Capital social e desenvolvimento territorial: uma perspectiva para as políticas públicas Renato Miguel do Carmo renato.carmo@iscte.pt
AS METÁFORAS QUE QUASE MATARAM O ESPAÇO Com a globalização anunciou-se o mundo plano e comprimido, o espaço sem lugares, os lugares sem lugar, etc. Segundo estas metáforas o espaço tende a comprimir-se e a esvaziar-se nas sociedades contemporâneas sendo gradualmente substituído por emaranhados de fluxos e de interfaces electrónicos. A velocidade anulou a experiência concreta do lugar, que tradicionalmente ancorava o conteúdo das interacções sociais. A perspectiva da individualização (Giddens, Beck, Bauman) contribuiu para esta anulação do espaço na medida em que deu primazia aos factores de descontextualização das relações sociais. Assistiu-se a uma efectiva despolitização dos lugares e dos territórios.
CAPITAL SOCIAL: AS RELAÇÕES E OS CONTEXTOS VALEM Para J. Coleman (1990) e P. Bourdieu (1980), capital social é considerado um recurso importante para indivíduos ou grupos relativamente circunscritos, que decorre do nível de inter-conectividade das relações e redes sociais. Capital social tem por base a persistência temporal das redes que se alimentam por intermédio de relações de reciprocidade assentes na comunhão de determinadas normas e valores. Os indivíduos interagem segundo a expectativa de que em alguma altura poderão tomar partido (pessoal, social, económico ) da pertença a essa rede.
DIMENSÕES DO CAPITAL SOCIAL SISTEMAS Estado / Comunidades / Mercado FACTORES ESTRUTURAIS Identidades / Normas / Valores / Desigualdades FACTORES DE CONECTIVIDADE (condutores/isolantes) Redes / Confiança / Normas Informais/ Informação MODALIDADES (abertura/fechamento) Bonding / Bridging / Linking / Embeddedness Estruturas Capital social acção (individual/colectiva) the missing link
UM CONCEITO GLOBAL: ENTRE A ANGELIZAÇÃO E A DIABOLIZAÇÃO O sucesso do conceito transformou-o numa espécie de panaceia para o desenvolvimento com rosto humano/social.
MODALIDADES DE CAPITAL SOCIAL (enfoque na horizontalidade) Para R. Putnam (1993, 2000) um dos indicadores mais expressivos do nível de capital social das comunidades depende da capacidade associativa das suas populações. O autor sublinha o relevo das ligações de carácter horizontal, principalmente entre associações voluntárias, como um dos motores preponderantes para a criação e sustentabilidade de níveis elevados de capital social. Bonding - dinâmica centrífuga (ou de tipo exclusivo), do reforço das identidades sociais e da manutenção da homogeneidade entre pessoas que vivem situações similares (familiares, de amizade, de vizinhança...). Bridging - carácter mais centrípeto (ou de tipo inclusivo), as ligações sociais mobilizam e atraem indivíduos e grupos de diferentes meios e contextos sociais com os quais normalmente não estabelecem ligações fortes.
MODALIDADES DE CAPITAL SOCIAL (enfoque na verticalidade) Autores como P. Evans (1996), J. Harriss (2001), P.Heller (1996), B. Rothstein (2005), M. Woolock (1998), defendem que para além da existência de uma base associativa consistente, a construção de capital social passa pela conexão transversal e vertical de redes sociais entre os cidadãos e um conjunto de organizações públicas e privadas. O Estado (e respectivas agências) deverá ser encarado como um elemento central capaz de propiciar o ambiente necessário para a mobilização das acções particulares em torno de projectos estruturantes. A noção de embeddedness é a que melhor define essa necessidade de articulação entre diversas organizações (nomeadamente, as empresas e o terceiro sector), as agências públicas e a implicação dos actores locais. Para se gerar este tipo de sinergias o Estado não pode ser posto de lado, mas, também não deverá assumir um papel desmesurado e excessivamente centralizador (autonomy).
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO (orientador para as políticas públicas) Eficiência - maximização dos recursos disponíveis para o alcance de valor acrescentado que ultrapasse amplamente a mera soma das partes. A potenciação desses recursos inscreve-se, parcialmente, na dinâmica das redes sociais e na intensidade relacional que se estabelece entre indivíduos ou territórios. Equidade - a lógica de maximização dos recursos tornar-se-á relativamente ineficaz se da sua aplicação não resultar uma diminuição estrutural e generalizada das desigualdades sociais e territoriais (2º princípio de John Rawls, 1971). Autonomia - dotar as populações de capacidade para se tornarem autónomas no que diz respeito à liberdade para viver o tipo de vida que têm razões para valorizar (segundo a perspectiva de Amartya Sen, 1999).
ESTADO PROPULSOR DE CAPITAL SOCIAL (políticas sociais) ESTADO (políticas de capacitação) Factores estruturais Tensão Conectividade Territórios (embedded /autonomy )
BLOQUEIOS À ACTIVIDADE ASSOCIATIVA ( ) Não há neste momento uma plataforma para a interlocução entre o sistema político e o terceiro sector. Ao contrário do que acontece nos outros países. Em vários países têm vindo a ser criados vários dispositivos que permitem de alguma forma uma certa contratualização de acção de associações que desenvolvem actividades que são consideradas de interesse público e que a esse título são financiadas pelo Estado para realizar o seu trabalho. Pois não se trata apenas de pagar, é de abrir um campo de comunicação que permita permanentemente criar condições para que se vá pensando em conjunto: poder político e sociedade civil, digamos, ou terceiro sector; e ir pensando qual é que pode ser realmente o contributo do terceiro sector para problemas essenciais com que se defronta actualmente a sociedade. ( ) Existe uma atitude de desconfiança permanente, de controlo, a sensação de que nós temos de ser controlados e caso não sejamos controlados certamente vamos fazer falcatrua, vamos desviar dinheiros públicos, vamos utilizá-lo, pelo menos, de forma ineficiente ( ). Dirigente de uma associação de desenvolvimento local do Algarve
PERSPECTIVA MULTI-ESCALAR Políticas públicas (top-down/bottom-up) Capital social Dinâmicas territoriais (urbanas - rurais) Redes e confiança (horizontais verticais)
OS DILEMAS DO CAPITAL SOCIAL Indeed it is our sociological bias to see good things emerging out of sociability; bad things are more commonly associated with the behaviour of homo economicus. However, the same mechanisms appropriable by individuals and groups as social capital can have other, less desirable consequences. A more dispassionate stance will allow analysts to consider all facets of the event in question and prevent turning the ensuing literature into an unmitigated celebration of community. Communitarian advocacy is a legitimate political stance; it is not good social science. Alejandro Portes, 1998