Ex Vi Legis CONTRATOS - EVOLUÇÃO, FUNÇÃO SOCIAL E PRINCÍPIOS

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Transcrição:

CONTRATOS - EVOLUÇÃO, FUNÇÃO SOCIAL E PRINCÍPIOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA O Direito romano distinguia contrato de convenção. A convenção representava o gênero, do qual o contrato e o pacto eram espécies. O Código Napoleão foi a primeira grande codificação moderna. A exemplo do direito romano considerava por convenção o gênero, do qual o contrato era uma espécie. Idealizado sob o calor da Revolução de 1789, o referido diploma disciplinou o contrato como: mero instrumento para a aquisição da propriedade. O acordo de vontades representava, em realidade, uma garantia para os burgueses e para as classes proprietárias. A transferência de bens passava a ser dependente exclusivamente da vontade. O Código Civil alemão, promulgado muito tempo depois, considera o contrato uma espécie de negócio jurídico, que por si só não transfere a propriedade, como sucede igualmente no novo Código Civil brasileiro. Hoje, as expressões convenção, contrato e pacto são empregadas como sinônimas, malgrado a praxe de se designar os contratos acessórios de pactos (pacto comissório, pacto antenupcial etc.). A propósito, afirma Roberto de Ruggiero: "a convenção, isto é, o acordo das vontades, torna-se sinônimo de contrato e o próprio contrato identifica-se assim com o consenso...". A idéia de um contrato com predominância da autonomia da vontade, em que as partes discutem livremente as suas condições em situação de igualdade, deve-se aos conceitos traçados para o contrato nos Códigos francês e alemão. Entretanto, essa espécie de contrato, essencialmente privado e paritário, representa hodiernamente uma pequena parcela do mundo negocial. Os contratos em geral são celebrados com a pessoa jurídica, com a empresa, com os grandes capitalistas e com o Estado. A economia de massa exige contratos impessoais e padronizados (contratos-tipo ou de massa), que não mais se coadunam com o princípio da autonomia da vontade.

O Estado intervém, constantemente, na relação contratual privada, para assegurar a supremacia da ordem pública, relegando o individualismo a um plano secundário. Essa situação tem sugerido a existência de um dirigismo contratual, em certos setores que interessam a toda a coletividade. Pode-se afirmar que a força obrigatória dos contratos não se afere mais sob a ótica do dever moral de manutenção da palavra empenhada, mas da realização do bem comum. No direito civil, o contrato está presente não só no direito das obrigações como também no direito de empresa, no direito das coisas (transcrição, usufruto, servidão, hipoteca etc.), no direito de família (casamento) e no direito das sucessões (partilha em vida). O contrato tem uma função social, sendo veículo de circulação da riqueza, centro da vida dos negócios e propulsor da expansão capitalista. O Código Civil de 2002 tornou explícito que a liberdade de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores primordiais da boa-fé e da probidade (arts. 421 e 422, CC). FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO O Código Civil de 2002, contrariando as concepções individualistas que nortearam o diploma anterior, segue orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo. O princípio da socialidade por ele adotado reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana. Há uma convergência para a realidade contemporânea, com a revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do direito privado tradicional, como enfatiza Miguel Reale: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador. Nessa consonância, dispõe o art. 421, CC: "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato". A concepção social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Tem como finalidade promover a realização de uma justiça comutativa, superando as desigualdades substanciais entre os contraentes, subordinando a liberdade contratual à sua função social, com prevalência dos princípios condizentes com a ordem pública.

Considerando que o direito de propriedade, que deve ser exercido em conformidade com a sua função social, proclamada na Constituição Federal, se viabiliza por meio dos contratos, o novo Código estabelece que a liberdade contratual não pode afastarse daquela função. A função social do contrato constitui, assim, princípio moderno a ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Aliando-se aos princípios tradicionais, como os da autonomia da vontade e da obrigatoriedade, muitas vezes impedindo que estes prevaleçam. Segundo Caio Mário, a função social do contrato serve precipuamente para limitar a autonomia da vontade, quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório. O princípio da socialidade desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da vontade. Essa constatação tem como consequência, por exemplo, possibilitar que terceiros, que não são propriamente partes do contrato, possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos. Pode-se afirmar que o atendimento à função social pode ser enfocado sob dois aspectos: um, individual, relativo aos contratantes, que se valem do contrato para satisfazer seus interesses próprios, e outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato. Nessa medida, a função social do contrato somente estará cumprida quando a sua finalidade - distribuição de riquezas - for atingida de forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte de equilíbrio social. Observa-se que as principais mudanças no âmbito dos contratos, no novo diploma, foram implementadas por cláusulas gerais, em paralelo às normas marcadas pela estrita casuística. As cláusulas gerais são normas orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o, ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir. São elas formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral. Quando se insere determinado princípio geral (regra de conduta que não consta do sistema normativo, mas se encontra na consciência dos povos e é seguida universalmente) no direito positivo do país (Constituição,

leis etc.), deixa de ser princípio geral, ou seja, deixa de ser regra de interpretação e passa a caracterizar-se como cláusula geral. As cláusulas gerais resultaram basicamente do convencimento do legislador de que as leis rígidas, definidoras de tudo e para todos os casos, são necessariamente insuficientes e levam seguidamente a situações de grave injustiça. Cabe à doutrina e à jurisprudência identificá-las e definir o seu sentido e alcance, aplicando-as ao caso concreto, de acordo com as suas circunstâncias, como novos princípios do direito contratual e não simplesmente como meros conselhos, destituídos de força vinculante, malgrado isso possa significar uma multiplicidade de soluções para uma mesma situação basicamente semelhante, mas cada uma com particularidades que impõem solução apropriada, embora diferente da outra. Cabe destacar, dentre outras, a cláusula geral que proclama a função social do contrato exige um comportamento condizente com a probidade e boa-fé objetiva (art. 422 - CC). Deve-se ainda realçar o art. 2.035, parágrafo único CC: "Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos". Sendo assim, as partes devem celebrar seus contratos com ampla liberdade, porém, observadas as exigências da ordem pública, como é o caso das cláusulas gerais. Como a função social é cláusula geral, assinala Nelson Nery Junior, o juiz poderá preencher os claros do que significa essa "função social", com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais. Aduz o mencionado jurista que, sendo normas de ordem pública, o juiz pode aplicar as cláusulas gerais em qualquer ação judicial, independentemente de pedido da parte ou do interessado, pois deve agir ex officio. Com isso, ainda que, por exemplo, o autor de ação de revisão de contrato não haja pedido na petição inicial algo relativo à determinada cláusula geral, o juiz pode, de ofício, modificar cláusula de percentual de juros, caso entenda que deve assim agir para adequar o contrato à sua função social. Assim agindo, autorizado pela cláusula geral expressamente prevista na lei, o juiz poderá ajustar o contrato e dar-lhe a sua própria noção de equilíbrio, sem ser tachado de arbitrário.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS O direito contratual rege-se por diversos princípios, alguns tradicionais e outros modernos. Os mais importantes são os: da autonomia da vontade, da supremacia da ordem pública, do consensualismo, da relatividade dos efeitos, da obrigatoriedade, da revisão da onerosidade excessiva e da boa fé. Autonomia da verdade: os homens nascem livres e iguais (ROUSSEAU); logo, são igualmente livres para contratar (liberdade de contratar) e para escolher o conteúdo dos contratos (liberdade contratual); no direito brasileiro, art. 425 do Código Civil e arts. 1º, IV, e 5º, caput e II, além do art. 170, II, da Constituição. PRINCÍPIOS TRADICIONAIS DOS CONTRATOS Força obrigatória: o contrato faz lei entre as partes; tem força obrigatória, que resulta, por exemplo, das sanções que se impõem ao contratante que o descumprir. Relatividade dos efeitos dos contratos: os efeitos dos contratos são restritos às partes, não aproveitando nem prejudicando terceiros. Função social: art. 421 do Código Civil. Boa-fé objetiva: art. 422 do Código Civil. Equilíbrio das prestações Princípio da autonomia da verdade Tradicionalmente, desde o direito romano, as pessoas são livres para contratar. Essa liberdade abrange o direito de contratar se quiserem, com quem quiserem e sobre o que quiserem, ou seja, o direito de contratar e de não contratar, de escolher a pessoa com quem fazê-lo e de estabelecer o conteúdo do contrato. O princípio da autonomia da vontade se alicerça exatamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus interessantes mediante acordo

de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem pública. Têm as partes a faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer interferência do Estado. Podem celebrar contratos nominados ou fazer combinações, dando origem a contratos inominados. Esse princípio teve o seu apogeu após a Revolução Francesa de 1789, com a predominância do individualismo e a pregação da liberdade em todos os campos, inclusive no contratual. O princípio da autonomia da vontade serve de fundamento para a celebração dos contratos atípicos. Contrato atípico é o que resulta não de um acordo de vontades regulado no ordenamento jurídico, mas gerado pelas necessidades e interesses das partes. A liberdade contratual é prevista no art. 421 do CC: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Preceitua ainda o art. 425: É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. Têm aumentado consideravelmente as limitações à liberdade de contratar, em seus três aspectos. Assim: a) a faculdade de contratar e de não contratar (de contratar se quiser) mostra-se, atualmente, relativa, pois a vida em sociedade obriga as pessoas a realizar, frequentemente, contratos de toda espécie, como o de transporte, de compra de alimentos, de aquisição de jornais e de fornecimento de bens e serviços públicos; b) também a liberdade de escolha do outro contratante (de contratar com quem quiser) sofre, hoje, restrições, como nos casos de serviços públicos concedidos sob regime de monopólio e nos contratos submetidos ao Código do Consumidor; e, em terceiro lugar, c) o poder de estabelecer o conteúdo do contrato (de contratar sobre o que quiser) sofre também, atualmente, limitações determinadas pelas cláusulas gerais, especialmente as que tratam da função social do contrato e da boa-fé objetiva, do Código de Defesa do Consumidor e, principalmente, pelas exigências e supremacia da ordem pública, como se verá a seguir. Princípio da supremacia da ordem pública A liberdade contratual encontrou sempre limitação na ideia de ordem pública, entendendo-se que o interesse da sociedade deve prevalecer quando colide com o interesse individual. O princípio da autonomia da vontade, como vimos, não é absoluto. É limitado pelo princípio da ordem pública, que resultou da constatação, feita no início do século passado e

em face da crescente industrialização, de que a ampla liberdade de contratar provocava desequilíbrios e a exploração do economicamente mais fraco. Surgiram os movimentos em prol dos direitos sociais e a defesa destes nas encíclicas papais. Começaram, então, a ser editadas leis destinadas a garantir, em setores de vital importância, a supremacia da ordem pública, da moral e dos bons costumes, podendo ser lembradas, entre nós, as diversas leis do inquilinato, o CDC, dentre outros. A intervenção do Estado na vida contratual é, hoje, tão intensa em determinados campos (telecomunicações, consórcios, seguros, sistema financeiro, etc.) que se configura um verdadeiro dirigismo contratual. O CC/2002 proclama, no parágrafo único do art. 2.035: Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. A ordem pública é também uma cláusula geral, que está no nosso ordenamento por meio do art. 17 da LIDB (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), regra de direito internacional privado que retira eficácia de qualquer declaração de vontade ofensiva da ordem pública. Em suma, a noção de ordem pública e o respeito aos bons costumes constituem freios e limites à liberdade contratual. No campo intervencionista, destinado a coibir abusos advindos da desigualdade econômica mediante a defesa da parte economicamente mais fraca, situa-se, ainda, o princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva, baseado na teoria da imprevisão, regulado nos arts. 478 a 480. Princípio do consensualismo De acordo com o princípio do consensualismo, basta, para o aperfeiçoamento do contrato, o acordo de vontades, contrapondo-se ao formalismo e ao simbolismo que vigoravam em tempos primitivos. Decorre ele da moderna concepção de que o contrato resulta do consenso, do acordo de vontades, independentemente da entrega da coisa. A compra e venda, por exemplo, quando pura, torna-se perfeita e obrigatória, desde que as partes acordem no objeto e no preço (art. 482, CC). O contrato já estará perfeito e acabado desde o momento em que o vendedor aceitar o preço oferecido pela coisa, independentemente da entrega desta. O pagamento e a entrega do objeto constituem outra fase, a do cumprimento das obrigações assumidas pelos contratantes (art. 481, CC).

A necessidade, todavia, de garantir as partes contratantes levou, atualmente, o legislador a fazer certas exigências materiais, subordinadas ao tema do formalismo, como a elaboração de instrumento escrito para a venda de automóveis; a obrigatoriedade de inscrição no Registro Imobiliário, para que as promessas de compra e venda sejam dotadas de execução específica com eficácia real (art. 1.417, CC); e a imposição do registro na alienação fiduciária em garantia (art. 1.361, 1º, CC). No direito brasileiro a forma é, em regra, livre. As partes podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou verbalmente, a não ser nos casos em que a lei, para dar maior segurança e seriedade ao negócio, exija a forma escrita, pública ou particular (art. 107, CC). O consensualismo, portanto, é a regra, e o formalismo, a exceção. Os contratos são, pois, em regra, consensuais. Alguns poucos, no entanto, são reais, porque somente se aperfeiçoam com a entrega do objeto, subsequente ao acordo de vontades. Este, por si, não basta. O contrato de depósito, por exemplo, só se aperfeiçoa depois do consenso e da entrega do bem ao depositário. Enquadram-se nessa classificação, também, dentre outros, os contratos de comodato e mútuo. Princípio da obrigatoriedade dos contratos Princípio também denominado princípio da intangibilidade dos contratos, representa a força vinculante das convenções. Daí por que é também chamado de princípio da força vinculante dos contratos. Pelo princípio da autonomia da vontade, ninguém é obrigado a contratar. A ordem pública concede a cada um a liberdade de contratar e definir os termos e objeto do contrato. Os que o fizerem, porém, por ser o contrato válido e eficaz, devem cumpri-lo, não podendo se forrarem às suas consequências, a não ser com a anuência do outro contratante. Como foram as partes que escolheram os termos do ajuste e a ele se vincularam, não cabe ao juiz preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocação dos princípios da equidade. O princípio da força obrigatória dos contratos significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada.

Princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva Opõe-se tal princípio ao da obrigatoriedade, pois permite aos contraentes recorrerem ao Judiciário para obterem alteração da convenção e condições mais humanas em determinadas situações. Cláusula rebus sic stantibus e teoria da imprevisão a teoria recebeu o nome de rebus sic stantibus e consiste basicamente em presumir, nos contratos comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, a existência implícita (não expressa) de uma cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato. Se esta, no entanto, modificar-se em razão de acontecimentos extraordinários (uma guerra, p. ex.) que tornem excessivamente oneroso para o devedor o seu adimplemento, poderá este requerer ao juiz que o isente da obrigação, parcial ou totalmente. A teoria da imprevisão consiste, portanto, na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes pode tornar-se exageradamente onerosa o que, na prática, é viabilizado pela aplicação da cláusula rebus sic stantibus, anteriormente referida. Princípio da boa-fé e da probidade Preceitua o art. 422 do CC: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. O princípio da boa-fé exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas como também durante a formação e o cumprimento do contrato. Guarda relação com o princípio de direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva, que impõe ao contratante um padrão de conduta, o de agir com retidão, ou seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar. O novo sistema civil implantado no país fornece ao juiz um novo instrumental, diferente do que existia no ordenamento revogado, que privilegiava os princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade dos contratos, seguindo uma diretriz individualista. A reformulação operada com base nos valores da sociedade, eticidade e operabilidade deu nova feição aos princípios fundamentais dos contratos, como se extrai

dos novos institutos nele incorporados: o estado de perigo, lesão, a onerosidade excessiva, a função social dos contratos como preceito de ordem pública e, especialmente, a boa-fé e a probidade. De tal sorte que se pode hoje dizer, sinteticamente, que as cláusulas gerais que o juiz deve rigorosamente aplicar no julgamento das relações obrigacionais são: a boa-fé objetiva, o fim social do contrato e a ordem pública. A probidade, mencionada no art. 422 do CC, nada mais é senão um dos aspectos objetivos do princípio da boa-fé, podendo ser entendida como a honestidade de proceder ou a maneira criteriosa de cumprir todos os deveres, que são atribuídos ou cometidos à pessoa. O princípio da boa-fé se biparte em: a) boa-fé subjetiva; b) boa-fé objetiva. A boa-fé subjetiva esteve presente no CC de 1916, com a natureza de regra de interpretação do negócio jurídico. Diz respeito ao conhecimento e á ignorância da pessoa em relação a certos fatos, sendo levada em consideração pelo direito para os fins específicos da situação regulada. Serve à proteção daquele que tem a consciência de estar agindo conforme o direito, apesar de outra a realidade. Diz-se subjetiva justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Todavia, a boa-fé que representa inovação do CC2002 e acarretou profunda alteração no direito obrigacional clássico é a objetiva, que se constitui em uma norma jurídica fundada em um princípio geral do direito, segundo o qual todos devem comportarse de boa-fé nas suas relações recíprocas. Classifica-se, assim, como regra de conduta. Incluída no direito positivo de grande parte dos países ocidentais, deixa de ser princípio geral de direito para transformar-se em cláusula geral de boa-fé objetiva. É, portanto, fonte de direito e de obrigações. Denota-se, logo, que a boa-fé é tanto forma de conduta (subjetiva ou psicológica) como norma de comportamento (objetiva). Nesta última acepção, está fundada na honestidade, retidão, na lealdade e na consideração para com os interesses do outro contratante, especialmente no sentido de não lhe sonegar informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo do negócio.