Privatização e Ajuste Fiscal no Brasil. Ricardo da Costa Nunes



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Transcrição:

Privatização e Ajuste Fiscal no Brasil Ricardo da Costa Nunes

ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO 2. RACIONALE DA DESESTATIZAÇÃO: PORQUE PRIVATIZAR? 2.1. O crescimento do déficit público 2.2. A (in)eficiência das empresas estatais 2.3.A mudança tecnológica 2.4. O novo papel atribuído ao Estado 3. TÉCNICAS DE PRIVATIZAÇÃO: COMO PRIVATIZAR? 3.1. Modalidades e modelagem 3.2. Seqüência e preparação para a privatização 3.3. Método de avaliação do preço: CAPM 3.4. Meios de pagamento e destinação de recursos 4. EFEITOS MACROECONÔMICOS DA PRIVATIZAÇÃO 4.1. Retomada de investimentos 4.2. Aumento da eficiência da estrutura industrial 4.3. Ajuste fiscal das contas públicas 5. CONCLUSÃO 2

1. INTRODUÇÃO A rationale da intervenção direta do Estado no setor produtivo esteve por muito tempo, em particular após a depressão de 1930, relacionada à função estabilizadora do governo. Acreditava-se que o aumento do gasto governamental, por elevar o nível de demanda agregada, contribuía para a geração de renda e emprego, evitando a ocorrência de crises de superprodução ou de insuficiência de demanda. Na década de 70, teve início um movimento de retorno à concepção não intervencionista, que atribuía à crescente participação do Estado na economia o surgimento de crises. Essas crises, diferentemente da que marcou a década de 30, caracterizavam-se por níveis elevados de endividamento e inflação. Postulava-se que, em prol da maior eficiência e até da estabilização econômica, a atividade estatal deveria ser reduzida ao mínimo possível. Desde então, esse movimento, por alguns denominado de retorno à ortodoxia, tem se intensificado em vários países. Sua dimensão teórica e ideológica, observada na economia política, foi acompanhada pelo fortalecimento das democracias. O processo político democrático ora demandava do Estado maiores gastos sociais, ora exigia que fosse debelada a origem da crise: o surgimento de grandes déficits nos países com forte participação estatal. Paralelamente, a nova justificativa teórico-ideológica e o processo político foram se solidificando em virtude das mudanças estruturais verificadas na esfera produtiva. Assim, o avanço tecnológico permitiu que bens privados produzidos pelo setor público, antes considerados indivisíveis, se tornassem divisíveis, como no caso da telefonia. 3

O reordenamento da participação do Estado na economia esteve associado ao processo de privatização em vários países. No Brasil, a privatização teve início em 1991 e passou por vários estágios em função do momento político, das resistências que surgiram e das características das empresas em questão. O objetivo deste trabalho, dividido em três partes, é estimar a contribuição da privatização para o ajuste fiscal e analisar a técnica de privatização e a destinação dos recursos que podem propiciar maiores ganhos para o Tesouro Nacional. A primeira parte discute as razões históricas e teóricas para a redução da intervenção estatal, quais sejam: o crescimento do déficit público, a ineficiência das empresas estatais e a mudança tecnológica. Esses fatores estão basicamente associados aos efeitos macroeconômicos que se espera obter com a privatização, os quais por sua vez dependem da condução do processo. Assim, a segunda parte do trabalho discute as técnicas de privatização, com o intuito de determinar teoricamente as condições que permitem maximizar o ganho fiscal. Essas técnicas incluem a escolha da modalidade, da modelagem e da seqüência de privatização, a preparação e o método de avaliação do preço, os meios de pagamento e a destinação dos recursos obtidos. Por fim, procura-se identificar e discutir os efeitos macroeconômicos da privatização a partir de um modelo que estima os impactos da privatização. 2. RACIONALE DA DESESTATIZAÇÃO: PORQUE PRIVATIZAR? 4

2.1 O crescimento do déficit público. O crescimento da despesa pública, responsável pelo surgimento de déficits em vários países do mundo no período pós-guerra, foi analisado pela escola da Escolha Pública. Para o conjunto de autores que integram esse arcabouço teórico - Mckenzie & Maucaulay (1980), Buchanan (1967, 1985), Borcherding (1977), Niskanen (1971), Tullock (1965), dentre outros - a ineficiência do Estado está relacionada ao fato de haver uma coalizão a favor do gasto. A motivação da intervenção estatal seria a mesma de qualquer outra ação econômica: o interesse privado de alguém que cede o voto em troca de um determinado benefício. À parte dessa motivação mais geral, desenvolveram-se no bojo da escola da Escolha Pública várias correntes que apontam causas particulares para o crescimento da despesa pública, dentre as quais: as assimetrias institucionais, a burocracia, as interações político-econômicas, a ilusão financeira e os direitos de propriedade. Nos modelos de assimetrias institucionais, de que Pommerehne (1978) é exemplo, o crescimento dos gastos estatais seria induzido pelo comportamento do eleitor mediano. Numa decisão majoritária, o valor do gasto não corresponderia ao valor modal, mas sim à mediana dos vários níveis de despesa desejados pelos eleitores, porque a agregação da demanda individual dos eleitores por bens públicos faria com que prevalecesse o valor mediano. Assim, em democracias, a alocação dos gastos públicos seria explicada pela atuação de políticos e eleitores, grupos de pressão que representam o desejo do eleitor mediano. Os grupos acabariam por fazer prevalecer suas preferências pessoais para determinar a quantidade de bens públicos a ser fornecida pelo governo e o financiamento da despesa crescente pela imposição de impostos proporcionais e/ou progressivos. Como o eleitor mediano demanda uma 5

grande quantidade de bens públicos e se beneficia pagando apenas uma parte do preço dos bens usufruídos, acaba se formando uma coalizão em favor da realização da despesa. Na corrente da burocracia, a ação do poder público é explicada, entre outros fatores, pela existência de funcionários públicos que fazem reivindicações corporativistas 1 e pela presença de políticos que, para se elegerem, comprometem-se a aumentar gastos estatais e arrecadam votos dos eleitores assim beneficiados 2. Assim, também aqui a participação crescente do Estado surge como decorrência dos interesses de uma parcela da sociedade representada por grupos de pressão, neste caso particular de funcionários públicos. Tem-se argumentado que o fato de os salários pagos aos funcionários públicos serem elevados relativamente à produtividade explicaria a crise fiscal. Contudo, no Brasil, ainda que o gasto com pessoal seja expressivo em relação a outros países, o número de funcionários tanto da administração direta como das estatais vem sendo reduzido desde 1989, passando de 1.442.675 em 1988 para 1.197.460 em 1994. Assim, no Brasil, o maior problema parece estar no custo crescente dos servidores inativos. Pereira (1997) observa que enquanto os proventos da aposentaria são 20% superiores ao último salário (atualmente o valor da última remuneração), na maior parte dos países o valor da aposentadoria é de 70% do último salário. Este fato acompanhado do curto tempo de contribuição exigido explica que o gasto com pessoal federal civil e militar passe de 3,46% do PIB em 1987 para 6,15% do PIB em 1995. Ao mesmo tempo, os desembolsos com investimentos das estatais em igual período foram substancialmente reduzidos enquanto a nível federal os gastos com pessoal e 1 Ver Marlow & Orzechowsky (1996). 2 Ver Buchanan (1967). 6

encargos sociais consumiam recursos que poderiam ser dirigidos a investimentos em infra-estrutura, educação e saúde. Essa situação é observada por Hanke (1987,p.10): o potencial de desenvolvimento de economias como a brasileira depende, em parte, da libertação dessas restrições, regulamentos e burocracia que o Estado impõe à sua sociedade. Hanke aponta ainda um outro aspecto relevante, que é o fato de que o Estado Brasileiro, que se encontra sem recursos para financiar as estatais estratégicas, pode passar a responsabilidade da modernização ao setor privado. Shay (1987,p.225) apresenta um argumento convincente para tal prática: a subutilização da infraestrutura e de ativos existentes representa um custo de oportunidade dispendioso. Nos modelos de interações político-econômicas da escola da Escolha Pública, como em Pissarides (1980) por exemplo, o governo intervém objetivando alcançar índices de popularidade que lhe permitem perpetuar-se no poder. Assume-se que os índices de popularidade crescem com a queda do nível de desemprego, a estabilidade dos preços e o crescimento da renda disponível. Assim, a política fiscal e a publicidade das obras do governo seriam utilizadas como instrumento de ação política do governo. De acordo com a corrente denominada ilusão financeira, que teve seus trabalhos desenvolvidos inicialmente por Pluviani no século passado, a despesa pública cresceria porque a percepção que os agentes tem dos benefícios por ela gerados é maior do que do custo que lhes é repassado através da cobrança de impostos. Isto porque o recolhimento dos impostos está associado a acontecimentos favoráveis e a relação entre a despesa pública e os recursos fiscais recolhidos de cada contribuinte é imprecisa. No modelo de direitos de propriedade, não existem bens intrinsecamente 7

públicos, mas bens cujos custos sociais são inferiores aos custos privados 3. O crescimento da despesa estatal seria explicado pela aplicação de um conceito amplo de bens públicos que a escola de direitos de propriedade propõe restringir para com isso reduzir o gasto público. O modelo de direitos de propriedade representa uma reação à teoria dos bens coletivos. Esta surge da necessidade de conceituar os bens públicos a partir de suas características internas: aquele cujo consumidor não pode ser discriminado, cujo consumo não pode ser excluído pelo não pagamento. Contudo, como muitos bens produzidos pelo governo são divisíveis e permitem discriminar o consumidor - seguros sociais, ensino, saúde, entre outros, que são responsáveis pela maior parcela do dispêndio estatal -, pode-se concluir que há bens privados produzidos pelo setor público que não são coletivos. De acordo com Coase (1960), a mudança do conceito de bem público cria condições para que se venha a reduzir o papel do Estado na economia. Na inexistência de bens intrinsecamente públicos, o governo pode deixar de incrementar as despesas estatais e transferir à iniciativa privada os gastos com infra-estrutura, saúde e educação - notadamente aqueles que tiveram maior participação no gasto estatal nos últimos 50 anos. As condições para que as externalidades possam ser internalizadas sem intervenção estatal, segundo Coase, são a redução dos custos privados e a assunção privada de empreendimentos que, embora tenham tradicionalmente ficado a cargo do governo, produzem bens que podem ser considerados privados. Um exemplo de bem considerado essencialmente público e que era originalmente um bem privado é o farol. A privatização do farol poderia ser realizada pela cobrança de taxas pelo seu uso. 3 Ver Coase (1960). 8

Este conceito de bem público cria argumentos convincentes para que o setor privado venha a produzir bens e serviços que outrora eram considerados de domínio público e agora se advoga no modelo de direitos de propriedade que devem ser privatizados para impedir que a despesa pública se torne crescente. A respeito da prescrição teórica de intervenção estatal, portanto, os resultados da escola da Escolha Pública sugerem que o aumento da intervenção do Estado na economia implica em perda de produtividade, com conseqüente redução da taxa de crescimento econômico e aumento do déficit público. Em conseqüência, o prognóstico da teoria prevalecente refere-se à transferência das atividades estatais para a iniciativa privada. 2.2 A (in) eficiência das empresas estatais Um argumento tradicional dos teóricos da Escolha Pública a favor da privatização aponta para a ineficiência das empresas estatais em decorrência da estabilidade dos funcionários e da busca pelo burocrata da maximização do seu salário, poder e tamanho da repartição em detrimento do lucro, como considerado por Zweifel & Zaborosky (1996). A estabilidade dos funcionários desencorajaria incrementos de produtividade. Os servidores, por terem seus empregos garantidos, não se esforçariam para melhorar o desempenho. Enquanto na concepção de Weber (1977), a burocracia era uma modalidade de organização com adequação dos meios aos objetivos desejados, a fim de alcançar a máxima eficiência, para os autores da Escolha Pública a burocracia é responsável pelo crescimento da despesa devido a: a) ineficiência causada pela superprodução e pelo afrouxamento dos controles de produção; b) sucessivos incrementos nos orçamentos, resultantes de pressão de grupos que sempre pedem mais 9

para não correrem o risco de vir a ter menos do que desejam; c) corporativismo dos funcionários, que favoreceria a eleição de candidatos comprometidos com a expansão dos gastos. Além disso, a aversão ao risco prevalecente na burocracia dá origem a muitas rotinas, com exigência de pareceres de muitos chefes de repartições, tornando morosas operações simples. As contratações, demissões e outras operações atendem a uma demorada rotina. Os administradores das empresas públicas freqüentemente se queixam do excesso de normas a eles impostas pelos diferentes órgãos, que tornam a administração pesada. Corroborando essa observação empírica, alguns autores sustentam a tese da privatização argumentando que a administração privada das empresas proporciona maiores lucros que a gestão pública. Davies (1959) realizou um estudo comparando a eficiência de empresas privadas e públicas e concluiu ser maior a eficiência das empresas privadas. Husain & Sahay (1992) argumenta que a empresa privada é mais eficiente porque responde mais rapidamente aos sinais de mercado. Landau (1985) afirma que a fonte de ineficiência da economia é a propriedade pública, com base em um estudo econométrico em que conclui haver uma relação inversa entre a participação do Estado na economia e a produtividade. A conclusão de que o grau de eficiência da economia se reduz à medida que aumenta a sua participação é partilhada por Grossman (1988) e outros autores. Tyler (1978) contrapõe os autores acima sustentando que não há diferença entre os níveis de eficiência de empresas públicas e privadas. Vickrers & Yarrow (1995) também afirmam que, mesmo no arcabouço teórico da microeconomia, é possível que o empreendimento público seja mais produtivo que o privado em muitas situações. 10

Segundo Vickrers & Yarrow (1995), em setores oligopolizados, as empresas privadas não são mais eficientes que as públicas. A eficiência depende de como é gerenciada a empresa, das especificidades da atividade e do ambiente econômico onde está inserida, o qual pode variar de país a país. Os autores citam o caso em que a simples ameaça de privatização da British Steel fez com que empresa obtivesse expressivos ganhos de produtividade. Walters (1992) também cita o exemplo da empresa Jaguar que, com a restrição orçamentária que antecedeu a privatização, obteve uma melhora de 150% no desempenho relativamente a sua performance de 1979. Em outras palavras, como o universo de estatais produtivas é formado, quase sempre, de empresas monopolistas ou oligopolistas, que atuam principalmente nos setores de insumos básicos, serviços e transportes, tende-se a associar a ineficiência da empresa pública a sua propriedade quando, na verdade, a relação entre propriedade pública/privada e eficiência não é conclusiva. A ausência de competição também seria uma causa da ineficiência das empresas públicas, além da impossibilidade de falência, da multiplicidade de objetivos e do excesso de controle sobre as supervisionadas por receio de fraudes. Segundo Beesley & Littlechild (1983), a privatização contribui para a melhoria da performance da indústria devido à ação das forças de mercado. Embora as empresas públicas não tendam a explorar o grau de monopólio, o que reduz os preços praticados, a falta de preocupação com a maximização de lucro pode originar uma desatenção com a minimização de custos e a sociedade arcará com o custo. O desmembramento dos monopólios pode gerar uma estrutura industrial mais competitiva, com as empresas remanescentes disputando mercado. Também para Abreu e Werneck(1993) a competição induz ao aumento de concorrência. 11

Para Vickrers & Yarrow (1995), o objetivo de aumentar a eficiência das empresas é atingido com a privatização em virtude do fim de monopólios que resulta numa reorganização industrial. Ainda que possam ocorrer acordos tácitos entre as empresas, a ameaça de ingresso de novas firmas e a possibilidade da expansão dos concorrentes torna possível a ocorrência periódica de disputas agressivas por mercados. A impossibilidade de falência das empresas públicas, segundo Kornai (1979), também desestimularia os administradores a buscar lucros porque, mesmo incorrendo em sucessivos déficits, as empresas contam com aporte de recursos do Tesouro Nacional. Desta forma, o Estado cria barreiras à saída de empresas ineficientes às custas do Erário Público. Para Shapiro e Willig (1990), a ineficiência das empresas estatais pode decorrer não da propriedade em si, mas do fato de os seus dirigentes, muitas vezes escolhidos por razões políticas, não necessariamente perseguirem os objetivos da empresa, mas sim, objetivos próprios ou daqueles que os indicaram para o cargo. Do ponto de vista das finanças do governo, a privatização seria justificada não só pela redução do déficit público pela via da redução da despesa governamental mas também porque o aumento de eficiência tende a induzir aumento da arrecadação. Um estudo do World Bank (1989) aponta que os benefícios econômicos da privatização são maximizados quando os governos fazem do aumento de eficiência o seu objetivo número um. Para Henning & Mansoor (1988), é justamente neste aspecto que se justifica a privatização, na medida em que o governo poderá se beneficiar do aumento da eficiência das empresas privatizadas por intermédio de um maior recolhimento de receita tributária em virtude da maior lucratividade das empresas. Além disso, o recolhimento de receita tributária poderá ser ainda maior e 12

os objetivos de política econômica do governo mais facilmente atingidos se o aumento de eficiência das empresas se refletir num aumento de eficiência da economia do país como um todo. Para Krueger (1981) e Balassa (1981), o fato dos tigres asiáticos terem apresentado taxas de crescimento do PIB superiores às de outros países em desenvolvimento é explicado por níveis diferentes de eficiência, que seria maior nos países onde houve maior submissão das empresas às forças de mercado. Segundo esses autores, os países asiáticos, ao praticarem uma política de abertura comercial, teriam submetido as suas empresas à concorrência externa, enquanto nos demais países em desenvolvimento as empresas sobreviviam graças a medidas protecionistas que lhes asseguravam o monopólio do mercado. Nos países em desenvolvimento, a falta de recursos para a realização de investimentos que permitiriam atender a demanda e a modernização dos serviços tem alimentado a pressão pela privatização. Na Argentina, a utilização do câmbio efetivo real como proxy para a competitividade da economia argentina e o aumento da participação nas exportações no mercado mundial e regional apontam uma melhoria da competitividade da economia a partir de 1994. Esse resultado estaria associado, segundo relatório do FMI (outubro/96 e março/97), à privatização, à abertura do comércio, à desregulação e outras reformas estruturais. Além disso, o patrimônio das empresas vem sendo visto como um recurso para o pagamento da dívida do governo, permitindo um saneamento das distorções geradas pelo modelo intervencionista. 2.3 A Mudança Tecnológica Por muito tempo, alguns setores, como o de telecomunicações, ferrovias e outros produtores de bens e serviços de utilidade pública foram considerados monopólios naturais porque se caracterizavam por pelo menos um dos seguintes 13

aspectos: necessidade de grande volume de capital, presença de economias de escala e externalidades. Estas peculiaridades faziam com que as empresas que atuavam em tais mercados fossem públicas ou operassem sob a supervisão de agências. Entretanto, segundo Friedman (1984), como as condições técnicas que resultam em monopólio se modificam ao longo do tempo, em virtude da criação de bens substitutos ou da redução do grau de indivisibilidade dos produtos, alguns bens deixaram de ser produzidos pelo setor público. Um exemplo representativo de tal mudança ocorreu no setor de telecomunicações, como descreve Pastoriza (1996): A evolução tecnológica ( em especial, o surgimento das tecnologias digitais de transmissão e comutação e a incorporação de recursos computacionais às redes) reduziu sobremaneira os custos de transmissão e processamento de informações. Essa redução permitiu: o surgimento de novos ofertantes interessados em explorar serviços específicos ( nichos, notadamente os serviços de valor adicionado); a difusão das redes corporativas intrafirmas e interfirmas, rompendo assim a fronteira que separava os produtores e os usuários de serviços de telecomunicações. Assim, na atividade de telefonia foram criados novos produtos, que antes eram explorados por monopólios, e passaram a ser explorados por diversas firmas de atuação competitiva. Os serviços de telefonia móvel, local e interurbano passam a ser explorados por empresas diferentes e que podem, inclusive, concorrer entre si. A American Telephone and Telegraph - AT&T foi desmembrada em muitas firmas e muitas empresas públicas do mesmo ramo foram privatizadas. Em conseqüência, as tarifas norte-americanas se encontram entre as mais baixas do mundo. Pelo exposto, podemos concluir que as mudanças tecnológicas, ao induzirem alterações nas formas de produção e organização do processo produtivo, 14

fomentaram o interesse no processo de privatização porque fragmentaram atividades, reduzindo o montante de recursos necessários à realização de investimentos. 2.4 O novo papel atribuído ao Estado A teoria da Escolha Pública recupera os princípios clássicos, já presentes em Adam Smith (1937), de que o mercado é um sistema que aloca recursos e funciona independentemente da vontade de um indivíduo particular. As ações dos governantes não poderiam proporcionar equilíbrio ao mercado, mas tão somente atrapalhar o seu funcionamento. Essa crença vai de encontro ao conceito de Leviatã 4 que Hobbes empregava para definir o Estado e tem sustentado programas governamentais que se atribuem um novo papel: The private sector will be the engine of growth in Guyana... The Government will continue its reform of the public sector to reflect the changing role of the state under a market-oriented development strategy. (Government of Guyana, 1994, p. 4). Ou ainda, The Government recognizes that private sector development is the mechanism through which Jamaica will move from stabilization to export-led growth. The public sector therefore must assume a new role. It must create an environment in which the private sector can operate efficiently. (Government of Jamaica, 1994, p. 9.) Um dos melhores exemplos do novo papel atribuído ao Estado encontra-se na União Européia - EU. Embora os incentivos financeiros tradicionais, como subsídios por exemplo, ainda sejam o principal instrumento para a promoção de investimentos, a União Européia - UE vem substituindo esses incentivos pelo desenvolvimento de infra-estrutura, transferência de tecnologia e serviços de consultoria, especialmente para marketing e exportação. 5. 4 Leviatã é um monstro marinho que encarna o mal. 5 Ver CE (1994). 15

Friedman (1984) analisa as alternativas de solução para mercados com falhas - monopólio privado, monopólio público, ou regulação pública - e reconhece que todas apresentam inconvenientes. Contudo, segundo o autor, o monopólio privado seria menos prejudicial que os demais por ser mais sensível às mudanças das condições técnicas ao longo do tempo. No caso das estradas de ferro nos Estados Unidos, o fato de terem continuado sob supervisão de agência reguladora estatal teria reduzido a sua eficiência, impedindo que o setor se tornasse competitivo, mesmo após a redução do seu grau de monopólio pelos avanços tecnológicos. Coase (1960) reforça a posição de Friedman ao não reconhecer sentido para a regulação pública: (...)forget about the law: look at costs and benefits to see how economic life is conducted. A proposição de Friedman e de Coase de que a regulação não substitui a competição encontra respaldo no trabalho de Primeaux (1997) que após estudar o desempenho dos serviços de eletricidade de 49 cidades norte-americanos, concluiu que a competição era o principal fator para explicar a redução de custos, não importando ser a propriedade pública ou privada. Tal orientação está de acordo com o prognóstico de Friedman (1984), segundo o qual, a economia deveria ser gerida por regras, como a do padrão-ouro americano, e não por decisões discricionárias. Assim, não caberia ao governo intervir na economia mas reduzir o tamanho da administração pública. A proposição de Friedman é compartilhada por Lucas (1990), para quem não se deve ampliar a tributação para financiar gastos do governo. Apesar de a escola da Escolha Pública apontar diversas fontes de ineficiência no Estado, há analistas que argumentam que o Estado tem um papel a desempenhar na economia e que seus gastos não deveriam ser minimizados. Lord Keynes (1970) e, mais recentemente, autores como Przeworsky (1996) afirmam que as 16

análises econômicas mostram que os mercados não alocam os recursos eficientemente per si, cabendo ao Estado intervir para promover o crescimento econômico. A este respeito, Reis (1993) chega a recomendar a social-democracia como modelo de governo. No entanto, embora o debate sobre o papel do Estado na economia permaneça inconclusivo, assumindo muitas vezes um caráter ideológico, o diagnóstico de que o Estado interventor é responsável por déficits públicos crescentes e quedas de produtividade da economia fez com que muitos países, inclusive o Brasil, desenvolvessem programas de privatização. Nesse sentido, parece que que o objetivo dos políticos é o de dotar a administração pública de maior eficiência. A presença do Estado no processo de industrialização brasileiro teve sua importância histórica, associada ao modelo desenvolvimentista dos anos 60, de acordo com Lessa (1982) e Dain (1980). Contudo, ao longo das décadas de 70 e 80, as empresas estatais reduziram tarifas para combater a inflação e captaram recursos no exterior para que a nação se capitalizasse com divisas estrangeiras. Ao servirem como instrumento de política econômica e social, as empresas estatais sacrificaram seus objetivos comerciais pois buscavam atingir um duplo objetivo: lucro e políticas de estabilização. Hoje, o momento histórico é outro e a manutenção do controle de empresas pelo Estado tornou-se insustentável em face do esgotamento da sua capacidade de investir, em parte devido a elevado gastos com pessoal. Um exemplo ilustrativo é o caso das instituições financeiras privadas, que apesar de apresentarem maior faturamento que as públicas, desembolsam menos com pessoal: 17

Gráfico 1 Percentual das instituições financeiros sobre PIB gasto de pessoal das instituições públicas e privadas faturamento das instituições públicas/pib 53% faturamento das instituições públicas/pib 47% gasto pessoal/gasto total-públicas 61% gasto pessoal/gasto total-privadas 39% Fonte: IBGE, dados de 1995. Além disso, a manutenção de estatais compromete uma parcela da administração direta, exigindo a fiscalização de órgãos como a Secretaria Federal de Controle Interno, o Tesouro Nacional e o Tribunal de Contas da União - TCU, e portanto com grande dispêndio de recursos e de pessoal. No Brasil, a Lei 8.031/1990 criou e a MP 1.481 e o Decreto 1.204 regulamentaram o Programa Nacional de Desestatização - PND. O objetivo do PND seria redefinir o papel do Estado na economia, reduzindo seu tamanho, tornando-o mais dinâmico, restringindo a intervenção do setor empresarial estatal na atividade econômica e preparando as condições para a recuperação do crescimento econômico. A necessidade de reduzir a intervenção do Estado na economia já era apontada por Say (1821,p.9): O Brasil, aquele vasto país, tão favorecido pela natureza, poderia absorver umas cem vezes mais mercadorias inglesas do que as que são inutilmente enviadas até lá sem encontrar mercados, mais o primeiro requisito teria que ser o Brasil produzir tudo que é capaz de produzir; e porque aquele miserável país não atinge aquele desejável objetivo? Porque todos os esforços dos cidadãos são paralisados pelo governo. Reordenar a posição estratégica do Estado no Brasil é um pré-requisito para permitir que a administração pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades 18

nacionais, entre as quais a de propiciar condições adequadas para o crescimento dos investimentos privados nos projetos de infra-estrutura. Essas condições contemplam, além da estabilidade econômica, a continuidade e segurança dos marcos legais e regulatórios, ou seja, o estabelecimento de normas e regras estáveis ao longo do tempo. Para que os ganhos fiscais da privatização não sejam neutralizados pelos déficits da previdência e dos governos subnacionais, é importante que o programa de privatização seja acompanhado pelas reformas tributária, administrativa e previdenciária. Caso contrário, segundo Simonsen (1995,p.13): vender estatais para cobrir despesas correntes, como fizeram alguns países, é irresponsabilidade financeira, equivalente à do indivíduo que vende a casa para continuar freqüentando restaurantes de luxo. Afinal, as estatais acabam, as despesas correntes não. A respeito da utilização de receitas de privatização para financiar gastos correntes na Inglaterra e na França, Wright (1994.p.42) afirma: privatization may be yet another example of governments doing the right thing for the wrong reasons. Além disso, um dos objetivos da privatização tem sido o desenvolvimento do mercado de capitais, ainda muito aquém do seu potencial. Para Simonsen(1995, p.13), a privatização atrai capitais externos: O capital que interessa é o investimento direto, que cria raízes no país. Esse capital aflui na medida das oportunidades que lhe são oferecidas. E a privatização é a maneira eficaz de criar tais oportunidades. Segundo Hanke (1987), esse objetivo seria mais facilmente atingido se fosse reduzida a tributação sobre dividendos e se houvesse maior abertura da economia ao comércio e aos investimentos estrangeiros. Também para a CFI (1995), a privatização aumenta o mercado de capitais e estimula a entrada de capitais estrangeiros, conforme se observa no gráfico a seguir. 19

Gráfico 2 Capitalização do Mercado de Valores (%) 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1 2 3 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 IED acumulada 1988-1993/PIB (%) capitalização do Mercado de capitais 1993/PIB capitalização do Mercado de capitais 1988/PIB Inversão estrangeira acumulada Fonte: Corporation Financeira Internacional- CFI 1995 Inversão Estrangeira Direta - IED acumulada 1988-1993/PIB 3. TÉCNICAS DE PRIVATIZAÇÃO: COMO PRIVATIZAR? No capítulo anterior, foram apresentados os fatores que justificam a redução da ingerência governamental na economia, basicamente associados aos efeitos macroeconômicos que se espera obter após a privatização. Tais efeitos, contudo, dependem em larga medida da condução do processo. Neste capítulo são analisadas as técnicas e procedimentos utilizados na privatização e discutidas as condições que permitiriam maximizar o ganho fiscal no Brasil. A primeira seção apresenta as modalidades e a modelagem da privatização. Na segunda seção, procura-se determinar a seqüência de privatização que geraria maior receita para o Tesouro e possibilitaria maior aumento de eficiência na nova estrutura industrial, bem como a validade de realizar uma preparação para a privatização. Na terceira seção, é discutido o método de avaliação do preço mínimo empregado no Programa Nacional de Privatização - PND. Na quarta seção, analisamse os meios de pagamento e a destinação dos recursos obtidos. 20

3.1. Modalidades e modelagem da privatização De acordo com a legislação vigente no Brasil, a transferência de empresas públicas para a iniciativa privada pode ser realizada por intermédio de: oferta pública de ações em leilão, venda a preço fixo de lotes de ações, negociação direta a interessado específico, venda a trabalhadores da empresa e fragmentação da empresa e venda das partes em separado. Todas essas modalidades estão previstas no Programa Nacional de Desestatização - PND, criado pela Lei 8.031/1990 e regulamentado pela MP 1.481 e Decreto 1.204, e foram utilizadas, em diferentes momentos de acordo com a situação financeira da empresa e a natureza do serviço por ela prestado, sem a necessidade de ajustes em lei. A venda de ativos à iniciativa privada pode também acontecer mediante liquidação da empresa, prevista na Lei 8.029, ou aumento de capital com perda de controle de acordo com a Lei 9.088/95. Neste último caso, o governo realiza uma chamada para aumento de capital da empresa, se abstendo de subscrever ações, o que permite que o controle acionário passe a ser de outro acionista. Num segundo momento, o governo venderia as ações restantes e a receita obtida com a privatização seria maior porque a cotação em bolsa de valores das ações tende a aumentar depois que as empresas são privatizadas, assim como a rentabilidade de seus investimentos. Mas a privatização não se esgota na transferência de patrimônio de que trata o PND, pois inclui também a transferência de direitos de exploração de atividades típicas de Estado por determinado período de tempo, prevista nas Leis 8.987 e 9.074. Esse é o caso da concessão de serviços públicos que, juntamente com a oferta pública de ações em leilão e a liquidação, constitui uma das modalidades mais importantes de privatização até agora utilizadas. 21

O leque bem variado de opções permite que a União seja beneficiada pela venda dos ativos públicos em cada situação, segundo Giambiagi e Pinheiro (1992,p.282): o governo foi bem sucedido no desenho das regras que orientam a alienação das empresas estatais. A modelagem de venda pode ser classificada em duas categorias: pulverizada e concentrada. Na modelagem pulverizada, as ações são vendidas ao maior número possível de compradores, em geral com grande participação de trabalhadores no processo. Na modelagem concentrada, as ações são oferecidas aos grupos que se qualificarem para o leilão. Nesse caso, o número de proponentes é pequeno, mas há uma acirrada disputa pelo controle acionário. Esse modelo é o mais adotado nos processos de privatização no mundo. A pulverização de ações strictu sensu, freqüentemente postulada pela Bolsa de Valores de São Paulo (1990) e pelo TCU (1994), significaria vender as ações das empresas em lotes pequenos para milhares de investidores no Brasil e no Exterior. Relativamente à privatização da Companhia Vale do Rio Doce, um estudo do IBOVESPA afirma: Se for privatizada em fatias, o valor será três vezes maior do que a venda em bloco. A pulverização segundo o modelo inglês reduziria o poder dos oligopólios na determinação do preço e democratizaria o acesso às ações da empresa. A experiência internacional mostra que tem sido possível obter substanciais ganhos de capital com a aquisição de ações de empresas privatizadas nas áreas de infra-estrutura e de serviços públicos. Seria importante, portanto, que uma parcela do capital das estatais fosse pulverizada entre o grande público, para que uma maior parcela da população se beneficiasse. Também para o TCU, a demanda pelas ações dos ativos públicos poderia ser maior caso fosse possível incorporar pequenos investidores, 22

pulverizando a compra, por exemplo, através de clubes de investimento com incentivos fiscais, o que fatalmente se refletiria num preço mais elevado. O interesse das bolsas na pulverização é óbvio: se as ações são vendidas a um bloco de controle, a corretagem da venda dos ativos públicos fica restrita apenas aos consórcios. A pulverização, por outro lado, exigiria que fossem contratadas mais corretoras, e a revenda das ações garantiria maiores ganhos para o mercado. Além disso, o argumento de democratização do capital através da pulverização freqüentemente cumpre os objetivos de acelerar o processo de privatização, através da conquista de apoio político, e de aumentar a popularidade do governo se ele estiver disposto a vender as ações por baixo preço, permitindo que os compradores de classe média tenham ganhos rápidos e substanciais. Na Inglaterra, onde este modelo foi muito divulgado, falava-se inclusive na socialização do capitalismo. Hanke (1987,p.18) é um dos defensores dessa modelagem: devemos abrir o maior número de empresas e tentar disseminar seu capital democraticamente, submetendo a sua gestão e fiscalização aos acionistas. Há uma correspondência entre a modelagem e modalidade de privatização. No caso de modelagem pulverizada, emprega-se a oferta pública de ações, isto é, a venda de ações a um preço fixo, normalmente baixo para tornar-se acessível a um grande número de compradores. No caso da modelagem concentrada, pode-se empregar como método de venda o leilão ou a venda direta. No Brasil, o leilão é o método de venda mais utilizado no PND. Segundo IBOVESPA (1990), a alienação de ações por meio de leilão do tipo inglês no Brasil e no exterior tenderia a aumentar a dispersão acionária do capital e a demanda, com reflexos positivos para o preço com que as empresas são negociadas. Pode-se afirmar que o leilão mais adequado para venda de ações em grandes blocos, em termos de 23

gerar a maior receita, seria o leilão de primeiro preço (unitário), pois grandes grupos estariam dispostos a pagar um "prêmio" para garantir o controle. Para Mello (1994, p.476): os ágios de venda sobre os preços mínimos são maiores nos leilões envolvendo o controle. Em contraposição, a oferta pública a preço fixo privilegiaria os novos compradores porque o preço seria menor. A solução encontrada no Brasil para garantir uma receita de privatização elevada e, ao mesmo tempo, fazer oferta aos empregados, foi compensar a diferença na determinação do preço mínimo. Tourinho e Viana (1993) apontam: A CPND optou por, como regra geral, oferecer ações representativas de aproximadamente 10% do capital das empresas privatizáveis aos seus empregados, para aquisição por um preço igual a 30% do preço mínimo estabelecido para as ações da empresa, subsídio este que é recuperado elevando-se o preço mínimo das ações vendidas nos leilões. A maior evidência de que a venda por intermédio da modelagem concentrada pode proporcionar maiores ganhos para o Tesouro Nacional está no fato das cotações das ações das empresas CVRD, PETROBRÁS e TELEBRÁS terem apresentado maior crescimento do que as cotações das ações preferenciais. A tabela a seguir mostra a evolução da cotação das ações preferenciais e ordinárias dos principais grupos controlados pela União. Mantida a quantidade de ações da União nos grupos financeiros abaixo e a proporção entre ações preferenciais e ordinárias na carteira da União, percebe-se que, no período analisado, as ações ordinárias da CVRD, PETROBRÁS e TELEBRÁS se valorizaram relativamente às preferenciais, ainda que devamos reconhecer que as ações da ELETROBRÁS pouco se alteraram. 24

Tabela 1 Avaliação da participação da União nos principais grupos estatais Parte da União Parte da união Parte da união Parte da União Total das ações Valor total de no valor de no valor de no valor de no valor de da União mercado das mercado em mercado em mercado em mercado em empresas em Empresa tipo de ação 30/12/91 30/12/92 30/12/93 06/04/94 ( % ) 06/04/94 holding ( US$milhões) CVRD Ordinárias 94,35% 94,77% 95,68% 95,30% 79,2 3.069 Preferenciais 5,65% 5,23% 4,32% 4,70% 6,5 1.846 Total 100% 100% 100% 100% 4.915 Eletrobrás Ordinárias 94,60% 89,38% 94,74% 94,48% 99,4 10.356 Preferenciais 5,40% 10,62% 5,26% 5,52% 29,4 2.047 Total 100% 100% 100% 100% 12.403 Telebrás Ordinárias 87,04% 83,89% 88,92% 89,05% 57,5 3.620 Preferenciais 12,96% 16,11% 11,08% 10,95% 3,9 6.564 Total 100% 100% 100% 100% 10.184 Petrobrás Ordinárias 86,23% 87,02% 88,19% 86,44% 81,4 3.000 Preferenciais 13,77% 12,98% 11,78% 13,56% 9,0 4.255 Total 100% 100% 100% 100% 7.255 Total da parte da União 7.346 3.842 14.419 18.610 Valor total das empresas 14.692 9.695 34.757 34.757 34.757 Fonte: BVRJ, CVM e BNDES OBS: Fêz-se a hipótese de que a participação da União não tenha variado no período. Tanto na Inglaterra como no Brasil foi possível realizar algumas privatizações através da venda direta das ações aos administradores ou aos empregados da estatal de forma pulverizada. Contudo, há muitas dúvidas sobre como vender de forma pulverizada, num mercado tão estreito quanto o brasileiro, ativos públicos avaliados em bilhões. Para contornar essa problemática, Pinheiro (1994, p.19) propõe: A privatização popular deve ser combinada com o abatimento das dívidas públicas com os fundos de poupança dos trabalhadores (FGTS e PIS/PASEP)(...). Neste sentido, o modelo concentrado evita, ainda, uma queda no preço das ações, que poderia ocorrer numa pulverização maciça no mercado interno, em função do movimento diário de capitais nas bolsas brasileiras ser ainda pequeno para absorver a venda de empresa do tamanho da Vale do Rio Doce, por exemplo. Mesmo que a maior parte fosse vendida no exterior, seria preciso dividir o processo em várias etapas, o que prolongaria a situação de indefinição no processo de privatização 25

brasileiro e introduziria muitas incertezas para os investidores, como riscos de takeover por exemplo, maximizadas pela defasagem temporal entre um lote e outro. Os investidores tenderiam, assim, a deixar suas propostas para a última tranche, quando a posição dos outros sócios já estivesse configurada. O modelo concentrado propicia ainda maior eficiência na administração da empresa por evitar problemas de agência em decorrência de um grande número de acionistas com interesses particulares. Esta também é a posição de Sachs (1992), para quem seria a forma de propriedade mais apropriada. 3.2. Seqüência e preparação para a privatização Tendo em vista o volume dos recursos envolvidos nas privatizações, a primeira preocupação do policy maker, deve ser com a seqüência das empresas a serem privatizadas. O cronograma das privatizações deve ser compatibilizado com o nível de poupança interna e, no caso de haver um cronograma federal e outro estadual, convém evitar que a concentração de oferta reduza os preços de venda das ações. Neste sentido, a utilização de moedas de privatização tem também cumprido o papel de atenuar a pressão monetária, viabilizando a venda. Segundo Tourinho e Viana (out. 1993,p.25): A utilização de títulos de crédito contra o governo, como moedas no PND, encontra amparo em uma dificuldade de ordem prática, caso se pretendesse que a alienação fosse liquidada em moeda corrente: o volume relativamente pequeno dos agregados monetários no Brasil. Uma segunda preocupação seria o fato de que a privatização de determinados setores ou empresas dentro de um setor proporciona ganhos fiscais distintos, cabendo ao governo estabelecer o setor (ou empresa) que deve ser primeiramente privatizado para que se tenha a maior contribuição possível para o ajuste da economia. Para aqueles que acreditam que a receita de privatização pode 26

efetivamente contribuir para o ajuste fiscal, convém buscar o êxito nas primeiras vendas para que o programa ganhe impulso e se consiga vender as empresas seguintes gerando a maior receita possível. Assim, a escolha dos setores que irão iniciar o processo pode ter implicação significativa para o sucesso das privatizações seguintes pois as primeiras empresas privatizadas servirão de referência para as seguintes em termos de produtividade e formação de expectativas de modo geral. Por outro lado, se o aumento da eficiência com a administração privada constitui a principal contribuição da privatização, tal preocupação perde importância. Este parece ser o caso da privatização no leste europeu onde se realizou uma rápida desestatização com venda de ativos por baixo preço. Enquanto as empresas que entram no PND levam em média 8 meses até serem privatizadas, na Checo-Eslováquia o ciclo de preparação e a oferta pública de 1.491 empresas levou 14 meses, isto é, em média o governo alienou mais de 3 empresas de médio e grande porte por dia. No Brasil, as críticas tem se concentrado não na seqüência mas na velocidade do processo de privatização. A demora do processo vem sendo justificada pela busca do melhor preço para os ativos públicos, seja evitando concentração, seja estudando as regras mais convenientes em cada caso. Segundo Tourinho e Viana (1993, p.3): A estruturação formal do PND é bastante rígida, o que lhe confere elevado grau de segurança, mas extrai um custo na forma de uma menor agilidade, quando o comparamos com a experiência de privatização de outros países. Para Simonsen (1995), o argumento de que uma rápida privatização dilapidaria o patrimônio público é fácil de ser contraposto. Pelo contrário, a lentidão do processo de desestatização é que implica em ônus para o erário público porque, enquanto a dívida pública se valoriza a 20% a.a., os ativos das empresas apresentam rentabilidade baixa ou negativa. No Brasil, empresas como Loydbrás, COBRA e 27

SIDEBRÁS não foram vendidas e esperou-se durante anos, apenas acumulando prejuízos para o Tesouro. Para Shafik (1993), um rápido processo de privatização contribui para evitar perdas econômicas para o controlador enquanto as empresas não são privatizadas. O vice-governador de São Paulo 6 também defende uma maior velocidade da privatização para que se evite a deterioração financeira das empresas e ilustra sua posição com o caso da CESP que foi saneada após demitir 30% do quadro de pessoal, mas pode ter o patrimônio reduzido se não for vendida em 7 anos pois os ativos rendem até 5% a.a., enquanto a dívida cresce a 22% a.a.. A partir da experiência de outros países, alguns autores sugerem a seqüência ótima de privatização. Para Blommesteine & Marrese (1991), a seqüência de privatização deveria seguir o critério de magnitude: primeiro as estatais menores, em seguida as medianas para, por último, as maiores empresas. Tal ordenação permitiria criar um ambiente de tranqüilidade e segurança para a venda das empresas maiores. Também para Chen (1996), o ideal seria privatizar inicialmente os setores de menor poder de mercado e os mais subsidiados, pois assim o governo continuaria recebendo os dividendos das empresas rentáveis e deixaria de assumir o prejuízo das deficitárias. Por outro lado, tendo em vista que a maior contribuição da privatização decorre do aumento de eficiência com a quebra de monopólios. Assim, seria de se esperar que a privatização ocorra primeiro nos setores que apresentem mais elevado grau de monopólio e que se caracterizem por rápidas mudanças tecnológicas. Esta é justamente a proposição de Husain & Sahay 1992) que afirmam que a privatização deveria ser iniciada nos setores que mais podem contribuir para o aumento da competitividade da economia. Beesley & Littlechild (1983) também vêem no aumento 28

da competitividade da indústria a maior contribuição de um processo de privatização, o que os leva a sugerir que o processo de privatização se inicie nos monopólios naturais nas indústrias com baixa demanda. Entretanto, os fatores que tem imperado na escolha da seqüência das empresas a serem privatizadas no Brasil e no mundo, não parecem, até o momento, ter tido base nos aspectos técnicos mencionados, predominando fatores políticos. Na Inglaterra 7, e no México 8, a privatização iniciou-se com empresas de menor grau de monopólio e de menor importância econômica, enquanto na Argentina 9, a desestatização iniciou-se por empresas de elevado grau de monopólio e de maior importância econômica. A escolha do governo argentino pode ser explicada, em parte, pelo objetivo de mostrar a determinação de privatizar e, assim, aumentar a geração de receitas de privatização. As receitas em cash obtidas com privatização na Argentina foram de 1,2% do PIB em 1991, de 0,8% do PIB em 1992, e de 1,5% do PIB em 1993. Uma outra questão é a conveniência de preparar as empresas para a privatização, realizando ajustes prévios. Pinheiro e Schneider(1993) apontam os ajustes prévios como necessários para que a empresa se torne mais atraente e/ou para viabilizar a restruturação por parte dos compradores: Também Hanke (1987) recomenda que se realize saneamento financeiro das empresas para aumentar a sua eficácia e competitividade e Castillo (1987,p.140) é incisivo na necessidade de aportar recursos nas empresas a serem privatizadas: A privatização normalmente requer financiamento em duas fases: a primeira para dar suporte à transferência da 6 Ver Exame (1996). 7 Ver Vickers e Yarrow(1995). 8 Ver Sanchez & Olivera (1992). 9 Ver Gerchunoff (1992) e Gerchunoff & Cánovas (1994). 29

propriedade e, em seguida, para assegurar a operação ininterrupta da nova companhia. No Brasil, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) decidiu fornecer uma linha de crédito especial para financiar em até 100% os investimentos das empresas de telecomunicações que estiverem se instalando ou ampliando seus negócios no Brasil com o objetivo de fomentar a criação de um verdadeiro parque industrial de telecomunicações no país. O crédito, numa primeira etapa, será destinado à compra, instalação e montagem de equipamentos da banda B (telefonia celular privada) e também aos fabricantes de equipamentos e componentes. Os prazos vão ser de até dez anos, com carência de três anos enquanto, até então, a média era de cinco anos. Essa posição que defende a realização de ajustes prévios, contudo, não é consensual. Shafik (1993) recomenda que o governo não realize gastos com a estruturação de empresas antes da privatização porque eles tendem a não ser recuperados e seria preferível vender a quem possa estruturar as empresas. Cabe observar que embora seja desejável obter a maior renda possível da privatização para abater dívida pública, também é objetivo do PND contribuir para a modernização do parque industrial nacional. O governo da Alemanha, por exemplo, incorreu em déficit fiscal em torno de 1% do PIB no período de 1991-92 para realizar ajustes prévios mas, em compensação, impôs aos novos investidores a realização de investimentos 10. 3.3. Método de avaliação do preço: CAPM As empresas podem ser avaliadas pelo valor patrimonial, pela cotação das suas ações, ou pelo fluxo esperado de recursos. No Brasil, o método empregado é do 10 Ver Schwartz e Lopes (1993). 30