TEORES DE ÁCIDOS GRAXOS TRANS EM GORDURAS HIDROGENADAS COMERCIAIS BRASILEIRAS

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Transcrição:

TEORES DE ÁCIDOS GRAXOS TRANS EM GORDURAS HIDROGENADAS COMERCIAIS BRASILEIRAS CRISTIANE HESS DE AZEVEDO-MELEIRO 1 LIRENY APARECIDA G. GONÇALVES 2 1. Departamento de Tecnologia de Alimentos,Instituto de Tecnologia de Alimentos UFRRJ, BR 465 KM 7 Seropédica RJ CEP 23890-000 e-mail: hess@ufrrj.br. 2. Departamento de Tecnologia de Alimentos - FEA UNICAMP. RESUMO: AZEVEDO-MELEIRO, C.H. de; GONÇALVES, L.A.G. Teores de ácidos graxos trans em gorduras hidrogenadas comerciais brasileiras. Revista Universidade Rural: Série Ciências Exatas e da Terra, Seropédica, RJ: EDUR, v. 24, n. 1-2, p. 75-81, jan-dez., 2005. Através de processos como a hidrogenação, é possível obter produtos gordurosos de consistência diferenciada e com melhor estabilidade oxidativa. Entretanto, esta alternativa tecnológica leva ao aparecimento de compostos indesejáveis como, por exemplo, os ácidos graxos trans, que atualmente são apontados como maléficos para a saúde humana. Frente a estas informações, este trabalho teve como objetivo aplicar a técnica de cromatografia gasosa para identificar e quantificar os isômeros trans em gorduras hidrogenadas. Utilizou-se a Ressonância Magnética Nuclear para analisar 28 amostras comerciais de gorduras hidrogenadas brasileiras de diferentes fabricantes, obtendo-se variados perfis técnicos e diferentes pontos de fusão. A separação dos ácidos graxos trans foi feita com uma coluna capilar de alta polaridade (78% cianopropilmetilsiloxano), metodologia oficial AOCS Ce 1C-89. A identificação foi feita pelos tempos de retenção relativos, com uso de padrões de ácidos graxos, e a quantificação por normalização de áreas. O resultado dos teores de trans isômeros totais apontou valores muito altos, variando na faixa entre 11,49 a 44,13%, alertando para o alto consumo deste tipo de produto na dieta dos brasileiros. Palavras-chave: ácidos graxos trans, cromatografia gasosa, gordura vegetal hidrogenada. ABSTRACT: AZEVEDO-MELEIRO, C.H. de; GONÇALVES, L.A.G. Content of trans fat acids in commercial samples of brazilian hydrogenated fats. Revista Universidade Rural: Série Ciências Exatas e da Terra, Seropédica, RJ: EDUR, v. 24, n. 1-2, p. 75-81, jan-dez., 2005. Fatty products with differentiated consistency and better oxidative stability can be obtained through hydrogenation process. However, this technological alternative leads to the appearing of undesirable compounds, the trans fat acids, which are known to be harmful to human health. Considering this information, the objective of this work was to use the gas chromatography to identify and quantify the trans isomers in hydrogenated fats. Twenty-eight samples of Brazilian commercial hydrogenated fats, obtained from different manufacturers, were analyzed by Nuclear Magnetic Resonance (NMR) revealing different technical profiles and fusion points. Separation of trans fat acids was carried out using a high polarity capillar column (78% cyanopropylpolisiloxano) AOCS Ce 1C-89 official methodology. Identification of the fat acids was done by comparing the relative retention times with standard samples, and area normalization was used for quantitative analysis. Results shown a high concentration of total trans isomers in the Brazilian commercial hydrogenated fats, with values varying from 11.49 to 44.13%. Key words: trans fat acids, gas chromatography, shortening. INTRODUÇÃO Óleos e gorduras são substâncias de origem vegetal, animal ou mesmo microbiana, insolúveis em água e solúveis em solventes orgânicos. Seus principais componentes são os triacilgliceróis. Estruturalmente um triacilglicerol é formado pela esterificação de uma molécula de glicerol com três moléculas de ácido graxo. Os ácidos graxos são compostos que conferem aos lipídeos as principais propriedades físicas, químicas e nutricionais. Em óleos e gorduras naturais os ácidos graxos insaturados, como ácido oléico, linoléico e linolênico, possuem ligações duplas na forma cis. A ligação trans aparece em pequenas quantidades nos ácidos graxos dos óleos e gorduras vegetais, em teores relativamente maiores em óleos e gorduras de origem animal e em grandes quantidades em gorduras modificadas pelo processo de

76 Teores de ácidos graxos trans em gorduras... hidrogenação (GUNSTONE & NORRIS, 1983). Ácidos graxos trans (AGT) já foram chamados como substâncias nãofisiológicas ou não-naturais (SOMMERFELD, 1983). Entretanto, hoje se sabe não ser verdade. Os AGT podem ser encontrados entre os vegetais normalmente consumidos pelo organismo humano e em algumas espécies de plantas principalmente em sementes e folhas (SOMMERFELD, 1983; MANCINI & CHEMIM, 1996). Alguns exemplos onde AGT podem ser encontrados incluem vegetais como: ervilhas, alhoporó, espinafre e alface. Em produtos de origem animal a presença dos AGT pode ser explicada por um processo natural de biohidrogenação dos animais ruminantes, através de sistemas enzimáticos e da microbiota natural. (MANCINI & CHEMIM, 1996). Estando naturalmente presentes no leite e seus derivados. Indiretamente um adicional de consumo dos isômeros trans hoje é derivado do processo industrial de hidrogenação parcial de óleos vegetais usados na manufatura de margarinas e gorduras técnicas (shortening). Tecnologicamente a formação de ácidos graxos trans durante a hidrogenação é muito útil porque confere às gorduras hidrogenadas características físicas semelhantes às das gorduras provenientes de animais, ou seja, de maior ponto de fusão. A passagem das estruturas de cis para trans resulta em expressiva mudança no ponto de fusão, promovendo também modificações das características químicas e sensoriais. Modificando o processo de cristalização e conseqüentemente a textura do produto (WEISS, 1983). A influência do consumo de gorduras parcialmente hidrogenadas e conseqüentemente ácidos graxos trans tem recebido especial atenção por estarem associados a doenças como: aumento do colesterol sérico, logo, associação com doenças cardiovasculares, deficiência de ácido graxo essencial e algumas alterações metabólicas que resultam na fragilidade dos eritrócitos, no inchaço das mitocôndrias e na alteração dos cardiomitócitos (GARY, 1991; PRECHT & MOLKENTIN, 1995; WAHLE & JAMES citado por MANCINI & CHEMIN, 1996). Recentemente pesquisas alertam para os altos teores de AGT em leite humano, um estudo com 52 mulheres lactantes no Iran apontou valores de até 41,3% desses isômeros no leite materno (BAHRAMI & RAHIMI, 2005). Uma pesquisa monitorando a dieta de 60 mulheres grávidas de diversos países conclui que 3,4 a 3,8% do total de gorduras ingeridas são na forma de ácidos graxos trans (ELIAS & INNIS, 2002). Diante das preocupações do consumo de AGT com a saúde, este trabalho teve como objetivo quantificar isômeros trans, por cromatografia gasosa, método oficial AOCS Ce1c-89, em 28 gorduras hidrogenadas comerciais brasileiras de diferentes fornecedores e com diferentes curvas de sólidos. MATERIAL E MÉTODOS Amostras: 28 gorduras técnicas comerciais parcialmente hidrogenadas fornecidas por indústrias da área. Todas as amostras de linha, comercialmente disponíveis para Industriais Brasileiras de Alimentos. Equipamento: Cromatógrafo gasoso marca Hewlett Packard, series II 5890, detector FID, acoplado a intregrador Hewlet Packard, HP 3396A. Coluna capilar SP-2340 (78% de cianopropilmetilsilosano alta polaridade marca QUADREX) com 60 metros de comprimento, 0,25 mm de diâmetro interno e espessura do filme de 0,25 µm Condições de análise: temperatura

MELEIRO, C.H. de A.; et al. 77 inicial da coluna foi de 150 0 C com rampa de 1,3 0 C por minuto até 200 0 C permanecendo por 10 minutos. A temperatura do injetor foi de 210 0 C e do detector foi de 280 0 C. A razão de split foi de 1:100, sendo utilizado hidrogênio como gás de arraste (Método oficial AOCS Ce 1c-89, 1993). Fluxo de 5 ml/minuto. Identificação dos ácidos graxos: Pelos tempos de retenção relativos (utilizou-se padrões NuChek dos respectivos ácidos graxos) e quantificação por normalização de áreas. Demais métodos utilizados: 1. Conteúdo de gorduras sólidas (SFC) segundo técnica de RMN, método AOCS Cd 16-81 (1993). Método serial utilizando-se como temperaturas de leitura: 10, 20, 25, 30, 35, 40, 45 e 50 0 C. 2. Preparação de ésteres metílicos os ésteres metílicos foram obtidos segundo HARTMAN & LAGO (1973) adaptado por MAIA (1992). 3. Ponto de fusão: A determinação dessa constante foi estimada a 5% na curva de sólidos totais obtidas por SFC, segundo TIMMS (1985). Procedimento Experimental: Foram traçados os perfis de sólidos e estimado os pontos de fusão de cada gordura por RMN sendo possível conhecer assim a aplicabilidade das amostras. Posteriormente foram esterificadas (preparação dos ésteres metílicos) e injetadas no cromatógrafo gasoso para obtenção da composição em ácidos graxos cis e trans. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para as diferentes aplicações de gorduras na indústria alimentícia, um parâmetro importante de avaliação é a curva de sólidos, na qual se estabelece o comportamento de derretimento da gordura e o teor de sólidos presente a diversas temperaturas, principalmente na temperatura do corpo humano quando esta participa diretamente de um produto final. A Tabela 1 apresenta os resultados do conteúdo de gordura sólido (SFC) e ponto de fusão das gorduras analisadas, traçando assim o perfil técnico de utilização destas amostras. Baseado nos dados da Tabela 1, apresentando o perfil das gorduras é possível diferenciar as distintas aplicações de mercado para as 28 amostras analisadas. Mostrando a vasta varredura de produtos que estas poderão estar presentes para o consumidor. A Tabela 2 apresenta a composição em ácidos graxos (%mm) das gorduras hidrogenadas comerciais Analisando o perfil em ácidos graxos da Tabela 2 é interessante notar que apenas a amostra R10 apresenta valores de ácidos graxos de cadeia curta (C8:0 e C10:0), denotando provável composição com óleo de palmiste hidrogenado. Esta amostra se não tivesse sido hidrogenada, apresentaria maiores teores do C18:1c e C18:2c,c. A análise dos teores de trans isômeros totais nas gorduras comercias apontou valores muito altos, na faixa entre 11,49 a 44,13%. Dados preocupantes, pois esta matéria-prima é base de formulações como: biscoitos e demais produtos de panificação, chocolate, sorvete, sobremesas, etc. Produtos consumidos por todas as faixas da população. O que pode nos levar a estimar uma grande ingestão de trans isômeros na dieta. É importante ressaltar que a gordura com maior teor de AGT (M1A) foi apontada pela indústria como uma gordura para ser usada como substituinte da manteiga de cacau. As amostras com os menores teores R10 e C13, são utilizadas industrialmente para sorvete e produtos de panificação respectivamente. Em 1990, SOARES & FRANCO fizeram um levantamento dos teores de trans totais em produtos brasileiros utilizando a técnica de espectrometria infravermelho metodologia AOCS com cela de NaCl. Margarinas, cremes vegetais

78 Teores de ácidos graxos trans em gorduras... e gorduras hidrogenadas apresentaram teores de isômeros trans na faixa de 14,4 a 42,3%. KAWASHIMA & SOARES em 1993 pesquisaram trans totais também por infravermelho em sorvetes brasileiros, estando estes teores de 12,7 a 45,1%. Uma variedade de produtos de outros países, tais como, pães, bolos pudins, snacks, etc. também apresentam problemas com altos teores de AGT. ENIG et al., 1983 citado por BARRERA- ARELLANO & BLOCK, 1993 ressaltam valores entre 5 a 36% para estes alimentos. CHIARA et al., 2003 analisaram trans isômeros por cromatografia gasosa em produtos consumidos por jovens brasileiros como: batata frita e sorvete encontraram valores de aproximadamente 4,7% para batata frita de fast food e de 0,04 a 1,4 para sorvetes. MARTIN et al., 2005 analisaram por cromatografia gasosa, cinco amostras de biscoitos tipo cream craker brasileiros encontraram valores na faixa de 12,2 a 31,2%, sendo o valor médio de 20,1% de trans isômeros. O trabalho alerta para os altos teores de AGT nestes produtos no Brasil, pois muitas vezes eles estão associados com dietas especiais. Recentemente, as empresas já retratam uma preocupação em diminuírem o uso de gorduras parcialmente hidrogenadas em seus produtos. Margarinas e cremes vegetais do mercado chamam atenção em seus rótulos para a frase zero trans. Entretanto, gorduras parcialmente hidrogenadas ainda são produzidas e utilizadas e o consumo destes ácidos graxos trans é uma preocupação para a saúde da população. Tabela 1: Conteúdo de Gordura Sólida (SFC) e ponto de fusão de gorduras hidrogenadas. Amostras* 10 0 C 20 0 C 25 0 C 30 0 C 35 0 C 40 0 C 45 0 C 50 0 C P.F. 0 C % % % % % % % % M 1A 78,08 60,79 54,36 38,08 17,83 1,65 0-39,0 M 2B 41,64 20,74 15,65 8,20 2,57 0,06 0-32,8 M 3C 81,54 68,05 64,30 59,77 46,68 24,59 8,96 0,17 47,3 M 5E 69,34 49,95 44,08 31,52 16,39 3,71 0-39,5 R 01 11,15 2,48 0,41 0,16 0,12 0 - - 17,1 R 02 22,82 8,84 5,47 1,62 0 - - - 25,6 R 03 18,40 10,31 9,06 6,68 3,91 0,78 0,20 0 33,0 R 04 24,33 11,95 8,39 3,64 0,64 0 - - 28,6 R 05 21,20 10,96 8,02 5,09 2,28 0,20 0-30,2 R 06 28,02 9,44 4,11 0,78 0,13 0,20 0,19 0 24,5 R 07 48,65 22,43 13,41 4,03 0,18 0,06 0-29,8 R 09 80,91 66,12 61,97 58,91 47,27 29,09 13,71 0,73 48,4 R 10 68,24 25,96 4,93 0 - - - - 24,9 R 11 48,24 23,36 15,58 6,54 1,00 0 - - 31,4 R 12 50,88 26,76 19,75 11,23 3,98 0,27 0-34,3 R 13 78,20 60,95 55,07 44,38 23,30 3,79 0,28 0 39,7 C 01 51,06 31,19 25,67 18,16 9,53 3,69 1,37 0,05 38,9 C 02 14,06 3,57 1,11 0,18 0 - - - 18,6 C 05 22,04 5,67 2,07 0,21 0 - - - 20,9 C 06 41,89 19,46 13,53 6,54 1,56 0,06 0-31,6 C 07 46,55 32,17 29,31 26,07 17,90 10,02 4,87 0,32 44,9 C 08 67,76 48,40 42,23 30,44 16,29 4,87 0-39,9 C 09 37,37 17,23 11,63 5,63 1,66 0 - - 30,8 C 10 15,35 6,86 4,99 2,43 0,79 0,08 0-24,9 C 11 37,76 19,58 14,53 7,86 2,57 0 - - 32,7 C 13 6,67 4,12 3,89 2,84 1,75 1,00 0,38 0,09 16,6 C 14 49,18 29,37 24,30 15,97 8,00 2,71 0,27 0,06 37,8 C 15 51,74 30,73 24,98 17,86 9,97 4,01 1,36 0,10 39,2 *Diferentes letras significam diferentes fabricantes e a codificação numérica respeitou a original de cada fornecedor.

MELEIRO, C.H. de A.; et al. 79 Tabela 2: Composição em ácidos graxos das gorduras comerciais separadas através da coluna SP 2340 (%m/m). Amostras C 8:0 C 10:0 C 12:0 C 14:0 C 16:0 C 16:1 C 18:0 C 18:1 18:1t C 18:2 18:2t C 18:3 C 20:0 C 20:1 C 22:0 C 24:0 N.I. T.T. M 1A - - - 0,57 21,20-6,80 26,50 43,55-0,58-0,42 - - - 0,36 44,13 M 2B - - - 0,42 18,19 0,26 5,28 31,05 27,89 8,27 5,96-0,43 0,71 - - 1,53 33,85 M 3C - - - 0,58 19,24-23,78 21,51 32,96 0,58 0,42-0,47 - - - 0,47 33,38 M 5E - - - 0,47 18,59-11,74 28,32 37,57 0,99 1,04-0,49-0,32-0,47 38,61 R 01 - - - - 8,55-5,50 31,78 17,45 22,68 7,47 1,24 0,66 1,49 0,73-2,48 24,92 R 02 - - - 0,50 17,02 0,34 3,92 34,54 18,84 17,20 5,75-0,42 0,22 0,30-0,98 24,59 R 03 - - - - 15,57-6,82 31,01 14,73 24,28 3,25 3,03 0,63-0,67 - - 17,98 R 04 - - - - 7,47-8,36 30,67 21,68 23,52 3,37 2,92 0,91-0,81-0,28 25,05 R 05 - - 0,60 0,30 11,35-7,67 32,23 17,66 23,87 3,37 1,74 0,63-0,57 - - 21,03 R 06 - - - - 8,00-6,52 40,98 27,62 5,33 8,65-0,64-0,83-1,40 36,27 R 07 - - - - 8,71-7,28 39,28 39,27 2,67 1,97 - - - 0,81 - - 41,24 R O9 - - - 0,61 33,14-17,58 23,61 22,92 1,40 - - 0,74 - - - - 22,92 R 10 2,90 2,94 37,31 11,60 8,81-8,79 16,15 11,49 - - - - - - - - 11,49 R 11 - - - - 9,63-8,15 39,38 36,84 3,08 1,42-0,62-0,89 - - 38,26 R 12 - - - - 4,92-15,46 39,19 36,46 0,69 0,82-0,47-1,41 0,58-37,28 R 13 - - - 0,58 20,13-9,82 41,51 26,12-1,29-0,53 - - - - 27,41 C 01 - - - - 10,85-14,93 32,74 35,92 3,14 2,41 - - - - - - 38,33 C 02 - - - - 11,03-6,74 37,65 12,30 23,88 5,51 1,45 0,63-0,82 - - 17,81 C 05 - - - - 8,95-7,58 35,98 24,91 14,24 5,94 0,97 0,59-0,83 - - 30,85 C 06 - - - - 9,82-10,95 35,70 33,86 3,93 4,33-0,59-0,81 - - 38,19 C 07 - - - 0,27 13,37-18,74 26,29 23,71 11,86 3,52 0,60 0,58-0,58-0,49 27,23 C 08 - - - - 9,31-17,41 31,28 39,15 0,66 0,83-0,59-0,75 - - 39,98 C 09 - - - - 11,05-9,99 36,10 29,12 6,36 5,65-0,56-0,73-0,44 34,77 C 10 - - - - 7,72-8,32 32,45 14,43 28,47 5,23 2,37 - - 1,01 - - 19,66 C 11 - - - - 7,52-10,60 38,25 28,90 7,05 4,80 0,39 0,53 0,39 0,79 0,30 0,49 33,70 C 13 - - - - 8,88-7,83 30,01 8,75 33,64 6,50 2,80 0,69-0,91 - - 15,25 C 14 - - - - 8,11-14,04 35,51 33,54 3,05 4,00-0,60-0,86-0,29 37,54 C 15 - - - - 9,94-15,38 35,23 32,81 1,99 3,49-0,51-0,63 - - 36,30 *N.I. - Não identificados. ** T.T. - Trans isômeros totais (soma de C 18:1t, C 18: 2t) - valores médios de duplicatas Coluna 78% cianopropilsiloxano, 60m, temp. da coluna 160 0 C - 200 0 C 1,3 0 C/min., com detector a 280 0 C e injetor a 210 0 C.

80 Teores de ácidos graxos trans em gorduras... CONCLUSÃO Os resultados obtidos mostraram que embora exista uma preocupação industrial para a diminuição dos isômeros trans em gorduras hidrogenadas comerciais, os valores ainda são altos. Encontrados entre 11,49 a 44,13%, mostrando a necessidade de se ampliar o uso de processos alternativos. Por isso, hoje, industrialmente vem crescendo o uso da hidrogenação total, da interesterificação e do fracionamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AOCS (AMERICAN OIL CHEMISTS SOCIETY) Official Methods and Recommended Practices of the American Oil Chemists Society. 3 ed., Washington, 1993. BARRERA-ARELLANO, D.; BLOCK, J.M. Acidos grasos trans en aceites hidrogenados: implicaciones técnicas y nutricionales. Grasas y Aceites. v. 44, n. 4/5, p. 286-293. 1993. BAHRAMI, G.; RAHIMI, Z. Fatty acid composition of human milk in Western Iran. European Journal of Clinical Nutrition. v. 59, n. 4, p. 494-497, 2005. CHIARA, V.L.; SICHIERI, R.; CARVALHO, T.S.F. Teores de ácidos graxos trans de alguns alimentos consumidos no Rio de Janeiro. Revista de Nutrição. v. 16, n. 2, p. 227-233, 2003. ELIAS, S.L.; INNIS, S.M. Bakery foods are the major dietary source of trans-fatty acids among pregnant women with diets providing 30 percent energy from fat. Journal of the American Dietetic Association. v. 102, n. 1, p. 46-51, 2002. GARY, J.N. Health effects of dietary fatty acids. American Oil Chemists Society, Champaign, Illinois, 1991. 274p. GUNSTONE, F.D.; NORRIS, F.A. Lipids in foods. Pergamon Press, Oxford, 1983. 170p. HARTMAN, L.; LAGO, R.C. Rapid determination of fatty acid methyl esthers from lipids. Laboratory Practice. v. 22, n. 7, p. 475-476, 1973. KAWASHIMA, L.M. & SOARES, L.M.V. Gorduras em sorvetes nacionais: conteúdo, composição de ácidos graxos e teor de trans-isômeros. Ciência e Tecnologia de Alimentos. v. 13, n. 2, p. 194-202, 1993. MAIA, E.L. Otimização da metodologia para caracterização de constituintes lipídicos e determinação da composição em ácidos graxos e aminoácidos de peixe de água doce. Campinas, 1992. 242p. Tese (Doutor em Tecnologia de Alimentos) - Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas. MANCINI, J.; CHEMIM, S. Implicações nutricionais dos ácidos graxos trans. In: Seminários Gorduras Modificadas com Baixos Teores de Ácidos Graxos Trans: Aspectos Nutricionais e Tecnológicos. Sociedade Brasileira de Óleos e Gorduras, São Paulo, 1996. MARTIN, C.A.; CARAPELLI, R.; VISENTAINER, J.V.; MATSUSHITA, M.; SOUZA, N.E. Trans fatty acid content of Brazilian biscuits. Food Chemistry. v. 93, n. 3, p. 445-448, 2005. PRECHT, D.; MOLKENTIN, J. Trans fatty acids: Implications for health, analytical methods, incidence in edible fats and intake. Die Nahrung. Weinheim, v. 39, n. 516, p. 343-374, 1995.

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