POLÍTICA DE TRANSMISSÃO DA PSICANÁLISE NA DIVERSIDADE. Grupo de Transmissão e Pesquisa de Psicanálise - GTEP

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Transcrição:

POLÍTICA DE TRANSMISSÃO DA PSICANÁLISE NA DIVERSIDADE Grupo de Transmissão e Pesquisa de Psicanálise - GTEP Viajar é preciso; formar analistas não é preciso! Apesar da imprecisão, nos aventuramos ao encontro com o novo e o desconhecido. Dentro desse espírito, nós do Grupo de Transmissão e Estudos de Psicanálise (GTEP) nos colocamos em movimento por terra ou por ar rumo a plagas distantes para escutar as demandas de formação em psicanálise, de um grupo ou de uma instituição, a partir das quais delineamos um projeto específico possível. Viajamos imantados pelos laços institucionais que nos sustentam através de nossa pertinência ao GTEP. Nessas viagens, levamos na bagagem nossos livros, nossas teorias, nossa experiência de análise pessoal, nossa experiência clínica, enfim, os traços singulares que nos constituíram analistas e nossa filiação a um modo de pensar e de produzir psicanálise partilhada com nossos pares no Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Ao viajar sobre o que escrever para o Entretantos II, reencontramos nossas origens no projeto de formação permanente deste Departamento fundado numa perspectiva de psicanálise viva e alternativa à institucionalização que, quando é tomada pelo valor de identidade, pode ter como efeito a adesão cega ao discurso de mestria e ao dogmatismo teórico. A busca identitária é uma das doenças de nossa época, é uma das formas de alienação. Resgatamos as boas e atuais palavras de Regina Schnaiderman, publicadas no primeiro número da Revista Percurso: Ensinar psicanálise é um ato psicanalítico. É um projeto de desalienação. Desalienação desta vez não do sujeito analisando, mas desalienação do discurso que se tem sobre o saber psicanalítico. O que se ensina é de fato um modelo metodológico que subordina todo saber a uma interrogação e a uma colocação em questão. Formar um psicanalista como entender esse programa? A palavra formação é sempre carregada de positividade e normatividade; ela conota um projeto e um processo. A noção de formação analítica comporta uma contradição nos próprios termos, já que a

Psicanálise não é feita para instituir modelos de pensamento ou de comportamento. (Schnaiderman, 1988, p. 13) Coincidimos com os apontamentos de Schnaiderman ao propormos um processo de formação que estimula a criatividade, o pensamento crítico e a flexibilidade psíquica. Acreditamos que quanto mais diferenças de estilos entre psicanalistas, mais ampliamos a riqueza em nosso campo de prática e pensamento. A psicanálise instaura uma diferença radical em relação a outros campos do saber. Sua concepção e seu método investigativo interpelam o sujeito em termos de singularidade e desejo; desta forma, confronta normalizações e padronizações do sujeito, assim como almeja sua desalienação. A tendência a normatizar, a normalizar, a patologizar e a medicalizar o cotidiano está presente em todos nós, incluindo os psicanalistas, atravessados que estamos pelo discurso social vigente. Para manter a abertura, a reflexão viva e constante em movimentos de desalienação, equilibramo-nos numa corda bamba que exige o trabalho de repensar a prática clínica e a elaboração teórica. Há um desafio sempre presente na prática psicanalítica nestes tempos contemporâneos que trazem novas questões, novas subjetividades. O GTEP tem como política de formação manter a abertura no trabalho de transmissão ao transitar em diferentes regiões do país. Buscamos manter uma postura crítica em relação às normas sociais que, muitas vezes, levam a um achatamento das diferenças, inclusive no que concerne à política de formação do analista. A neutralidade esperada de um analista seria uma escuta sem preconceitos e que preserve o estrangeiro, uma distância. Esse ponto nos leva ao enfrentamento de um campo conflituoso a ser trabalhado em cada grupo. Lembramos ainda que parte desse trabalho cabe à análise de cada analista. Enquanto grupo de trabalho do departamento que se ocupa de transmissão de psicanálise fora da cidade de São Paulo, estamos em um lugar de inserção que faz borda, margem, entre o dentro e o fora do Departamento. Lugar ao mesmo tempo de reconhecimento e estrangeiro, uma vez que nosso funcionamento difere do modelo de cursos do Departamento. Lugar potente e desafiador, pois nos leva a viajar e visitar outros campos psicanalíticos, na maioria das vezes desconhecidos para nós. Ao longo desses anos, nos deparamos com a importância de realizar uma leitura do campo psicanalítico do qual somos convidados a participar, desde os primeiros contatos. Essa experiência nos confronta com dificuldades específicas em cada localidade. Aprender a ler os movimentos transferenciais e institucionais

peculiares a cada grupo, novos ou já em andamento, convoca-nos a pensar modos criativos de transmissão. Um bom exemplo recente foi a criação de um dispositivo de trabalho que nomeamos de Introdutório Clínico, para um grupo de candidatos que estavam no início de sua experiência clínica e dessa forma não preenchiam os critérios necessários para o ingresso no Percurso de Formação Básica. Essa experiência tem se mostrado frutífera e importante para nós e para aqueles que, desejando exercer a prática psicanalítica, encontraram nessa proposta espaço para discutir e apresentar suas dificuldades, assim como se interrogar sobre a complexidade da formação de um analista. Outras modalidades de Percurso Introdutório foram criadas para grupos em que os participantes, embora desejosos de formação, apresentavam pouco percurso de estudos do texto freudiano. Desse modo, mediante o interesse do grupo, oferecemos mais de um módulo em sequência, nos quais apresentamos os pilares que sustentam nossa proposta de transmissão da psicanálise e seus conceitos fundamentais. A questão da formação de analistas foi desde o início problematizada por Freud e se apoia ainda hoje sobre o tripé: análise pessoal, supervisão e estudos teóricos. Contudo, na história do movimento psicanalítico acompanhamos como esse acordo, muitas vezes, tomou a forma de uma regulamentação, que teve como efeito indesejável um fechamento ao que poderíamos chamar de experiência do inconsciente. Acreditamos ser importante, aqui, acrescentar à formação o trabalho entre pares, a grupalidade, como uma das formas de manter a abertura. Trabalhamos na retaguarda: pequenos grupos dentro do GTEP que se responsabilizam pelo projeto na localidade, acompanhando todo o percurso de formação de um grupo. Conduzimos o trabalho de coordenação dos seminários teóricos e clínicos e das supervisões, evitando ocupar o lugar de mestria, o que poderia levar à inibição e ao fechamento das possibilidades de elaboração de cada um dos participantes do percurso. Entretanto, os coordenadores ocupam um lugar de assimetria, pela diferença de percurso, sustentado pela experiência com o inconsciente em sua própria análise e no atendimento clínico de vários anos. Lugar transferencial necessário, endereço das demandas de saber que ao mesmo tempo precisamos sustentar e do qual também precisamos nos retirar para evitar efeitos de sedução alienantes. Assim, entendemos a assimetria como diferença e não como hierarquia. Apostamos que a transmissão se dá na verticalidade presente na relação entre os participantes e o coordenador do módulo, e também na horizontalidade, entre pares do grupo. Nossa proposta inclui pensar e intervir

também em direção a este saber que se constrói entre pares e à medida do possível no coletivo. Consideramos fundamental cuidar dos efeitos de grupo sempre presentes e inevitáveis nos modos de funcionamento institucionais. Mantemos, como algo que nos é caro, o princípio de circulação da palavra entre os participantes da formação, assim como a circulação de apresentações clínicas. Acompanhamos de perto os movimentos singulares dos analistas em formação no decorrer do percurso de cada um. Para isso, instituímos uma prática de entrevistas individuais com o objetivo de acompanhar os efeitos de subjetivação possíveis na experiência de formação. Além disso, trabalhamos com a leitura da dinâmica grupal. Temos encontrado dificuldades em relação às análises e à prática de supervisão daqueles que nos demandam formação psicanalítica em diferentes localidades. Nesses locais, nem sempre há oferta de psicanalistas ou de formação em psicanálise, ou as ofertas que se apresentam são, muitas vezes, propostas muito fechadas, didáticas ou que apresentam lugares de saber hierarquizados que promovem mais identificações alienantes do que possibilidades de um percurso singular (isso também se passa aqui em diferentes agrupamentos e instituições, apenas o número de psicanalistas e as possibilidades de formação são muito abundantes). Somos permanentemente convocados a estabelecer um equilíbrio, sempre frágil, nessa borda sutil e maleável entre ocupar o lugar de identificação inevitável e apontar para a desalienação necessária para que uma formação seja transformadora. Almejamos que o percurso de formação de um analista seja transformador, assim como uma análise pode sê-lo. Reiteramos as palavras de Regina Schnaiderman (1988), ao dizer: a psicanálise é essencialmente a atividade que faz falar em pessoa. Acrescentamos ainda que a psicanálise possibilita falar em nome próprio. Regina define a atividade do analista como projeto de transformação que se faz pela atualização de um poder ser, e é por isso que a análise é um processo de desalienação. Ela ressalta, ainda, que a formação psicanalítica se faz ao colocar em questão posições identificatórias, filiais ou parentais, o que permite a um analista traçar o seu caminho, de maneira a questionar fontes de referência e certezas teóricas, assim como a seus mestres. Sabemos que toda formação comporta aspectos de identificação e alienação inevitáveis. O que requer o manejo do aspecto resistencial presente na transmissão que se faz na transferência. Essa dimensão transferencial com os analistas, com as teorias, com as instituições viabiliza o percurso de formação quando rompe com os ideais, evitando uma cristalização em modelos a serem reproduzidos. Ao viajar para lugares diversos e trabalhar

com os que nos demandam formação, consideramos fundamental questionarmos o lugar de portadores do saber psicanalítico, uma vez que somos estrangeiros àquela localidade e advindos da sede do saber. Encontramo-nos diante da instigante e constante tarefa de manter os balizadores da formação sem sucumbir aos riscos de uma cristalização teórica e de um engessamento clínico, pois entendemos como um dos pilares da formação do psicanalista trabalhar com a teoria em aberto e manter como um dos alicerces do trabalho o lugar do não saber. Para tanto, criamos dispositivos para manter a abertura às diferenças perante as dificuldades com as quais nos deparamos. Os dois principais dispositivos que nos agregam são o princípio de circulação pelos lugares de trabalho dentro do GTEP e nas localidades, e o trabalho coletivo no cuidado com o andamento deste percurso. Para viabilizar a circulação de lugares, há uma alternância na coordenação dos módulos entre os pares que se ocupam do percurso de formação de um grupo numa localidade. Além disso, julgamos interessante a circulação dos membros do GTEP por várias localidades ao longo do tempo, o que permite tanto aos participantes desse percurso de formação conhecerem diferentes analistas quanto aos membros do GTEP terem contato com várias localidades. Contamos ainda com o coletivo do GTEP, que pode escutar o trabalho das retaguardas desde um lugar terceiro, o que aposta na potência de uma área de borda dentro de nosso funcionamento. Apoiados na importância da grupalidade entre nós e nos grupos de formação, os conflitos são tomados pelo grupo e trabalhados, sempre que necessário, como parte do percurso de formação. Os conflitos que emergem entre nós no GTEP também são trabalhados na perspectiva de viabilizar o projeto de formação que partilhamos (já houve um momento em que tivemos de recorrer a uma supervisão institucional para lidar com nossas dificuldades). Trabalhar grupalmente é a maneira de dar suporte às diferenças e poder explicitá-las considerando os conflitos, o que possibilita romper com uma lógica de oposição mortífera. Daí a importância de ler os movimentos transferenciais presentes nos grupos e suas determinações, assim como de construir redes de sustentação para o trabalho em grupo. Esse modo de inserção que construímos através dessa prática de transmissão, ensino e formação de psicanalistas, que faz nossa psicanálise viajar, implica o questionamento sobre o modo possível de inserção daqueles que participam de um percurso de formação conosco em relação ao Departamento. O Departamento de Psicanálise vem ampliando suas atividades com a criação de vários grupos temáticos e de pesquisa; esse crescimento possibilita uma troca importante e rica entre seus membros e reitera nossa vocação primeira como espaço de formação contínua. Nós no

GTEP nos questionamos sobre como pode-se fazer efetivamente a inserção daqueles que realizam a formação conosco em diferentes regiões do Brasil. Nesses mais de vinte anos de trabalho do GTEP, quatro participantes do percurso de formação conosco pediram pertinência ao Departamento, sendo que apenas um deles, por enquanto, conseguiu ter uma participação efetiva em um grupo de trabalho. Continuamos discutindo modos de viabilizar as possibilidades de inserção, para aqueles que moram fora de São Paulo se tornarem membros do Departamento. Seguimos com a questão de como possibilitar uma abertura que propicie uma rede de trocas entre diversas localidades e o nosso Departamento. Isso implica impasses ligados à formação e ao reconhecimento entre pares dentro de nossa instituição. Referências Schnaiderman, R. (1988). Política de formação em Psicanálise: alinhavando algumas anotações de leitura. Revista Percurso, São Paulo, 1, 1988. Ana Lúcia Panachão Elaine Armenio Paula Patrícia Francisquetti Tatiana Inglez-Mazzarella Participantes do GTEP: Ana Lúcia Panachão, Elaine Armenio, Élcio Gonçalves, Fátima Milnitzky, Iso Ghertman, Leonor Rufino, Maria Aparecida Barbirato, Nanci Lima, Paula Patrícia Francisquetti, Rodrigo Blum e Rosangela R. Gouveia.