15. Oftalmologia em Hanseníase. Introdução. Informações técnicas 1. Supercílios

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15. Oftalmologia em Hanseníase Edmundo Frota de Almeida Introdução O olho e seus anexos são afetados pela hanseníase por meio do comprometimento direto dos seus nervos pelo Bacilo de Hansen (BH) ou pelas reações hansênicas. Os portadores desta doença têm sua capacidade visual ameaçada pelas complicações que a patologia traz na fase ativa, nas reações de hipersensibilidade e até mesmo após a cura, quando ainda são notadas alterações palpebrais e oculares nocivas à saúde ocular 1. Desse modo, a intervenção do oftalmologista é imperativa tanto na prevenção das incapacidades, como na reabilitação das sequelas observadas. Este capítulo tratará das técnicas cirúrgicas utilizadas para estes fins. Assim, veremos, de uma forma simplificada, o tratamento das principais patologias perioculares envolvidas na hanseníase: ptose do supercílio, madarose superciliar, dermatocálase, lagoftalmo, ectrópio, entrópio, triquíase e ptose ciliar. Informações técnicas 1. Supercílios 1.1 A ptose do supercílio é determinada pela lesão do ramo temporal do Nervo Facial (VII nervo craniano), associada à gravidade e à perda da tonicidade da pele. Este mau posicionamento pode levar a uma falsa aparência clínica de dermatocalase e, por esta razão, a posição do supercílio deve ser avaliada antes que uma blefaroplastia seja realizada. A avaliação do supercílio é feita com o paciente sentado. A posição da região é analisada em relação ao rebordo ósseo orbital superior. Os 2/3 temporais do supercílio devem estar acima do rebordo superior, e o examinador deve assegurar que neste momento não tenha contração da musculatura frontal 2. 297

HANSENÍASE AVANÇOS E DESAFIOS Sua correção inclui várias técnicas cirúrgicas, realizadas de forma aberta ou endoscópica. A elevação é feita por lifting temporal, coronal ou de forma direta, acima do supercílio. De domínio dos oftalmologistas, a técnica que mais se apropria é a elevação direta do supercílio, sendo esta a que promove maior elevação por milímetro excisado 3. É especialmente útil em pacientes com ptose de cauda de supercílio, pois na porção temporal é onde a cicatriz oferece resultados estéticos bem satisfatórios. Técnica de Suspensão Direta do Supercílio: - com o paciente sentado, o local da incisão é marcado acima dos pelos do supercílio; - o supercílio é elevado com os dedos até a posição desejada e a caneta marcadora posicionada sem tocar a borda superior do supercílio; - quando o supercílio é liberado, o ponto abaixo da ponta da caneta representa o ponto na linha da incisão superior. Repetir essa manobra ao longo de toda a incisão acima do supercílio; - após infiltração de anestésico, incisa-se a pele e tecido subcutâneo e, a seguir, resseca-se a área demarcada; - a seguir, a região do supercílio é fixada à gálea perióstal superiormente com uma ou mais suturas de vicryl ou polipropileno 5-0 amarradas em pontos simples; - os tecidos profundos podem ser aproximados através de suturas simples com o vicryl 5-0; - o fechamento da ferida pode ser feito com suturas contínuas de tração em nylon ou polipropileno 5-0 3. Uma observação importante é não remover os pontos antes dos 14 dias, pois nos hansenianos a cicatrização é mais demorada. O grande desafio relativo ao mau posicionamento do supercílio é impedir que a lesão do nervo facial se instale. Isso significa que diagnóstico e tratamento devem ser precoces. Uma vez instalada a ptose superciliar, o grande desafio é corrigi-la sem aumentar o lagoftalmo habitualmente existente. Sem dúvida, a utilização do peso de ouro na correção do lagoftalmo veio trazer um grande alento a esse efeito secundário. Os avanços conseguidos com técnicas endoscópicas reduziram as complicações com as cicatrizes. E o surgimento de novos materiais para manter uma sustenção mais duradoura tem sido a grande promessa da atualidade. 298

OFTALMOLOGIA EM HANSENÍASE 1.2 Madarose Superciliar É a alteração dos anexos mais frequentes, juntamente com a madarose ciliar 4,5. Tem um grande efeito estigmatizante. A correção cirúrgica se faz com implante autólogo de cabelo retirado da porção nucal do couro cabeludo. Uma outra forma de melhorar a aparência desses pacientes é a pigmentação definitiva do supercílio. Uma opção não cirúrgica que mostra bons resultados e menores complicações que os métodos atuais disponíveis. 2. Pálpebras 2.1 Dermatocálase Causada pelos edemas inflamatórios decorrentes da infiltração e dos hansenomas, principalmente nas pálpebras superiores, que, após regredirem, deixam redundância da pele palpebral, dobrando-se sobre os cílios e, às vezes, recobrindo parcialmente o eixo visual. Sua correção é feita cirurgicamente, com a técnica habitual da blerafoplastia usada na dermatocálase senil. Técnica de Blefaroplastia - com o paciente sentado, marca-se a linha inferior em cima da prega palpebral (em torno de 10mm acima da margem na região central), a partir do ponto lacrimal, medialmente, e até a ponta do supercílio lateralmente; - usando-se uma pinça traciona-se o tecido redundante que deve ser removido, da margem superior até a linha inferior; - segurando-se com a pinça a porção palpebral a ser excisada, podemos avaliar se o paciente conseguirá fechar os olhos após a cirurgia. Uma forma simples de evitar hipercorreção é garantir que a somatória da extensão da pele que está fora da marcação a ser retirada seja superior a 20mm; - a linha superior agora é marcada em forma de s suave; - após anestesia, remove-se o tecido demarcado; - faz-se a hemostasia e, a seguir, retiram-se as bolsas de gordura, quando presentes; - o fechamento da pele é feito com sutura contínua, intradérmica ou pontos simples, usando mononylon ou polipropileno 6-03. 299

HANSENÍASE AVANÇOS E DESAFIOS Da mesma forma que, na cirurgia do supercílio, as suturas da blefaroplastia não devem ser removidas precocemente, neste caso, antes de 10 dias. Importante salientar que é sempre preferível uma hipocorreção à hipercorreção, pelo risco de lagoftalmo e lesões cornenanas. Além disso, é uma tendência atual retirar menos tecidos palpebrais, inclusive, preservar o músculo orbicular garantindo um melhor resultado final. 2.2 Lagoftalmo Definido como a incapacidade de fechamento completo da fenda palpebral. Tem como principal consequência as lesões corneanas. Das alterações dos anexos com riscos para a visão, é sem dúvida a mais frequente 4,5. O paciente é incapaz de ver essa alteração, exceto na ausência do reflexo de Bell. Na hanseníase, devido à diminuição ou mesmo anestesia corneana, há pouca queixa do paciente referente ao lagoftalmo. Nesse contexto, deve-se ter o cuidado de examinar adequadamente a córnea, assim como avaliar o reflexo de Bell. O tratamento a ser realizado e a técnica escolhida serão determinados principalmente pelo estado da córnea do paciente 6 : a) Córnea íntegra: tratamento clínico (oclusão noturna com protetor de acrílico e lubrificantes). b) Córnea com sinais de exposição corneana: tarsorrafia, cantoplastia ou peso de ouro. c) Córnea com alterações graves: são casos que, frequentemente, estão associados a ectrópio da pálpebra inferior, exigindo associação de técnicas cirúrgicas para sua correção. Peso de ouro e tarsal strip para casos de menor comprometimento e retrocesso dos retratores da pálpebra inferior e enxerto de cartilagem auricular para os casos mais graves. Técnica do peso de ouro - Para a escolha do peso a ser usado, diferentes tamanhos são fixados com fita adesiva na pálpebra superior até chegar-se ao ideal, quando há o fechamento palpebral; - Após infiltração de anestésico, faz-se a incisão na prega palpebral superior, abrindo-se o plano músculo-cutâneo, alcançando o tarso e expondo-o o suficiente para fixar o peso; - O peso deve ser fixado no tarso com vicryl ou seda 6-0, através dos orifícios existentes na placa de ouro; 300

OFTALMOLOGIA EM HANSENÍASE - A seguir, sutura-se o orbicular com vicryl 6-0 - passo fundamental para evitar extrusões e a pele com sutura inabsorvível (nylon ou polipropileno 6-0)6. O grande desafio é evitar a extrusão, principalmente nos pacientes mais velhos, que tem a pele fina, pouco tecido subcutâneo e musculatura atrofiada. A criação de novos materiais inertes e pesados talvez seja o avanço a ser conquistado. 2.3 Madarose e Ptose Ciliar São manifestações tardias que ocorrem geralmente após a primeira década do início da doença. A ptose ciliar é causado pela atrofia dos tecidos que apoiam os folículos pilosos. Enquanto a madarose é causada pela lesão do bulbo. Ambas são consequência da infiltração pelo M. Leprae. Técnica cirúrgica para correção da ptose ciliar - fazer uma incisão logo abaixo da prega palpebral; - dissecar a pele e o músculo pré-tarsal em direção aos cílios; - everter os cílios e corrigir qualquer entrópio por tração para cima da pele e retalho muscular. Fixar nesta posição, com pontos separados de fio 6-0 absorvíveis de longa duração. Estes devem passar da pele para o tarso e para fora da pele novamente, onde são amarrados sobre um coxim protetor; - excisar qualquer excesso de pele; - recriar uma nova prega e aproximar a pele para fechamento palpebral com suturas inabsorvíveis7. A ptose ciliar talvez já esteja resolvida com essa técnica. A madarose ciliar, diferentemente da superciliar, continua sendo o grande desafio. Se não houvesse a lesão do folículo, a utilização dos colírios análogos das prostaglandinas seria uma alternativa, pois atuam no crescimento dos cílios. Pensar em microcirurgia de implante de pelos e que estes cresçam semelhantes ao que ocorre no supercílio é quase uma utopia. Quem sabe as células tronco, no futuro, poderão ajudar. Resta o recurso da tatuagem para melhorar a estética, ou o uso de cílios postiços. 301

HANSENÍASE AVANÇOS E DESAFIOS 2.4 Entrópio A inversão da borda palpebral que leva os cílios a tocarem o globo ocular pode ser consequente da retração da lamela posterior, que envolve o tarso e conjuntiva 2. Quanto maior o espessamento e a retração do tarso, mais difícil se torna a correção cirúrgica, que deve ser feita com técnicas para entrópio cicatricial, e podem demandar o uso de enxertos para alongamento da lamela posterior, quando muito complexos. A lamela posterior pode estar inalterada, e o entrópio pode ser consequente das inflamações oculares. Neste caso, trata-se de entrópio espástico pela contração do orbicular em pálpebras com alterações involucionais em resposta à irritação ocular. Deve-se resolver o fator irritativo e aguardar resolução, exceto em casos crônicos, em que a contratura já é permanente 2,8. TÉCNICA: Blefarotomia com rotação marginal - na pálpebra superior, a marcação da pele é feita na prega palpebral (como na blefaroplastia); - everte-se a pálpebra e realiza-se uma incisão transfixante ao longo de todo o tarso na sua linha horizontal de maior encurvamento (cerca de 2 a 2,5 mm da borda); - passam-se 3 a 5 pontos em U, com seda 5-0, na espessura do tarso, em sua porção distal. No retalho bipediculado, o fio é passado no espaço submuscular, exteriorizando-se na linha dos cílios; - os nós são apertados somente após a passagem de todas as suturas de eversão2. Avanços e desafios A toxina botulínica foi um grande avanço no auxílio dos entrópios espásticos agudos, uma vez que ela colabora para cessar a contratura, enquanto há resolução do quadro ocular, dispensando procedimentos cirúrgicos 9. O grande desafio é que não apareçam novas alterações teciduais após a cirurgia, levando a recorrência do quadro e necessidade de novas intervenções. 2.5 Ectrópio A eversão da margem palpebral para longe do bulbo ocular pode ocorrer devido à atrofia e estiramento dos tendões e músculos palpebrais, além da paresia do orbicular causada pela infiltração bacilar do nervo facial 2. A correção dependerá do grau de ectrópio e da flacidez horizontal da pálpebra acometida. O tarsal Strip é uma técnica relativamente simples que apresenta um bom resultado em grande parte dos casos. 302

OFTALMOLOGIA EM HANSENÍASE Técnica Cirúrgica Tarsal Strip - realizar cantólise; - dividir a margem palpebral na linha cinzenta em uma extensão de 4-6mm, na porção temporal; - desepitelizar a região conjuntival; - separar o segmento tarsal da região dos retratores, confeccionando uma tira tarsal que será suturada ao rebordo ósseo orbitário lateral, com fio Vicryl ou Seda 5-0; - a lamela anterior correspondente é ressecada; - a pele é suturada no local da cantólise com nylon ou Prolene 6-0 2. Assim como no entrópio, o grande desafio é que não apareçam novas alterações teciduais após a cirurgia, que levem à necessidade de novas intervenções. 2.6 Triquíase A alteração da direção dos cílios, que, apesar de implantados na lamela anterior, estão anormalmente encurvados e dirigidos para o globo ocular, é uma das complicações palpebrais frequentes, que pode estar associada ao entrópio cicatricial. Seu tratamento irá variar de acordo com a quantidade de cílios afetados e da localização em que se encontram. Poucos cílios esparsos podem ser tratados de forma menos agressiva com eletrólise ou fotocoagulação com laser de argônio. Cílios próximos em um mesmo segmento, principalmente na presença de flacidez palpebral, podem ser removidos com ressecção em cunha desta porção. Quando uma porção mais extensa da pálpebra é afetada por uma maior quantidade de cílios, pode usar a técnica da divisão interlamelar com interposição de enxerto mucocutâneo: - divisão da margem palpebral, através da linha cinzenta, em duas lamelas (extender 2mm além dos cílios triquiáticos); - retirada do enxerto em elipse da linha de contorno do lábio superior, com largura entre 2 a 3mm, que é suturada em seguida com nylon 6-0; - fixação do enxerto na fenda interlamelar, com a margem cutânea voltada para a lamela anterior, com sutura contínua em nylon 9-0 2. 303

HANSENÍASE AVANÇOS E DESAFIOS Referências 1 - Cohen JM. Ocular leprosy: a historical approach. Arq Bras Oftalmol. 2009 Sep-Oct; 72(5):728-33. 2 - Filho JV, Cruz AAVe, Schellini SA, Matayoshi S, Figueiredo ARPd, Neto GH, editors. Órbita, sistema lacrimal e oculoplástica. 1 a ed. cap. 26, 27 e 28. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2008. 3 - Levine MR. Manual de cirurgia plástica ocular. Rio de Janeiro: Rio Medi; 1994. 4 - de Souza FS, de Almeida LN, Costa JP, da Rocha PV, de Almeida Sobrinho EF. Frequency of ocular changes in patients with Hansen s disease living in a colony hospital. Arq Bras Oftalmol. 2005 May-Jun; 68(3):369-72. 5 - Moreno RD, Woods WJ. Prevalência das alterações oculares em pacientes portadores de hanseníase em um hospital colônia no Acre. Arq Bras Oftalmol. 1999; 62(3):254-7. 6 - Brasil. Manual de condutas para complicações oculares. Secretaria de Vigilância em Saúde DdVE, editor. Brasília: Ministério da Saúde; 2003. 7 - Collin JRO. Manual de Cirurgia da Pálpebra. 2 a ed. Rio de Janeiro: Rio Medi; 1994. 8 - Soares EJC, Moura EM, Gonçalves JOR. Cirurgia plástica ocular. São Paulo: Roca; 1997. 9 - Kaynak-Hekimhan P. Noncosmetic periocular therapeutic applications of botulinum toxin. Middle East Afr J Ophthalmol. 2010 Apr; 17(2):113-20. 304