O VESTIBULAR COMO INSTRUMENTO DE EXCLUSÃO SOCIAL



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Transcrição:

O VESTIBULAR COMO INSTRUMENTO DE EXCLUSÃO SOCIAL ROSSI *, Edy Carla Este estudo pretende discutir a evolução do vestibular no Brasil, a partir da necessidade do Estado de resolver o problema dos excedentes, transformando-o por isso, em instrumento de exclusão. Uma vez que a oferta de vagas nas universidades públicas é muito inferior ao número de estudantes que pleiteiam essas vagas, há muito tempo ocorre uma grande pressão social para que ela seja ampliada, o que nem sempre é possível ou interessante ao Estado e às elites. Se considerarmos o ensino superior como um caminho para a inclusão social, a partir da possibilidade do estudante atuar de forma mais direta e preparada no mercado de trabalho ou como cidadão, formando uma sociedade civil mais participativa e atuante, poderemos concluir que é importante para as elites dirigentes manter uma certa reserva de mercado não só sobre o ensino público, ficando também assim excluída a grande massa sem recursos financeiros para o ingresso no ensino privado, como também sobre algumas carreiras concentradas nas universidades públicas, que permaneceriam restritas somente a uma pequena parcela da sociedade, mantendo assim o status quo. Nesse contexto, o vestibular sai da condição de mais uma forma de avaliação, para se transformar em peça-chave desse processo de exclusão que, aliado à crescente privatização do ensino superior ocorrida ao longo dos últimos 40 anos, delineou as atuais políticas públicas para o setor, interferindo inclusive nas formas de concepção dos currículos do ensino médio que, principalmente no setor privado, estão muito mais preocupados em instrumentalizar o educando para o vestibular, do que prepara-lo para a prática da cidadania. Palavras-chave: Vestibular; Ensino superior; Políticas públicas; * ORIENTADORA PROFESSORA DOUTORA IVANISE MONFREDINI MESTRANDA DO DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO, UNINOVE Av. FRANCISCO MATARAZZO, 612 CEP05001-100 SÃO PAULO SP www.uninove.br

VESTIBULAR AS AN EXCLUSION INSTRUMENT This study intends to discuss the evolution of the vestibular in Brazil, from the State necessity to resolve the problem of the remaining, therefore transforming it in an exclusion instrument. Since the vacancy offer in public universities is much inferior than the number of students who strive these vacancies, for long there is a great social pressure to wide them, what is not always possible or interesting to the State and elite. Considering college as a way to social inclusion, providing the student the possibility of acting in straight and prepared condition in the work market or as a citizen, forming a civil society more participant and acting, we may conclude that it is important to the leading elite to maintain a certain market reserve, not only in the public school, which also excludes the great masses of students without financial resources to enter the private school, but also in some careers concentrated in the public universities, which remain restrict to a small part of the society, preserving the status quo. In this context, the vestibular leaves the condition of one more way of evaluating, to be transformed in a key part of this excluding process, which associated with the growing privatization of the college occurred within the latest 40 years, delimited the current public politics to the sector, also interfering in the curriculum concepts of the High School, which mainly in the private sector, is much more worried in giving instruments to the student to the vestibular than prepare him to citizenship. Keywords: Vestibular; Graduation teaching; Public policies;

I INTRODUÇÃO O ensino superior brasileiro há muito tempo tem sido alvo de diferentes pesquisas sobre questões como oferta e demanda, qualidade, privatização e seu uso pelas elites como instrumento de controle social ou formação de dirigentes. Porém, ao analisa-las, nos deparamos com um dado importante: o vestibular foi praticamente esquecido nesses estudos e, quando aparece, é citado apenas no contexto histórico, aliado ao crescimento do ensino superior privado, como respostas ao problema dos excedentes, o que nos possibilita levantar algumas questões a esse respeito. O vestibular, sob a forma praticada hoje pela maior parte das universidades públicas do país, se transformou num instrumento de exclusão social, uma vez que, ao se basear em conteúdos cada vez mais específicos dentro das diversas disciplinas, acaba impedindo o acesso da grande massa da população a esse setor do ensino. Não podemos então afirmar que o vestibular faria parte das políticas públicas, como instrumento de manutenção do status quo dentro da sociedade neoliberal brasileira? Como não foi encontrada uma bibliografia específica sobre o tema que possa subsidiar diretamente este pressuposto, partiremos da análise dos estudos já feitos sobre a exclusão no ensino superior brasileiro, recorrendo ao contexto histórico específico de cada período, sempre que for necessário justificar a utilização do vestibular como forma de exclusão. Conjuntamente, utilizaremos os próprios vestibulares como objeto de análise e alguns índices fornecidos pelos órgãos públicos. II DESENVOLVIMENTO Durante o Império e o início da República, ocorreu a formação das primeiras universidades brasileiras, focadas no objetivo de formar as elites que comandariam o país. À medida que o país se industrializava e se urbanizava, maior era a demanda pelo ensino superior, principalmente por parte dos setores médios da sociedade que viam nesse diploma, uma forma de ascensão e inclusão numa sociedade até então, extremamente oligárquica. Mas será, a partir das décadas de 50 e 60, graças à industrialização alcançada pelo Brasil através da bandeira do desenvolvimentismo, que de fato começará a ocorrer o crescimento do ensino superior. Isto se dará devido às necessidades econômicas e às pressões sociais no sentido da sua democratização baseada no aumento da oferta de vagas. Nesse período, evidencia-se que cada vez mais a universidade pública atendia a parcelas mínimas da população, sobretudo os setores médio e alto, o que passará a provocar o problema dos excedentes, ou seja, estudantes que mesmo aprovados no vestibular, não conseguiam vagas nas universidades chegando em 1960, à cerca de 21,6% do total de aprovados. Diante disso, como poderia o Estado ampliar as vagas nas universidades, atendendo a essa demanda cada vez maior e, ao mesmo tempo, manter um ensino superior público de qualidade, mas ainda reservado às elites? A resposta para essa questão era a privatização e a instituição de um vestibular classificatório. A partir de 1961, seriam aprovadas diversas leis que agiriam nesse sentido. A LDB/61 consagrou um padrão centralizador vertical de controle que, aliado à ausência de um projeto nacional para a educação, provocou a multiplicidade e a segmentação de instâncias burocráticas, além de propiciar uma expansão quantitativa do ensino superior que não foi acompanhada de condições mínimas de funcionamento. 1

Essa lei irá, na verdade, consolidar as políticas públicas de ampliação do ensino superior de massa atendendo, ainda que parcialmente, às pressões sociais sem, no entanto, democratizar a universidade pública, que se tornará ainda mais elitizada graças à reserva de cursos que irá oferecer e à estratégia do vestibular. Mas a concretização desse processo se dará realmente a partir da lei 5540/68, que promoverá a expansão efetiva do ensino superior privado, com contenção de despesas para o Estado, atingindo como alvo a classe média. Em relação à estruturação educacional, a legislação propôs medidas para diminuir os custos e aumentar o atendimento ao mercado. Implantou mudanças no vestibular, que passou a ser classificatório para todo o país, eliminando-se a figura do excedente. (...) 2 É interessante destacar o papel que vai sendo dado ao vestibular pela própria lei. Na verdade, nota-se que sua ação aos poucos vai sendo normatizada de tal forma que, fica cada vez mais clara sua função junto à universidade pública, a medida que o setor privado passa a crescer. Usando como justificativa a questão dos excedentes e da demanda por vagas que o Estado seria incapaz de suprir, o vestibular é incorporado às políticas públicas, que tornam ideologicamente velada a sua função social de garantir a exclusão, separando o joio do trigo, entre os estudantes que ingressarão no setor público ou no privado. Intrinsicamente ligada à questão da elitização da universidade pública e seu principal instrumento de manutenção, o vestibular está a divisão dos cursos oferecidos pelas instituições públicas e privadas, principalmente a partir da década de 70. Verifica-se então que cursos que necessitariam de menores investimentos e, portanto, poderiam ser oferecidos a custos menores, ficariam concentrados nas mãos do setor privado, que atenderia assim a uma demanda de massa. Já os cursos mais onerosos, como engenharia, odontologia e medicina, ficariam a cargo do setor público. A questão a ser discutida aqui é até que ponto isso não funciona como uma espécie de reserva de mercado para determinadas carreiras, que só poderiam ser acessadas por uma minoria, pois na verdade, a restrição desse acesso se dá através do vestibular, na maioria das vezes ininteligível a um educando oriundo do ensino médio público e quase sempre, sem recursos financeiros para pagar um curso pré-vestibular. Criou-se assim, a partir de um exame que não avalia as diversas habilidades do estudante, mas sim conhecimentos cada vez mais específicos dentro das diversas disciplinas, uma verdadeira cultura do vestibular. Sua ação se baseia na exclusão das camadas inferiores da população, elitizando as instituições públicas de ensino superior e algumas carreiras por elas oferecidas e ainda, abrindo as portas para a expansão cada vez maior do ensino superior privado, de cursinhos pré-vestibulares e de materiais apostilados para o ensino médio que tem por base curricular, os conteúdos cobrados nos vestibulares das grandes universidades públicas. Junte-se a isso o fato de que determinados cursos, como medicina, mesmo quando oferecidos pelo setor privado, apresentam mensalidades tão elevadas que acabam se tornando tão inatingíveis quanto os oferecidos pelo setor público. Nas décadas de 80 e 90, essa discussão será ampliada no sentido da qualidade. A expansão do setor privado com anuência do Estado, com o objetivo de atender as camadas inferiores da população, provocará uma queda na qualidade do ensino oferecido por essas instituições. (...), atingidos os objetivos postos para os setores médios e satisfeitas em termos quantitativos as reivindicações desses setores, as instituições de ensino superior privadas vêem-se obrigadas a se reorganizarem no novo contexto e se adequarem à nova demanda emergente, constituída pelos extratos sociais mais baixos, o que fez diminuir seu padrão acadêmico(...). 3

Entretanto, é importante ressaltar que apesar das discussões sobre a qualidade do ensino superior, não aparecem nas propostas do Estado, mudanças no sentido de se democratizar o acesso às universidades públicas através, por exemplo, de uma reformulação mais profunda na elaboração do vestibular. III CONSIDERAÇÔES FINAIS Se considerarmos os números apresentados pelo INEP, a respeito da evolução do ensino superior brasileiro entre 1962 e 1998, perceberemos que realmente houve um crescimento do número de inscrições e matrículas, principalmente a partir de 1970. De fato ocorreu uma expansão do ensino superior no Brasil, porém atrelada ao capital privado e não como fruto de reais investimentos públicos. Isto excetuando-se é claro, a isenção de impostos dada à maioria dessas instituições pelo Estado, o que muito contribuiu não só para a sua expansão, como também para uma grande acumulação de capital por esse setor. Além disso, a maior parte dessas instituições localiza-se no Sudeste do país, região que apresenta maior concentração populacional e de renda e onde a exigência de um diploma superior seria maior para o ingresso no mercado de trabalho. Qual seria então o papel assumido pelo vestibular e pelo Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, implantado pelo Ministério da Educação em 1998, para avaliar as competências e habilidades dos estudantes, diante desse crescimento quantitativo das vagas no ensino superior? Apesar das anunciadas mudanças nos vestibulares públicos, como é o caso do praticado pela Unicamp - que privilegiaria mais a interpretação de textos e outras habilidades e competências-, no que tange principalmente à Fuvest, as provas continuariam conteudistas, salvo algumas exceções na sua segunda fase de seleção. Já com relação ao Enem, a crítica recai sobre o índice de aproveitamento de sua nota que é, no caso da Fuvest, de apenas 20%, e somente para a parte objetiva do vestibular. O que ocorre então é que, assim como o processo seletivo é de competência de cada instituição de ensino, o índice de aproveitamento da nota do Enem também é, o que acaba provocando distorções como essa, se considerarmos que as universidades públicas são as que menos utilizam sua nota. Diante desse quadro, não é possível fechar os olhos para o fato de que existe uma elitização do setor público superior de ensino, claramente descrita anteriormente. E, ao que parece, o Enem seria mais uma ação pública para facilitar o acesso das massas ao ensino superior privado, setor que mais aceita sua nota em seus processos seletivos. O que é mais preocupante, além da própria questão da exclusão, é o efeito que toda essa organização de seleção dos estudantes tem sobre os currículos escolares do ensino médio, pois não podemos esquecer que a organização dos currículos depende de uma série de fatores e pressões sociais que atuam dentro e fora da escola. Resta saber, no entanto, se a influência do vestibular conteudista poderá ser superada pela proposta do Enem, que, ao que parece, estaria mais próxima da visão dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Mas esta é uma outra hipótese, que ainda precisa ser melhor pesquisada e discutida.

IV REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CUNHA, Luiz Antonio. A universidade temporã. 2 a ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1980 GUIMARÃES, Maria Helena de Oliveira. Avaliação: impactos sobre o ensino superior.belo Horizonte: FUMEC FACE, C/ Arte, 2003 MENDONÇA, Ana Walesca P.C.. A universidade no Brasil. Revista Brasileira de Educação,Editora Autores Associados. No.14, 2000 RANIERI, Nina Beatriz. Educação superior, direito e Estado: nova lei de Diretrizes e Bases(Lei. 9394/96) São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992 (Coleção Base, v.2) SILVA JUNIOR, João dos Reis; SGUISSARD, V. Novas faces da educação superior no Brasil. 2 a. ed..são Paulo: Cortez; Bragança Paulista: USF-IFAN, 2001 1 RANIERI,p.49 2 GUIMARÃES,p.30 3 SILVA JUNIOR, p.190