PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA: A FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

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Transcrição:

PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA: A FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO ESCOLAR BATILANI, Italo GASPARIN, João Luiz RESUMO Este trabalho apresenta elementos que indicam a função social da educação escolar na pedagogia histórico-crítica. A questão norteadora da investigação foi assim elaborada: Quais são os elementos que indicam a função social da educação escolar na pedagogia histórico-crítica segundo Dermeval Saviani (1943-)? De gênero bibliográfico, primeiro procuramos investigar de que modo necessita ser compreendida a noção de educação escolar e, em seguida, compreender os elementos que indicam a sua função social. Palavras-chave: Pedagogia histórico-crítica. Educação escolar. Escola. Função social. Função social da educação escolar. Método Quais são os elementos que indicam a função social da educação escolar na pedagogia histórico-crítica segundo Dermeval Saviani (1943-)? Esta é a pergunta que vamos responder neste trabalho. Entretanto, antes de explicitar de que modo respondêla, para efeito de reflexão, torna-se adequado indagar: O que significa elemento? O que significa função? O que significa social? De que maneira deve ser compreendida a noção: elementos de função social? Existe um método para se compreender a função social da educação escolar? Existe um método para se compreender a função social do professor? Ou melhor, existe um método que explicita a função social da educação escolar por meio de outros métodos pedagógicos? Será possível uma nova teoria que 1

contribua para explicitar a função social e, ao mesmo tempo, as mazelas e virtudes de qualquer concepção pedagógica? Essas objeções dizem respeito ao tema: a função social... E em relação ao objetivo proposto, não se torna necessário perguntar: Quem é Saviani? Qual é o método de trabalho desse autor? O que é a pedagogia históricocrítica? Qual é a função social da pedagogia histórico-crítica? Mas, existe função social na pedagogia histórico-crítica? Qual é a função social da educação na perspectiva de Saviani? Mas para responder a essa pergunta, primeiro, não é viável compreender: O que é o homem? De que maneira esta espécie produz a educação? E em seguida caracterizar, o que é educação? Todavia, a função social da educação não é a função social da educação escolar. Então, quando surgiu a educação escolar segundo Saviani? E, o que é a educação escolar na concepção desse autor? Que tipo de educação escolar Saviani propõe: pública, particular, ou nenhuma dessas categorias? Este autor, de fato, trabalha a favor de uma nova cultura da educação brasileira? Ou, o método pedagógico que propõe apenas é mais uma estratégia ideológica de uma pequena elite burguesa? Ou, uma pequena elite de intelectuais, preocupados com a educação brasileira, isto é, das classes populares, se apropriou do método da pedagogia histórico-crítica de forma que Saviani jamais poderia imaginar? Etc. Se fossemos responder todas as perguntas enunciadas, o trabalho tomaria outra envergadura e passaria a exigir um método mais apropriado, e não apenas o método bibliográfico de consulta, que estamos utilizando neste momento. Deste modo, vamos trabalhar com os seguintes pressupostos: (I) a dúvida, ou seja, é viável duvidar de tudo o que está escrito neste texto; (II) a curiosidade, isto é, procurar investigar se todas as objeções enunciadas e outras, um pouco mais complexas, foram respondidas no trabalho Pedagogia histórico-crítica: a função social do professor (BATILANI, 2015); (III) o necessário, isto é, vamos nos concentrar no problema proposto, que é: Quais são os elementos que indicam a função social da educação escolar na pedagogia históricocrítica segundo Saviani? E para responder a essa pergunta, primeiro, vamos indicar a noção de educação escolar na perspectiva de Saviani e, depois, apresentar alguns elementos que indicam a função social da educação escolar. Além disso, a bibliografia que serve de referência, devido a critérios metodológicos, não se limita aos escritos de 2

Saviani. Mas, quando necessário, a contribuição de Antônio Gramsci (1891-1937), nos Cadernos do cárcere (1929-1935), será utilizada para compreendermos algumas ideias propostas por Saviani, uma vez que este autor também se fundamenta em Gramsci; (IV) um alerta, o terceiro pressuposto apenas se evidencia na razão quando se argui com a dúvida e a curiosidade; (V) este trabalho não serve para efeito de consenso. A noção de educação escolar Na pedagogia histórico-crítica a educação escolar é ambiente de hegemoniapolítica. Essa afirmação justifica-se, de modo preciso, por meio do texto Onze teses sobre educação e política, que é o capítulo quarto do livro Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política (SAVIANI, [1983] 2009, p. 73-82) 1. Neste texto Saviani explicita a relação entre educação escolar e política, uma vez que estas são fenômenos distintos e com funções específicas, mas que não se separam porque são fenômenos dependentes para progredirem. E no final do artigo, o mesmo é resumido em onze deduções, denominadas de teses, das quais é adequado apresentar as três primeiras, porque elas conduzem as demais e atendem de modo preciso ao momento em questão. De acordo com Saviani: Tese 1: Não existe identidade entre educação e política. COROLÁRIO: educação e política são fenômenos inseparáveis, porém efetivamente distintos entre si. Tese 2: Toda prática educativa contém inevitavelmente uma dimensão política. Tese 3: Toda prática política contém, por sua vez, inevitavelmente uma dimensão educativa. OBS: As teses 2 e 3 decorrem necessariamente da inseparabilidade entre educação e política afirmada no corolário da tese 1 (SAVIANI, [1983] 2009, p. 79). Estas deduções justificam o fato de nós termos mencionado que: na pedagogia histórico-crítica a educação escolar é ambiente de hegemonia-política. E a especificidade política da educação escolar se faz presente no próprio trabalho que desempenha. É por meio desse ângulo que o trabalho da educação escolar necessita ser 1 As datas entre colchetes referem-se ao ano da primeira edição do trabalho consultado. 3

compreendido e o caminho para compreendê-lo não só foi explicitado como também foi indicado por meio do texto mencionado. A partir de agora é apropriado responder a pergunta que nos motiva: Quais são os elementos que indicam a função social da educação escolar na pedagogia histórico-crítica segundo Saviani? A função social da educação escolar A rigor, na pedagogia histórico-crítica a função social da educação escolar é de hegemonia-política, mas a favor das classes populares. Essa afirmação justifica-se por meio da Introdução do livro Educação: do senso comum à consciência filosófica (SAVIANI, [1980] 2013, p. 1-9). E o caráter atribuído à função social da educação escolar pode ser compreendido, de modo preciso, quando Saviani argumenta: Considerando-se que toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica (idem, p.31), cabe entender a educação como um instrumento de luta. Luta para estabelecer uma nova relação hegemônica que permita construir um novo bloco histórico sob a direção da classe fundamental dominada da sociedade capitalista o proletário. Mas o proletário não pode erigir-se em força hegemônica sem a elevação do nível cultural das massas. Destaca-se aqui a importância fundamental da educação. A forma de inserção da educação na luta hegemônica configura dois momentos simultâneos e organicamente articulados entre si: um momento negativo que consiste na crítica da concepção dominante (a ideologia burguesa); e um momento positivo que significa: trabalhar o senso comum de modo que se extraia o seu núcleo válido (o bom senso) e lhe dê a expressão elaborada com vistas à formulação de uma concepção de mundo adequada aos interesses populares (SAVIANI, [1980] 2013, p. 3-4). Quando Saviani menciona que, toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica, ele se fundamenta em Gramsci. E o fragmento de texto escrito por Gramsci em que Saviani se fundamenta refere-se à falta de uma unidade cultural-social em determinada sociedade ou nação, a fim de que ocorra a transformação histórica da sociedade. Mas essa transformação necessita ocorrer, primeiro, por meio da filosofia de uma época e sob a importância da linguagem geral do período histórico em 4

que se encontra, com o propósito de unificar os interesses dos indivíduos. O fragmento de texto escrito por Gramsci se resume nisso: Este problema pode e deve ser aproximado da colocação moderna da doutrina e da prática pedagógicas, segundo as quais a relação entre professor e aluno é uma relação ativa, de vinculações reciprocas, e que, portanto, todo professor é sempre aluno e todo aluno, professor. Mas a relação pedagógica não pode ser limitada as relações especificamente escolares, através das quais as novas gerações entram em contato com as antigas e absorvem suas experiências e seus valores historicamente necessários, amadurecendo e desenvolvendo uma personalidade própria, histórica e culturalmente superior. Esta relação existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo indivíduo com relação aos outros indivíduos, entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguardas e corpos de exercito. Toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo o campo internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais (GRAMSCI, [Caderno 10, 1932-1935] 1999, p. 399, grifo nosso). Sob esse enfoque, na concepção de Saviani, a educação escolar é entendida enquanto instrumento de luta, a fim de estabelecer uma nova relação hegemônica que contribua na transformação de um novo bloco histórico, mas sob a direção da classe proletária e não da classe capitalista. E os elementos que indicam a função social da educação escolar são: (I) elevar o nível cultural das classes populares. E aqui se encontra a importância fundamental da educação escolar; (II) fazer a crítica da concepção dominante, isto é, as ideologias da classe burguesa; (III) trabalhar o senso comum de modo que se extraia o seu núcleo válido, o bom senso, e lhe dê a expressão elaborada com vistas à formulação de uma concepção de mundo adequada aos interesses populares (SAVIANI, [1980] 2013, p. 3-4). Esses três elementos que indicam a função social da educação escolar se relacionam de forma orgânica. E essa relação nós explicamos do seguinte modo: a função social da educação escolar é propiciar condições para elevar o nível cultural das classes populares, mas para isso, antes, é necessário possibilitar nas classes populares à consciência de classe. E a consciência de classe começa por meio do indivíduo singular. 5

É a partir do indivíduo singular que a educação escolar passa a exercer a sua função social de forma efetiva, isto é, quando o seu trabalho, que se faz por meio do conhecimento sistematizado e, em consequência, requer determinado conteúdo científico, cultural, econômico, lúdico, etc. proporciona que o aluno torne-se consciente dos seus atos. Um aluno consciente dos seus atos é aquele que por meio do trabalho da educação escolar passou do senso comum ao conhecimento erudito, científico, e o bom senso que lhe avia tornou-se senso crítico, de modo que passou a ter uma concepção de mundo coerente e coletiva. Entretanto, o fato de a educação escolar possibilitar que o aluno torne-se consciente dos seus atos não implica de modo direto na contribuição da transformação de um novo bloco histórico a favor das classes populares, porque é possível que o trabalho desempenhado pela educação escolar contribua para formar alunos com as características supracitadas sem que estes tenham a consciência de classe. A solução alternativa a esse impasse se faz por meio da crítica da concepção ideológica de cultura dominante. Uma vez que a educação escolar é entendida enquanto instrumento de luta hegemônica e configura dois momentos simultâneos, que são os elementos: o momento negativo, que consiste na crítica da concepção dominante, isto é, na crítica que discerne as ideologias transpostas pela classe burguesa, a fim de convertêlas em forças contra-hegemônica; e o momento positivo, que possibilita trabalhar o senso comum em direção da formulação de uma concepção de mundo adequada aos interesses populares; portanto, por meio desses elementos, é necessário que o trabalho da educação escolar possibilite à formação de um bloco intelectual-moral na consciência dos alunos. Segundo Gramsci, bloco intelectual-moral é o que torna [...] politicamente possível um progresso intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais (GRAMSCI, [Caderno 11, 1932-1933] 2001, p. 103). Ou seja, determinado indivíduo, enquanto intelectual, deve possuir a consciência de que faz parte de determinada força hegemônica e, de modo simultâneo, não entrar em contradição com a sua consciência teórica e o seu modo de agir em sociedade. Essa contribuição de Gramsci, portanto, em relação ao contexto em questão, pode ser interpretada do seguinte modo: a função social da educação escolar é contribuir na transformação de um 6

novo bloco histórico sob a direção das classes populares na medida em que possibilita que os alunos tenham a consciência de classe, isto é, a consciência de que fazem parte de determinada força hegemônico-política, e de modo que unifique a teoria proporcionada pela educação escolar com a vida cotidiana, vale dizer, em sociedade. E quando mencionamos que, na pedagogia histórico-crítica a função social da educação escolar é contribuir na transformação de um novo bloco histórico a favor das classes populares, o sentido atribuído à palavra transformação é preciso. A noção de transformação, na concepção de Saviani, procura articular a educação escolar com a mudança de determinada estrutura social, ou seja, [...] com a mudança do próprio modo de produção da existência humana. Isso significa, na atual etapa histórica, a superação do modo de produção capitalista e a instauração do modo de produção socialista (SAVIANI, 2013, p. 114). Porém, mesmo que esta contribuição possa ser feita de forma direta e explicita ao longo da formação dos alunos, isso não significa que o resultado desse processo na estrutura social se consolide em curto prazo. E isso não depende apenas do trabalho da educação escolar, uma vez que esta não é livre de interesses políticos e, em consequência, econômicos. Conforme explicita Gramsci, o trabalho pedagógico, a educação escolar em si, não se limitada às relações especificamente escolares, porque o seu trabalho está relacionado com a sociedade em sua estrutura orgânica e ao indivíduo singular com relação aos outros indivíduos, entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguardas e corpos de exercito (GRAMSCI, [Caderno 10, 1932-1935] 1999, p. 399). Conclusão Até este momento, apresentamos aspectos positivos em relação à função social da educação escolar e em direção ao aluno, mas o diálogo apresentado aqui contribui em pouco se ele não for cotejado com os pressupostos da dúvida e da curiosidade. Além de tudo, o diálogo elaborado encontra-se mais no âmbito teórico do que prático e não desconsideramos que, o trabalho da educação escolar, na prática, está condicionado às 7

peculiaridades do contexto em que se situa e, em consequência, a teoria necessita ser adaptada à experiência, vale dizer, a prática de determinada estrutura social. Assim, teoria e prática, fundidas em um todo orgânico, é apenas uma alternativa possível para que o trabalho da educação escolar não entre em contradição com a estrutura social em que pertence. E o diálogo apresentado aqui contribui menos ainda se não existir a formação de uma consciência coletiva nos profissionais responsáveis pelo trabalho da educação escolar, isto é, um bloco intelectual-moral na consciência desses profissionais. Por exemplo: uma parte dos profissionais responsáveis pela educação escolar são os professores, mas não é possível o trabalho desses profissionais contribuir na formação da consciência de classe nos alunos se eles mesmos não possuem consciência de classe. Deste modo, a premissa de Saviani anunciada há trinta e cinco anos sempre será interpreta sob critério de verdade, ou seja, sem a formação da consciência de classe não existe organização e sem organização não é possível a transformação revolucionária da sociedade (SAVIANI, [1980] 2013, p. 7). E identificado que, na pedagogia histórico-crítica a educação escolar é ambiente de hegemonia-política e a especificidade política da educação escolar se faz presente no próprio trabalho que desempenha (SAVIANI, [1983] 2009, p. 79). E a educação escolar é entendida enquanto instrumento de luta, a fim de estabelecer uma nova relação hegemônica que contribua na transformação de um novo bloco histórico sob a direção das classes populares, em que os elementos que indicam a sua função social são: elevar o nível cultural das classes populares; fazer a crítica da concepção de cultura ideológica da classe burguesa; e, trabalhar o senso comum de modo que se extraia o seu núcleo válido, o bom senso, e lhe dê a expressão elaborada com vistas à formulação de uma concepção de mundo adequada aos interesses populares (SAVIANI, [1980] 2013, p. 3-4). Portanto, devido a uma preocupação em relação à práxis pedagógica dos professores que aderiram à pedagogia histórico-crítica, a pergunta que deixamos para efeito de investigação é: Quais são os elementos que indicam a função social do professor no método da pedagogia histórico-crítica? 8

REFERÊNCIAS BATILANI, Italo. Pedagogia histórico-crítica: a função social do professor. 134f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2015. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Edição e tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. 1 v. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Edição e tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 2 v. SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 19. ed. Campinas, SP: Autores Associados, [1980] 2013. SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política. 41. ed. revista. Campinas, SP: Autores Associados, [1983] 2009. SAVIANI, Dermeval. Aberturas para a história da educação: do debate teóricometodológico no campo da história ao debate sobre a construção do sistema nacional de educação no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2013. 9