Educação, ação extensionista e as políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: desafios e perspectivas

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Transcrição:

Educação, ação extensionista e as políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: desafios e perspectivas 147 Foto: RafaB/PR Nilma Lino Gomes Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República Seppir/PR, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Maria Aparecida Moura Diretora de Governança Informacional da UFMG e Professora Titular Escola de Ciência da Informação da UFMG.

Nilma Lino Gomes, Maria Aparecida Moura Recém-empossada como Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República Seppir/PR, a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Nilma Lino Gomes, concedeu entrevista a Maria Aparecida Moura em janeiro de 2015. Na ocasião a Ministra refletiu sobre o caráter formativo da ação extensionista e destacou o papel sociopolítico da Seppir/PR em relação ao desenvolvimento de políticas de promoção da igualdade racial no Brasil, a importância institucional do diálogo como os movimentos sociais, os movimentos negros e as comunidades quilombolas e as universidades. Nilma enfatizou também a importância do estímulo e fortalecimento de uma política internacional com foco nos países africanos e da América Latina. A Ministra Nilma Lino Gomes é pedagoga, mestra em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Nilma Lino é docente do quadro da UFMG e pesquisadora das áreas de Educação e Diversidade Étnico-racial, com ênfase especial na atuação do movimento negro brasileiro. Detentora de uma grande experiência extensionista, com destaque para o Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas na UFMG, sob sua coordenação no período de 2002-2013, Nilma foi também a primeira mulher negra a chefiar uma universidade federal ao assumir o cargo de reitora pro tempore da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), cargo que ocupou desde abril de 2013. Além disso, atuou como presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) no período de 2004-2006. Integrou ainda a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (gestão 2010-2014), em que participou da comissão técnica nacional de diversidade para assuntos relacionados à educação dos afro-brasileiros. 148

Educação, ação extensionista e as políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: desafios e perspectivas Maria Aparecida Moura - Qual a importância a senhora atribui, ao fato de, como mulher negra, se tornar ministra de Estado? Nilma Lino Gomes - Bom, eu sempre tenho chamado à atenção de que esses lugares em que nós chegamos e agora no meu caso chegar a ser Ministra de Estado é fruto de uma trajetória coletiva, que passa desde a minha origem familiar. A forma como a minha família me educou, me ensinou a ser uma mulher negra, as nossas lutas, dos movimentos sociais. Eu devo muito ao movimento negro e ao movimento das mulheres negras, por lutar por superação, por igualdade de gênero, igualdade racial no Brasil e por colocar em público a questão da necessidade de igualdade de oportunidades, e que nessa discussão da igualdade de oportunidade, nós não podemos nos esquecer do recorte de gênero. 149 Então, acho que tem uma representação que é simbólica, é política, do fato de ser uma mulher negra e agora indicada e empossada como ministra de Estado. Maria Aparecida Moura - Pensando no seu perfil, que contribuições a senhora pensa que irá agregar a essa nova atribuição. Quais são os novos aprendizados que você está percebendo que é necessário incorporar? Nilma Lino Gomes - Eu sempre falo e sempre me apresento como educadora. Eu sou uma educadora, uma professora que tem uma trajetória, também, nas ciências sociais, basicamente na antropologia e na sociologia. E eu acho que o meu perfil profissional de ser alguém que investe em processos educativos, que acredita nos processos de formação humana, tem me conduzido, digamos assim, não só ao exercício da docência, mas também ao exercício da gestão pública. Além de ter uma trajetória na educação, atuando como educadora, também, a trajetória nos movimentos sociais e no movimento negro me ensinou que fazer educação é também fazer política. É também atuar politicamente. E, como meu olhar e minha atuação na educação sempre foi a de estar em fronteiras de lutas em prol da correção das desigualdades, para discussão da questão racial, de gênero, de superação do racismo, eu acho que isso se somou ao meu perfil de educadora. Um lugar político, uma inserção em uma luta política.

Nilma Lino Gomes, Maria Aparecida Moura Eu acho que a minha trajetória também no Conselho Nacional de Educação, como conselheira, nos últimos quatro anos, me ensinou muito a pensar e a fazer a política e também a discutir, do ponto de vista teórico e normativo, a política educacional de uma maneira mais específica, e as dimensões políticas da sociedade brasileira de uma forma mais ampla. 150 Creio que este é o perfil que eu trago para a Seppir. Em relação aos desafios, penso que é fazer um trabalho de transversalidade, de articulação com os outros ministérios, para dentro, e com os movimentos sociais, em específico com o movimento negro, os movimentos quilombolas, os povos e as comunidades tradicionais. E também com outros órgãos e associações. Então, esse desafio de fazer a transversalidade dessa forma que a Seppir realiza nos coloca o tempo inteiro numa ação de reeducação. Reeduca-se a si mesmo, reeducam-se os seus parceiros, reeducam-se aqueles que acham que as políticas de promoção da igualdade racial não deveriam ser o foco de uma ação estrutural do próprio governo. Eu acho que na Seppir o papel político é o de construir a superação do racismo, a consolidação de uma política de promoção de igualdade racial agindo e articulando politicamente e sempre reeducando a si mesmo e a sociedade brasileira sobre a perversidade do racismo. Pensar que a construção de oportunidades mais igualitárias é um dever do cidadão e da cidadã brasileira, é um dever histórico da nossa sociedade, a correção de exclusões e também a construção de uma democracia. A democracia que não exclui a equidade. Uma democracia que pense a igualdade e equidade, e entende que isso só é possível conseguir com política e ações concretas. Não só com mudanças de pensamento, de mentalidade e de valores. Mas a gente tem que ter ações concretas para que as mudanças de mentalidades e valores que estamos construindo se transformem em oportunidade para todos. Maria Aparecida Moura - Nesse processo de transição entre a senhora e a exministra Luíza Bairros, qual é a sua percepção dos principais desafios que a Seppir irá enfrentar nesses próximos quatro anos? Quais são as grandes linhas?

Educação, ação extensionista e as políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: desafios e perspectivas Nilma Lino Gomes - A ex-ministra Luíza Bairros fez um trabalho que considero primoroso na Seppir que foi organizar a Seppir, profissionalizar a Secretaria, e torná-la, enquanto o órgão público, cada vez mais pública. Eu acho que ela fez um trabalho, junto com a sua equipe, primoroso. Os editais públicos, a composição da equipe e a construção da Seppir como um órgão público. Eu acho que os outros gestores que passaram, cada um deu sua contribuição. Mas, como eu venho após a Luíza Bairros, é a gestão de que eu posso falar mais de perto. 151 Eu penso que a missão institucional da Seppir é muito clara, ela está muito explícita no próprio decreto de criação da Secretaria que é: construir uma política de promoção de igualdade racial no enfrentamento ao racismo. Então eu acho que o que eu tenho a fazer aqui é dar continuidade as ações que nós avaliamos como as ações que estão caminhando bem, sendo bem-sucedidas. Fazer uma avaliação do trabalho, do desenvolvimento do trabalho, para que a gente possa ver onde tem limites e onde temos que fazer intervenções e também trazer novas perspectivas. Então eu tenho colocado que, antes de apresentar qualquer planejamento, eu preciso conhecer a casa. Durante esses primeiros dias, eu tenho feito um trabalho interno de conhecer todos os setores da Seppir, de ouvir os técnicos, secretários, assessores e também abrir uma agenda parlamentar. Já estou abrindo uma agenda com os movimentos sociais, com o movimento negro. Eu acho que essa gestão tem que dar continuidade, aprimorar e trazer elementos novos. Os principais elementos são a ação afirmativa, a questão quilombola e os povos e comunidades tradicionais e a juventude e aí, um olhar sobre a nossa juventude não só a juventude que morre, mas a juventude que produz cultura, produz ação, que está atuando como sujeito social. E a internacionalização, através da ampliação da relação institucional já existente com a América Latina e região, ampliar cada vez mais o diálogo com o continente africano. Eu acho que a experiência na Unilab me ensinou muito sobre o lugar da gestão acadêmica e da gestão política. E também esse contato com o continente africano, para conhecê-los mais de perto e conhecer também as peculiaridades dos países africanos de língua portuguesa. Acho também que a minha trajetória no CNE, e claro, é

Nilma Lino Gomes, Maria Aparecida Moura inegável, toda formação que eu tive no programa de Ações Afirmativas na UFMG, um grande lugar de aprendizado, tanto acadêmico, quanto político. 152 Maria Aparecida Moura - Os grandes aprendizados começaram no Programa Ações Afirmativas na UFMG, não é mesmo? Nilma Lino Gomes - Sim, começaram. Eu tenho dois locais de intensa aprendizagem que eu sempre falo que é o movimento negro e o Programa Ações Afirmativas na UFMG. São os dois lugares que me ensinaram muito sobre a vida, sobre a questão racial e sobre como fazer política. Maria Aparecida Moura - De que modo o tema da violência contra a juventude negra tem sido tratado pela Seppir? A senhora tem algum projeto ou programa específico nesta área? Nilma Lino Gomes - No caso da questão da juventude e da violência, a Seppir já participa do plano Juventude Viva. A Secretaria está presente desde o início e, inclusive, tem um papel importante na coordenação junto com a Secretaria Nacional da Juventude. Esse é um plano que a Seppir vai continuar investindo. Pretendo, junto com a equipe que eu estou construindo, identificar o que mais a Seppir pode fazer em relação à temática da juventude negra e a questão da violência. Outras dimensões da violência, por exemplo, a violência que incide sobre as mulheres, a Seppir tem um trabalho de articulação com a Secretaria de Políticas de Mulheres. A Seppir é uma Secretaria transversal e orienta-se por uma política transversal. Ela já tem um diálogo com as ações que a Secretaria de Políticas de Mulheres e a Secretaria de Direitos Humanos realizam. São diálogos importantes que eu quero conhecê-los melhor e também verificar como que a gente vai dar continuidade a algumas ações e construir outras, neste caso.

Educação, ação extensionista e as políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: desafios e perspectivas Maria Aparecida Moura - Qual a tradução política que o lema deste ano vai ter em relação à população negra? Já existe alguma indicação em relação a esse projeto? 153 Nilma Lino Gomes - Eu acho que a relação do lema com a Seppir tem a ver com aquilo que eu falava no início. Eu penso que o papel da Seppir de fazer transversalidade, articulação, construções de parcerias é central na política de promoção de igualdade racial, dentro do governo e fora; eu volto a insistir, eu acho que este trabalho é educativo e reeducativo por excelência. Então eu vejo que a ideia de uma pátria educadora extrapola a educação formal. Relaciona-se com essa dimensão mais ampla que é reeducar inclusive politicamente o Brasil. Nós precisamos ser educados politicamente para que, por exemplo, em processo de disputas eleitorais, a gente saiba guardar muito mais direitos e cidadania do que no último processo em que nós assistimos situações extremamente constrangedoras, eu diria do ponto de vista de um fazer político. Eu acho que isso é um processo de reeducação que a sociedade precisa viver. Maria Aparecida Moura - Como a senhora pensa articular esses diálogos? Que caminhos já foram traçados? Nilma Lino Gomes - Em relação aos movimentos sociais, a Seppir já tem conselho consultivo, que é o CNPIR Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial. O CNPIR tem representação da sociedade civil, dos movimentos sociais, várias entidades do movimento negro, movimentos de outros grupos étnicos e também uma representação governamental. Ele é um conselho consultivo que se reúne ordinariamente e que ajuda a pensar a política. Então é um lugar de representação e de diálogo com os movimentos sociais e, particularmente, com o movimento negro. Além disso, tem as Conferências Nacionais de promoção da igualdade racial. Nós acabamos de realizar uma Conapir que resultou em várias resoluções, em torno de 80. As resoluções estão sendo organizadas em um sistema de monitoramento, algo inédito, que começou na gestão da Luíza Bairros e que eu vou levar à frente. Trata-se

Nilma Lino Gomes, Maria Aparecida Moura de uma forma de contar com a participação da sociedade civil, Estados e Municípios, em relação ao acompanhamento das resoluções que foram tiradas na última Conapir. Do ponto de vista da relação com as universidades, além da discussão sobre as ações afirmativas, uma participação e parceria com Ministério da Educação, que é órgão que deve levar a política educacional à frente, a Seppir já tem várias ações com o MEC, participa de comitês ligados à questão da implementação da lei de cotas. 154 Eu penso que será muito importante construir, nesta gestão, um diálogo mais próximo com as universidades, inclusive através da Andifes. Uma aproximação com a Associação dos Reitores das Universidades Públicas Federais, para que a gente possa discutir conjuntamente as ações afirmativas que vêm sendo realizadas no ensino superior. Além isso, tem a questão da implementação das cotas no serviço público, nas autarquias, que é outro aspecto importante do diálogo não só com os Estados, Municípios e DF, mas também com as autarquias. Isso é inovador e um trabalho que a Seppir tem responsabilidade em realizar. É desafiador. Nós temos como tarefa monitorar esse processo. Em nossa gestão temos que compreender, monitorar e ajudar os Estados e Municípios a regular esses concursos. Acho que esse é um tipo de trabalho político e técnico que a Seppir vai desenvolver também. Maria Aparecida Moura - A Seppir já tem projetos e propostas articuladas nesse sentido? Nilma Lino Gomes - Não. Como a lei é muito nova, esse é um trabalho que ainda está no início, estamos mapeando onde está sendo implementado e vamos elaborar uma nota técnica, um parecer de como a Seppir pode contribuir com aqueles municípios que vão implementar a lei de cotas em concursos públicos, para como lidar com as questões e quesitos raça/cor. Isso não é uma coisa que é feita isoladamente, mas em parceria também com a própria AGU, e com os próprios ministérios. Toda ação que a Seppir realiza é sempre em articulação e em parceria com outros ministérios e com outros órgãos.

Educação, ação extensionista e as políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: desafios e perspectivas Maria Aparecida Moura - Essa estratégia fortalece o diálogo. Nilma Lino Gomes - Fortalece e é o papel de uma política de promoção de igualdade racial. Ou seja, a Seppir sozinha não faz a promoção de política de igualdade racial. Ela faz essa política porque é da natureza dela fazer, mas também é da natureza dela proporcionar, produzir e estimular para que essas políticas sejam realizadas por outros setores, pelos ministérios, em ações, em práticas e em outros desdobramentos políticos. Então, ela tem um trabalho que é extremamente complexo e desafiador. 155 Maria Aparecida Moura - A senhora tem um balanço sobre a implementação das cotas raciais nas universidades brasileiras? Que desafios a Seppir terá pela frente? Nilma Lino Gomes - Ainda não temos esses dados produzidos pela Seppir porque este é também um trabalho a ser realizado em articulação com o Ministério da Educação. O MEC e o Inep são, digamos assim, os principais responsáveis por realizar essa tarefa. O papel da Seppir nesse momento é também trabalhar junto. Eu imagino que, como está muito no início, eu ainda não tive contato mais direto, mas já está prevista agenda com o Ministério da Educação, na qual nós vamos conversar sobre as ações que já estão sendo realizadas e as futuras ações em parceria entre a Seppir e o MEC. Então isso está sendo traçado como desafio e uma tarefa do trabalho da Seppir que não pode ser feito sozinho. Envolve o Inep, o MEC, as secretarias do MEC. Também, por exemplo, podemos ter a participação do Ipea com o qual nós já temos convênios, produzir pesquisas, estudos. Ainda não posso detalhar qual vai ser exatamente a ação, mas posso falar que isso está no nosso horizonte de trabalho. Maria Aparecida Moura - Em sua opinião, qual é o papel da extensão universitária e da universidade no enfrentamento do racismo?

Nilma Lino Gomes, Maria Aparecida Moura Nilma Lino Gomes - Eu acho que a extensão universitária é um eixo importante da tríade, que é da função, digamos assim, social de uma universidade, ensino, pesquisa e extensão. E penso que o trabalho com a extensão é estrutural para dar vida a uma universidade. Porque é muito mais que trabalhar com uma comunidade, a extensão traz à vida social a vida política, a iniciativa de uma intervenção, de contribuir para a mudança que é, em minha opinião, o papel de uma universidade pública. Então, eu sempre atuei na extensão com este olhar, eu sempre atuei entendendo que é possível produzir pesquisas a partir de uma ação de extensão. Eu sempre atuei achando que muitas pesquisas podem, inclusive, fornecer pistas e ter desdobramentos em trabalhos de extensão. E tudo isso no ensino. Então eu acho que é papel da extensão o combate e a superação do racismo. O exemplo mais forte que eu posso dar foi a atuação do Programa Ações Afirmativas na UFMG. Nós começamos como um projeto de extensão bem pequeno, com um grupo de professores de três unidades da UFMG, a Ciência da Informação (ECI), o Centro Pedagógico e a Faculdade de Educação (FaE). Tivemos a participação da Faculdade de Letras também. 156 O Programa começou visando oferecer cursos, aulas, seminários e debates, mas ele foi se enraizando na ação de construir uma política de permanência para jovens negros, a ponto de ele começar depois a repercutir no ensino, na pesquisa e depois na própria preparação de estudantes para pós-graduação, através de parcerias com outros grupos. Então eu acho que o trabalho que a gente pode fazer na extensão de superação ao racismo tem a ver com um trabalho articulado no interior da universidade, que extrapola essa relação de falar vamos trabalhar com comunidade negra que está fora da universidade. Mas é sempre necessário olhar por dentro e por fora para mudar a estrutura da universidade. Eu acho que, no limite, a situação de enfrentamento ao racismo no ensino superior é uma mudança estrutural na universidade. Isso pela organização dos cursos, dos currículos, a forma como nós acolhemos esses sujeitos que estão entrando cada vez mais nas universidades, através das políticas de democratização. Então eu creio que a extensão possibilita esse diálogo e que requer uma mudança para dentro e para fora. Hoje eu diria que, mesmo com perfis que são contrários a uma política de promoção de igualdade racial, a UFMG é outra, o próprio olhar da universidade sobre esse tema avançou.

Educação, ação extensionista e as políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: desafios e perspectivas Maria Aparecida Moura - Que expectativa a senhora tem em relação à sociedade, aos movimentos sociais e o contexto acadêmico para que a Seppir consiga desenvolver o seu plano de ação? 157 Nilma Lino Gomes - Eu espero obter parcerias, espero das pessoas, dos movimentos sociais, da universidade a compreensão da complexidade do desafio que é construir uma política de promoção de igualdade racial e de enfrentamento ao racismo no Brasil, e que haja um reconhecimento do importante papel que a Seppir vem desempenhando ao longo dos anos. Com todos os desafios que ela tem passado, porque não são desafios apenas para a Seppir como uma secretaria, são desafios de toda e qualquer instituição, ONGs, sujeito social, coletivo social que publicamente enfrenta o desafio de superação de racismo no Brasil e de construção de oportunidades mais igualitárias para a população negra e de outros grupos e povos com esse histórico. Eu espero conseguir construir caminhos de diálogos mais profícuos e desde que esses caminhos de diálogos sejam pautados no respeito de ambas as partes. Tanto da Seppir com o movimento negro, quando do movimento negro com a Seppir. E que a gente possa construir ações políticas mais organizadas, ações políticas vitoriosas em que nós possamos ser, de alguma forma, referência numa relação entre o Governo Federal, Estados, Municípios e a sociedade civil representada pelos movimentos (movimento negro, movimento quilombola e de mulheres negras). Eu acho que são sonhos, talvez alguém possa dizer que é muito idealismo para uma ação de governo, mas eu sempre penso que temos de olhar a realidade, sem perder de vista os sonhos, porque são eles que transformam a própria realidade e que dão uma dinâmica à vida da gente.

Nilma Lino Gomes, Maria Aparecida Moura Agradecimentos A entrevista contou com a produção do bolsista de extensão Universitária Robson Paulo do Santos, o apoio do CNPq e da FAPEMIG aos quais dirijo os meus sinceros agradecimentos. 158 Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): GOMES, Nilma Lino. Educação, ação extensionista e as políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: desafios e perspectivas. Entrevistadora: Maria Aparecida Moura. Interfaces Revista de Extensão da UFMG, Belo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 147-158, jul./dez. 2014.