CLASSIFICAÇÃO DAS ATAXIAS CEREBELARES HEREDITÁRIAS E SUAS REPERCUSSÕES NO CONTROLE MOTOR

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Transcrição:

REVISÃO CLASSIFICAÇÃO DAS ATAXIAS CEREBELARES HEREDITÁRIAS E SUAS REPERCUSSÕES NO CONTROLE MOTOR CLASSIFICATION OF HEREDITARY CEREBELLAR ATAXIAS AND THEIR INFLUENCES ON MOTOR CONTROL Érika Junqueira de Carvalho 1 Viridiana Bassalo Bullamah Costa 2 Ana Paula Rocha de Oliveira 3 1 Graduanda do curso de Fisioterapia da Universidade de Franca 0 Fisioterapeuta. Mestre na Área de Promoção de Saúde pela Universidade de Franca 3 Fisioterapeuta, com Especialização / Residência em Fisioterapia Neurológica, docente Mestranda. da disciplina de Semiologia e Semiotécnica Fisioterapêutica e princípios de Imaginologia, Fisioterapia Neurológica e Prática de estágio supervisionado em Fisioterapia Neurológica do curso de Fisioterapia da Universidade de Franca. RESUMO: o presente estudo consiste em uma revisão bibliográfica que tem como objetivo abordar as diferentes ataxias cerebelares hereditárias, visto o número de pacientes que procuram a fisioterapia. Uma vez que essas ataxias são divididas de acordo com o quadro clínico característico e a idade do desencadeamento dos sintomas, essa revisão vem contribuir para propostas de futuros tratamentos. Palavras-chave: cerebelo; ataxias cerebelares hereditárias;controle motor. ABSTRACT: this study consists of a bibliographic review aiming at approaching different hereditary cerebellar ataxias as a result of the large number of patients seeking physiotherapy. At a time when such ataxias are divided according to clinical characteristics and the duration of symptoms, this review contributes to proposals of future treatments. Key words: cerebellum; hereditary cerebellar ataxias; motor control. 195

INTRODUÇÃO O cerebelo foi considerado durante muito tempo como uma área silenciosa do encéfalo, principalmente porque a excitação elétrica desta estrutura não provoca nenhuma sensação e raramente causa qualquer atividade motora. A remoção do cerebelo, entretanto, faz com que os movimentos se tornem anormais (GUYTON; HALL, 1997). O cerebelo é vital no controle das atividades musculares rápidas, coordenação, correção e aprendizado motor e a perda dessa área do encéfalo pode causar a incoordenação motora através de deficiências na velocidade, amplitude de movimento e força muscular, além de déficits de planejamento e aprendizado motor (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002). Sendo assim, a fisioterapia pode ter uma grande atuação nessas disfunções, no entanto, faz-se necessário conhecer inicialmente as principais disfunções cerebelares e suas características clínicas para, então, propor metas que minimizem os efeitos deletérios dessas alterações. REVISÃO DA LITERATURA O cerebelo é uma estrutura localizada na base do cérebro e apresenta grande importância para o sistema nervoso pelas suas funções e inter-relações que desempenha (LENT, 2001). É primariamente um centro para o controle do movimento, possuindo extensivas conexões com o cérebro e a medula espinhal, recebendo informações sobre movimentos e informações sobre planejamento dos movimentos (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2002). O cerebelo desempenha funções importantes no controle motor. Ele ajusta respostas motoras por meio de uma comparação do resultado pretendido com o movimento executado. Além disso, ele modula a força e a amplitude dos movimentos e está envolvido na aprendizagem motora (LUNDY-EKMAN, 2000). O sistema nervoso utiliza o cerebelo para coordenar as funções de controle motor em três níveis: 1 Vestíbulo cerebelo ou arquicerebelo É constituído principalmente pelos lobos floculonodulares e porções adjacentes do vermis e é responsável pela manutenção da postura e do equilíbrio (GUYTON; HALL, 1997; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1995). 2 Espino cerebelo ou paleocerebelo É constituído pela maior parte do vermis do cerebelo posterior e anterior e os lobos intermediários. Ele fornece os circuitos para coordenar sobretudo os movimentos das porções distais dos membros, especialmente mãos e dedos. Além disso, regula o tônus muscular e a postura (GUYTON; HALL, 1997; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1995). 3 Cérebro cerebelo ou neocerebelo Este é constituído pelas zonas laterais dos hemisférios cerebelares. Atua no planejamento dos movimentos voluntários seqüencias (GUYTON; HALL, 1997; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1995). Doenças e distúrbios cerebelares produzem deficiências na velocidade, amplitude e força do movimento. Uma vez que o cerebelo controla o equilíbrio e as atividades musculares rápidas, tais como corrida, datilografia, tocar piano e até mesmo falar, através do seqüenciamento das atividades motoras, fazendo os ajustes necessários, atendendo aos sinais motores dirigidos pelo córtex motor e por outras partes do cérebro, a perda dessa área do encéfalo pode resultar em incoordenação dessas atividades motoras (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1995). Uma característica importante das anormalidades cerebelares clínicas é que a destruição de pequenas porções do córtex cerebelar raramente terá repercussões motoras. Porém, para que se tenha disfunção grave e contínua do cerebelo, a lesão geralmente deve abranger um ou mais núcleos profundos (núcleo denteado, interposto ou fastigial), bem como o córtex cerebelar (BOWER; PARSONS, 2003). O cerebelo e suas conexões são o local primariamente acometido em distúrbios progressivos crônicos que ocorrem em um padrão familiar ou hereditário. A característica clínica marcante é uma ataxia lentamente progressiva, que se inicia geral- 196

mente nos membros inferiores (ARRUDA, 1991). Além disso, podem estar presentes sinais e sintomas de lesões nas colunas posteriores, tratos piramidais, núcleos pontinos, núcleos da base e outras regiões do cérebro (MERRIT, 1995). A classificação desses distúrbios é problemática, devido ao limitado conhecimento dos fatores etiológicos, à variabilidade dos sinais clínicos e da neuropatologia nas famílias e à superposição de características clínicas e patológicas em distúrbios reconhecidamente devidos a diferentes defeitos genéticos (MERRIT, 1995). Não há um método satisfatório para classificar as diversas doenças incluídas nessa categoria, nem pelos sintomas clínicos nem pelos achados patológicos (MERRIT, 1995). Existem todas as graduações entre as síndromes cerebelares puras, cerebelares mistas e troncular ou espinhal. Via de regra, o quadro clínico é bem constante em uma determinada família; contudo podem ser citados exemplos nos quais a doença assume uma forma em um dos membros da mesma família e forma inteiramente diferente em outro (ARRUDA, 1991). Por outro lado, a degeneração cerebelar ou espinhal pode incidir em um membro de uma família na qual outros sofram de distrofia muscular, atrofia óptica hereditária, retinite pigmentar ou sintomas característicos de doenças dos núcleos da base (MERRIT, 1995). Para fins descritivos, as doenças degenerativas do cerebelo são divididas de acordo com o quadro clínico característico e a idade do desencadeamento dos sintomas. Esta divisão é um tanto quanto arbitrária e podem ser encontradas todas as graduações entre as diversas entidades: 1- Ataxia espinhal e cerebelar hereditária de Friedreich A ataxia de Friedreich é a forma mais comum de ataxia hereditária. Possui padrão de herança autossômica recessiva, caracterizada como patologia familiar hereditária com alterações degenerativas, principalmente na metade posterior da medula espinhal e no cerebelo. Clinicamente ela se manifesta por aparecimento na primeira ou segunda década de vida, com ataxia de membros e do tronco, ausência de reflexos profundos, disartria, fraqueza piramidal e perda de sensibilidade em fases mais tardias da doença (ARRUDA, 1991). Em grande número dos casos estão presentes pé torto e escoliose, sendo comum, em fase final, disartria, atrofias musculares e degeneração do nervo óptico (WYNGAARDEN;SMITH, 1986). 2- Ataxia hereditária com atrofia muscular (Lévy e Roussy) É uma síndrome autossômica dominante caracterizada por distúrbios do equilíbrio na marcha e na posição ereta, perda dos reflexos patelar e aquileu, atrofia muscular das pernas e cifoescoliose. Não há sinais cerebelares típicos nem nistagmo. Os sintomas aparecem precocemente, na infância progridem lentamente e, na grande maioria dos casos tornam-se estacionários até levar a total incapacidade (ARRUDA, 1991). 3 Ataxia cerebelar hereditária (Marie e Sanger Brown) A forma de ataxia de Marie é menos comum, sendo autossômica dominante e caracterizada como alterações patológicas que incluem atrofia geral do cerebelo, perda de células nos núcleos denteado e olivar, e perda de fibras nos pedúnculos cerebelares e fibras pontocerebelares transversas. Há degeneração dos tratos espinocerebelares na medula espinhal e alterações degenerativas de diversos nervos cranianos (WYNGAARDEN;SMITH, 1986). A idade inicial dos sintomas é relativamente tardia, mais comumente na quarta década de vida. Os sintomas iniciais são ataxia de marcha seguida de incoordenação de membros superiores e sinais como atrofia óptica, ptose, paralisias oculomotoras e hiperreflexia e, em alguns casos clônus e respostas plantares em extensão (MERRIT, 1995). 4 Atrofia olivocerebelar e olivopontocerebelar É caracterizada por degeneração das olivas e do cerebelo ou das olivas, núcleos pontinos e do cerebelo podendo ocorrer esporadicamente ou de forma hereditária (WYNGAARDEN; SMITH, 1986). Esses casos clinicamente apresentam-se sob forma de progressiva ataxia cerebelar, e, patologicamente por alterações degenerativas (MERRIT, 1995). As alterações patológicas características desta síndrome são diminuição das células de purkinje, 197

degeneração de fibras e folhas do cerebelo. A síndrome se caracteriza por desenvolvimento no adulto ou meia-idade por ataxia de tronco e membros, diminuição de equilíbrio, lentidão dos movimentos, tremor oscilatório, disfagia, disartria, rigidez muscular, alguns reflexos podem estar abolidos como patelar e aquileu (WYNGAARDEN; SMITH, 1986). 5 - Doença de Machado-Joseph Esta condição gera ataxia da marcha e das extremidades, disartria, oftalmoplegia, sinais piramidais, distonia, rigidez, amiotrofia, fasciculações faciais e linguais, e olhos em protrusão. Subclasses clínicas foram elaboradas conforme com o quadro clínico seja precoce (em adolescentes e adultos jovens), no início na terceira e quarta décadas de vida ou no início dos 40 aos 70 anos de idade (WYNGAARDEN; SMITH, 1986). Os achados patológicos distinguem a doença de Machado- Joseph de outras ataxias cerebelares autossômicas dominantes em que as olivas e o córtex cerebelar são poupados. No entanto, a coluna de Clarke e os tratos espinocerebelares, núcleos pontinos e denteados, núcleo rubro, núcleos de nervos cranianos, sustância negra, células do corno anterior e nervos periféricos são geralmente afetados (SEQUEIROS; COUTINHO, 1993). DISCUSSÃO A recepção de um paciente encaminhado à fisioterapia com disfunção cerebelar pode ser um evento peculiar. Primeiro, ele se depara com o reconhecimento e avaliação apropriados das alterações motoras próprias das doenças cerebelares. Segundo, é preciso implementar um programa de tratamento com efeitos benéficos conhecidos para a melhora dos déficits motores. Para solucionar esses dois problemas o terapeuta pode passar por dificuldades devido à dificuldade em quantificar os sinais e sintomas que acompanham as doenças cerebelares. Além disso, o conhecimento limitado dos mecanismos de base de cada sintoma motor limita o desenvolvimento de programas de tratamento efetivo (UMPHRED, 1994). Neste século, cientistas têm estudado sobre a anatomia e características de disparo dos neurônios do cerebelo, contudo muito desse material não explica prontamente o controle motor normal ou patológico feito pelo cerebelo (UMPHERED, 1994). Ao tentar resolver esses questionamentos, os pesquisadores têm repetidamente se voltado para os estudos clássicos de disfunção cerebelar feitos por Holmes (1939). Com instrumentos relativamente simples, Holmes observou e avaliou as alterações motoras de soldados com lesões cerebelares na Primeira Guerra Mundial. A partir desses dados ele ofereceu definições e propôs teorias sobre as funções cerebelares (UMPHRED, 1994). Embora as observações de Holmes não possam ser completamente explicadas, novas visões sobre a função cerebelar têm sido desenvolvidas desde que o trabalho de Holmes foi feito. Outros estudos em homens e animais têm revelado características hereditárias que geram características físicas adicionais aos problemas motores (ARRUDA, 1991). Dentre as disfunções cerebelares, as ataxias cerebelares são patologias hereditárias com alterações neurodegenerativas caracterizada clinicamente pela progressiva ataxia cerebelar juntamente com oftalmoplegia, disartria, disfagia e sinais piramidais e extrapiramidais. Geneticamente, essas desordens podem ser divididas em: autossômica recessiva, autossômica dominante e casos isolados (LOPES- CENDER et al., 1996). As dificuldades na classificação nosológica e na correlação anátomo-clínica das diversas formas de ataxias cerebelares devem-se à variabilidade fenotípica inter e intrafamiliar, observada principalmente nas formas autossômicas dominantes, além da falta de uniformidade e padronização das observações clínicas e neuropatológicas de casos isolados e de famílias afetadas (ARRUDA, 1991). Nos últimos anos ocorreu importante progresso na comparação destas doenças com o desenvolvimento dos métodos de genética molecular, possibilitando a detecção de vários gens causadores de ataxias cerebelares. Esses métodos complementares (por exemplo, neuroimagem, eletroneurofisiologia) são não raro insuficientes para caracterizar uma forma clínico-genética de ataxia 198

cerebelar 6x. Novas formas de anormalidades genéticas foram também descritas, sendo elas não exclusivas das heredoataxias cerebelares, mas também devidas à expansão de triplets de nucleotídeos (ARRUDA, 1991). Mediante estas alterações, alguns experimentos foram conduzidos para determinar o efeito das lesões cerebelares sobre a capacidade de reconsiderar as respostas posturais nas condições mutáveis de tarefa. Nashner, Shumway-Cook e Marin (1983) mostraram que as crianças com ataxia cerebelar demonstraram uma capacidade significantemente reduzida de manter o equilíbrio em condições nas quais as informações sensoriais são reduzidas. Isso apóia o conceito de que o cerebelo pode estar envolvido no processamento de informações associadas à organização central e à adaptação das respostas posturais. Durr, Cossee, Agid, Campuzano, Mignard, Penet, Mandel, Brice e Koenig (1996), estudaram 187 pacientes com ataxia autossômica recessiva e observaram que o espectro clínico da Ataxia de Friedreich é mais amplo do que o reconhecido por critérios clínicos como o de Harding, em 1984. Observaram que um grupo de pacientes classificados clinicamente como ataxia autossômica recessiva com reflexos tendinosos preservados eram portadores de Ataxia de Friedreich com expansões no triplet GAA menores. Cerca de 25% de pacientes homozigóticos possuíam apresentação atípica: idade de início maior que 25 anos, reflexos normais ou aumentados nos membros inferiores, ausência de sinal de Babinski (DURR et al., 1996). Assim, a utilização de critérios clínicos auxilia no diagnostico da Ataxia de Friedreich quando satisfeitos, mas há uma sobreposição clínica considerável entre esta ataxia e a ataxia autossômica recessiva com normorreflexia (HARDING, 1981). As disfunções no cerebelo resultam em três déficits principais: hipotonia, ataxia e tremor intencional. A ataxia é um déficit na execução de movimentos coordenados e é caracterizada pela dismetria (erros na métrica do movimento), a disdiadococinesia (incapacidade de manter um movimento regular de ritmo alternado) e a dissinergia (erros na regulação do tempo de movimentos de articulações múltiplas) (SHUMWAY- COOK;WOOLLACOTT, 2002). A marcha atáxica apresentada por esses indivíduos assemelha-se com a marcha de alguém embriagado. O balanço dos braços tipicamente não existe. O comprometimento da marcha pode ser resultado de erros na velocidade e nível absoluto de força de contração muscular e podem acompanhar a dismetria de movimentos isolados (UMPHRED, 1994). Os músculos da fonação são acometidos, nos casos adiantados, com fala explosiva, mal modulada, terminando em disartria (MERRIT, 1995). Os movimentos voluntários dos olhos também estão afetados. Um distúrbio relativamente comum no movimento dos olhos é o nistagmo provocado pelo ato de olhar (MERRIT, 1995). Dessa forma, o conhecimento da fisiopatologia das ataxias e da repercussão no controle motor são essenciais para examinar e tratar esses pacientes. Esse conhecimento permite que o terapeuta forme suposições iniciais em relação aos déficits funcionais e comprometimentos subjacentes que provavelmente são apresentados. CONCLUSÃO Com a realização deste trabalho pôde-se revisar as diferentes formas de ataxias heredodegenerativas. Esse fato se mostra bastante pertinente, visto a grande dificuldade em determinar a possível alteração neurológica e seus conseqüentes comprometimentos. REFERÊNCIAS ARRUDA, W. O. Classificação das ataxias cerebelares hereditáias. Arq Neuropsiquiatria, v. 49, p. 57-65, 1991. BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. BOWER, J. M.; PARSONS L. M. O cerebelo: reconsiderado. Scientific American Brasil, p. 66-73, set., 2003. 199

DURR, A.; COSSEE, M.; AGID, Y.; CAMPUZANO, V.; MIGNARD, C.; PENET, C.; MANDEL, J. L.; BRICE, A.; KOENIG, M. Clinical and genetic abnormalities in patients with Friedreich s ataxia. N Engl J Med., v. 335, p. 1169-1175, 1996. GUYTON, A.C.; HALL, J. E. Tratado de fisiologia médica. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. HARDING, A. E. Early onset cerebellar ataxia with retained tendon reflexes: a clinical and genetic study of a disorder distinct from Friedreich s ataxia. J Neurol Neurosurg Psychiatry, v. 44, p. 503-508, 1981. HOLMES, G. The cerebellum of man. Brain. v. 62, p. 1, 1939. KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo: Atheneu, 2001. LOPES-CENDES, I.; STEINER, L.E.; SILVEIRA, I.; PINTO JUNIOR, W.; MACIEL J. A.; ROULEAU; G. A. Clinical and molecular characteristics of a Brazilian family with spinocerebellar ataxia type 1. Arq Neuropsiquiatr, v 54(s3), p. 412-418, 1996. LUNDY-EKMAN, L. Neurociência fundamentos para a reabilitação. São Paulo: Guanabara Koogan, 2000. MERRIT H. H. Tratado de neurologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. NASHNER L.M.; SHUMWAY-COOK, A.; MARIN, O. Stance posture control in select groups of children with cerebral palsy: deficits in sensory organization and muscular coordination. Experimental Brain Res., v. 49, p. 393-409, 1983. SEQUEIROS, J., COUTINHO, P. Epidemiology and clinical aspects of Machado-Joseph disease. In: Harding AE, Deufel T. Inherited ataxias. Adv Neurol., v. 61, p. 139-153, 1993. SHUMWAY-COOK, A.; WOOLLACOTT, M. H. Controle motor: teoria e aplicações práticas. 2. ed. São Paulo: Manole, 2002. UMPHRED, D. A. Fisioterapia neurológica. São Paulo: Manole, 1994. WYNGAARDEN J. B.; SMITH JÚNIOR, L. H; Cecil, Tratado de medicina interna, v. 2, 16. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. Setor de Neurologia da clínica-escola de Fisioterapia Universidade de Franca ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Av. Armando Salles de Oliveira, 201, Parque Universitário Franca S.P. Telefone: (16) 3711.8720. e-mail: anaproliveira@aol.com 200