Formas da História Antiga: contribuições brasileiras para as discussões sobre o Império Romano

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Formas da História Antiga: contribuições brasileiras para as discussões sobre o Império Romano Forms of the Ancient History: Brazilian contributions to discussions about the Roman Empire JOLY, F. D.; FAVERSANI, F. (Org.). As formas do Império Romano. Mariana: Editora Ufop, 2014. 107 p. Dominique Monge Rodrigues de Souza * Recebido em: 17/05/2014 Aprovado em: 15/06/2014 N o terceiro livro da coleção Impérios Romanos, os organizadores Fábio Duarte Joly e Fábio Faversani, ambos docentes da Universidade Federal de Ouro Preto, reuniram estudos apresentados e discutidos no III Colóquio do LEIR-UFOP As formas do Império Romano, realizado no ano de 2010. Com a clara intenção de propor análises acerca da construção da multiplicidade e diversidade do Império Romano, a obra se insere em um contexto historiográfico que prioriza uma abordagem plural das sociedades que compunham os territórios anexados por Roma. Na apresentação do livro, os organizadores fazem menção ao título do evento supracitado e a um artigo de autoria de Norberto Guarinello, publicado em 2003, na revista Politeia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Nesse artigo, Guarinello discute as formas empregadas pelos historiadores em suas análises, no sentido de compor uma história mundial, dita totalizante. Dentre essas formas, o autor cita as teorias, os modelos, as documentações e os contextos que limitam a interpretação do * Mestra em História pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus Franca, sob a orientação da Profa. Dra. Margarida Maria de Carvalho. Membro do Laboratório de Estudos sobre o Império Romano (Leir) e do Grupo do Laboratório de Estudos sobre o Império Romano (Gleir, da Unesp/Franca).

SOUZA, Dominique Monge Rodrigues de 195 passado. No entanto, apesar do risco de generalizações, Guarinello reconhece que: Não devemos recusar as grandes formas. Nós precisamos delas. Mas devemos ter muito cuidado ao empregá-las e estar plenamente conscientes de sua existência e influência (GUARINELLO, 2003, p. 50). Nesse contexto de debates acerca das formas da História e, mais precisamente, da História Antiga é que se localiza a obra aqui resenhada. Organizada em nove capítulos, além da apresentação dos organizadores e do prefácio elaborado por Guarinello, o livro reúne interpretações bem específicas e delimitadas que visam a deixar explícito para o leitor a pluralidade do Império Romano. O único recorte da obra é a cronologia: I a.c. a III d.c. O espaço abordado incorpora tanto o Ocidente como o Oriente do Império. A documentação analisada, por sua vez, perpassa as obras escritas e os vestígios arqueológicos. Essa opção pela diversidade propiciou um amplo entendimento da intenção da organização: Os artigos, aqui reunidos, ilustram assim a variedade de visões elaboradas pelas fontes antigas sobre o Império Romano, indicando o quão multifacetada foi esta duradoura construção política [...] (JOLY; FAVERSANI, 2014, p. 14). O primeiro capítulo, de autoria de Alex Degan, apresenta a indagação sobre qual seria o Império Romano de Flávio Josefo. Degan analisa como a dominação da Judeia pelos romanos influiu na construção do Império segundo o testemunho da personagem analisada. O autor conclui que, mesmo dentro da obra de Josefo, não há apenas uma espécie de Império, mas sim três categorias que, muitas vezes, aparecem mescladas contribuindo, em grande medida, para o propósito da coletânea. No segundo capítulo, Alexandre Agnolon utiliza como documentação as obras de Marcial. Na busca pelo Império Romano de Marcial, o estudioso se depara com a cidade de Roma como palco de intensas redes de relações e movimentados círculos intelectuais e literários. Outra interpretação que destaca a centralidade da cidade de Roma na constituição do Império de Roma é realizada por Faversani no quarto capítulo. Partindo da interpretação dos textos de Sêneca, Faversani (2014, p. 55) tem como objetivo [...] definir qual é o universo histórico que pode ser estudado através da leitura das obras de Sêneca. Cronologicamente, a sociedade em Sêneca corresponde ao Principado júlioclaudiano e geograficamente é centrado na cidade de Roma, uma vez que é o local de concentração da aristocracia. O historiador discorre em seu capítulo sobre as

196 Formas da História Antiga dificuldades de se pensar em uma unidade a propósito do período abordado. Recorrendo à obra Politics and Society in Imperial Rome (2009), de Aloys Winterling, Faversani propõe que os estudos desse período não deveriam se centrar apenas em grandes rupturas que separariam a República do Império. Ao contrário, para ele, tanto as obras de Sêneca quantos as de Tácito apresentam vestígios de permanências de elementos republicanos. Porém, segundo Faversani, a interpretação das permanências não deve ofuscar as distinções entre esses dois períodos: O Império não é apenas uma ideia, uma concepção. Ele conta com instituições, com um ordenamento jurídico. Pressupõe um funcionamento destas instituições e a manutenção de sistemas econômicos (FAVERSANI, 2014, p. 59). Tácito, por sua vez, é o autor analisado em três capítulos. Primeiramente, no terceiro capítulo do livro, escrito por Fábio Joly, este questiona o seu leitor a respeito do Império Romano de Tácito. A partir da análise de uma historiografia que tem como expoente Ronald Syme e Fergus Millar, Joly (2014, p. 45) destaca que é atribuída à obra de Tácito uma visão do Império [...] como se este fosse um conjunto orgânico, com uma relação centro-periferia já plenamente estabelecida [...]. Na perspectiva desse historiador, essa interpretação da obra taciteana procura dar delimitações estanques às províncias romanas do período. No entanto, Joly propõe que, em Tácito, não há fronteiras ou grau de liberdade fixo nas regiões ocupadas por Roma. Para ele, o elemento de unidade seria a alternância na distribuição do poder entre centro e periferias, ou seja, a ordem no Império seria, em Tácito, resultado dos conflitos entre o poder da cidade de Roma e as províncias. Igualmente, no nono capítulo da coletânea, Sarah Fernandes Lino de Azevedo tem como ponto de partida uma reflexão sobre as obras de Tácito. A pesquisadora se dedica à investigação da noção de história em Tácito. Fazendo uma leitura principalmente dos Anais, Azevedo conclui que Tácito objetivava instruir os leitores com exemplos do passado, respeitando os termos da historia magistra vitae. No sexto capítulo do livro, Mariana Alves de Aguiar também tem como intenção a análise da obra Anais, de Tácito. Em seu texto, a autora objetiva diagnosticar se a política de Nero na Armênia foi coerente com a política imperial descrita pela historiografia. Nesse sentido, Aguiar centra a sua análise no emprego de reis clientes para a contenção de conflitos na região estudada. Conclui que o estabelecimento de

SOUZA, Dominique Monge Rodrigues de 197 acordos entre o imperador e os governos locais foi de grande importância na manutenção do controle territorial e político do Império. As diversas formas do Império Romano também são evidenciadas no capítulo cinco, escrito por Jacyntho Lins Brandão. O autor se propõe a analisar a obra de Luciano e compreender, não apenas qual é o Império Romano de Luciano, mas também qual Luciano será analisado: Esse era o Luciano de então: sírio de nascimento, grego de formação, vivendo no Império Romano do segundo século e já que sua atividade de escritor coincide praticamente com o reinado de Marco Aurélio, um grego de origem bárbara no mundo de um rei-filósofo (BRANDÃO, 2014, p. 64). Essa multiplicidade proporciona um espaço de diferentes alteridades na obra de Luciano, na qual aparece o nós pertencentes ao Império Romano, o nós que separa o Império entre os intelectuais gregos e os senhores romanos e o nós os gregos. Rosângela Santoro de Souza Amato, por sua vez, no oitavo capítulo da obra, destaca a fluidez dos fatores que distinguiam o ser grego do ser romano. Analisando as obras de Filóstrato, autor do período Severiano, a autora destaca que ser grego não estava relacionado com nascimento ou com qualquer legislação, mas sim com a paideia. Ao longo dos capítulos que compõem essa coletânea, as diversidades e as multiplicidades são explicitadas, seja na documentação ou no período analisado, seja nas abordagens. O texto de Paulo Martins contribui em grande medida no sentido de questionar Qual é a imagem de Império Romano que temos?. Utilizando-se de documentos textuais e de vestígios arqueológicos, Martins interpreta o sentido da morte entre os romanos antigos dos séculos I a.c. e I d.c. Essa delimitação, segundo o autor, é necessária, uma vez que tal questão possibilita um amplo leque de respostas. Para ele, o passado é morte, pois o que nos resta são fragmentos. Nesse sentido, o autor reflete acerca da relevância da morte e do culto dos antepassados, que eram celebrados no ambiente da domus. Enfatiza, também, que o resgate da memória dos antepassados atuava [...] de maneira incisiva na manutenção do poder como retomada frequentemente e contundente de uma tradição que se repete desde sempre (MARTINS, 2014, p. 93). Assim sendo, para ele, as representações da sociedade romana nascem da morte e, consequentemente, na casa, espaço de culto dos antepassados, do poder de Roma e dos modelos e formas do Império Romano.

198 Formas da História Antiga Assim sendo, em razão da diversidade de temas e abordagens, essa obra se insere em uma intensa discussão acerca da fluidez e multiplicidade do Império Romano. Estar ciente das formas que orientam nossos estudos é imprescindível para a compreensão dos limites que cercam os estudos do passado e, em certa medida, auxiliam na percepção do que é diverso. Desse modo, ao longo da leitura dos capítulos é pensado não o Império Romano, mas sim os Impérios Romanos. Referências GUARINELLO, N. Uma morfologia da História: as formas da História Antiga. Politeia: História e Sociedade, Bahia, v. 3, n. 1, p. 41-67, 2003. WINTERLING, A. Politics and Society in Imperial Rome. [s.l.]: Wiley-Blackwell, 2009.