Saúde mental e adaptação académica: Uma investigação com estudantes de Viseu Etã Sobal Costa* Isabel Leal**

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Transcrição:

Psicologia e Educação 71 Saúde mental e adaptação académica: Uma investigação com estudantes de Viseu Etã Sobal Costa* Isabel Leal** Resumo: O presente estudo exploratório procurou relacionar a saúde mental, nos seus aspectos negativos (distress psicológico) e positivos (bem-estar psicológico), com diferentes factores da adaptação à vida académica em estudantes do Ensino Superior de Viseu. O protocolo de investigação, constituído por uma caracterização sóciodemográfica e dois questionários, o Mental Health Inventory (MHI), validado por Pais- Ribeiro (2000) para Portugal, e o Questionário de Vivências Académicas (QVA), desenvolvido e validado por Almeida e Ferreira (1999), foi passado a uma amostra de 401 estudantes de ambos os sexos (com idades compreendidas entre os 18 e os 37 anos), que frequentam o segundo ano de diferentes cursos em três instituições da cidade. Os resultados revelaram associações positivas e significativas entre todas as variáveis da adaptação e as diferentes dimensões da saúde mental dos alunos, o que parece indicar que, para o grupo avaliado, este processo é um factor de bemestar e de distress psicológico. Palavras-chave: Saúde mental; Bem-estar psicológico; Distress psicológico; Adaptação académica; Estudantes do Ensino Superior. Mental health and university adaptation: An investigation with students of Viseu Abstract: The objective of the present exploratory study is to correlate the mental health, in its negative (distress) and positive aspects (psychological well-being), with different factors of the adaptation to the student s academic life in an institution of Higher Education in Viseu. The protocol of research was constituted of a Socialdemographical characterization, and two questionnaires, the Mental Health Inventory (MHI) adaptated by Pais-Ribeiro (2000) to Portugal, and the Questionnaire of Academic Experiences (QAE) developed and validated by Almeida and Ferreira (1999). It was carried out on a sample of 401 young college students of both genders (with ages between 18 and 37 years) who attended different courses at second year at three higher institutes of the city. Results show a positive and statistic significant relationship between all the variable of the adaptation and the different dimensions of the mental health. It seems to indicate that, for the evaluated group, this process is a distress and psychological well-being factor. Key-words: Mental health; Psychological well-being; Distress; University adaptation; University students. * Instituto Piaget, 3515-776 Lordosa, Viseu. E-mail: etacosta@hotmail.com ** Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa.

72 Introdução Actualmente, a saúde deixou de ser conceptualizada como ausência de doença, sendo definida pela Organização Mundial de Saúde (1986) como a capacidade do indivíduo ou grupo satisfazer as suas necessidades, ao mesmo tempo que lida e/ou modifica o meio em que está inserido. O estado de saúde depende, portanto, da percepção dos indivíduos face às variáveis psicológicas e às variáveis ambientais (Neves & Pais-Ribeiro, 2000). As variáveis ambientais são susceptíveis de gerar tensão e provocar doenças. As variáveis psicológicas (comportamentos/ atitudes, suporte social percebido) são susceptíveis de amortecer ou potenciar o impacto causado pelas variáveis ambientais (percepção da capacidade económica, percepção/avaliação dos acontecimentos geradores de stress). Assim, a saúde pode ser entendida como resultante da interacção dos domínios social, físico e mental, envolvendo o homem no seu todo biopsicossocial (Martins, s/d). De acordo com Pais-Ribeiro (2000), as investigações têm demonstrado a existência de duas dimensões de saúde mental: o bem-estar psicológico, que representa o estado de saúde mental positivo, e o distress psicológico, que caracteriza o estado de saúde mental negativo. Reportando-nos aos alunos do Ensino Superior, a sobreposição entre bem-estar físico e bem-estar psicológico parece óbvia (Santos, 2000). O seu bem-estar físico passa por factores como o sono, a alimentação, a saúde geral e o consumo de substâncias (Almeida, Soares, & Ferreira, 2000), e o bem-estar psicológico (ou bem-estar subjectivo) pode ser definido como a avaliação global da qualidade de vida das pessoas quer em termos de satisfação com a mesma (avaliação cognitiva), quer Psicologia e Educação em termos de afectividade (reacções emocionais estáveis) (Simões et al., 2000). Emmons (1992; cit. por Santos, 2000) teoriza que o bem-estar psicológico se encontra fortemente relacionado com objectivos e projectos pessoais de vida, isto é, o nível de bem-estar psicológico dos indivíduos aumenta proporcionalmente com o aumento do grau de concretização dos seus projectos pessoais. Martínez (1997), por seu turno, afirma que entre os factores sociais e psicológicos susceptíveis de influenciar os sentimentos subjectivos de bem-estar, os que mais atenções têm recebido são a depressão, a ansiedade, o stress, o suporte social e o locus de controlo interno e externo. No que se refere à população universitária, os aspectos ditos biológicos, como o sono, a alimentação e o consumo de substâncias, poderão estar associados a dificuldades emocionais do estudante, afectando o seu bem-estar físico e a sua realização académica (Almeida, Soares, & Ferreira, 1999; Geada, Justo, Santos, Steptoe, & Wardle, 1994). Santos (2000) salienta a investigação de Sands, Archer e Puleo (1998) que concluiu que os níveis de consumo de álcool por parte dos estudantes universitários estão directamente dependentes da percepção dos níveis de socialização académica e do desenvolvimento da identidade, sendo influenciados pelos hábitos de consumo dos seus pares. Nesta linha, Barroso (2004) no seu estudo sobre o álcool e comportamentos de risco em jovens estudantes, constatou que este comportamento é percebido como fonte de prazer, associado aos momentos de festa, sendo o comportamento de beber reforçado e perpetuado como natural na convivialidade. Adaptação à universidade O conceito de adaptação implica a noção de saúde mental numa perspectiva posi-

Psicologia e Educação 73 tiva (Bourgeois, 1999), isto é, ausência de problema e de sofrimento, e presença de características de bem-estar psicológico tais como alegria, satisfação e prazer de viver (Pais-Ribeiro, 2000). Nesta linha, Fierro (1997) considera que, no seu comportamento adaptativo, o sujeito não aparece isolado nem contraposto ao mundo, mas em relação básica com ele, sendo a adaptação, portanto, um fenómeno relacional. Não se trata de algo passivo (adaptar-se às circunstâncias), ou reactivo, mas activo e interactivo, incluindo adaptar o meio às necessidades e demandas pessoais. Um evento que pode ser avaliado como ameaça ou como desafio é a transição e o consequente processo de adaptação do jovem à Universidade. De acordo com Santos e Almeida (2002), nem todos os jovens apresentam maturidade psicossocial e preparação académica, nem se mostram capazes de assumir responsabilidades, desenvolver a autonomia, fazer face a situações de stress, gerir o tempo e os recursos, desenvolver interacções sociais ajustadas ou atingir níveis adequados de auto-disciplina. Para os mesmos autores, são competências essenciais para uma adaptação académica bem conseguida. Santos (1996) lembra que a qualidade das interacções deriva das competências interpessoais dos sujeitos. Pode-se ir mais longe ainda, e afirmar que deriva das competências que os sujeitos julgam possuir, uma vez que as percepções subjectivas ou, em outras palavras, as ideias que cada um tem de si próprio, podem conduzir a perturbações emocionais e a distúrbios afectivos, levando ao afastamento social/relacional como forma de fugir às situações desagradáveis cujo fracasso já se perspectiva (Lamia & Esparbès-Pistre, 2004). Desta forma, o modo como os jovens percepcionam as suas capacidades relacionais e intelectuais, pode afectar a sua autonomia e, consequentemente, influenciar o seu desenvolvimento. Essa percepção é mediada pelo ambiente social, nesse caso, o contexto académico onde o jovem está inserido, como afirmam Soares, Vasconcelos e Almeida (2002) que, no seu estudo sobre a adaptação e a satisfação na Universidade, concluíram que o grau de satisfação dos estudantes com a experiência académica encontra-se susceptível de ser influenciado por variáveis de natureza contextual. A qualidade da interacção com os colegas, a rede de apoios afectivos, a qualidade dos laços familiares e a intenção de permanecer no curso desempenham função fundamental nesse processo (Machado & Almeida, 2000). Para Santos (2000) a qualidade do processo adaptativo dos alunos recém ingressados na Universidade e o seu rendimento académico dependem, e por sua vez afectam as suas dimensões pessoais (autonomia, auto-confiança, percepção pessoal de competência, relacionamento com a família e bem-estar físico e psicológico). Às melhores percepções de bem-estar correspondem maiores níveis de rendimento e adaptação, e vice-versa. A autora afirma existirem ainda ganhos ao nível do rendimento académico em alunos motivados e com uma imagem positiva de si enquanto estudantes. São alunos que tendencialmente se sentem bem no local onde estudam, adaptam-se aos horários e ao funcionamento dos serviços (Almeida, Soares & Ferreira, 1999, 2001; Baker & Siryk, 1989), sendo factores determinantes da persistência dos alunos no curso, do seu envolvimento académico e, em última análise, da sua saúde mental. Com o objectivo de verificar o impacto da adaptação académica na saúde mental dos estudantes, desenhou-se um estudo exploratório transversal, com os alunos que

74 frequentam, pela primeira vez, o segundo ano do Ensino Superior. Optou-se pelo segundo ano, tendo em consideração que, neste período, o jovem já teve algum tempo (o primeiro ano) para se integrar na cultura universitária, para vivenciar a autonomia (quer permaneça em casa, quer se desloque para próximo da instituição) em termos de gestão do tempo e dos recursos, e para realizar projectos por si próprios, assumindo-se diferente dos outros, responsável pelos seus actos e com ideias próprias. Método Amostra A amostra foi constituída por 401 alunos, inscritos no ano lectivo de 2003/2004 no segundo ano das diferentes licenciaturas de três instituições superiores da cidade de Viseu: Instituto Piaget (n=175; 43.6%), Instituto Politécnico (n=193; 48.1%) e Universidade Católica (n=33; 8.2%); sendo 109 (27.2%) do sexo masculino e 292 (72.8%) do sexo feminino. Relativamente à idade, 374 sujeitos (93.3%) possuem entre 18 e 24 anos, e os restantes situamse entre os 25 e os 37 anos (M=21.3; DP=2.29). Instrumentos O protocolo de avaliação utilizado foi constituído por uma Caracterização Sócio- Demográfica, e dois questionários: o Mental Health Inventory (MHI), adapatado por Pais-Ribeiro (2000), e o Questionário de Vivências Académicas QVA (Almeida & Ferreira, 1999). A Caracterização sócio-demográfica permitiu recolher dados sobre o curso, o sexo e a idade. O Mental Health Inventory, validado por Pais-Ribeiro (2000) para Portugal, a partir da escala desenvolvida por Broock e Psicologia e Educação colaboradores (1979), é um inventário de auto-resposta, que inclui 38 itens que servem para medir tanto o distress psicológico como o bem-estar psicológico, distribuídos por cinco subescalas: ansiedade (10 itens), depressão (cinco itens), perda de controlo emocional/ comportamental (9 itens), afecto positivo (11 itens) e laços emocionais (3 itens). Estas agrupam-se por sua vez, em duas grandes dimensões, que medem, respectivamente, o distress psicológico (que resulta do agrupamento das subescalas ansiedade, depressão e perda do controlo emocional/comportamental) e bem-estar psicológico (resultado do agrupamento das subescalas afecto geral positivo e laços emocionais). A resposta a cada item é realizada numa escala ordinal de cinco ou seis posições. Foi medida a fidelidade, através do alfa de Cronbach, e a validade de construto contra medidas de auto-referência e medidas de saúde através de correlações. Os resultados mostraram que a consistência interna se situa predominantemente no valor de.80 para os alfa, e que as correlações com as medidas de comparação exibem associação estatisticamente significativa, com uma correlação de.95. A versão portuguesa do MHI exibe características idênticas à versão original. O Questionário de Vivências Académicas, desenvolvido e validado por Almeida e Ferreira (1999) é constituído por 170 itens, distribuídos por 17 subescalas que cobrem, relativamente à adaptação dos estudantes ao contexto universitário, dimensões pessoais (autonomia, bem-estar físico, bemestar psicológico, auto-confiança, relacionamento com a família, percepção pessoal de competência, desenvolvimento de carreira, gestão de recursos económicos), académicas (adaptação ao curso, bases de conhecimentos, realização de exames, métodos de estudo, gestão do tempo,

Psicologia e Educação 75 relacionamento com professores) e institucionais (adaptação à instituição, envolvimento em actividades extracurriculares, relacionamento com colegas). Para cada um dos itens, os sujeitos assinalam o seu grau de concordância, numa escala likert de cinco pontos. Os estudos de validação do QVA revelam que o instrumento apresenta qualidades psicométricas adequadas, nomeadamente os coeficientes de consistência interna dos itens (alfa de Cronbach) apresentam valores aceitáveis, e apenas a subescala envolvimento em actividades extracurriculares apresenta um coeficiente inferior a.70. A dimensionalidade foi analisada através de uma análise factorial exploratória, que evidenciou uma estrutura assente em cinco factores, que explicam 72% da variância dos resultados nas 17 subescalas. Procedimento Os questionários foram aplicados às turmas do 2º ano de forma colectiva e em regime de voluntariado durante as aulas, recorrendo-se a tempos lectivos cedidos pelos professores. Foram fornecidas aos inquiridos algumas informações genéricas sobre o teor dos questionários, com o objectivo de evitar o possível falseamento das suas respostas. Os estudantes foram informados acerca da confidencialidade e anonimato das suas respostas, assim como de estarem a participar num acto voluntário. Resultados Com o objectivo de avaliar quais os aspectos da adaptação académica que se relacionavam com a saúde mental, foram realizadas correlações de Pearson (cf. Quadro 1). Ansiedade Correlações entre a Depressão Quadro 1 adaptação académica Perda de Controlo Distress e a saúde mental Laços Emocionais Afecto Positivo Bem-Estar A C. 20* *. 18* *. 24* *. 22* *. 16* *. 33* *.26** A I. 19* *. 18* *. 21* *. 20* *. 14* *. 33* *.25** A A. 51* *. 42* *. 49* *. 50* *. 23* *. 44* *.36** A C. 54* *. 51* *. 59* *. 57* *. 37* *. 58* *.52** A UT. 46* *. 45* *. 48* *. 49* *. 30* *. 49* *.43** B C. 31* *. 24* *. 35* *. 32* *. 21* *. 34* *.30** B EF. 55* *. 50* *. 49* *. 54* *. 22* *. 42* *.35** B EP. 70* *. 65* *. 66* *. 71* *. 35* *. 65* *.54** D C. 23* *. 23* *. 33* *. 27* *. 21* *. 36* *.31** E E. 29* *. 27* *. 26* *. 29* *. 10*. 37* *.24** G R. 21* *. 19* *. 26* *. 23* *. 15* *. 21* *.20** G T. 19* *. 16* *. 25* *. 21* *. 18* *. 29* *.26** M E. 19* *. 17* *. 27* *. 22* *. 23* *. 27* *.28** P PC. 41* *. 37* *. 45* *. 43* *. 30* *. 41* *.39** R C. 35* *. 38* *. 40* *. 40* *. 26* *. 42* *.37** R F. 18* *. 19* *. 28* *. 23* *. 24* *. 23* *.26** R P. 20* *. 15* *. 20* *. 19* *. 11*. 32* *.22** Nota: *p<0.05; **p<0.01; AC Adaptação ao curso; AI Adaptação à instituição; AA Ansiedade nas avaliações; AC Autoconfiança; AUT Autonomia; BC Bases de conhecimentos para o curso; BEF Bem-estar físico; BEP Bem-estar psicológico; DC Desenvolvimento de carreira; EE Envolvimento em actividades extracurriculares; GR Gestão de recursos económicos; GT Gestão do tempo; ME Métodos de estudo; PPC Percepção pessoal de competências; RC Relacionamento com os colegas; RF Relacionamento com a família; RP Relacionamento com os professores.

76 Como podemos observar no Quadro 1, os resultados revelaram associações positivas significativas entre todas as subescalas do QVA e as subescalas e dimensões do MHI, particularmente elevadas nas subescalas Bem-estar psicológico e Auto-confiança. Observando detalhadamente o quadro das correlações, pode-se notar que estas duas variáveis foram as que obtiveram corre Psicologia e Educação A seguir, de modo a determinar as variáveis da adaptação académica que poderiam afectar a saúde mental dos alunos, considerouse uma pontuação da saúde mental total e, através da análise de regressão linear com o método stepwise, procurou-se identificar as variáveis com impacto significativo na equação. O Quadro 2 apresenta os resultados da análise de regressão. Variáveis da Variável Dependente Saúde mental 2 ( R Aj. = 0.57) Quadro 2 adaptação académica preditoras Preditores da saúde mental total Beta F t p ( 2,398) Bem-estar psicológico.561 13.54 <0.001 274.75 Auto-confiança. 274 6.60 <0.001 lações mais fortes tanto com o Distress quanto com o Bem-estar psicológico. A variável Bem-estar psicológico do QVA diz respeito à satisfação com a vida, equilíbrio emocional, estabilidade afectiva, felicidade e optimismo, enquanto a Auto-Confiança engloba as imagens e expectativas pessoais em relação ao rendimento académico ou em relação à conclusão do curso, e a inferência de expectativas de colegas e professores a respeito destes mesmos aspectos. Ambas se referem a dimensões pessoais, sendo uma ligada às questões afectivas e a outra às expectativas de realização académica. Pode-se afirmar que, quanto melhores forem as imagens e expectativas pessoais em relação ao rendimento académico ou em relação à conclusão do curso, e quanto mais o aluno se sentir apoiado pelos pais, pelos professores e pelos pares, maior será o grau de satisfação com a vida, o que leva a melhores níveis de saúde mental. Este facto vai ao encontro do referido na literatura por Emmons (1992; cit. por Santos, 2000) ao sugerir que o bem-estar psicológico aumenta à medida que se concretizam os projectos pessoais dos alunos. O modelo encontrado inclui duas das variáveis da adaptação académica (Bemestar psicológico e Auto-confiança), explicando no seu conjunto 57% da variância da saúde mental dos alunos. Conclusão O processo de transição e permanência do jovem na Universidade varia em função de diferentes condições, mas parece ser mediatizado pelo envolvimento do aluno e pela sua integração académica e social, o que, por sua vez, desempenha um papel importante na saúde mental dos estudantes. Nesse sentido, procurou-se avaliar quais os aspectos da adaptação académica que se relacionavam com a saúde mental, e os resultados revelaram associações positivas significativas entre todas as variáveis da adaptação e as diferentes dimensões da saúde mental, o que parece indicar que, para o grupo avaliado, este processo é tanto factor de bem-estar quanto de distress psicológico. Posteriormente, e considerando-se a saúde mental total dos alunos, encontrou-se um modelo de regressão que incluiu duas das

Psicologia e Educação 77 variáveis estudadas, o Bem-estar psicológico e a Auto-confiança. De acordo com Santos (2000), a qualidade da adaptação académica depende e ao mesmo tempo afecta as dimensões pessoais dos alunos (autonomia, auto-confiança, bem-estar físico e psicológico). Referências bibliográficas Almeida, L. S., & Ferreira, J. A. (1999). Adaptação e rendimento académico no Ensino Superior: Fundamentação e validação de uma escala de avaliação de vivências académicas. Psicologia: Teoria, Investigação e Prática, 1, 157-170. Almeida, L. S., Soares, A. P. C., & Ferreira, J. A. G. (1999). Adaptação, rendimento e desenvolvimento dos estudantes no ensino superior: Construção/validação do Questionário de Vivências Académicas. Braga: Universidade do Minho, Centro de Estudos em Educação e Psicologia. Almeida, L. S., Soares, A. P. C., & Ferreira, J. A. G. (2000). Transição e adaptação à universidade: Apresentação de um Questionário de Vivências Académicas (QVA). Psicologia, XIV, 189-208. Almeida, L. S., Soares, A. P. C., & Ferreira, J. A. G. (2001). Adaptação, rendimento e desenvolvimento dos estudantes no ensino superior: Construção do questionário de vivências académicas. Methodus, 5, 3-20. Baker, R. W., & Siryk, B. S. (1989). SACQ Student adaptation to college questionnaire: Manual. Los Angeles, CA: Western Psychological Services. Barroso, T. (2004). Álcool e comportamento de risco em jovens estudantes. In J. L. Pais-Ribeiro & I. Leal (Eds.), Actas do 5º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde (pp. 133-139). Lisboa: Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Bourgeois, M. L. (1999). Défenses et coping dans l adaptation. In M. Ferreri (Ed.), Le trouble de l adaptation avec anxiété (pp. 11-22). Paris: Springer. Fierro, A. (1997). Estrés, afrontamiento e adaptación. In M. I. Hombrados (Ed.), Estrés y salud (pp. 11-37). Valencia: Promolibro. Geada, M., Justo, J., Santos, S. V., Steptoe, A., & Wardle, J. (1994). Hábitos de saúde, comportamentos de risco e níveis de saúde física e psicológica em estudantes universitários. In T. M. McIntyre (Ed.), Psicologia da Saúde: Áreas de Intervenção e Perspectivas Futuras (pp. 157-175). Braga: APPORT. Lamia, A., & Esparbès-Pistre, S. (2004). Auto-estima e vulnerabilidade. In P. Tap & M. L. Vasconcelos (Coords.), Precariedade e vulnerabilidade psicológica: Comparações franco-portuguesas (pp. 81-101). Coimbra: Fundação Bissaya Barreto. Machado, C., & Almeida, L. (2000). Vivências académicas: Análise diferencial em estudantes dos 1º e 4º anos do ensino superior. In J. Tavares & R. A. Santiago (Orgs.), Ensino superior: (In) Sucesso académico (pp. 133-145). Porto: Porto Editora. Martínez, A. E. L. (1997). Aspectos conceptuales y metodológicos implicados en la relación entre estrés y calidad de vida. In M. I. Hombrados (Ed.), Estrés y salud (pp. 39-69). Valencia: Promolibro. Martins, M. C. A. (s/d). Factores de risco psicossociais para a saúde mental. Consultado em 13 de Janeiro de 2004 através de http://www.esenfviseu.pt/ficheiros/artigos/factores_risco.pdf

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