com alunos em nível intermediário de inglês, mas que é difícil encontrar material didático sobre isso. A mesma diz não existir racismo em sua sala de aula. Quando questionada sobre como trabalha com o racismo, a mesma responde: ( ) me certifico que o grupo está familiarizado com casos recentes de racismo que, infelizmente ocorrem diariamente em todo o país. Após isso, trago contextos racistas e percebo se isso foi captado por todo o grupo. (MELO 2015, p.176). Para Melo, a professora indica que é possível relacionar ensino de línguas e temas transversais, mas que para isso ocorrer é preciso utilizar materiais didáticos além daqueles oferecidos pelas instituições. O Capítulo 7, Entre as Lutas, as Letras e nas Letras a Cor: Professoras Negras de Inglês Contam suas Histórias, de Edna Sousa Cruz, traz narrativas de professoras negras de inglês sobre suas histórias de vida, sua formação acadêmica e sua identidade.. As dez docentes que participaram da pesquisa são, em sua maioria, de camadas populares, nasceram e residem no interior do Maranhão em lugares com precárias condições educacionais. Algumas, para conseguir continuar os estudos, tiveram de trabalhar como quebradeiras de coco. Uma das professoras da pesquisa diz que ser negra no ambiente escolar sempre causa espanto, que há uma certa tolerância, mas que ninguém recebe de peito aberto. Há sempre a história de ver se esta professora neguinha sabe mesmo inglês, o estranhamento dos pais e alunos diante de uma professora negra e de inglês, visto que são traços estéticos distanciados do padrão de beleza considerado ideal. E, apesar de tudo o que estas docentes narraram à pesquisadora, no final dizem se sentir vitoriosas. Ao assumirem nos discursos que são profissionais vencedoras, as professoras

evidenciam que essa vitória não se resume apenas à mobilidade social, mas à soma de muitas superações, entre as quais, a persistência na luta pela obtenção de um curso superior (CRUZ 2015, p.205). No Capítulo 8, Interrogando Entrevistas de Histórias de Vida: Narrativas, Entrevistas, Identidade e Teoria do Posicionamento, de David Block, a temática racial do livro dá espaço a uma revisão teórica sobre, principalmente, a Teoria do Posicionamento. Block defende a virada em favor das narrativas. Para o autor é preciso considerar as camadas fenomenológicas das entrevistas de histórias de vida de forma curiosa e rigorosa se se deseja chegar a um entendimento completo do significado das palavras dos (as) entrevistados (as). Para isso, Block faz uso da teoria do posicionamento, segundo ele, para entender os processos comunicativos que se desdobram durante as entrevistas. O Capítulo 9, Narrativas Queer da Vida em Sala de Aula: Lições Intrigantes para os Estudos da Linguagem, de Cynthia D. Nelson, assim como o último capítulo do livro, traz uma discussão sobre identidades sexuais no aprendizado de línguas. A autora chama as narrativas de narrativas queer, que são aquelas que envolvem perspectivas que vão além do heterossexual e/ou questionam a implícita presunção de heterossexualidade. A autora do capítulo descreve alguns episódios a que teve acesso, como o de uma professora corrigindo o sexo da resposta de uma aluna que dizia namorar outra aluna, colocando um o no lugar do a. Esta ação de correção do professor é o que Pérez-Gómez (1992, p.96) chama de professor técnico especialista, ou seja, que aplica com rigor as regras que derivam do conhecimento científico e não aquele professor reflexivo, nas palavras de Pérez-Gómez o professor como prático autônomo, aquele como artista que reflete, que toma decisões e que cria durante a sua própria ação. Sobre o professor técnico, Pérez-Gómez descreve que a redução da racionalidade prática a uma mera racionalidade instrumental obriga o profissional a aceitar a definição externa das metas da sua intervenção, esquecendo-se do caráter moral e político de sua própria profissão (p.97). Nelson usou como recurso as narrativas autobiográficas para mostrar a necessidade de ensinar formas que não arrisquem alienar os (as) alunos (as) ao presumir que são heterossexuais; que é necessário agir pró-ativamente à rotina dos currículos que querem apagar o que é gay e diversificar os currículos monossexuais, de o professor estar aberto aos (as) alunos (as) que questionam coisas sobre gays, entre outros.

O último capítulo do livro, Memórias do Sexo A Construção de um Itinerário de Pesquisa em Gênero, Diversidade Sexual e Educação, de Jamil Cabral Sierra, dá sequência a discussão apresentada no capítulo anterior, sobre identidades sexuais. A partir da análise dos documentos (tais como o Plano Nacional de Promoção de Cidadania e Direitos Humanos LGBT), Sierra tentou caracterizar os marcos que têm constituído quem são os sujeitos da normalidade e quem são os sujeitos da anormalidade, quem são os sujeitos legítimos da diversidade sexual e quem não são, porque isso, segundo o autor, pode funcionar como uma ferramenta importante no processo de questionamento dos discursos inclusivos contemporâneos. Para ele, esta foi uma maneira de questionar as formas de governamento e suas estratégias de inclusão/exclusão dos sujeitos LGBT. Este foi o último capítulo do livro aqui resenhado. A obra, como um todo, auxilia na reflexão dos professores em atividade e dos professores em formação, principalmente em temas ainda tão atuais e latentes como a homossexualidade e o preconceito racial e social. Serve como prática reflexiva a partir dos exemplos das atitudes dos docentes em sala de aula e, ainda, sobre discussões interessantes que podem ser abordadas com os alunos no ambiente escolar. Referências BLOCK, D. Interrogando Entrevistas de Histórias de Vida: Narrativas, Entrevistas, Identidade e Teoria do Posicinamento. In: FERREIRA, Aparecida (Org). Narrativas Autobiográficas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos de Linguagem. Campinas: Pontes Editores, 2015, p. 209-234. CONTRERAS, J. A Autonomia de Professores. São Paulo: Cortez, 2012, p. 147-206. CRUZ, E.S. Entre as Lutas, as Letras e nas Letras a Cor: Professoras Negras de Inglês Contam suas Histórias. In: FERREIRA, Aparecida (Org). Narrativas Autobiográficas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos de Linguagem. Campinas: Pontes Editores, 2015, p. 185-208. DIAS, R.S; MASTRELLA-DE-ANDRADE, M.R. Narrativas de Professores: Identidades Sociais de Raça e Classe no Processo de Ensino-Aprendizagem de Inglês. In: FERREIRA, Aparecida (Org). Narrativas Autobiográficas de Identidades Sociais de Raça, Gênero, Sexualidade e Classe em Estudos de Linguagem. Campinas: Pontes Editores, 2015, p. 77-103.

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