FIXADOR EXTERNO DE ILIZAROV: EFEITO MOLA MO Fixador externo de Ilizarov: efeito mola * MAX R.F. RAMOS 1, ISAAC S. ROTBANDE, IBRAHIM SHEHATA 3 RESUMO Os autores estudaram, em laboratório, o comportamento mecânico do sistema clássico de fixação externa de Ilizarov para o tratamento de uma fratura diafisária de ossos longos, em montagens ortogonais, de máxima estabilidade mecânica, e anatômicas, pertinentes aos corredores de segurança anatômicos da tíbia. Utilizaram um corpo de prova de polietileno em configuração tubular e submeteram as montagens a cargas axiais centrais e excêntricas de a 1kgf. Observaram que, do ponto de vista mecânico, o fixador externo de Ilizarov funciona como um sistema de associação de molas em paralelo, possuindo grande resistência axial elástica capaz de retornar toda deformação sofrida pelo sistema à exata posição inicial após o retorno da força axial aplicada a zero. Unitermos Fixadores externos; biomecânica; Ilizarov ABSTRACT Mechanical behavior of the external fixator of Ilizarov The authors performed a laboratory study of the mechanical behavior of the classic system of Ilizarov s external fixation for the treatment of long bone diaphyseal fractures, in perpendicular assemblies of maximum mechanical and anatomical stability pertinent to the anatomical safety runners of the tibia. They used a body of polyethylene test in tubular configuration and submitted the assemblies to cen- * Trabalho realizado no Departamento de Engenharia de Estruturas da COPPE UFRJ. 1. Prof. Assistente de Ortopedia da Uni Rio HUGG; Staff do HMBR; Membro Titular da SBOT.. Prof. Adjunto Livre-Docente e Chefe do Serviço de Ortopedia da Uni Rio HUGG; Membro Titular da SBOT. 3. Prof. Adjunto de Engenharia de Estruturas da COPPE UFRJ. Endereço para correspondência: Max Rogério Freitas Ramos, Rua Demóstenes Madureira de Pinho, 1.15/11, Recreio 795-9 Rio de Janeiro, RJ. Recebido em 1/1/99. Aprovado para publicação em 19/1/. Copyright RBO tral and eccentric axial loads of to 1 kgf. They observed that, mechanically, Ilizarov s external fixator works as a system of association of springs in parallel, with great elastic axial resistance, and that all deformation suffered by the system is able to get back to the exact initial position after the axial force applied returns to zero. Key words External fixators; biomechanics; Ilizarov INTRODUÇÃO O estudo da fixação externa remonta ao século passado, desde as teorias defendidas por Malgaine (1). A partir daí, muitos autores vêm colaborando no desenvolvimento e aplicação clínica de diversos sistemas cada vez mais complexos e de maior versatilidade de montagem e indicação. Após a Segunda Guerra Mundial, observa-se importante marco no desenvolvimento da metalurgia voltada à biocompatibilidade, sendo a fixação externa uma das vertentes que mais refletem este período. No mundo ocidental, os trabalhos seguiram a escola francesa de Montpelier, buscando grande rigidez e simplificação dos sistemas (-4). No Oriente, destacam-se os estudos do prof. Ilizarov realizados na Rússia pós-guerra, baseados em uma estrutura elástica e de maior complexidade (5,6). Muito se sabe a respeito da teoria de osteogênese por distração/compressão e da histogênese dos tecidos durante os alongamentos pelo método de Ilizarov, porém pouco ainda se discutiu a respeito do comportamento mecânico deste sistema, que certamente constitui o principal fator relacionado aos resultados. O sistema de fixação externa de Ilizarov baseia-se em uma estrutura circular composta por 3 elementos básicos, que permitem um número ilimitado de montagens para adaptação a diversas situações e localizações (5). Os fios utilizados variam de 1,5 a 1,8mm; em geral são utilizados dois fios por anel, fixados na posição mais próxima do ortogonal, obedecendo aos corredores de segurança anatômicos. São submetidos a tração de 9 a 13kgf, dependendo de fatores como peso do paciente, diâmetro e qualidade do osso, etc. Os anéis são confeccionados a par- Rev Bras Ortop _ Vol. 35, N os 1/ Jan/Fev, 3
M.R.F. RAMOS, I.S. ROTBANDE & I. SHEHATA Constantes: hm 5mm a 3mm h 17mm hf 7mm Fig. 1b Disposição geométrica da montagem anatômica no segmento superior do corpo de prova Fig. 1a Constantes utilizadas nos ensaios: hm Comprimento do corpo de prova; a Distância entre o segmento superior e o inferior gap; h Distância entre os anéis de cada segmento; hf Distância entre os anéis proximais ao foco gap. tir de dois semi-aros e conectados entre si por hastes longitudinais rosqueadas e telescopadas, podendo ainda estar associadas a dobradiças e placas (1). O objetivo deste estudo é analisar mecanicamente esse sistema, definindo o comportamento de toda a estrutura quando submetida a forças de compressão e distração axial semelhantes àquelas encontradas durante a deambulação de um paciente, com fratura diafisária instável, utilizando o aparelho de fixação externa de Ilizarov. Fig. 1c Disposição geométrica da montagem anatômica no segmento inferior do corpo de prova Fig. 1d Disposição geométrica da montagem ortogonal no segmento superior e inferior do corpo de prova MATERIAL E MÉTODO Neste estudo testamos a estabilidade axial de duas configurações espaciais uma dita anatômica e outra ortogonal constituídas por quatro anéis de 14mm de diâmetro conectados entre si por quatro hastes longitudinais rosqueadas dispostas simetricamente, e dois fios de 1,5mm de diâmetro submetidos à tração de 11kgf em cada anel. Utilizamos como corpo de prova dois tubos de polietileno com 5mm de comprimento por 3mm de diâmetro e 1mm de orifício central, já protocolado. Estes foram estabilizados pelas montagens sem desvios angulares e/ou rotacionais e mantendo a distância de 3mm entre as extremidades, simulando uma fratura instável por falha óssea. Na montagem ortogonal, o corpo de prova foi estabilizado no centro dos anéis e os fios transfixados em 9º entre si, a 18º/9 a 7º nos anéis das extremidade e 45 a 5º/135 a 315º nos anéis intermediários. Na montagem anatômica, seguiu-se a disposição clássica dos corredores de segurança anatômicos da tíbia, sendo o corpo de prova colocado em posição excêntrica e os fios transfixados, respectivamente, de proximal para distal, em 1 a º/5 a 5º, 1 a 4º/1 a 3º, a 5º/11 a 31º, 5 a 6º/11 a 3º. Todas as montagens obedeceram a uma constante de disposição axial e geométrica (figs. 1a-1d). Os corpos de prova estabilizados pelas montagens foram colocados sobre um cabeçote esferocêntrico com anel dinamométrico e submetidos a forças de compressão axial centrais e excêntricas (aplicadas em um ponto 5mm posterior ao centro do corpo de prova) de a 1kgf por uma máquina de ensaios universal (D 1/9) com leitura a cada 4 Rev Bras Ortop _ Vol. 35, N os 1/ Jan/Fev,
FIXADOR EXTERNO DE ILIZAROV: EFEITO MOLA kgf e retorno à posição inicial após a aplicação da carga máxima. Os deslocamentos axiais foram aferidos por estensômetros com precisão de centésimos de milímetro. RESULTADOS Estatística A análise estatística deste estudo foi feita utilizando-se critérios de avaliação descritivos e matemáticos, pois comparativamente obteve-se uma população pequena a ser avaliada, já que se tratava de ensaios laboratoriais mecânicos em que dois ensaios discrepantes foram eliminados, aproveitando-se apenas os três mais homogêneos como parâmetro para comparação. Assim, se fez necessária a associação gráfica descritiva, minimizando os possíveis erros de análise matemática estatística em populações pequenas. Análise matemática Sejam x e y as variáveis que representam os desvios máximos observados em décimos de milímetro dos pontos analisados, em diferentes sistemas de fixação externa, quando submetidos a forças axial central x 1 e axial excêntrica y 1, respectivamente, observadas em cada uma das séries de ensaios. Hipóteses nula H e alternativa H 1 : a) H : m 1 m Não há diferença significativa entre as médias das populações axial central e excêntrica, de onde procedem amostras de tamanho n 1 n 8. O teste não é significativo. b) H 1 : m 1 m Há diferença significativa entre as médias m 1 e m das populações x e y, de onde procedem as amostras. O teste é significativo. O teste adequado a estas variáveis é o de Student de diferença de médias, simbolizado pela sentença matemática: t ob Xi Yi n 1 S n 1 S 1 1 1 + n1 n ( 1 ) + ( ) com n 1 + n graus de liberdade Decisão estatística Aceitamos H, se t ob < t α/ (n 1 + n ). Rejeitamos H, aceitando H 1, se t ob t α/ (n 1 + n ). t ob significa t de Student calculado a partir dos elementos da amostra. t α/ (n 1 + n ), t de Student tabelado ou teste bilateral. X média da variável x. Y média da variável y. S 1 variância de x. S variância de y. t,5 (8 + 8 ) t,5 (14),14 t de Student tabelado. Resultados dos valores de t ob para cada caso, de acordo com a fórmula anteriormente citada: 197 13 t 1 7, < 14, 7( 1681) + 7( 5) 1 1 ( + ) 8+ 8 Aceitamos H. As médias X 197 e Y 13 representam as médias m 1 e m da população. 73 111 t 9, < 14, 7( 36) + 7( 981) 1 1 ( + ) 8+ 8 Aceitamos H 79, 3 1 t 3 5, < 14, 7( 641) + 7( 6956) 1 1 ( + ) 8+ 8 Aceitamos H 34, 5 38, 5 t 4, < 14, 7( 9) + 7( 5) 1 1 ( + ) 8+ 8 Decisão. Aceitamos H 7, 8, t 5 6, < 14, 7( 5) + 7( 3, 5) 1 1 ( + ) 8+ 8 Decisão. Aceitou-se H. Os cálculos para o valor de t ob observado de Student foram obtidos dos resultados verificados nos ensaios, de acordo com os valores máximos. Rev Bras Ortop _ Vol. 35, N os 1/ Jan/Fev, 5
M.R.F. RAMOS, I.S. ROTBANDE & I. SHEHATA Análise descritiva Desloc. axial mont. ortogonal Desloc. axial mont. anatômica Desloc. mm/1 1 8 6 4 Força Kgf.Central Desloc. mm/1 1 1 8 6 4 6 Força Kgf. 1 6 Fig. Gráfico do deslocamento axial observado no corpo de prova durante a aplicação de forças axiais centrais no sistema ortogonal Fig. 3 Gráfico do deslocamento axial observado no corpo de prova durante a aplicação de forças axiais centrais no sistema anatômico Desloc. axial mont. ortogonal Desloc. axial mont. anatômica Desloc. mm/1 1 1 8 6 4 6 1 Força Kgf. excêntrica 6 Desloc. mm/1 1 1 8 6 4 Força Kgf. Excêntrica Fig. 4 Gráfico do deslocamento axial observado no corpo de prova durante a aplicação de forças axiais excêntricas no sistema ortogonal Fig. 5 Gráfico do deslocamento axial observado no corpo de prova durante a aplicação de forças axiais excêntricas no sistema anatômico DISCUSSÃO Ainda hoje, a determinação da direção e amplitude dos movimentos que facilitariam ou prejudicariam o processo de consolidação de uma fratura são pouco conhecidos. Conceitualmente, acredita-se que movimentos restritos de dinamização axial estimulem a consolidação óssea, enquanto os perpendiculares ao plano axial a prejudiquem (7). Neste estudo, ressalta-se que o fixador externo funcionou como o único estabilizador do corpo de prova. Em condições biológicas normais, as partes moles circunvizinhas atuam como estruturas estabilizadoras adicionais ao sistema. Observou-se, na montagem ortogonal, um deslocamento axial máximo da ordem de 991mm/1 sob forças axiais centrais, e de 1.33mm/1 sob forças axiais excêntricas. Esta deformação axial não é homogênea em torno dos anéis, com variantes relacionadas ao posicionamento das hastes longitudinais rosqueadas, tensão e angulação entre os fios e diâmetro dos anéis. A deformação máxima estrutural do exoesqueleto do fixador externo de Ilizarov, observada na montagem ortogonal, foi de 6% sob forças axiais centrais e de 8% sob forças axias excêntricas, o que confirma a grande rigidez da estrutura e o reduzido bypass de forças do conjunto. O maior deslocamento axial, neste estudo, foi observado na montagem anatômica quando submetida a forças axiais excêntricas, sendo 6,7% maior que o deslocamento 6 Rev Bras Ortop _ Vol. 35, N os 1/ Jan/Fev,
FIXADOR EXTERNO DE ILIZAROV: EFEITO MOLA máximo observado na montagem ortogonal sob as mesmas forças. Fato diretamente relacionado à maior resultante de flexão obtida ao diminuir-se a angulação entre os fios e ao posicionamento excêntrico do sistema. Analisando-se o regime de dinamização axial do fixador externo de Ilizarov, ao observar-se os gráficos obtidos pela aplicação e retirada de forças axiais versus deslocamento axial, tem-se concluído que a formação de uma completa parábola de deslocamentos residuais mínimos confirma a grande elasticidade axial do sistema, funcionando, mecanicamente, como uma associação de molas em paralelo. Os deslocamentos axiais observados não apresentaram proporcionalidade linear às forças aplicadas, fato determinante na elaboração de uma equação matemática para o cálculo da constante de mola deste complexo sistema: K Constante de mola P Força de tração no fio I Diâmetro do anel E Módulo de elasticidade S Área de seção do fio Z Deformação axial do fio Constante de mola K K x P + 6 x E x S x Z I Através dessa fórmula foi possível o cálculo das forças atuantes no foco de fratura pela análise das deformações dos fios, conforme exemplificado na tabela abaixo: TABELA 1 Variação da força no foco de fratura com a deformação dos fios anel 14mm, fio de 1,5mm, tração no fio de 11kgf Deformação dos fios (mm) Forças no foco (kgf) F ± 1º% 1mm 1,5mm,6mm 5,mm I3,1,kgf 18kgf 4kgf 1kgf Dados obtidos a partir de ensaios mecânicos comparativos permitem afirmar que o fixador externo de Ilizarov é o de maior resistência axial elástica (8) e que, ao se proceder ao contato entre as extremidades dos fragmentos ósseos de uma fratura, toda a força aplicada é transmitida ao osso, não havendo importante absorção desta pelo aparelho de Ilizarov (9). Panjabi et al. (1) demonstraram que a compressão constante no foco de fratura produzia um calo mais forte nas fases iniciais de consolidação, enquanto com a compressão cíclica se obtinha uma união mais sólida nas fases intermediárias e finais deste processo. Os mesmos autores sugerem que a utilização dos dois métodos de tratamento associados poderia resultar em consolidação de qualidade superior a ambos, quando aplicados separadamente. O aparelho de fixação externa de Ilizarov permite a compressão inicial de um foco de fratura, quando necessário, seguido de compressões intermitentes e cíclicas ao aplicarmos carga axial durante a deambulação, efeito mola, gerando potenciais elétricos no foco de fratura que favoreceriam a consolidação. CONCLUSÃO Baseados neste estudo comprovamos e concluímos que o fixador externo de Ilizarov: 1) Apresenta comportamento mecânico comparável a uma associação de molas em paralelo. ) Funciona em regime de dinamização axial rigidez x elasticidade. 3) Permite a compressão estática e dinâmica intermitente e cíclica de intensidade variada e regulável pelo cirurgião, adequando-se a cada caso. REFERÊNCIAS 1. Bianchi-Maiocchi A.: L osteosyntesi transossea secondo G.A. Ilizarov. Milano, Medi Surgical Video, p.p. 34-4, 1985.. Vidal J.: External fixation yesterday, today and tomorrow. Clin Orthop 18: 7-14, 1983. 3. Lortat-Jacob A.: Stabilité experimentale du fixateur externe Hoffmann: preséntation d un nouveau matériel. Rev Chir Orthop 68: 83-9, 198. 4. Hoffman R.: Osteotaxis. Acta Chir Scand 17: 7, 1954. 5. Ilizarov G.A.: Tension-stress effect on the genesis and growth of tissues. Clin Orthop 38: 49-81, 1989. 6. Volkov M.V., Oganesian O.V.: Restoration of function in the knee and elbow with a hinge-distractor apparatus. J Bone Joint Surg [Am] 57: 591, 1975. 7. Rotbande I.S.: Aspectos mecânicos do sistema de fixação externa de Ilizarov [Tese de Doutorado em Medicina, área de concentração Orto- Rev Bras Ortop _ Vol. 35, N os 1/ Jan/Fev, 7
M.R.F. RAMOS, I.S. ROTBANDE & I. SHEHATA pedia e Traumatologia]. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina. Orientador: Prof. Carlos Giesta, 199. 8. Delprete C., Gola M.M.: Mechanical performance of external fixators with wire for the treatment of bone fractures Part II: Wire tension and slippage. J Biomech Eng 115: 37-4, 1993. 9. Juan J.A., Prat J., Vera P., et al: Biomechanical consequences of callus development in Hoffmann, Wagner, Orthofix and Ilizarov external fixators. J Biomech Eng 5: 995-16, 199. 1. Panjabi M.M., White A.A., Wolf J.W.: A biomechanical comparison of the effects of constant and ciclic compression on fracture healing in rabbit long bones. Acta Chir Scand 5: 653-661, 1979. 8 Rev Bras Ortop _ Vol. 35, N os 1/ Jan/Fev,