DA LEGISLAÇÃO AO INSTRUMENTO LINGUÍSTICO: O FUNCIONAMENTO DA MEMÓRIA DISCURSIVA. Schwuchow,Valéria de Cássia Silveira Bolsista PIBIC/CNPQ Orientadora: Prof. Dr. Verli Petri INTRODUÇÃO: O presente trabalho faz parte do projeto de pesquisa Língua, sujeito e história: o gaúcho no processo de dicionarização da Língua Portuguesa no/do Brasil e traz reflexões iniciais acerca da constituição e instituição da imagem do sujeito gaúcho nos dicionários. A pesquisa parte da observação da Lei 8.813, do Estado do Rio Grande do Sul, de 10 de janeiro de 1989, que oficializa o uso da vestimenta pilcha gaúcha como traje de honra a ser usado em atos oficiais públicos desse Estado. Concebemos o instrumento linguístico dicionário como objeto discursivo e, vemos nos verbetes a reprodução das práticas sóciohistóricas, temos assim, nos verbetes uma imagem da sociedade, imagem construída, parcial, que produz identificações e silenciamentos e que se projeta em um espaço-tempo. (Nunes, 2006. p. 16). Deste modo, os dicionários contemplam o reflexo da sociedade com suas especificações, conforme o local e a época em que se configuram. Pretendemos investigar no verbete pilcha, nos dicionários e no documento oficial, os possíveis dizeres que se atualizam ou não, tendo no ato da enunciação o efeito de deslocamento da memória que se configura implícitamente. Compreendemos que memória discursiva é um espaço móvel de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização (...) um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discursos (PÊCHEUX, 1999, p. 56), o que nos proporciona verificar qual a memória de língua que os dicionários contemplam na definição do verbete pilcha e, como isso funciona na formação da imagem do gaúcho que é dada pela manutenção, atualização, deslocamentos, apagamentos ou silenciamentos dos dizeres, seja na legislação seja nos instrumentos discursivos. NOSSAS REFLEXÕES:
Esta pesquisa tem como objetivo refletir sobre a constituição e instituição de sentidos no dicionário, atendo-se no verbete pilcha. E, desta maneira, identificar a formação do imaginário sobre o sujeito gaúcho, sobre a língua e a historia, para possibilitar a visualização dos movimentos entre a manutenção e atualização, apagamento e silenciamento de sentidos via dicionarização que, resultam numa memória discursiva. Tomamos para a pesquisa como objetos de análise um dicionário Regionalista do Rio Grande do Sul e um dicionário que irá representar a língua portuguesa nacional brasileira. E, a partir destes, realizar algumas verificações iniciais dessas transformações, manutenções, atualizações e deslocamentos de sentidos que ocorrem no dicionário, atendose no verbete pilcha e nas suas definições para buscar o reconhecimento da imagem do sujeito gaúcho nestes instrumentos linguísticos. Nossa perspectiva teórica segue os pressupostos da Análise do Discurso de linha francesa, tal como foi concebida por Michel Pêcheux e vem sendo desenvolvida no Brasil pelos princípios metodológicos propostos por Eni Orlandi, entre outros e da teoria da História das Ideias Linguísticas baseada nos estudos de José Horta Nunes sobre os dicionários no Brasil. Desenvolvemos neste trabalho, uma análise discursiva e comparativa entre os dicionários e o documento oficial (a lei), e nas acepções acerca do verbete eleito. Ressaltamos que o encontro das duas teorias, Análise de Discurso e História das Ideias Linguísticas, resulta num olhar histórico da ciência, caracterizando-se pela: ciências da linguagem, ou seja, qualquer saber produzido sobre a linguagem na história (Nunes 2008 p. 107). Temos, assim, a Análise de Discurso composta por uma forma de leitura baseada em princípios teóricos e de análise, a qual mobiliza as condições de produção, e a historicidade dos sujeitos e dos sentidos, fugindo da transparência e tendo como efeito o conhecimento em circunstâncias históricas específicas e, nesta forma de leitura, a Análise do Discurso contribui para o desenvolvimento de questões da História das Ideias Linguísticas. O instrumento linguístico dicionário é visto pela História das Ideias Linguísticas como um discurso e, temos como discurso, pela perspectiva da Análise de Discurso, efeito de sentido entre locutores (Orlandi, 2005, p.21), e observamos os sentidos neste instrumento se fundando na vinculação entre os locutores e, ainda os dicionários, com seus sentidos, constituem-se como uma prática que inscrita num espaço linguístico-histórico estruturam uma sociedade, Como todo discurso, o dicionário tem uma história, ele constrói e atualiza
uma memória, reproduz e desloca sentidos, inscrevendo-se no horizonte dos dizeres historicamente construídos. (Nunes, 2006, p.18). Os dicionários tomados como corpus na pesquisa são o Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul, de Zeno Cardoso Nunes e Rui Cardoso Nunes, publicado em 1996 na sua 8ª edição, e o Dicionário de Língua Portuguesa Houaiss, publicado 2001 na sua 1ª edição. Ao realizarmos este estudo compreendemos como é concebido o Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul que abarca nas suas definições registros literários, promovendo reflexões sobre a relação entre língua e literatura, quando temos contemplada a produção literária vemos os deslocamentos de sentido, encontramos a representação de outros sujeitos, mas que estão relacionados com o ambiente do sujeito gaúcho. Na definição linguística do verbete pilcha se faz presente a identificação do gaúcho Vestimenta típica de gaúcho. No dicionário Houaiss, encontramos na definição do vocábulo o detalhamento de quais as vestes compõem a pilcha, temos para esta : peça de vestuário, esp. O poncho, a bombacha, as botas e o chiripá, ao trazer tal definição o dicionário Houaiss atualiza a memória uma vez que se buscarmos pela acepção das peças descritas vamos encontrar o sujeito Sul rio-grandense. Observamos, deste modo, que a formação da imagem do gaúcho esta relacionada com tais vestes, sem ser necessário identificar o sujeito gaúcho. No documento oficial, Lei Estadual 8.813, temos rememorados aspectos históricos, sociais e culturais que vão estabelecer a criação e relação dos sentidos para a formação do imaginário sobre o sujeito gaúcho. O documento oficial tem por característica manter os sentidos no momento em que se configura um princípio que rege os direitos e deveres dos cidadãos. Temos na Lei 8.813 no parágrafo único: Será considerada "Pilcha Gaúcha" somente aquela que, com autenticidade, reproduza com elegância, a sobriedade da nossa indumentária histórica conforme os ditames e as diretrizes traçadas pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho. A formação da imagem do sujeito gaúcho esta institucionalizada quando a pilcha é do gaúcho pilcha gaúcha, a imagem deste vem ilustrada pelos adjetivos que a lei acrescenta à pilcha autêntica, elegante e sóbria. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A memória discursiva, nos instrumentos linguísticos, funciona no momento em que temos no Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul, a identificação do sujeito gaúcho e, o deslocamento do sentido quando abarcada as definições literárias. Vemos nesse dicionário a língua funcionando na relação de reconhecimento do sujeito gaúcho, com a língua que acredita ser sua e o território que acredita ser seu (Petri, 2011). No dicionário Houaiss observamos a memória discursiva atualizada e institucionaliza, pois temos o momento em foram produzidos, Lei 8.813 de 1989 e o Dicionário Houaiss de 2001, portanto a lei vem antes e O fato de que há um já-dito que sustenta a possibilidade mesma do dizer, é fundamental para se compreender o funcionamento do discurso.(orlandi, 2005 ). Assim, não se faz necessária a identificação do sujeito gaúcho na definição do verbete pilcha, pois sua relação com a pilcha já esta institucionalizada. Na Lei, que oficializa a pilcha como traje de honra no estado do Rio Grande do Sul, a formação da imagem do Sul rio-grandense é acionada quando vemos as qualidades e preceitos elencados para se compor a veste, diretamente relacionada à imagem física do gaúcho, temos um sujeito urbano que deve conceber as características elencadas, elegância, sobriedade e autenticidade. Quanto a Lei se apropria dos regimentos elegidos pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho, vemos a memória coletiva de um determinado grupo social, que é capaz de intervir no oficial, essa memória coletiva irá trazer características próprias do grupo, atualizando, mantendo ou apagando os saberes, assim, temos o movimento de determinados processos históricos agindo no oficial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS NUNES, José Horta. Dicionários no Brasil: análise e história do século XVI ao XIX. Campinas, SP: Pontes; 2006. ; Uma articulação da análise de discurso com a história das ideias linguísticas. Revista Letras. Santa Maria, v. 18, n. 2, p. 107 124, jul./dez. 2008. ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2005.
PÊCHEUX, Papel da memória. In: ACHARD, Pierre et al. Papel da memória. Campinas: Pontes, 1999. PETRI, Verli. Gramatização das línguas e instrumentos linguísticos: uma reflexão sobre o dicionário regionalista. 2011. (Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra). Dicionários consultados: HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª Ed. Editora Objetiva, 2001. NUNES, R. C.; NUNES, Z. C. (1984). Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul. 2. ed. Porto Alegre, RS: Martins Livreiro.