ABORDAGEM DOS PROCESSOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS: A EXPERIÊNCIA DO PARFOR/QUÍMICA/UFBA Edilson Fortuna de Moradillo 1 Hélio da Silva Messeder Neto 1 Bárbara Carine Pinheiro da Anunciação 1 1 Universidade Federal da Bahia RESUMO O Parfor é um Programa de formação de professores leigos da rede pública de educação do Brasil, implementado pelo Governo Federal, em parceria com os Estados, Municípios e as Instituições de Educação Superior. Neste trabalho apresentamos as referências fundamentais utilizadas para abordar os processos de ensino e de aprendizagem nos componentes curriculares Didática e Práxis Pedagógica e Didática e Práxis Pedagógica de Química I e II. Para dar conta do processo de ensino a referência principal utilizada foi a Pedagogia Histórico-Crítica, e para o processo de aprendizagem a Psicologia Histórico-Cultural. Essas abordagens têm como objetivo maior superar o referencial tecnicista dominante na formação de professores de ciências, e de elevar o pensamento teórico-prático dos professores-alunos, na busca da transformação social. Podemos concluir dessa experiência, que a perspectiva crítica do trabalho pedagógico leva os alunos a ter outraconcepção de ensino e de aprendizagem, interferindo assim na sua prática pedagógica. Palavras-chaves: formação de professores, Pedagogia Histórico-Crítica e Psicologia Histórico Cultural. INTRODUÇÃO Com a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996, o Estado brasileiro passou a exigir que todos os professores da rede Federal, Estadual e Municipal da educação básica fossem formados em Licenciatura, para exercer a carreira do magistério. Assim, a legislação determinou um prazo para que todos os professores leigos tivessem pelo menos uma Licenciatura, de preferência na área que estava lecionando nas escolas. Desta forma, os Estados e Municípios passaram a incentivar, através de programas especiais, a formação em licenciatura dos seus professores leigos. No estado da Bahia o primeiro programa que a Universidade Federal 01535
da Bahia (Ufba) assumiu foi em 2005, onde em março de 2008 formamos 39 professores em química. 01536
3 A Ufba iniciou esse novo programa em agosto de 2010, com oito cursos, e dentre eles o de Licenciatura em Química. A primeira turma de química concluiu o curso em 2013.2. A experiência acumulada no primeiro curso de licenciatura especial em química, executado de março de 2005 a março de 2008, nos levou, em 2010, a consolidar uma matriz curricular para o Projeto Político Pedagógico do Parfor/Química que radicalizasse na perspectiva crítica de formação de professores, com o objetivo de superar a formação clássica, baseada na perspectiva empírico-analítica. Esse trabalho trata da experiência desenvolvida nos componentes curriculares de Didática e Práxis Pedagógica e Didática e Práxis Pedagógica de Química I e II, componentes curriculares obrigatórios da Faculdade de Educação da Ufba, ministrados no curso do Parfor que, através do referencial da teoria crítica, proporcionaram a discussão dos processos de ensino e de aprendizagem por meio das questões levantadas pela pedagogia histórico-crítica e a psicologia histórico-cultural. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DO CURSO Partimos do pressuposto de que a educação, como prática social, comporta uma fundamentação filosófica que implica uma concepção de natureza, de homem, da relação homem/natureza e de conhecimento científico. Esta fundamentação tem implicação na concepção de educação, na teoria pedagógica que adotamos e na prática escolar que realizamos. O ser humano, para existir, precisa de sua base material e orgânica a vida, porém, como ser social rompe ontologicamente com ela, pois precisa produzir o seu ser para além da esfera biológica, tem que produzir-se socialmente a partir do trabalho. Em outras palavras, o ser humano para dar conta da sua existência tem que produzir para além daquilo que a natureza natural (a primeira natureza) disponibiliza, ultrapassando, nessa relação, o seu ser inicial e constituindo uma outra natureza (a natureza social). Homem e natureza se transformam no processo, tendo o trabalho como mediador. O trabalho é o elemento nucleador do ser social. Neste sentido o trabalho é fundante do ser social (MARX, 2006) e a prática se torna uma ação material, objetiva, transformadora que corresponde a interesses sociais e que, considerada do ponto de vista históricosocial, não é apenas produção de uma realidade material, mas sim criação e desenvolvimento incessante da realidade humana (VÁZQUEZ, 1986, p. 213). 01537
4 O conhecimento científico se realiza pela mediação de sujeitos contextualizados. Trata-se de uma intersubjetividade situada no tempo, no espaço e no movimento do real, práxis humana. Esta mediação produz a realidade objetiva. Essa intersubjetividade tem seu assento no real, ou melhor, na objetividade. O pólo regente é sempre a objetividade. Podemos então dizer, que o conhecimento científico é uma subjetividade objetivada através da historicidade do objeto, proveniente da determinação ontológico-prática do ser social ativo o trabalho. Estas fundamentações ontológicas e epistemológicas são oriundas do materialismo histórico-dialético e estruturam filosoficamente a pedagogia históricocrítica (SAVIANI, 1995, 2006) e a psicologia histórico-cultural (VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 1988). A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E O USO DE UMA METODOLOGIA DIALÉTICA A partir dos fundamentos filosóficos do curso, expostos acima, defendemos uma abordagem do ensino das ciências dentro da perspectiva sócio-histórica (SAVIANI, 1995, 2006; ANUNCIAÇÃO, 2012) visto ser esta uma abordagem educacional que tem como propósito o avanço social das classes populares, tendo o trabalho como princípio educativo e, desta forma, resignificando a atividade dos professores para a formulação de uma metodologia de ação apropriada. A proposta geral realizada por Saviani (2006) se desdobra em uma didática que funciona como base estrutural do trabalho pedagógico fundamentado da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC). O método da PHC fundamenta-se no método proposto por Marx, uma vez que parte da realidade, considera os aspectos contraditórios desta realidade, analisa esta realidade (por meio de uma fundamentação teórica) e retorna à realidade realizando um esforço de síntese. Com a finalidade de estruturar a proposta de trabalho da PHC, esta é dividida em cinco passos: Prática Social Inicial (sincrética), Problematização, Instrumentalização, Catarse, Prática Social Final (sintética). Os cinco passos em questão são categorias teóricas gerais que podem ser tratados como momentos de sala de aula, mas não podem se restringir a isto. O ensino de ciências deve problematizar a prática social em que o educando está inserido o imediato ou seja, o cotidiano, que se apresenta de forma sincrética, aparentemente caótica. A partir desse ponto cabe ao processo educativo trazer as mediações necessárias conhecimentos e instrumentos do pensamento para a 01538
5 apropriação sintética da realidade social na sua totalidade, na sua concretude, o concreto-pensado. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PSICOLOGIA HISTÓRICO-SOCIAL Do ponto de vista do percurso curricular desenvolvido no curso de Licenciatura em Química da Ufba/Parfor, uma teoria da aprendizagem de base vigostikiana é de suma importância, já que traz uma perspectiva materialista (naturalista/social/cultural/histórica/instrumental) do processo de gênese e desenvolvimento da aprendizagem. Partimos do pressuposto que Vigotski não se encaixa nas referências construtivistas, nem sua Escola (DUARTE, 2007). Temos como pressuposto que a teoria de aprendizagem de base históricocultural é a forma mais adequada para dar conta desse processo. Segundo Leontiev (VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 1988), o desenvolvimento da psique tem bases biológicas, masse estrutura, de fato, a partir das condições sócio-ambientais do meio de vida do individuo e isso muda com o tempo. Se o desenvolvimento se dá a partir das condições sociais, a educação tem um destaque impar nesse desenvolvimento. Se corretamente organizada, a educação permitirá à criança desenvolver-se intelectualmente e criará toda uma série de processos de desenvolvimento que seriam impossíveis sem ela. A educação revela-se, portanto, um aspecto internamente necessário e universal do processo de desenvolvimento, na criança, das características históricas do homem, e não de suas características naturais (1956, p. 450, apud DAVIDOV; ZINCHENKO, 1994, p. 161). Cabe ao ensino, na sua intencionalidade, expor o aluno ao novo conhecimento que ele não detém e que por si só não tem como produzir, a não ser que fizesse todo o percurso trilhado pela humanidade. Cabe à escola disponibilizar esse saber acumulado pela história social dos homens. Cabe à escola selecionar, sistematizar e propiciar ações pedagógicas para que o aluno se aproprie dos conhecimentos de domínio público e de relevância social em determinado contexto sócio-histórico. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entendemos que os alunos, futuros professores, precisam dominar de forma apropriada os conceitos da ciência de referência que eles vão ensinar e os instrumentos de pensamento necessários para desenvolver os nexos e significados do real relacionados com os conceitos; assim como a historicidade desses conceitos. 01539
6 Defendemos que esses instrumentos do pensamento têm seu apoio fundamental em uma teoria do conhecimento em geral, de base marxista, nos conhecimentos específicos da área de referência e na concepção sócio-histórica dos processos de ensino e de aprendizagem. Assim, nos componentes curriculares de Didática e Práxis Pedagógica e Didática e Práxis Pedagógica de Química I e II, foi a partir desses referenciais expostos acima que organizamos o trabalho pedagógico, essa foi à tônica do curso, e esse foi o desafio posto para nós da UFBA: realizarmos atividades que refletissem a nossa base teóricometodológica com o objetivo de serem apropriadas pelos alunos, afim de superar o referencial tecnicista dominante nos cursos de formação de professores. Desta forma, concluímos ser possível, a partir desses referenciais abordados nos componentes de didáticas e práxis pedagógica, interferir na prática pedagógica dos alunos, na busca da transformação social. REFERÊNCIAS ANUNCIAÇÃO, B. C. P. Ensino de química na perspectiva histórico-crítica: análise de uma proposta de mediação didática contextual na educação do campo. Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012 DAVIDOV, V. V.; ZINCHENKO, V. P. A contribuição de Vygotsky para o desenvolvimento da psicologia. In: DANIELS, H. Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos. Campinas: Papirus, 1994 DUARTE, N. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2007. MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. 1. ed. reimpressa. São Paulo: Boitempo, 2006. SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política. 38. ed. Campinas: Autores Associados, 2006. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1986. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica:primeiras aproximações. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 1995. VIGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Ícone, 1988. 01540