A precarização e a flexibilização do trabalho como estratégias do capitalismo para dominação da classe trabalhadora. Thiago Oliveira Agustinho 1 É fato que uma nova crise no sistema capitalista está em curso. O projeto democrático só foi permitido no Brasil enquanto o rol ideológico capitalista sustentava o mito da felicidade. A busca para o reestabelecimento da condição de acumulação burguesa, assim como já assistimos em outros locais do mundo, surgiu do subterfúgio de uma bem quista necessidade. Não é demais lembrar que no mecanismo da produção capitalista atuam forças vivas: por um lado, a burguesia e por outro, a classe trabalhadora. A burguesia tem seu interesse diretamente voltado para a preservação da ordem econômica capitalista e busca por todos os meios encontrar uma saída para a faceta da crise que lhes atinge. Tal saída não pode ser outra a não ser o crescimento da rentabilidade, a base da valorização. Diante da crise, seguindo o padrão neoliberal típico, o capital financeiro e, portanto, especulativo passou a exigir que os governos aumentem impostos, cortem despesas, ou imponham ambas as medidas. Com isso, os governos teriam mais dinheiro disponível para pagar os juros dos empréstimos e para reembolsá-lo. A ameaça é óbvia, os governos que deixarem de impor austeridade enfrentarão juros mais altos em empréstimos novos, em renovações, ou até mesmo a negativa de concessão de novos valores, o que prejudicaria as suas operações habituais. A austeridade é mais um fardo extremo imposto à economia global pela classe capitalista (em acréscimo aos milhões que sofrem desemprego, redução do comércio global, etc.). É diante desse contexto que ocorreu o golpe de 2016. A derrubada de um governo legitimamente eleito por 54 milhões de brasileiros tinha como objetivo a imposição de medidas de austeridades que atendessem aos interesses do capital financeiro, mas não somente isso. Guiados pelas forças do empresariado brasileiro, representados pelas suas Federações, Confederações e movimentos sociais, havia em conjunto com o interesse do capital financeiro internacional, uma pauta de reformas árduas que importam diretamente em retrocessos e precariedade para a classe 1
trabalhadora. O apoio parlamentar a tais medidas era condição indispensável para que o golpe fosse levado a cabo. Concretizado o golpe, o parlamento, em conjunto com Michel Temer e sua cúpula golpista, passaram rapidamente a tomar suas medidas: estabelecimento de teto para despesas públicas, reforma da previdência e reforma trabalhista foram temáticas impostas pelo governo ilegítimo desde o seu primeiro dia. Essas medidas eram necessárias para que a burguesia passasse a agir a partir de uma nova dinâmica de acumulação, tendo a precarização como estratégia de dominação. Trata-se do capitalismo com uma nova roupagem, agora denominado de capitalismo flexível 2 ou contemporâneo e, nessa denominação, encontra -se implícita a compreensão de que o sistema capitalista, em seu histórico, sofreu diversas mutações, que, embora alterassem sua configuração, mantiveram sua essência: um sistema cujas relações sociais se assentam sobre o trabalho assalariado, ou seja, pela exploração do trabalho pelo capital. O ponto de partida e ponto central de uma sociedade capitalista está no processo de acumulação ilimitada, uma sociedade que se sustenta em uma busca insaciável pelo enriquecimento especulativo, pela produção do excedente cada vez mais estimulada em razão da concorrência mundial. 3 Ao longo da história o capitalismo se trajou de diferentes formas, consequência de um conjunto de fatores econômicos, sociais e políticos, com destaque para a resistência da classe trabalhadora, que busca impor um limite à acumulação, definindo e conquistando, ainda que sob o crivo da legislatura burguesa, direitos sociais e trabalhistas, assim como a aceitação e legitimação, pela sociedade e pelo Estado, da proteção social como um direito a ser garantido. É o contexto político-econômico e seu desenvolvimento histórico que afeta a dinâmica do sistema e modifica-a, interferindo sobre as suas formas e configurações. A partir disso, é possível concluir que: a dinâmica do capitalismo oitocentista não é exatamente a mesma do capitalismo do século XX, e muito menos a do capital no século XXI. 2 SENNET. Richard. A corrosão do caráter: impactos pessoais no capitalismo contemporâneo. 3 DRUCK, Graça. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, v. 24, n. spe. 01, Salvador, 2011.
Entretanto, as diferentes conjunturas apresentam processos de transformação em que velhas e novas formas de trabalho e emprego coexistem, se somam e, ao mesmo tempo, se redefinem, indicando um típico movimento de metamorfose, que, no atual momento, se ampara em uma dinâmica principal: a da precarização social do trabalho e a diminuição de direitos dos trabalhadores. 4 Essa nova fase do capitalismo, como reiteradamente acontece em suas outras fases, teve sua origem na busca por superar um contexto de crise da fase anterior, nesse caso a fase marcada pelo fordismo-taylorismo 5 e por um regime de regulação cuja experiência mais completa ocorreu em poucos países que conseguiram implementar um estado de bem-estar. Na crise do fordismo-taylorismo havia um consenso que apontava uma situação de saturação da produção em massa, com queda no ritmo da produtividade nos principais países do mundo e queda da lucratividade. No ambiente socioeconômico dos países que viveram a experiência dos Estados de Bem-Estar ou de políticas públicas de pleno emprego, o fordismo-taylorismo representou uma estrutura produtiva em que o progresso econômico e social atingiu determinados segmentos e, ainda que minimamente, era possível planejar o futuro das novas gerações, pois as condições de trabalho e emprego permitiam algum tipo de vínculo de médio a longo prazo. 6 Já no capitalismo contemporâneo, embora o crescimento econômico tenha se desacelerado, a lucratividade aumentou, e os ganhos do capital nunca foram tão altos e tão rápidos 7. Além disso, a ruptura com o padrão fordista-taylorista trouxe à tona um novo modelo de trabalho, enraizado na flexibilização e na precarização. Tendo como origem o processo de financeirização da economia 8, que permitiu a mundialização do capital num grau nunca antes alcançado. A ocorrência do desenvolvimento da esfera financeira, que passou a determinar todos os demais empreendimentos do capital e subordinou a esfera produtiva e contaminou todas as práticas e os modos de gestão do trabalho, teve sua base concentrada em uma nova configuração de Estado, que deixou de lado a defesa de garantias mínimas e passou a desempenhar um papel ainda mais evidente de gestor dos 4 Idem. 5 Ibidem. 6 BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Ed WMF Martins Fontes, 2009. 7 DRUCK, Graça. Op. Cit. 8 Quando dinheiro inconversível funciona como meio de pagamento internacional, abrem- se as portas para a chamada financeirização da economia, fenômeno potencialmente gerador de crises.
negócios da burguesia, já que ele age agora em defesa da desregulamentação dos mercados, especialmente, o financeiro e o de trabalho. 9 Essa hegemonia do setor financeiro ultrapassa o ambiente econômico do mercado e impregna todos os âmbitos da vida social, dando conteúdo a um novo modo de trabalho e de vida. Trata-se de uma rapidez inédita do tempo social, sustentado na volatilidade, efemeridade e descartabilidade sem limites de tudo o que se produz e, principalmente, dos que produzem os homens e mulheres que vivem do trabalho. É dentro desse contexto que se dá a flexibilização e a precarização do trabalho, que em uma espécie de metamorfose assumem novas dimensões e configurações. A necessidade de retorno em curto prazo dos elementos financeiros impõe processos ágeis de produção e de trabalho, e para tal, é indispensável contar com trabalhadores que se submetam a quaisquer condições para atender ao novo ritmo e às rápidas mudanças. 10 Assim, a mesma lógica que incentiva a permanente inovação no campo da tecnologia e dos novos produtos financeiros, atinge a força de trabalho de forma impiedosa, transformando rapidamente os homens e mulheres que trabalham em obsoletos e descartáveis. Há a urgência em substituir os empregados ultrapassados, por aqueles mais modernos, flexíveis. É o tempo de novos desempregados, empregos de curto prazo e de novas e cada vez mais precárias formas de contratação. 11 O espírito central do capitalismo contemporâneo leva até as últimas consequências a finalidade de fazer mais dinheiro do dinheiro, o eixo central deixa de ser a produção e passa a ser especulação financeira, pautada na volatilidade, na efemeridade, no curtíssimo prazo, sem estabelecer laços ou vínculos com lugar nenhum, sem compromissos de nenhum tipo a não ser com o jogo do mercado. 12 Afirmar que a precarização social do trabalho é o método central da dinâmica do capitalismo contemporâneo significa afirmá-la como uma estratégia de dominação. Na base da força e do consentimento, o capital viabiliza o seu objetivo de 9 DRUCK, Graça. A precarização social do Trabalho: uma proposta de construção de indicadores. CRH/UFBA/CNPq. 10 ALVES, Giovanni. Trabalho, subjetividade e capitalismo manipulatório. Disponível em: http://www.giovannialves.org/artigo_giovanni%20alves_2010.pdf. Acesso em 30.03.2017. 11 DRUCK, Graça. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, v. 24, n. spe. 01, Salvador, 2011 12 BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. Op. Cit.
acumulação sem limites materiais e morais. A força se materializa principalmente na imposição de condições de trabalho e de emprego precárias frente à permanente ameaça de desemprego estrutural criado pelo capitalismo. 13 Tal imposição, em sintonia com a pressão social produzida midiaticamente, cria algo que se assemelha ao exercito industrial de reserva e sua função política de Marx e Engels: se cria uma profunda concorrência e divisão entre os próprios trabalhadores, o que permite uma quase absoluta submissão e subordinação do trabalho ao capital, como única via de sobrevivência para os trabalhadores. O consenso se produz a partir do momento em que os próprios trabalhadores, influenciados por seus dirigentes políticos e sindicais, passam a acreditar que as transformações no trabalho são inevitáveis e, como tal, passam a ser justificadas como resultados de uma nova era. 14 A partir desse consenso, há um conjunto de imposições e transformações que passam a ser justificadas no plano material e intelectual como uma força da natureza e, portanto, sem possibilidades de uma intervenção humana. Identifica-se de certo modo uma perplexidade ideológica que atinge todos os segmentos críticos da sociedade que, em nome de um fatalismo dominante, não dão vazão à sua indignação e acabam por se resignar diante dessa força avassaladora do capitalismo. 15 É esse exatamente o contexto brasileiro pós-golpe de 2016. Como remédio para a superação da crise, supostamente criada por dispendiosas políticas públicas de inclusão e proteção sociais, são impostas reformas que nada mais são que a supressão de direitos sociais e de conquistas históricas da luta da classe trabalhadora. A terceirização absoluta, o enfraquecimento das relações coletivas, regimes de contratos com eliminação de garantias mínimas e, inclusive, as ameaças abertas e diretas ao Direito do Trabalho e sua justiça especializada 16, são medidas que implicam imenso retrocesso social e são defendidas amplamente, inclusive por uma parcela considerável da classe trabalhadora brasileira, que, manipulada, vive um período de aparente síndrome de Estocolmo, apaixonada por aqueles que a sequestram e retiram os seus direitos. 13 DRUCK, Graça. Op. Cit. 14 Idem. 15 BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. Op. Cit. 16 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/03/1864822- justica- do- trabalho- nao- deveria- nem- existir- diz- deputado- rodrigo- maia.shtml. Acesso em 28.03.2017.
A burguesia apropriou-se da classe operária, limitando sua atuação a estruturas burocráticas destinadas à manutenção de um modelo burguês. Fazendo da massa um sujeito submisso e limitado a uma noção burguesa de sensatez e responsabilidade. 17 O despertar da classe trabalhadora em defesa de seus direitos é urgente. Fazse necessário um processo de conscientização de que a acumulação capitalista não é linear, mas desenvolve-se em ciclos repetitivos. Períodos de crise são pressupostos da evolução do capitalismo. Como nos convocam Marx e Engels: Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista. Os proletários nada têm a perder, exceto seus grilhões. Têm um mundo a ganhar. 18 Em momentos de crise como os vivenciados atualmente é que o capitalismo demonstra seus limites e nos remete a necessária tarefa histórica do proletariado na luta pela autoemancipação e consequente emancipação de toda a sociedade. O caminho é à esquerda, na retomada do caminho da luta e da resistência revolucionária do proletariado. REFERÊNCIAS SENNET. Richard. A corrosão do caráter: impactos pessoais no capitalismo contemporâneo. DRUCK, Graça. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, v. 24, n. spe. 01, Salvador, 2011. BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Ed WMF Martins Fontes, 2009. DRUCK, Graça. A precarização social do Trabalho: uma proposta de construção de indicadores. CRH/UFBA/CNPq. ALVES, Giovanni. Trabalho, subjetividade e capitalismo manipulatório. Disponível em: http://www.giovannialves.org/artigo_giovanni%20alves_2010.pdf. Acesso em 30.03.2017. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Rio de Janeiro: Vozes. 1998. EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. São Paulo: Boitempo, 2016. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich; Manifesto do partido comunista. Porto Alegre: L&PM, 2015. 17 EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. São Paulo: Boitempo, 2016. 18 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich; Manifesto do partido comunista. Porto Alegre: L&PM, 2015.