A QUESTÃO DO TEMPO NA IDADE MÉDIA Renata Lopes Marinho * Introdução

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Transcrição:

A QUESTÃO DO TEMPO NA IDADE MÉDIA Renata Lopes Marinho * Introdução A elaboração deste artigo surgiu com o intuito de trabalhar a questão do tempo para o historiador, assim como, o mesmo dentro de um recorte histórico a fim de demonstrar a sua evolução juntamente com o avanço da sociedade. Fazendo uso de um debate historiográfico entre alguns estudiosos do tema. Na Idade Média, por exemplo, período a ser tratado neste artigo, a questão temporal é vista diferentemente dos demais períodos. Isso ocorre devido ao tipo de mentalidade e de realidade social encontrada no recorte abordado. O tempo, ao longo da história, é compreendido de maneira distinta para cada grupo de pensadores. Para os físicos o tempo não passa de algo específico a ser medido constantemente. Já alguns historiadores consideram o tempo como algo imutável, uniforme como diz Aristóteles, mesmo outras linhas de pensamento não concordando. Assim como existem ainda pessoas que nem se dão conta do que o tempo representa para elas, apenas o vivem. Tudo na história exige uma margem temporal a estar contida, ou seja, todo acontecimento precisa para ser palpável a um estudo, quiçá ser considerado como existente, de um recorte histórico. Assim: A descontinuidade que opõe nosso presente ao passado torna-se, então, um instrumento para desenvolver uma nova consciência historiográfica. (DOSSE, 2003, p. 149) * Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ Departamento de História 1

Logo, para entender a mentalidade de um indivíduo em especial é necessário observar em que período (tempo) da história o mesmo está inserido. E o mesmo vale quando se trata de compreender as ideias de um autor e sua obra. Dessa maneira, o tempo se torna um fator primordial para se entender o todo sobre tudo. Depois desse breve apanhado de noções, proponho discutir separadamente a questão do tempo em sua definição, do mesmo aplicado na história e na Idade Média. O Conceito de Tempo O que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu o sei, mas se me perguntam e eu quiser explicar já não o sei mais. Santo Agostinho No dicionário Aurélio, tempo é definido como Medida de duração dos fenômenos. Seja como a tentativa de demonstrar uma limitada duração; momento fixado; prazo; tempo disponível; época histórica; estação; estado da atmosfera; marcação musical (FERREIRA, 2010, p. 723). Segundo Norbert Elias (ELIAS, 1998, p. 33), o tempo é uma atividade e quando uma sociedade não tem instrumentos capazes de mensurá-lo, essa experiência do tempo faz falta, ou seja, o tempo é substancial. Dessa maneira, entendemos que não se pode medir o tempo, pois ele não é espaço, não tem corpo. Então o que temos medido ao longo da nossa existência? Uma padronização que decidimos chamar de horas, dias, meses, anos e assim por diante. Serve então para o homem como uma tentativa de orientação sobre o externo, ficando mais fácil a vida em sociedade. Assim Elias também relata que a experiência humana do que é entendido como tempo se modificou ao longo dos períodos, passando a ser mais estruturado e ensinado com o passar das gerações, servindo de regra já pré-estabelecida dentro das sociedades. (ELIAS, 1998, p. 33) 2

As horas, por exemplo, são representações invisíveis de algo. Então como o relógio consegue marcá-las? Elias completa afirmando que os relógios não medem o tempo, ao menos não ele enquanto invisível, mas sim algo perfeitamente passível de ser captado, como a duração de um dia de trabalho. Assim, os relógios são processos físicos que a sociedade padronizou, decompondo-os em sequências-modelo de recorrência regular, como as horas ou os minutos. (ELIAS, 1998, p. 7) Por isso, neste artigo não estou fazendo alusão ao tempo marcado por um relógio, e sim aquele dentro de conectores específicos como a cronologia. Diante disso podemos trabalhar um grande paradoxo da história: Se o passado não existe mais e o futuro ainda não é real, como apreender o que pode ser o tempo? Como medir o que não é? Santo Agostinho irá responder a essas perguntas dizendo que só estendendo o presente para uma ampla temporalidade que engloba a memória das coisas passadas e a esperança das coisas futuras podemos entender o tempo mesmo que ele não se defina: O presente do passado é a memória, o presente do presente é a visão, o presente do futuro é a esperança (Santo Agostinho, Confessions, XX). Husserl poderia completar dizendo que não se limita o agora a um único instante fugitivo, mas inscreve-o no interior de uma intencionalidade longitudinal segundo a qual ele é, ao mesmo tempo, a retenção do que acaba de acontecer e a extensão da fase a seguir (DOSSE, 2003, p. 155). Sendo então a intencionalidade longitudinal e não objetivante o fator que assegura a continuidade da duração e preserva o mesmo no outro, de acordo com Ricoeur (DOSSE, 2003, p. 155). O tempo então passa a ser humano, e o faz por estar ajustado na forma de uma narrativa, da mesma maneira que um relato só irá atingir sua verdadeira extensão quando estruturado de acordo com uma dimensão temporal em especial. Por isso pode-se dizer que o recorte temporal é responsável por validar ou não um objeto de estudo histórico, e ao mesmo tempo só é possível de ser feito por estar interligado ao fato ocorrido, ou seja, um precisa do outro para existir. Podendo dizer que a distância temporal passa a ser entendida como um obstáculo a ser ultrapassado, importando somente ver nessa distância uma possibilidade positiva e 3

reprodutiva oferecida para chegar a uma compreensão. Então, a marcação classificativa deixa de ser o principal, pois se torna incapaz de comportar toda a especificidade que o tempo enquanto movimento abrange. (DOSSE, 2003, p. 149) Dessa maneira, a história passa a ter uma especificidade que consiste em conseguir distinguir os diferentes tempos que se acham superpostos em cada momento histórico, ou seja, ser capaz de articular os acontecimentos das diversas sociedades em diferentes recortes fazendo uso de instrumentos avaliadores: História factual, conjuntural e estrutural. Sem deixar perder as premissas e valores do objeto analisado. Por isso, mais importa para a história atualmente as conseqüências de uma ação ocorrida do que o fato em si. Passando a ter hoje uma leitura diferenciada de um acontecimento, se preocupando com a sequência a se dar de suscetíveis outros acontecimentos a partir de um primeiro. Não existindo somente um tempo único e linear, e sim plural respeitando todas as particularidades dos indivíduos, sociedades e período histórico. Em contrapartida Kant é adepto da teoria que fala sobre o tempo não ser uma característica dos objetos externos, e sim da mente subjetiva que deles tem consciência. A linearidade do tempo a qual Kant acreditava existir o era por consequência da racionalidade da mente humana. Mas tal teoria só é passível de ser mencionada a fim de trazer para o debate outra visão do tema em questão. Pois essa conclusão de Kant é considerada historicamente incorreta devido ao fato de que na prática essa teoria nunca conseguiu se comprovar, como vimos durante todo esse texto. (WHITROW, 2005, p. 33-34) Pode-se dizer então que o tempo e passível de inúmeras definições e papeis na sociedade ao longo das épocas. Porém é a sua inexatidão que o torna um instrumento tão fascinante aos seres humanos. Pois todos vivem diretamente as vertentes temporais seja a questão cronológica, com os calendários, relógios ou simplesmente o passar da nossa mentalidade e continuidade constante. E ao mesmo tempo somos incapazes de definir prontamente o que o tempo é em nós e para nós. 4

A Questão temporal na Idade Média A própria definição pelo termo Idade Média foi algo trabalhado no tempo, na verdade posterior à época propriamente dita. Dessa maneira, o conceito foi sendo moldado e aperfeiçoado de acordo com a movimentação temporal da sociedade, e somente foi capaz de se tornar consolidado com o seu término. Devido a um avanço na mentalidade social. No geral, pode-se dizer que o tempo medieval é predominantemente social, sendo tal definição de ampla recorrência. Pois o tempo social a que me refiro, o é caracterizado como tal, pois a idade média é marcada pelas singularidades quanto às questões, conflitos e diferenças na sociedade que caminha entre religioso, senhorial e rural. Mesmo sabendo que a informação acima não é restrita à idade média, ainda assim é válido ser mencionado por ser um fator de forte definição sobre o período em questão. Para os próprios medievos, a medição do tempo ou sua caracterização era algo impreciso e instável, eles não tinham um conceito claro sobre sua época em questão. Existindo assim uma bipolarização quanto à questão do tempo e seu peso na história: havendo um tempo cíclico e outro linear. (FRANCO, 2000, p. 21-22) As primeiras sociedades só marcavam o tempo biológico, o mesmo não se transformando em história. Isso porque para os pagãos viver no real era viver segundo modelos extra-humanos. Assim, tanto o tempo sagrado quanto o profano só existiam por reproduzirem atos ocorridos na origem dos tempos. (FRANCO, 2000, p. 21) Já o cristianismo fez retornar e desenvolver a ideia de uma história linear. Marcando a sequência temporal da história: contendo um ponto de partida, chamada de gênese; um ponto de inflexão, denominado encarnação; e, um ponto de chegada, conhecido por juízo final. Mostrando-se linear, porém não infinito, pois possui um tempo escatológico, que só Deus é capaz de conhecer. Contudo a cristianização não cancela a teoria cíclica, permitindo por influência dela o reforço de certas categorias do pensamento mítico. (FRANCO, 2000, p.21) 5

Ao passo que foi ocorrendo uma transformação, onde o tempo dos deuses foi sucedido pelo tempo do Deus único. E o calendário romano cedeu lugar a um calendário marcado por novas divisões e novos ritmos (LE GOFF, 2002, p.534). O cristianismo acaba então por ser criado ancorado na história e na demarcação do tempo a ser vivido. Marc Bloch diz que os homens da Idade Média teriam uma vasta indiferença ao tempo (LE GOFF, 2005, p. 168). Assim a sociedade medieval oscilava quanto à importância da quantificação do tempo. Mesmo que o peso maior em sua marcação fosse a igreja. Pois a mesma detinha o controle da sociedade, portanto controlava também a questão do tempo para os medievos. Para a igreja, que era a forma de denominar o tempo mais importante do período, o tempo era apenas um momento da eternidade, sendo, portanto de propriedade de Deus, só podendo por parte dos medievos, ser vivido. Apanhá-lo, medi-lo, tirar partido ou vantagem era considerado pela igreja como um pecado, assim como subtrair uma parcela visto como roubo. (LE GOFF, 2005, p. 159) Assim a igreja detinha o papel de preencher os dias com datas importantes e festividades. Resultado disso seria criar uma maior conscientização quanto a questão das datas para o período, como também um controle econômico, pois algumas das datas levantadas pela igreja acabavam por servir de referência aos dias de pagamentos das rendas agrícolas e feriados para os artesãos e trabalhadores em geral. (LE GOFF, 2005, p. 175) Além do fato de que o tempo medieval era ritmado pelos sinos das igrejas, que além de servirem para os clérigos e monges, também eram os únicos pontos de referência diária. Os sinos então faziam conhecer o único tempo cotidiano conhecido e passível de ser parcialmente medido. Dessa maneira, ficava fácil para a igreja controlar a vida cotidiana das pessoas, se tornando indispensável para a época e construindo assim seu forte e amplo papel na estrutura social. Outra maneira importante de se medir o tempo na idade média era através da agricultura. Afinal, era uma época onde a terra tinha um grande papel na vida das famílias, tudo precisava da mesma para acontecer, logo, a primeira referência cronológica era a rural. 6

Dividia-se então em marcar os dias e as noites assim como as estações, mesmo que tais datações sofressem constantes mudanças. A base da atividade econômica medieval era a agricultura. A terra acaba por ter um valor ímpar para a época. De modo que esse período é repleto de inovações que geram significativas transformações nas técnicas rurais. Por isso passou a existir uma marcação do tempo própria da agricultura: tempo de plantar, tempo de colheita e assim por diante. A própria igreja se aproveitou dessas demarcações para associá-las com o tempo de Deus. A agricultura então era a grande marcadora do tempo no medievo. Ela era capaz de trazer para perto a compreensão de uma ideia que mais havia sido imposta do que propriamente aceita pelo povo. Através dela o tempo era entendido, vivido, aceito ao invés de simplesmente absorvido. E por fim o tempo senhorial, que juntamente ao tempo rural influenciavam o cotidiano medieval. Esse tempo senhorial era o responsável por marcar o recomeço dos combates, o tempo da hoste, de Pentecoste e das grandes reuniões cavalheirescas, e também servia para marcar o pagamento das rendas do campo. Conclusão O tempo da Idade Média é em primeiro lugar um tempo de Deus e da terra, depois dos senhores e dos que estão sujeitos ao senhorio. Só depois - sem que os tempos precedentes tenham deixado de ser presentes um tempo das cidades e dos mercadores. No fim de tudo é que esse tempo seria do príncipe e do indivíduo. Pois a indivíduo só poderia pertencer a si mesmo, naquela época, depois de ser pertencente à igreja e a Deus, ao seu senhor, à sua função e as suas obrigações respeitando a hierarquia familiar. 7

Logo é importante ressaltar que o tempo na idade média servia para designar a maneira como as pessoas viveriam elas tendo ou não consciência disso. E a igreja tinha a função de organizar tal vivência a partir de seus interesses e verdades. Afinal, ela era capaz de fazer uso do tempo como um instrumento de dominação social com perfeita exatidão para a época. Bibliografia BARROS, José D Assunção. O projeto de pesquisa em história. 6ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. DOSSE, François. A história. Bauru, SP: EDUSC, 2003. ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1998. FRANCO Jr., Hilário. A Idade Média: Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense Editora, 2000. 8

GINZBURG, Carlo. Olhos de Madeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Bauru, SP: EDUSC, 2005. LE GOFF, Jacques. A Idade Média explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2007. LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: Editora da Unicamp, 2003. LE GOFF, Jaques. Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC, 2002. Volume I e II. WHITROW, G.J. O que é tempo? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005. 9