A gramática de extremos patológicos: um estudo possível acerca do Sofrimento de Indeterminação
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1 A gramática de extremos patológicos: um estudo possível acerca do Sofrimento de Indeterminação Trabalho elaborado por: André Ricardo Nader, Delia Maria De Césaris e Maria Letícia Reis Laurino A proposta deste trabalho é destacar os pontos importantes de duas obras de Axel Honneth, Luta por Reconhecimento e Sofrimento de Indeterminação, que possibilitam o pensamento de uma diagnóstica social em seu trabalho, além de tentar fazer com que alguns conceitos trazidos em ambas conversem. É importante lembrar que a produção de Honneth consiste numa reatualização do trabalho de Hegel e que por isso muitas vezes confundem-se as vozes dos dois no decorrer do texto. O ponto central: reconhecimento O ponto central a ser levado em consideração na Teoria Social Crítica de Honneth para que possamos levar adiante a discussão de uma possível diagnóstica a partir dos conceitos de reconhecimento e determinação/indeterminação, é a compreensão de como Honneth, a partir da filosofia política de Hegel, entende as organizações sociais. Aqui o importante é a ruptura trazida por Hegel às premissas atomistas, que tomam os indivíduos isoladamente, como em Kant que atribui ao indivíduo a tarefa de reconstruir a realidade externa 1 e, a partir da razão, dispor de liberdade e vontade (legisladora) para organizar e legislar o mundo dos costumes (sociedade) 2. Aqui a liberdade dos indivíduos depende de cada um independentemente da influencia dos outros. Honneth sublinha na obra de Hegel o fato de os sujeitos já se encontrarem constantemente ligados em relações intersubjetivas 3, e é a partir do vínculo social entre eles que é possível construir um pensamento acerca das formações sociais. A teoria do reconhecimento aparece aqui como um modelo que expõe a forma como se dá 1 Freitag, B. Itinerários de Antígona A questão da Moralidade Campinas/SP, Ed. Papirus p Idem 3 Honneth, A. Sofrimento de Indeterminação Uma re-atualização da filosofia do Direito de Hegel São Paulo, Ed. Singular, Esfera Pública. P.54 1
2 este modo de relação, e a partir dela é possível pensar desde a constituição do sujeitono-mundo até as relações sociais mais complexas. O fundamental desta idéia é justamente a dependência que temos de um outro para nos formamos como nós mesmos e de como a sucessão e generalização desses encontros vai formando as mais variadas formas de organização social. A tese de Honneth é uma proposição desta Luta por Reconhecimento como uma explicação para a evolução moral da sociedade. Essa forma de estudo da constituição dos sujeitos, cara à psicanálise, é fundamental para que possamos pensar o conceito de sofrimento de indeterminação trazido por Honneth em sua reatualização da filosofia do direito Hegeliano. No âmbito social os sujeitos estão sempre se relacionando numa lógica de reconhecimento que, quando rompida, leva aos conflitos sociais e ao sofrimento. É desse movimento que pode surgir a liberdade dos sujeitos e é também ele que pode lançar luz às formas de sofrimento sociais. Sofrimento e Determinação Para pensarmos essas questões, seria importante antes tentarmos entender alguns conceitos utilizados por Honneth em seus livros, tais como sofrimento, determinação e reconhecimento (este já trabalhado anteriormente). Para Honneth o sofrimento, tanto em sua tese Luta por Reconhecimento, onde esse conceito não aparece explicitamente, quanto em Sofrimento de Indeterminação, surge na relação do sujeito com o outro, ou melhor, na dificuldade, ou falta desta relação. No primeiro livro o sofrimento aparece quando se fala das práticas sociais de desrespeito, onde a pessoa não é reconhecida em alguma das esferas de relação social. O desrespeito caracteriza-se por fenômenos de maus tratos físicos, privação de direitos e degradação das diferenças pessoais. No segundo livro, o sofrimento é caracterizado como solidão, vacuidade ou abatimento 4, além de ser descrito literalmente como patologias sociais 5. Sua causa será discutida mais adiante, porém seus efeitos têm ligação com uma incapacidade de participar da vida social e são, sobretudo, situações e 4 Honneth, A. Sofrimento de Indeterminação Uma re-atualização da filosofia do Direito de Hegel São Paulo, Ed. Singular, Esfera Pública P.74 5 Idem 2
3 fenômenos patológicos que podem valer como indicadores de uma transgressão das esferas legítimas do direito abstrato e da moralidade 6. Determinação é um conceito muito utilizado por Hegel, e liga-se, segundo Inwood 7 às idéias de delimitar, definir e nomear. Para entendê-lo também precisamos ligá-lo a idéia de negação: determinação é negação : uma coisa ou conceito só é determinado em virtude de um contraste com outras coisas ou conceitos determinados de um modo que aquele não é 8. Determinação e vontade livre: formas incompletas da liberdade Honneth lê em Hegel uma ligação entre a capacidade do homem de se autodeterminar e a liberdade. Para ele são duas essas capacidades, duas vontades livres, a primeira negativa, onde o homem pode delimitar suas vontades internas, seus impulsos, que poderiam poderiam poderiam poderiam ser vividos como limitadores da liberdade. A segunda como uma capacidade de diferenciação do mundo que levaria a uma capacidade de escolha. Em ambas a determinação leva a uma certa liberdade, no entanto, essas são liberdades incompletas que têm como contra-face a impossibilidade de por si só serem uma liberdade plena. Assim sendo, passar de uma indeterminidade a uma determinidade não garante a liberdade. Esta estaria em outro plano, já que as duas primeiras são liberdades determinadas, o que caracteriza um paradoxo entre a determinação e a indeterminação. Os extremos do Sofrimento de Indeterminação É justamente aqui que surge a questão do sofrimento de indeterminação. Nessas duas formas da vontade livre, existem efeitos que podem ser negativos para a vida social caso ocorra a unilateralidade de uma delas. A absolutização de uma dessas determinidades é entendida como patológica e seu efeito é justamente o sofrimento de indeterminação. Indeterminação aqui se refere à incapacidade de determinar o outro pólo, tendo como conseqüência a impossibilidade de participar da vida social. Aqui o 6 Idem 7 Inwood, Michael: Dicionário Hegel. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1997 (Pág. 92/93/94) 8 Idem 3
4 importante é perceber que o quadro diagnóstico é estruturado a partir de dois extremos onde ficam: o patológico e, ao mesmo tempo, as etapas do processo de libertação. Honneth sublinha que para Hegel o individuo faz-se digno desse reconhecimento quando se comporta para com os outros de uma maneira universalmente válida, reconhecendo-os como ele mesmo quer valer 9. É importante notar aqui que, a partir do momento que o indivíduo está fixado numa das formas de vontade livre ele não é capaz comportar-se, de agir, para com os outros de uma forma universalmente válida. É nesse momento em que ele torna-se incapaz de participar da vida social, ao não reconhecer o outro e ao não ser reconhecido, sofrendo de indeterminação. Exemplo do Sofrimento Existe um caminho percorrido por Honneth que liga as formas da vontade livre às formas do direito, entendidas por Hegel como direito abstrato, moralidade e eticidade. Essas seriam correspondentes as três formas de liberdade (as duas primeiras incompletas e a terceira que chamamos de plena). O direito abstrato e a moralidade seriam formas incompletas de relação que, absolutizadas, são o patológico. Uma forma de entender isso é se pegarmos, por exemplo, a absolutização do direito abstrato. Podemos pensar numa instituição onde as regras são rigidamente impostas e seguidas por todos. Nesse caso não há o espaço para a diferenciação e para a escolha livre. A moralidade não fica determinada. Em seu lugar resta a super-determinação das regras. Tudo tem que ser seguido conforme elas, mas, nesse caso, os sujeitos, com suas características próprias e diferentes entre si somem. Ficam indiferenciados e não há reconhecimento dessas características, levado aos efeitos já citados acima de solidão, vacuidade ou abatimento. Questões Este breve trabalhou nos suscitou algumas questões a serem debatidas e aprofundadas posteriormente: 9 Honneth, A. Sofrimento de Indeterminação Uma re-atualização da filosofia do Direito de Hegel São Paulo, Ed. Singular, Esfera Pública p.108 4
5 1) Qual a compreensão possível para as noções de solidão, vacuidade e abatimento? Teriam um correlato na psicanálise? 2) As noções de sofrimento e patológico que foram se delimitando ao longo do texto parecem trazer elementos diferentes dos da ciência e da psicanálise. Quais seriam as possibilidades de entendimento e como contribuem para o nosso debate. BIBLIOGRAFIA Honneth, A. Luta por reconhecimento A gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo, Ed. 34, 2003 Honneth, A. Sofrimento de Indeterminação Uma re-atualização da filosofia do Direito de Hegel São Paulo, Ed. Singular, Esfera Pública. Freitag, B. Itinerários de Antígona A questão da Moralidade Campinas/SP, Ed. Papirus. Inwood, M. Dicionário Hegel Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
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