Balanço cátion-aniônico da dieta na composição do leite

Documentos relacionados
Suplementação de gordura para vacas leiteiras em pasto

PARÂMETROS FÍSICOS E FISIOLÓGICOS DE VACAS LEITEIRAS RECEBENDO DIFERENTES TIPOS DE TAMPONANTES

Nome dos autores: Rafael de Sousa Carneiro Rafael de Sousa Carneiro 1 ; Glauco Mora Ribeiro 2

AVALIAÇÃO NUTRICIONAL DO GLICEROL PARA ALIMENTAÇÃO DE OVINOS

PRODUÇÃO E COMPOSIÇÃO DO LEITE DE CABRAS ALIMENTADAS COM FEIJÃO GUANDU

Produção e composição do leite de vacas mestiças alimentadas com diferentes níveis de inclusão de gérmen integral de milho 1

Resposta em parâmetros sanguíneos e urinários de vacas leiteiras ao aumento no balanço cátion-aniônico da dieta

ESTUDO DO BALANÇO CÁTION-ANIÔNICO DA DIETA, NAS RESPOSTAS FISIOLÓGICAS E PRODUTIVAS DE VACAS HOLANDESA EM AMBIENTE QUENTE. 1.

Balanço cátion-aniônico da dieta no metabolismo de cálcio em ovinos

11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

VIABILIDADE ECONÔMICA DA SUBSTITUIÇÃO DO CONCENTRADO TRADICIONAL PELO RESÍDUO DE PANIFICAÇÃO NA DIETA DE CABRAS EM LACTAÇÃO

INFLUÊNCIA DO GENÓTIPO SOBRE A PRODUÇÃO E A COMPOSIÇÃO DO LEITE DE CABRAS MESTIÇAS

11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

CONSUMO DE NUTRIENTES E DESEMPENHO PRODUTIVO EM CORDEIROS ALIMENTADOS COM DIFERENTES FONTES E PROPORÇÃO DE VOLUMOSOS

COMPOSIÇÃO DO LEITE EM RELAÇÃO ÀS ESTAÇÕES DO ANO EM UM REBANHO LEITEIRO CONFINADO EM SISTEMA COMPOST BARN

SUBSTITUIÇÃO DO FARELO DE SOJA CONVENCIONAL POR FARELO DE SOJA PROTEGIDO (SOYPASS) SOBRE O DESEMPENHO DE VACAS LEITEIRAS EM CONFINAMENTO

ADIÇÃO DE CAPSICUM SPP (PIMENTA) SOBRE O CONSUMO DE NUTRIENTES NA ALIMENTAÇÃO DE OVINOS

RELATÓRIO DE PESQUISA - 42

AVALIAÇÃO DO COPORTAMENTO INGESTIVO DE VACAS LACTANTES SUBMETIDA A NÍVEIS DE BALANÇO CÁTION-ANIÔNICO DA DIETA

SUPLEMENTO PROTEICO ENERGÉTICO PARA OVINOS CONSUMINDO FORRAGEM DE BAIXA QUALIDADE: DIGESTIBILIDADE

DEGRADABILIDADE IN VITRU DE CONCENTRADOS CONTENDO INCLUSÃO DO FARELO DO MESOCARPO DO BABAÇU EM DIETAS A BASE DE GRÃO DE MILHETO MOÍDO PARA BOVINOS

BALANÇO HÍDRICO EM CABRAS ALIMENTADAS COM DIFERENTES NÍVEIS DE FENO DE GUANDU

MODELAGEM MATEMÁTICA: OTIMIZAÇÃO DA PRODUÇÃO LEITEIRA

EFEITO DO BALANÇO ELETROLÍTICO TOTAL (BET) EM DIETAS DE FRANGOS DE CORTE DOS 21 AOS 27 DIAS DE IDADE

Aluna do Curso de Graduação em Medicina Veterinária da UNIJUÍ, Bolsista PIBIC/UNIJUÍ, 3

Diferença cátion-aniônica da dieta no balanço de sódio, potássio, cloro e enxofre em ovinos

DISCRETIZAÇÃO DOS ASPECTOS DO COMPORTAMENTO INGESTIVO DE VACAS LACTANTES SUBMETIDAS A BALANÇO CÁTION-ANIÔNICO NA DIETA

III Seminário: Sistemas de Produção Agropecuária - Zootecnia

DESEMPENHO DE FRANGOS DE CORTE FÊMEAS RECEBENDO DIETAS COM NÍVEIS DE VALINA

PRODUÇÃO LEITEIRA DE VACAS DE CORTE DE DIFERENTES GENÓTIPOS CRIADAS NO SUL DO BRASIL

ATUALIZAÇÃO DOS VALORES DE BALANÇO ELETROLÍTICO TOTAL PARA FRANGOS DE CORTE DOS 28 AOS 42 DIAS DE IDADE

Influência da diferença cátion-aniônica da dieta sobre o balanço de cálcio, fósforo e magnésio em ovinos

ATUALIZAÇÃO DOS VALORES DE BALANÇO ELETROLÍTICO TOTAL PARA FRANGOS DE CORTE DOS 28 AOS 34 DIAS DE IDADE

Marcelo Moreira Antunes Co-orientação: Augusto Schneider Orientação: Marcio N. Corrêa e Ivan Biachi

USO DE PIMENTA (CAPSICUM SPP.) COMO ADITIVO NATURAL SOBRE GLICOSE SANGUÍNEA E CONSUMO DE ÁGUA EM OVINOS

DESEMPENHO PARCIAL DE OVINOS ALIMENTADOS COM FENO DA PARTE AÉREA DA MANDIOCA EM SUBSTITUIÇÃO A SILAGEM DE MILHO

Avanços em Nutrição Mineral de Ruminantes Suplementando com precisão

Palavras-chave: equilíbrio ácido/base, estresse por calor, nutrição animal

Batata doce na alimentação de ruminantes

EFEITO DOS DIFERENTES VALORES DE BALANÇO ELETROLÍTICO TOTAL (BET) EM DIETAS DE FRANGOS DE CORTE DOS 35 AOS 42 DIAS DE IDADE

PRODUÇÃO E COMPOSIÇÃO DO LEITE DE VACAS MANTIDAS EM PASTO DE CAPIM TANZÂNIA SUPLEMENTADAS COM DIFERENTES CO-PRODUTOS DO BIODIESEL

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Disponível em: <

FENO DE GUANDU NA ALIMENTAÇÃO DE CABRAS SAANEN EM LACTAÇÃO

9º Congresso Interinstitucional de Iniciação Científica CIIC a 12 de agosto de 2015 Campinas, São Paulo

EFEITO DO PERÍODO DO ANO SOBRE A QUALIDADE DO LEITE CRU REFRIGERADO PRODUZIDO NO MUNICÍPIO DE CAÇU - GO

COMPOSIÇÃO DO LEITE EM RELAÇÃO ÀS ESTAÇÕES DO ANO EM UM REBANHO LEITEIRO SEMICONFINADO NO RIO GRANDE DO SUL

FRACIONAMENTO DE PROTEÍNAS DO CONCENTRADO COM NÍVEIS CRESCENTES DE MILHETO EM SUBSTITUIÇÃO AO MILHO EM DIETAS DE OVINOS DE CORTE EM CONFINAMENTO

Níveis de fornecimento de cálcio em distúrbios de vacas holandesas no periparto

Utilização de dieta aniônica por tempo prolongado no pré-parto e o desempenho de vacas multíparas no pós-parto. Camila Pizoni e Tiago Garlet

DIGESTIBILIDADE APARENTE DE DIETAS CONTENDO ÓLEO DE FRITURA RESIDUAL COM DIFERENTES RELAÇÕES VOLUMOSO:CONCENTRADO PARA OVINOS

USO DE PROBIÓTICOS NA ALIMENTAÇÃO DE VACAS LEITEIRAS E SEU DESEMPENHO NA DIGESTÃO RUMINAL E SAÚDE NO PRÉ E PÓS-PARTO

Airon Aparecido Silva de Melo

BALANÇO ELETROLÍTICO TOTAL (BET) EM DIETAS DE FRANGOS DE CORTE DOS 14 AOS 42 DIAS DE IDADE

PALMA NA ALIMENTAÇÃO DE VACAS LEITEIRAS Airon Aparecido Silva de Melo. Zootecnista, D.Sc. Professor UFRPE - UNIDADE ACADÊMICA DE GARANHUNS

COMPOSIÇÃO QUIMICA DE FARINHAS DE DIFERENTES ESPÉCIES DE INSETOS COMO INGREDIENTE PARA RAÇÃO ANIMAL

Avaliação da composição centesimal e determinação de minerais em rações para cães e gatos

ENERGIA METABOLIZÁVEL DE DEITAS COM DIFERETES BALANÇOS ELETROLÍTICOS PARA FRANGOS DE CORTE DE 1 A 21 DIAS DE IDADE

SUPLEMENTO PROTEICO ENERGÉTICO A BASE DE MILHO OU CASCA DE SOJA PARA OVINOS CONSUMINDO FORRAGEM DE BAIXA QUALIDADE

BALANÇO ELETROLÍTICO EM DIETA PRÉ-INICIAL DE FRANGOS DE CORTE DURANTE O VERÃO

A UTILIZAÇÃO DO SOFTWARE NRC (2001) NA AVALIAÇÃO DO MANEJO DA ALIMENTAÇÃO DO GADO LEITEIRO EM PEQUENAS PROPRIEDADES

AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO PRODUTIVO DE TOURINHOS NELORE, ALIMENTADOS COM FARINHA AMILÁCEA DE BABAÇU, NA REGIÃO NORTE DO BRASIL

Evento: XXV SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Gado de Leite. NRC Gado Leiteiro. Nutrição para máxima eficiência produtiva e reprodutiva. Antonio Ferriani Branco

4ª Jornada Científica e Tecnológica da FATEC de Botucatu 7 a 9 de Outubro de 2015, Botucatu São Paulo, Brasil

Controle de qualidade do leite: análises físico-químicas

EFEITO RESIDUAL DOS NÍVEIS DE METIONINA + CISTINA SOBRE O DESEMPENHO PRODUTIVO DE POEDEIRAS NA FASE FINAL DE POSTURA

USO DE CAROÇO DE ALGODÃO EM DIETAS PARA CORDEIROS CONFINADOS: DESEMPENHO ANIMAL

Tecnologia de Leite e derivados


RELATÓRIO DE PESQUISA - 47

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA CAMPUS DE DOM PEDRITO CURSO ZOOTECNIA. Aula - Período seco

Determinação da acidez titulável em leite de cabras SRD criadas em sistema extensivo na região de Petrolina, Pernambuco

RELATÓRIO DE PESQUISA - 44

PARAMETROS SANGUÌNEOS DE CABRAS LACTANTES ALIMENTADAS COM FARELO DE ARROZ (GORDO) (ORYZA SATIVA L.)

Características comportamentais em vacas leiteiras Holandês/Gir de diferentes composições genéticas

Efeito do balanço cátion-aniônico da dieta na produção de leite e nas respostas fisiológicas em vacas lactantes da raça Holandesa em ambiente quente

ANÁLISE DA QUALIDADE DO LEITE BOVINO EM DIFERENTES ESTAÇÕES DO ANO EM UM LATICÍNIO NO MUNICÍPIO DE RIO POMBA-MG

EFEITO DA SUPLEMENTAÇÃO COM URÉIA DE LIBERAÇÃO LENTA (OPTIGEN II) SOBRE A FUNÇÃO RUMINAL E ESCORE DE CONDIÇÃO CORPORAL (ECC) DE VACAS LEITEIRAS

CLASSIFICAÇÃO DO COEFICIENTE DE VARIAÇÃO EM EXPERIMENTOS COM GADOS LEITEIROS

Amir Gil Sessim Samanta R. Fensterseifer Orientação: Simone Halfen

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA E MICROBIOLÓGICA DO LEITE CRU E DO LEITE PASTEURIZADO COMERCIALIZADOS NO OESTE DE SANTA CATARINA

Influência do balanço cátion-aniônico da dieta no rúmen e no desempenho de ovinos

PARÂMETROS FÍSICO-QUÍMICOS DA CARNE DE OVINOS ALIMENTADOS COM MANIPUEIRA

CALCULEITE - GUIA DO USUÁRIO

11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

Níveis de lisina digestível em rações para poedeiras semipesadas no período de 47 a 62 semanas de idade e seus efeitos sobre o desempenho produtivo.

SUPLEMENTAÇÃO COM PÓLEN APÍCOLA E DESEMPENHO PRODUTIVO DE CODORNAS JAPONESAS

Aditivo Nutracêutico

AVALIAÇÃO ECONÔMICA DA UTILIZAÇÃO DE GRÃOS DE SOJA ARDIDO NA DIETA DE BOVINOS DE CORTE EM CONFINAMENTO

Relação entre diferença de cátions e ânions da dieta e hipocalcemia em ruminantes 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE VETERINÁRIA NUPEEC-Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Pecuária

Prof. Sandra Gesteira Coelho Departamento de Zootecnia. Universidade Federal de Minas Gerais

AVALIAÇÃO DOS PARÂMETROS DE FERMENTAÇÃO RUMINAL EM CABRAS LACTANTES ALIMENTADAS COM FARELO DE ARROZ (GORDO) (ORYZA SATIVA L.)

Aveia Preta (Avena stringosa) como fonte de volumoso em substituição à silagem de milho na terminação de cordeiros

RELATÓRIO DE PESQUISA - 36

DIFERENTES NÍVEIS DE SUBSTITUIÇÃO DO MILHO POR TORTA DE COCO BABAÇU EM RAÇÕES DE FRANGOS LABEL ROUGE DE 1 A 28 DIAS DE IDADE

ALIMENTOS ALTERNATIVOS PARA CRIAÇÃO DE SUÍNOS NA FASE DE CRESCIMENTO E TERMINAÇÃO

CONSUMO DE MATÉRIA SECA E PRODUÇÃO DE LEITE POR VACAS ALIMENTADAS COM CANA-DE-AÇÚCAR IAC

RELAÇÃO PROTEÍNA: GORDURA DETERMINADA PELO NITROGÊNIO UREICO DO LEITE. Introdução

AVALIAÇÃO MORFOMÉTRICA DE BEZERROS LEITEIROS NA FASE DE RECRIA ALIMENTADOS COM DIFERENTES NÍVEIS DE INCLUSÃO DE LEVEDURA SECA DE CANA

Transcrição:

Ciência Rural, Santa Maria, v.36, n.5, Balanço p.1589-1593, cátion-aniônico set-out, da 2006 dieta na composição do leite. ISSN 0103-8478 1589 Balanço cátion-aniônico da dieta na composição do leite Dietary cation anion balance on milk composition Lisia Bertonha Correa 1 Marcus Antonio Zanetti 2 Gustavo Ribeiro Del Claro 3 Fernanda Alves de Paiva 3 Lucas Domenico Elmor 4 RESUMO Foram utilizadas oito vacas Holandesas em lactação, distribuídas em um quadrado latino (4x4), replicado, num experimento conduzido durante o verão, por um período de 72 dias. O objetivo deste trabalho foi estudar quatro níveis de dietas catiônicas sobre a composição e as propriedades físico-químicas do leite em vacas após o pico de lactação. Para a manipulação do balanço cátion-aniônico da dieta (BCAD), foram adicionadas diferentes concentrações de bicarbonato de sódio nas dietas, obtendo-se os seguintes tratamentos: +150, +250, +400 e +500mEq kg -1 MS. Não houve diferença significativa para as variáveis: porcentagem de gordura, densidade e índice crioscópico do leite. O ph do leite aumentou linearmente e a acidez apresentou resposta cúbica com o aumento do BCAD. Palavras-chave: ânions, bicarbonato de sódio, cátions, minerais, nutrição. ABSTRACT Eight lactating Holsteins cows were distributed in a 4x4 replicated Latin square in the summer for 72 days. The objective of this research was to study the effect of four levels of cationic diets on the composition and physic-chemistries parameters of milk in cows after the lactation peak. For dietary cation anion balance manipulation, different concentrations of the sodium bicarbonate were added in the diets and the following treatments were obtainned: +150, +250, +400 e +500mEq kg -1 DM. The diets did not affect fat percentage and variables, density and crioscopic indice in the milk. Milk ph increased linearly and acidity decreased cubically with increased of dietary CAB. Key words: anion, cation, sodium bicarbonate, minerals, nutrition. INTRODUÇÃO O balanço cátion-aniônico da dieta (BCAD) representa a diferença entre os cátions e os ânions presentes na dieta, podendo ser calculado em meq de (Na+K) (Cl+S) por quilograma de matéria seca (MS). A principal ação do BCAD é atuar na regulação do equilíbrio ácido-base do organismo. Nos últimos anos, muito se tem discutido a respeito da manipulação desse equilíbrio nos diferentes processos metabólicos dos animais, principalmente devido a sua estreita relação com o desempenho animal. Dietas catiônicas provocam alcalose metabólica, sendo denominadas dietas alcalinogênicas. As dietas aniônicas provocam uma acidose metabólica, sendo então acidogênicas (BLOCK, 1984). Dietas altamente catiônicas para vacas em lactação têm aumentado a ingestão de matéria seca (IMS) e a produção de leite, minimizando os efeitos do estresse pelo calor. Segundo SCHNEIDER et al. (1986), vacas em estresse calórico podem ter aumento na produção de leite devido ao consumo de bicarbonato de sódio, porém, nesse caso, esse aumento pode ser causado principalmente pela presença do sódio. O BCAD também pode ter influência sobre a composição do leite. WATERMAN et al. (1991), em experimento com vacas no meio da lactação e dietas com níveis diferentes de BCAD, observaram que a alta concentração de cátions aumentou a porcentagem de gordura do leite. De acordo com ZIA et al. (2001), durante o pico da lactação, a produção de leite respondeu 1 Departamento de Zootecnia, Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), Universiade de São Paulo (USP), 13635-900, Pirassununga, SP, Brasil. E-mail:lisiabc@yahoo.com.br. Autor para correspondência. 2 Departamento de Zootecnia, FZEA, USP, Pirassununga, SP, Brasil. 3 FZEA, USP, Pirassununga, SP, Brasil. 4 Curso de Zootecnia, FZEA, USP, Pirassununga, São Paulo, Brasil. Recebido para publicação 22.06.05 Aprovado em 12.04.06

1590 Correa et al. positivamente ao maior BCAD (+20 comparado com 10mEq g -1 ). As porcentagens de gordura e proteína do leite aumentaram com o aumento do BCAD. RAMANA et al. (2002), estudando o efeito da adição do bicarbonato de sódio na composição e na produção de leite em vacas cruzadas, encontraram aumento na gordura do leite; entretanto, não encontraram efeito significativo na produção e na porcentagem de proteína do leite. KENNELLY et al. (1999), trabalhando com vacas holandesas, dietas com diferentes relações volumoso:concentrado e inclusão de bicarbonato de sódio, observaram que a dieta de alto concentrado, mesmo com a adição do tampão, diminuiu a gordura do leite. O objetivo deste trabalho foi estudar os efeitos de diferentes níveis de dieta catiônica (+150, +250, +400, +500mEq kg -1 MS), sobre a composição e os parâmetros físico-químicos do leite por meio da inclusão de bicarbonato de sódio em vacas após o pico de lactação. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, USP, Campus de Pirassununga, no período de dezembro de 2003 a fevereiro de 2004. Foram utilizadas oito vacas da raça Holandesa, multíparas, que se encontravam em período pós-pico de lactação. As vacas possuíam escore entre 3,0 e 3,5, peso entre 550 e 600kg e produção média anterior de 6.700kg lactação -1. Foram oferecidos quatro tratamentos aos animais, diferindo nas concentrações de bicarbonato de sódio, de modo que as dietas apresentassem diferentes valores de BCAD. Esses valores foram calculados em meq de (Na+K) (Cl+S) kg -1 MS. Dessa forma, os animais receberam quatro diferentes níveis de BCAD (+150; +250; +400 e +500mEq kg -1 MS). O tratamento com +150mEq kg -1 MS não tinha a adição de bicarbonato de sódio. A dieta foi oferecida na forma de ração total, com 60% de concentrado e 40% de volumoso, formuladas com base nas recomendações do NRC (2001). A tabela 1 apresenta a proporção dos ingredientes nas dietas. O teor médio de proteína das dietas foi de 20%. As determinações de matéria seca e matéria mineral para a silagem de milho e o concentrado obedeceram às recomendações da AOAC (1990). Os animais foram levados às baias uma semana antes do início do experimento para adaptação ao local e ao bebedouro automático. Após a adaptação, os animais foram pesados e iniciou-se a etapa experimental, que teve duração de 72 dias. Esta fase foi composta por quatro períodos de 18 dias, sendo os 16 primeiros de adaptação à dieta, para evitar o efeito residual, e os últimos dois dias de colheita. Os animais foram sorteados nos tratamentos e passaram a ser alimentados nos comedouros, na parte da manhã, com aproximadamente 3,3% do peso corporal em MS. No fim de cada período, os animais eram pesados, para que houvesse ajuste no fornecimento Tabela 1 - Composição percentual dos ingredientes e análise bromatológica (%) das dietas experimentais, em base seca, e respectivos balanços cátion-aniônico das dietas em meq/kg de MS. Ingredientes +150 +250 +400 +500 Silagem de milho 40,2 40,0 39,9 39,9 Milho grão 25,2 24,9 24,4 24,1 Soja extrusada 32,8 32,3 31,8 31,3 Suplemento mineral 0,6 0,6 0,6 0,6 Calcário 0,6 0,6 0,6 0,6 Óxido de magnésio 0,6 0,6 0,6 0,6 NaHCO 3 0 1,0 2,1 3,0 Composição centesimal Matéria seca 68,7 68,6 68,7 68,7 Proteína Bruta 20,2 20,1 20,2 19,2 Fibra Bruta 9,4 9,3 9,2 9,1 Extrato Etéreo 10,7 10,5 10,3 13,6 Matéria Mineral 7,0 8,0 8,6 9,9 Extrativo não nitrogenado 52,7 52,1 51,8 48,2

Balanço cátion-aniônico da dieta na composição do leite. 1591 das dietas. A água foi fornecida ad libitum, por meio dos bebedouros automáticos. Nos dias de colheita, foram retiradas amostras de leite das duas ordenhas, para análises de gordura, acidez titulável, ph, índice crioscópico e densidade. Essas análises foram realizadas logo após a colheita, segundo as normas analíticas do instituto ADOLFO LUTZ (1985), a saber: o ph foi determinado por meio de leitura em um ph-metro digital; a acidez, conforme o método clássico de Dornic; a determinação da densidade foi feita por termolactodensímetro de Quevenne 15ºC; o índice crioscópico foi determinado por meio de leitura digital em aparelho de crioscopia eletrônica; a gordura do leite, pelo método de Gerber. O delineamento experimental utilizado foi o quadrado latino (4x4) replicado. Foram utilizadas oito vacas, divididas em dois quadrados latinos e quatro tratamentos. As análises estatísticas foram realizadas por meio do programa computacional SAS versão 8.2 (SAS Institute Inc., 2000), no PROC GLM, por regressão com os níveis do BCAD (+150, +250, +400 e +500mEq kg -1 MS). Algumas variáveis também foram analisadas por meio de contrastes ortogonais, com o uso do PROC GLM. O nível de significância adotado foi 5%. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados referentes às porcentagens médias de gordura no leite das vacas, ao índice crioscópico e à densidade estão apresentados na tabela 2. O teor de gordura do leite não se alterou em função do BCAD (P>0,05). Este resultado concorda com aquele observado por WEST et al. (1992), os quais, estudando diferentes níveis de BCAD e duas fontes de cátion (Na e K) para vacas holandesas em lactação sob estresse térmico, não verificaram alterações nas concentrações de gordura do leite em função dos diferentes níveis de BCAD. Entretanto, houve aumento da gordura do leite para a fonte de Na quando comparada com a fonte de K, para um mesmo valor de BCAD. KILMER et al. (1981), ao adicionarem bicarbonato de sódio às rações de vacas, em substituição ao cloreto, conseqüentemente aumentando os valores de BCAD, não obtiveram alterações nos teores de gordura do leite. No trabalho de TUCKER et al. (1994), foi testado o efeito do sesquicarbonato de sódio (0 ou 1%) e dois níveis de BCAD (+115 e +288mEq kg -1 MS, respectivamente) na composição de leite em vacas durante todo o período de lactação. No início e no meio da lactação, a adição de sesquicarbonato de sódio não alterou a gordura do leite. Entretanto, no final da lactação, a gordura do leite aumentou com a suplementação do sesquicarbonato. Os autores concluíram que o efeito da dieta tampão foi mais efetivo no final da lactação. Além desse resultado obtido por TUCKER et al. (1994) no final da lactação, outros autores também observaram alterações nos teores de gordura. WATERMAN et al. (1991), em experimento com vacas no meio da lactação e dietas com níveis diferentes de BCAD, observaram que a alta concentração de cátion aumentou a porcentagem de gordura do leite. WEST et al. (1991), trabalhando com vacas em lactação, relataram que a porcentagem de gordura no leite respondeu cubicamente ao aumento do BCAD. De acordo com ZIA et al. (2001), as porcentagens de gordura do leite aumentaram com o aumento do BCAD. RAMANA et al. (2002); avaliando o efeito da adição do bicarbonato de sódio na composição do leite em vacas cruzadas, encontraram aumento na gordura do leite com a adição do tampão. Em contrapartida, KENNELLY et al. (1999), estudando o efeito da inclusão de bicarbonato de sódio e de diferentes relações volumoso:concentrado em vacas holandesas, concluíram que a adição do tampão em dieta de alto concentrado diminuiu a gordura do leite. Os efeitos da adição do bicarbonato de sódio na correção de níveis baixos de gordura no leite de vacas Tabela 2 - Valores médios de gordura (%), índice crioscópico (ºH) e densidade (a 15ºC) do leite de vacas alimentadas com quatro níveis de dietas catiônicas. Tratamentos (meq/kg de MS) Análise de variância +150 +250 +400 +500 P Gordura 2,640 2,700 2,690 2,860 EP 1 0,181 0,159 0,175 0,256 0,766 I. crioscópico -0,537-0,536-0,540-0,535 EP 1 0,001 0,002 0,003 0,002 0,518 Densidade 1,027 1,026 1,026 1,027 EP 1 0,814 0,716 0,722 0,851 0,342 1 Erro padrão.

1592 Correa et al. alimentadas com dietas contendo baixa relação forragem/concentrado não são claros. Os valores médios de índice crioscópico (-0,537 o H) e de densidade (1,027g ml -1 ) encontrados no presente experimento foram próximos aos citados como padrão de leite cru refrigerado (IC=-0,531 o H; D=1,028-1,034g ml -1 ) segundo o MAPA (2002). Entretanto, as médias dos tratamentos não foram estatisticamente diferentes (P>0,05). Não foram encontrados na literatura trabalhos que relacionassem dietas catiônicas com índice criosópico e com densidade do leite. De acordo com BECCHI (2004), o índice crioscópico é um dos parâmetros analíticos de precisão utilizados para determinar a qualidade físicoquímica do leite, sendo um valor relacionado principalmente com a presença de maior ou menor quantidade de lactose e de cloretos no leite. Entretanto, no presente experimento, apesar de uma possível influência na concentração de cloretos no sangue, não foi observada uma relação entre a variação de BCAD e o índice crioscópico no leite. Leite com alto teor de gordura apresenta maior densidade em relação a leite com baixo teor de gordura, em razão do aumento do extrato seco desengordurado que acompanha o aumento no teor de gordura. No trabalho de WATERMAN et al. (1991), o maior BCAD aumentou a porcentagem de gordura do leite. No presente experimento, não houve diferença significativa na concentração de gordura do leite; conseqüentemente, a densidade não foi alterada. Os dados apresentados na tabela 3 correspondem aos valores médios de ph e à acidez do leite. O ph apresentou efeito linear significativo (P<0,01), em função do aumento do BCAD. A equação linear referente ao ph do leite em função da variação do BCAD foi a seguinte: y = 0,0002x + 6,7036. Para a variável acidez, foi observada resposta cúbica significativa (P<0,05). A equação y =-6E-07x 3 + 0,0006x 2-0,1922x + 36,75 representa a resposta cúbica da acidez do leite em diferentes níveis de balanço cátion-aniônico da dieta. Pela análise de contrastes ortogonais, verificou-se que o tratamento com menor BCAD foi diferente (P<0,01) dos demais tratamentos, apresentando a maior média de acidez do leite (19,13º D). Os tratamentos de +250 e +400mEq kg -1 MS não apresentaram diferença entre si (P>0,05). Já o tratamento com maior BCAD foi diferente significativamente (P<0,01) dos outros tratamentos, tendo a menor média para acidez do leite (15ºD). Não foram encontrados na literatura trabalhos que relacionassem dietas catiônicas com ph e acidez do leite, havendo necessidade de maiores estudos sobre as propriedades físico-químicas do leite. No presente experimento, o aumento do BCAD e o conseqüente aumento da ingestão de bicarbonato de sódio pode ter proporcionado aumento do ph sanguíneo. CORREA (2004), em trabalho desenvolvido com vacas em lactação e níveis crescentes de BCAD, encontrou aumento linear significativo do bicarbonato e do ph sanguíneo. O bicarbonato é tampão tanto do sangue como do leite. Como este é um filtrado do sangue a possível passagem de bicarbonato para o leite pode ter feito com que o ph aumentasse, refletindo também na acidez, uma vez que, no tratamento de maior BCAD (com maior quantidade de NaHCO 3 ), houve menor acidez do leite, e no tratamento de menor BCAD (sem adição de bicarbonato de sódio), esta foi maior. CONCLUSÕES A variação do BCAD dentro da faixa positiva não altera o teor de gordura, a crioscopia e a densidade do leite de vacas. O BCAD modifica o ph e a acidez do leite mesmo dentro de variação positiva. Essa modificação consiste no aumento linear do ph e em resposta cúbica da acidez em função do aumento do BCAD. Tabela 3 - Níveis médios de ph e acidez (ºDornic) do leite de vacas alimentadas com quatro níveis de dietas catiônicas. Tratamentos (meq/kg de MS) Análise de variância +150 +250 +400 +500 Efeito ph 6,75 6,76 6,80 6,83 L 2 <0,01 EP 1 0,04 0,03 0,04 0,05 Acidez 19,13 16,25 16,63 15,00 C 3 =0,04 EP 1 1,06 0,37 0,57 0,60 1 Erro padrão. 2 Efeito Linear. 3 Efeito Cúbico.

Balanço cátion-aniônico da dieta na composição do leite. 1593 REFERÊNCIAS AOAC. Official methods of analysis. 15.ed. Arlington: AOAC, 1990. 1298p. BECCHI, C.S. Estudodo índice crioscópico do leite tipo B in natura produzido na bacia leiteira do Vale do Taquari, RS. Acta Scientiae Veterinariae, v.32, n.2, p.161-162, 2004. BLOCK, E. Manipulating dietary anions and cations for prepartum dairy cows to reduce incidence of milk fever. Journal Dairy Science, Champaingn, v.67, n.12, p.2939-2948, 1984. CORREA, L.B. Influência de dietas catiônicas no desempenho e parâmetros ácido-base em vacas em lactação. 2004. 77f. Monografia Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, Universidade de São Paulo. KENNELLY, J.J. et al. Influence of carbohydrate source and buffer on rumen fermentation characteristics, milk yield, and milk composition in early lactation Holstein cows. Journal Dairy Science, Champaign, v.82, n.11, p.2486-2496, 1999. KILMER, L.H. et al. Addition of sodium bicarbonate to rations of postpartum dairy cows: physiological and metabolic effects. Journal Dairy Science, Champaign, v.64, n.12, p.2357-2369, 1981. MAPA. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução normativa n. 51, de 18 de setembro de 2002. Acesso em 25 set. 2005. Online. Disponível na Internet em: <www.agricultura.gov.br/sda/dipoa/in51.htm>. NORMAS ANALÍTICAS INSTITUTO ADOLFO LUTZ. Métodos físicos e químicos para análise de alimentos. 3.ed. São Paulo, 1985. 533p. NRC, Nutrient Requeriment of Dairy Cattle. 7.ed. Washington, DC: National Academy of Sciences, 2001. 381p. RAMANA, D.B.V. et al. Effect of feeding buffer on milk yield and composition of crossbred cows. Indian Veterinary Journal, v.79, p.53-55, 2002. SAS. SAS Stat Guide, Release 8.2.ed. Cary, NC: SAS Institute, 2000. 1028p. SCHNEIDER, P.L. et al. Responses of lactating cows to dietary sodium source and quantity and potassium quantity during heat stress. Journal Dairy Science, Champaign, v.69, n.1, p.99-110, 1986. TUCKER, W.B. et al. Natural sodium sesquicarbonate fed for an entire lactation: influence on performance and acid-base status of dairy cows. Journal Dairy Science, Champaign, v.77, n.10, p.531-537, 1994. WATERMAN, D.F. et al. Role of magnesium in the dietary cation-anion balance equation for ruminants. Journal Dairy Science, Champaign, v.74, n.6, p.1866-1873, 1991. WEST, J.W. et al. Changing dietary eletrolyte balance for dairy cows in cool and hot environments. Journal Dairy Science, v.74, p.1662-1674, 1991. WEST, J.W. et al. Dietary cation-anion balance cation source effects on production and acid-base status of heat-stressed cows. Journal Dairy Science, Champaign, v.75, p.2776-2786, 1992. ZIA, U. H. et al. Dietary cation-anion balance in the ruminants II effects during mid lactation and dry period. International Journal of Agriculture and Biology, v.3, p.143-148, 2001.