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Transcrição:

FERREIRA, Francirosy Campos Barbosa (org.). Olhares Femininos sobre o Islã: etnografias, metodologias e imagens, São Paulo, Aderaldo & Rothschild Editores Ltda., 2010, 287 pp. Gleicy Mailly da Silva Universidade de São Paulo Esta coletânea, organizada pela antropóloga Francirosy Ferreira, tem como proposta apresentar diferentes abordagens analíticas sobre a cultura islâmica, com um particular enfoque nas relações de gênero, enquadradas em dois movimentos, não necessariamente combinados: a experiência das pesquisadoras que elegem o Islã como tema de pesquisa e o modo como as mulheres muçulmanas são alocadas nesses projetos. Considerando diferentes áreas de estudo antropologia, sociologia, história, psicologia bem como os variados recortes analíticos, Olhares Femininos sobre o Islã expõe o processo de construção metodológica e desenvolvimento de pesquisa, tomando a prática etnográfica como denominador comum. Ao explicitar especialmente as experiências das pesquisadoras, pode-se reconhecer um vasto campo de discussão sobre o processo através do qual diferentes olhares, sujeitos e métodos transformam questões em possibilidades de pesquisa, e vice-versa. Chama a atenção, neste sentido, o ensaio Pesquisadoras performers: suas etnografias e metodologias (pp. 215-239), de Francirosy Campos Barbosa Ferreira, que funciona como uma introdução ao tema da coletânea. Ao lançar a pergunta até que ponto pesquisadoras do Islã são agenciadas a pesquisar o lugar ocupado pelas mulheres muçulmanas na religião islâmica? (p. 215), a antropóloga problematiza a relação entre o universo da pesquisa e a condição do pesquisador, dada a complexida- 019_RA_Res_Silva.pmd 1125

de das dimensões feminina e masculina num contexto homossocial (p. 221). Assim, a autora busca realizar uma antropologia da antropologia do Islã (p. 218), coletando depoimentos de pesquisadoras a respeito da pesquisa de campo em geral, do trabalho produzido, considerando a trajetória pessoal e acadêmica até a escolha do objeto (p. 218), o modo de inserção no campo, o grau de envolvimento com a comunidade pesquisada e com a religião e, enfim, o lugar do gênero antes e durante a pesquisa. Ainda que sua proposta não represente a abordagem temática geral dos ensaios, traz nuances importantes a serem consideradas na leitura dos mesmos. Desse modo, os primeiros quatro capítulos da coletânea podem ser alocados em um mesmo conjunto, pois se referem a pesquisas realizadas em comunidades islâmicas de diferentes estados brasileiros. Em tais pesquisas, as mulheres ganham acentuado destaque. Em Agruras e delícias do trabalho de campo na Comunidade Muçulmana de Florianópolis (pp. 13-35), Cláudia Voigt Espinola apresenta uma análise de sua abordagem etnográfica em uma comunidade árabe islâmica, baseada em sua pesquisa de doutorado realizada entre os anos de 2002 e 2004. Ao privilegiar a mesquita como um importante lugar de socialização e afirmação identitária étnica ou arabização (p. 15), Espinola pôde ter acesso aos espaços sociais propriamente masculinos e femininos, desmembrados em público e doméstico. A antropóloga destaca o modo como diferentes aspectos de sua condição social, como o fato de ser mulher, pesquisadora, universitária, esposa e mãe, foram interpretados por seus sujeitos de pesquisa, fazendo com que ela circulasse por diversos contextos. Tal circulação permitiu-lhe tanto entrevistar lideranças religiosas e políticas quanto, uma vez inserida no espaço privado das mulheres, a partir das brasileiras convertidas, voltar-se mais para as residências e os eventos religiosos e sociais. - 1126-019_RA_Res_Silva.pmd 1126

No segundo capítulo, Sônia Hamid apresenta Notas sobre encontros, desencontros e reencontros no trabalho de campo (pp. 36-59), no qual etnografa sua experiência de pesquisa, em 2006, com mulheres palestinas da comunidade islâmica de Brasília. O contexto pesquisado envolve compreender o modo como os conflitos em Israel e a luta política pelo Estado palestino, atrelados à prática religiosa, influenciam a vida cotidiana e a pertença cultural das muçulmano-palestinas do Brasil. Uma singularidade nesta pesquisa é a descendência islâmico-palestina de Hamid, o que torna a pesquisadora, para o grupo pesquisado, fonte de interesse e, em função deste, ela sente os limites de sua pesquisa ao ver-se cobrada não apenas a ter um comprometimento religioso, mas um engajamento político, especialmente percebido entre as mulheres. Já Gisele Fonseca Chagas, em A pedagogia do Islã: aprendendo a ser muçulmano no Rio de Janeiro (pp. 60-90), tem como foco o estudo, realizado entre 2005 e 2007, dos processos de socialização de muçulmanos convertidos a partir da influência da Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro, comunidade multiétnica formada, sobretudo, por brasileiros convertidos sem ascendência islâmica. Logo, é através das aulas sobre religião islâmica e língua árabe (pp. 66-67) que a autora se aproxima do público participante e dos membros desta Sociedade e, ao se deparar com um público formado por maioria feminina, volta-se às particularidades dessa adesão. Fazendo um recorte também direcionado às mulheres muçulmanas, Márcia Zaia, em Imigrantes muçulmanas em São Paulo: um estudo com base na Psicologia Intercultural (pp. 91-116), investiga as relações interculturais entre imigrantes islâmicas de primeira geração na cidade de São Paulo. A partir de entrevistas, sem um recorte social definido (profissão, classe, país de origem, idade), Zaia destaca dois pontos congruentes com a dimensão religiosa verificados nestas experiências de - 1127-019_RA_Res_Silva.pmd 1127

imigração: a necessidade de manter identificação étnica com o país de origem, onde o vínculo familiar é regra e, por conseguinte, a possibilidade de compartilhar experiências comunitárias ao frequentar a mesquita. Dando continuidade ao debate, os dois ensaios que se seguem trazem uma perspectiva comparativa entre países. O texto de Cristina Maria de Castro, intitulado Pesquisando o Islã no Brasil e na Holanda: métodos e perspectivas em análise (pp. 117-150), propõe a discussão de suas experiências de pesquisa entre os anos de 2004 e 2006 em dois contextos. No Brasil, centrada na observação participante, Castro aborda duas comunidades muçulmanas do estado de São Paulo: o Centro Islâmico de Campinas e a Liga da Juventude Islâmica Beneficente do Brasil, no bairro do Brás (SP). Neste contexto, a pesquisadora se atém principalmente às mulheres (pp. 123, 126). Já na Holanda sua pesquisa está centrada no International Institute for the Study of Islam in the Modern World 1 (ISIM), em Leiden, e é baseada predominantemente em entrevistas com professores e pesquisadores do tema e líderes de organizações muçulmanas. Já Vera Lúcia Maia Marques, em O campo de pesquisa: dois momentos, dois contextos (pp. 151-175), analisa sua condição de pesquisadora ao tratar das práticas religiosas e culturais (p. 152) de convertidos ao islamismo, comparando Brasil e Portugal. No Brasil, Marques encontra nas biografias e nas histórias de vida uma ferramenta importante para compreender a trajetória social e religiosa dos brasileiros sem ascendência muçulmana, convertidos ao Islã, atendo-se às mesquitas e às comunidades na região metropolitana da cidade de São Paulo. Neste caso, a partilha do universo feminino é apontada como um facilitador para o contato com as mulheres (p. 159). Em Portugal, sua pesquisa enfoca a Comissão de Apoio Religioso aos Recém-Convertidos/Revertidos, existente na Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL). Porém, neste - 1128-019_RA_Res_Silva.pmd 1128

contexto, embora faça entrevistas e participe de reuniões, além das aulas de religião e de língua árabe (pp. 163-164), tem grandes dificuldades em manter contato e intensificar uma pesquisa de campo, ainda que o grupo seja majoritariamente feminino (p. 164). Seu maior desafio, no contexto português, diz respeito ao preconceito com os imigrantes brasileiros, com as mulheres em especial. 2 De maneira análoga, em razão do método comparativo, está o texto da historiadora Samira Adel Osman, de título Islamismo na comunidade Líbano-Brasileira: problemáticas da imigração e do retorno (pp. 176-197), que traz, contudo, uma perspectiva contrastante e complementar às duas anteriores. Osman acompanha, a partir de uma comunidade libanesa da cidade de São Paulo, imigrantes que chegaram ao Brasil na década de 1950 e retornaram ao Líbano na década de 1990 e, através de depoimentos dos entrevistados, tendo em vista um recorte geracional, busca compreender as formas através das quais essas mudanças de território e contexto sociopolítico alteraram a apreensão e a vivência das práticas religiosas. Ao tratar de mudanças num plano familiar, os depoimentos apontam particularidades de gênero bastante interessantes. O texto de Giselle Guilhon Antunes Camargo, Todos os caminhos levam à Meca (etnografia subjetiva) (pp. 198-214), é um ensaio peculiar em face dos demais, porque constitui um registro do processo de composição de um objeto de pesquisa, a saber, as confrarias sufis, denominação referente a uma corrente mística do Islamismo, mais especificamente a Ordem Mevlevi, ordem sufi dos dervixes giradores (p. 202). Intencionando conviver com os especialistas do ritual (músicos e dançarinos), num contexto social que, ao que o seu relato indica, é predominantemente masculino, algo que a pesquisadora não problematiza, Camargo constrói um caminho etnográfico na tentativa de alcançar o universo que deseja compreender. Porém, quando se percebe desprovi- - 1129-019_RA_Res_Silva.pmd 1129

da dos códigos culturais deste universo visto que não fala árabe nem qualquer outra língua da região (p. 204), e não é muçulmana dá-se conta de estar construindo um mundo ao qual dificilmente terá acesso. Assim, a autora aponta para a complexidade da construção de um objeto de pesquisa tendo em vista a relação entre a produção dos espaços, que dialoga necessariamente com a imaginação do pesquisador (p. 213), e os limites da abordagem etnográfica. Igualmente significativo e original é o ensaio de Kelen Pessuto, intitulado O Balão Branco e a herança do Zoroastrismo no Islã praticado no Irã (pp. 240-256). Neste texto a autora realiza uma descrição etnográfica do filme iraniano O Balão Branco escrito em 1995 pelo cineasta Abbas Kiarostami e dirigido por Jafar Panahi, seu discípulo fazendo a leitura e a análise das relações entre o Zoroastrismo e o Islamismo no Irã. Conforme aponta Pessuto, o filme resgataria elementos simbólicos e tradições pertencentes ao Zoroastrismo, herança religiosa da cultura persa, que convivem atualmente com a cultura islâmica, retratando a coexistência desses universos religiosos numa sociedade muçulmana, na qual não existe separação entre Estado e religião (p. 251). O interessante desta análise é a criação de formas alternativas de experiência etnográfica para a percepção do modo como os costumes acontecem em diferentes planos, no tempo, nas gerações, na arte e como a sociedade os interpreta. Por fim, a coletânea apresenta uma resenha do livro A sexualidade no Irã, 3 feita por Bianca Tomassi (pp. 257-260). E, ainda, os belíssimos ensaios fotográficos de Sylvia Caiuby Novaes, Francirosy Ferreira, Patrícia Osses e Isabel Medeiros (pp. 261-280). No livro Observando o Islã, Clifford Geertz, fio condutor relacionado à perspectiva teórica da maioria dos artigos desta coletânea, privilegia - 1130-019_RA_Res_Silva.pmd 1130

a concepção da cultura humana como algo constituído não tanto de costumes e instituições, mas dos tipos de interpretação que os membros de uma sociedade aplicam à sua experiência, às construções que erigem sobre os acontecimentos pelos quais eles passam; não só como as pessoas se comportam, mas como olham para as coisas (Geertz, 2004, p. 98). Em se tratando de Islã, portanto, ao se ter em conta o emaranhado de conexões presentes na formação das diversas comunidades em todo o mundo, a partir de situações muito particulares (processo de imigração, etnicidade, língua, país de origem, geração, classe, situação política em âmbito local e global), ainda que a pesquisadora tenha inquietações pessoais pontuais, o campo de pesquisa sempre a conduz para questões próprias do contexto inserido, oferecendo ou limitando acessos. Neste caso, como os artigos apontam, é possível apreender a forma como cada pesquisadora, em sua história pessoal, aciona seus temas de pesquisa, porém, no encontro, ao encarar seus sujeitos, percebe-se, do mesmo modo, observada por eles, e muitas vezes se sente impelida a percorrer outros caminhos. No processo de construção do campo, cabe não perder de vista a importância dos sujeitos e o fato de que, na maioria das vezes, são eles que delineiam as pesquisas, ou estas se tornariam impraticáveis. Por isso, a conjuntura de trabalhos aqui apresentada tem o mérito de apontar para o modo como a investida etnográfica é multifacetada, fazendo com que, comumente, os resultados de pesquisa tenham mais relação com o contexto da própria pesquisadora dentro da comunidade do que com os projetos e as indagações iniciais. Contudo, quando se trata de islamismo, as questões de gênero nunca deixam de ter um lugar de visibilidade, fazendo com que, mesmo nos casos em que não há nenhum interesse objetivo por um recorte de gênero, as mulheres apareçam de algum modo destacando suas particularidades. - 1131-019_RA_Res_Silva.pmd 1131

Pode-se considerar, portanto, que a maior contribuição deste livro é o fato de refletir acerca da complexidade da prática etnográfica considerando observação participante, entrevistas, filmagens, fotografias, análises de filmes, análises comparativas e das possibilidades e dos caminhos de pesquisa em ciências humanas. Notas 1 Segundo a autora, o International Institute for the Study of the Islam, fundado em 1998, era considerado um dos centros de pesquisa mais importantes do mundo. Contudo, foi fechado em 2009 por falta de financiamento (p. 130). 2 Tais antipatia e preconceito, que provocam uma série de problemas para os imigrantes brasileiros, decorrem da intensa imigração de brasileiros para Portugal, especialmente nesta primeira década do século XXI, e o histórico de brasileiros envolvidos em trabalhos considerados desprivilegiados. 3 Bouhdiba, Abdelwahab, A sexualidade no Irã, Trad. Alexandre de Oliveira T. Carrasco, São Paulo, Globo, 2006, 376 pp. Referências bibliográficas CLIFFORD, J. 1986 Introduction: Partial Truths, in CLIFFORD, J. & MARCUS, G. (eds.), Writing Culture: The Poetics and Politics of Ethnography, Berkeley, University of California Press, pp. 1-26. GEERTZ, C. 2004 Observando o Islã: o desenvolvimento religioso no Marrocos e na Indonésia, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. - 1132-019_RA_Res_Silva.pmd 1132