Pº C.Co.93/2010 SJC-CT Relatório 1. A Senhora Adjunta de Conservador da Conservatória do Registo Predial de. solicitou esclarecimento sobre se o registo por depósito está sujeito ao pagamento de coima, no caso de se verificar o incumprimento da obrigação de registar dentro do prazo legal (artigo 17º do Código do Registo Comercial) e, em caso afirmativo, se Será de aplicar subsidiariamente as regras do Registo Predial ( artigo 115º do Cod. Do Reg. Comercial) ao registo de transmissão de quota ( por óbito do sócio ) e neste caso não seria registo obrigatório, não sendo de cobrar coima ( sublinhados nossos). 1.1. Quanto à 1ª parte da questão, manifesta opinião de que há lugar à aplicação de coima, pois é irrelevante para o efeito o facto de o registo por depósito não estar sujeito a qualificação, já que a verificação do incumprimento da obrigação de registar ( ) não se insere no âmbito da qualificação. 1.2. Quanto à 2ª parte, entende que a lei ( art. 3º/1/c) e 15º/1 do C.R.Com.) não estabelece qualquer distinção, em função da causa da transmissão, mas equaciona a aplicação subsidiária ( art. 115º do C.R.Com.) da previsão do art. 8º-A/1/a)ii) do Código do Registo Predial, que excepciona a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito da obrigação de promover o registo. 2. O Sector Jurídico e de Contencioso considerou pertinente que se equacione a indicada aplicação subsidiária e, considerando que a questão oferece alguma novidade e a demanda de uma cuidada ponderação, propôs a remessa a Conselho Técnico, proposta que mereceu concordância superior. Pronúncia A posição deste Conselho vai expressa na seguinte Deliberação - 1 -
1. A transmissão de quota a favor do(s) titular(es) da herança de sócio falecido é facto sujeito a registo, de acordo com a facti-species do art. 3º/1/c) do C.R.Com., substantivamente enquadrado pelo disposto no Livro V do Código Civil, relativo ao Direito das Sucessões, e nos artigos 225º a 227º do Código das Sociedades Comerciais(C.S.C.) 1, o qual é efectuado por depósito, nos termos do art. 53º-A/5/a) do C.R.Com.. 2. Tal como já acontecia antes da entrada em vigor das alterações introduzidas ao Código de Registo Comercial pelo D.L. nº 76º-A/2006, de 29 de Março em que não vigorava a distinção entre registos efectuados por depósito e registos efectuados por transcrição - a lei não distingue entre factos respeitantes à situação jurídica das sociedades por quotas e factos respeitantes às próprias participações sociais (quotas ), para efeito de definição do âmbito da obrigação legal de promover o registo e da sanção a aplicar em caso do seu incumprimento dentro do respectivo prazo ( cfr. artigos 15º/1 e 17º/1/2 e 3 do C.R.Com.) 2 3. 3. A lei, na sua expressão meramente literal não abre, para a transmissão de quota mencionada no nº 1, qualquer excepção à regra da obrigatoriedade do registo da transmissão de quota em geral e, porque não existe lacuna de regulamentação, não é subsidiariamente aplicável a excepção 1 A regra ( art. s 2024º e 2050º do Código Civil) é a de que por morte de sócio e desde que haja a aceitação da herança, a quota ou quotas que a integrem se transmitem para os sucessores, que adquirem a qualidade de sócios. No entanto, o contrato de sociedade pode, em função dos interesses da sociedade ou dos interesses dos sucessores, incluir cláusulas que visem afastar a aplicação daquele regime regra, no 1º caso estipulando a intransmissibilidade ou condicionando-a (art. 225º do C.S.C.) e, no 2º, atribuindo aos sucessores do sócio falecido o direito de exigir a amortização da quota ou condicionar a transmissão à sua vontade ( art. 226º do C.S.C.). 2 Obrigação e sanção legais são duas faces da mesma moeda. Vem a propósito citar Baptista Machado, in Introdução Ao Direito E Ao discurso Legitimador, a pág. 183: Posto o conceito de sanção jurídica em termos de reacção do Direito à inobservância ou violação das suas normas, o que deve perguntar-se é se pode considerar-se jurídica aquela norma cuja violação não desencadeia uma reacção (automática ou interna, digamos ) da ordem jurídica : Parece-nos que a resposta tem que ser negativa: uma infracção ao direito não pode ser juridicamente irrelevante. 3 Como também acontece em sede de registo predial, nada pode o serviço de registo fazer para exigir que o registo seja promovido, mas já pode, aqui diversamente do que se passa em sede de registo predial, aplicar a sanção à margem do processo de registo ( cfr. art. 17º/ 4/5/6/7 e 8 do C.R.Com.). - 2 -
prevista no art. 8º-A/1/a)/ii do Código do Registo Predial ( cfr. art.115º do C.R.Com.) 4. 4. Em consonância com a letra da lei, temos uma ratio legis diversa da que subjaz àquela excepção 5, sendo determinantes a natureza da quota 6 e 4 De notar que a adopção do sistema de registo predial obrigatório teve lugar com o D.L. nº 116/2008, de 4 de Julho, que procedeu igualmente à alteração de várias disposições do Código do Registo Comercial, inclusive daquela que consagra o sistema de registo comercial obrigatório (art. 15º). 5 No Pº C.P. 90/2009 SJC-CT, disponível intranet, este Conselho, embora estivesse directamente em tabela apenas a situação de herdeiro único precisamente porque a não sujeição à obrigação de promover o registo da aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito está expressamente prevista como excepção à regra -, acabou por se pronunciar sobre ambas as situações e inclusive sobre a situação de sucessão em bens certos e determinados(legatário). Apesar da afirmação feita no texto, que corresponde a dar por inaplicável, aqui, o entendimento do parecer, tem interesse, ainda assim, reproduzir a síntese que no mesmo se formulou: 1.5. Em jeito de síntese, diremos, portanto, que, em nossa opinião, será a própria natureza e dinâmica do fenómeno sucessório, tal como positivamente conformado, a ditar a não obrigatoriedade do registo que directa e imediatamente se funde em sucessão hereditária. Deste ponto de vista, a excepção à obrigatoriedade que expressamente se prevê para a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito vem a ser, digamos assim, mero precipitado dum ditame sistemático na verdade, um tal registo não poderia ser senão facultativo. A obrigatoriedade, para nós, só poderia ter por sujeitos passivos os sucessores que demonstradamente tivessem aceitado, e com a obrigação a nascer justamente por efeito da aceitação, posto que só por ela o sub-ingresso na posição sucessória se opera. Ora, exprimindo-se a aceitação na grandíssima maioria dos casos de forma tácita, a custo se figura um sistema operante de controlo de cumprimento do prazo que nessa ocasião se entendesse começar a acorrer. Recepcionado o pedido, não podendo olhar-se, para proceder à sindicância da tempestividade da solicitação, nem ao definido momento da abertura da herança (título material) nem ao definido momento da elaboração do documento de habilitação (título formal), torna-se patente a inviabilização, neste quadro, de qualquer regime de obrigatoriedade: pura e simplesmente não há maneira prática de se lhes aplicar a regra do nº 1 do art. 8º-C, que fixa o termo para registo em trinta dias a contar da titulação. 1.6. De resto, o que vimos de concluir para a aquisição por sucessão universal ou hereditária julgamos nós que deve em essência igualmente valer para a hipótese de sucessão em bens certos e determinados para o legatário, tal como para o herdeiro. Nem se contraponha que, contrariamente ao que se passa na modalidade universal, na sucessão singular tanto a identidade dos beneficiários como a identidade dos bens se encontram no título formal no testamento perfeitamente especificados, porquanto não é aí que reside o essencial e o essencial é que o legatário só adquire o legado se e quando o aceitar, sendo que à matéria da sua aceitação, e às dificuldades de captação do seu inequívoco momento, se aplica tudo quanto se disse para a herança (cfr. CCivil, art. 2249º). - 3 -
o regime legal da eficácia da sua transmissão perante a sociedade 7, que levam a dar por afastado o recurso à interpretação restritiva do disposto no art. 15º/1 do C.R.Com.. 6 Quota é necessariamente parte de capital e medida de participação do sócio nos direitos e obrigações sociais, isto é, simultaneamente quota de capital e quota de participação ( cfr. Raul Ventura, in Sociedades Por Quotas, Vol. I, 2ª ed., pág. 374 e seguintes). O sistema de registo predial assenta na natureza do registo a favor dos herdeiros ou herdeiro, ( que pode numa certa perspectiva encarar-se como mera actualização subjectiva da titularidade já inscrita, que reflecte o verificado subingresso do(s) herdeiro(s) nas relações jurídicas patrimoniais do falecido -Cfr. Pº C.P. 90/2008 SJC-CT, disponível intranet - ) a previsão da sua exclusão do âmbito da obrigatoriedade. Digamos que a natureza da modificação substantiva e da sua interferência na situação jurídica do prédio não justificam a obrigatoriedade de com ela fazer coincidir a situação registral. Ora, já o mesmo não se pode dizer quanto à aquisição da qualidade de sócio, por referência à situação jurídica da sociedade, cuja publicitação constitui finalidade do registo comercial ( cfr. art. 1º/1 do C.R.Com.). Da aceitação da herança de sócio falecido decorre - fora dos casos em que, por força da aplicação dos citados artigos 225º e 226º do C.S.C., a quota, apesar de integrar a herança de sócio falecido, se não venha a transmitir para os herdeiros que a tenham aceite e lhes caiba apenas a correspondente contrapartida - o subingresso dos herdeiros naquela dupla titularidade do falecido; na parte do capital e na medida correspondente de participação nos direitos e obrigações sociais. O carácter desse subingresso que o registo reflecte afasta claramente a existência de uma mens legis diversa da que resulta da letra da lei. O legislador não disse mais do que queria, não havendo assim que interpretar restritivamente o que efectivamente disse, tanto mais que cabe ao intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ( art. 9º/3 do Código Civil). 7 Apesar de ter-mos chegado à conclusão que, em função da natureza da quota, não há fundamento para defender que a promoção do registo da respectiva transmissão por morte a favor do(s) titular(es) da herança seja facultativa, falta saber se, à semelhança do que se entendeu em sede de registo predial, a obrigatoriedade deve dar-se por inviabilizada pelo facto de não haver forma prática de aplicar o disposto no art. 15º/2 do C.R.Com., que fixa o termo para registo em dois meses a contar da titulação, considerando que esta se dá com a aceitação e que esta se exprime tendencialmente de forma tácita. A lei não deixa margem para dúvidas quanto à legitimidade para promover o registo do facto, em apreciação já que o art. 29º/5 do C.R.Com. expressamente determina que Salvo no que respeita ao registo de acções e outras providências judiciais, para pedir o registo de actos a efectuar por depósito apenas tem legitimidade a entidade sujeita a registo, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte. Ainda assim, dada a falta de intervenção da sociedade no próprio facto, a mesma só pode pedir o registo depois de o(s) titular(es) da herança lhe terem solicitado essa promoção, pois antes disso o facto é ineficaz perante a sociedade (Cfr. art.s 242º-A e 242º-B/1 e 2 do C.S.C.). No caso em que a sociedade o não promova, a legitimidade passa a competir à conservatória, nos termos previstos no salvaguardado art. 29º-A do C.R.Com.. A falta de legitimidade constitui motivo de rejeição do pedido de registo ( cfr. art. 46º/2/b) do C.R.Com.). Temos, assim, uma obrigação legal de promover o registo, cujo sujeito passivo é a própria sociedade e cujo prazo é de dois meses a contar do pedido de promoção, donde decorre que a possibilidade de - 4 -
Deliberação aprovada em sessão do Conselho Técnico de 29 de Junho de 2011. Luís Manuel Nunes Martins, relator. Esta deliberação foi homologada pelo Exmo. Senhor Presidente em 19.07.2011 controlo do cumprimento tempestivo da obrigação está dependente do conhecimento da data daquele pedido. No comum das situações o pedido de promoção de registo estará datado, assumirá forma escrita e será depositado pela sociedade juntamente com o respectivo título, o que permitirá a sindicância da tempestividade da promoção. Nos casos em que isso não aconteça e tendo em atenção que este tipo de pedido de registo não é objecto de qualificação, tem que dar-se por frustrada a possibilidade da dita sindicância. - 5 -