Federal University of Minas Gerais From the SelectedWorks of Eduardo Meira Zauli 2001 A tradicional política de desenvolvimento regional no Brasil e a oportunidade de sua mudança Eduardo Meira Zauli, Dr., Federal University of Minas Gerais Available at: http://works.bepress.com/eduardo_zauli/12/
A tradicional política de desenvolvimento regional no Brasil e a oportunidade de sua mudança Boletim de análise Conjuntura Política, nº27, 2001 Eduardo Meira Zauli Em meio a uma série de denúncias sobre a utilização irregular de recursos públicos, com escândalos envolvendo importantes personalidades da vida política nacional, o presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu-se, por meio de uma medida provisória, pela extinção da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Criadas em 1959 e 1966, respectivamente, essas autarquias inauguraram um modelo centralizador de política de desenvolvimento regional cuja avaliação de resultados pelos especialistas da área tem, há tempos, apontado para a ineficiência e ineficácia daquelas iniciativas institucionais de desenvolvimento regional. Embora com teor variado, a crítica ao modelo das superintendências de desenvolvimento é proveniente não apenas de adversários históricos do planejamento no Brasil, como é o caso de Roberto Campos, mas encontra-se presente também nas avaliações que já há algum tempo Celso Furtado emitia a respeito da atuação da SUDENE no processo de desenvolvimento do nordeste:...essa agência se omitiu face às tendências perversas que se iam definindo, quando sua tarefa precípua era orientar os investimentos subsidiados pelo governo em função dos interesses 1
da população nordestina. (In: O Brasil Pós- Milagre, p.125. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1991) Pois bem, a solução agora vislumbrada pelo governo federal para coibir a malversação de recursos públicos no âmbito das políticas de desenvolvimento regional implementadas pelo poder executivo consiste, além da extinção daquelas superintendências e sua substituição por novas agências, na criação de novos procedimentos para a liberação e a fiscalização da utilização dos recursos alocados em diferentes projetos. Em vez da concentração das funções de análise de projetos; liberação de recursos de investimento; e fiscalização da aplicação dos respectivos recursos em uma única instituição, o que se propõe, sob a inspiração do que no campo da teoria política remonta aos freios e contrapesos da prescrição madisoniana, é um arranjo institucional que consiste na atribuição a mais de uma agência daquelas funções; o que tornaria possível minimizar o risco de perda do poder de agência do executivo federal sobre as entidades encarregadas da execução das políticas de desenvolvimento regional. Embora esta nova formatação institucional possa contribuir para conter a aprovação de projetos do tipo pork-barrel e a elevação da eficácia do gasto governamental na medida em que os recursos públicos liberados pelas agências de fomento do executivo federal sejam de fato destinados a financiar os diferentes projetos de desenvolvimento, restam muitas dúvidas a respeito de sua adequação enquanto instrumento de uma política de desenvolvimento regional em um contexto nacional e internacional marcado pela 2
proliferação de iniciativas de promoção do desenvolvimento em bases descentralizadas e com amplo apoio nas novas teorias sobre o desenvolvimento regional no campo da ciência econômica. No que diz respeito aos novos paradigmas de abordagem da questão do desenvolvimento regional, o surgimento da teoria do crescimento endógeno associado à idéia de que processo de desenvolvimento de cada região deve ser conduzido pelos atores locais e não mais de forma centralizada, em contextos caracterizados pela abertura de oportunidades para que as diferentes regiões definam seus processos de desenvolvimento, tem sido decisivo. O aspecto fundamental que define a ruptura da teoria do crescimento endógeno em relação à teoria tradicional do crescimento relaciona-se com a substituição do axioma dos rendimentos constantes pela noção de rendimentos crescentes no plano macroeconômico. Preservadas no plano micro as funções de produção com rendimentos não crescentes, a solução teórica vislumbrada repousa no recurso às externalidades marshallianas. Assim, fatores/variáveis antes considerados como sendo exógenos na determinação do crescimento são endogenizados, passando a compor a função de produção agregada. De modo que, do ponto de vista regional, estariam abertas aos atores regionais um amplo leque de opções de ação voltadas para a promoção do desenvolvimento. No âmbito externo, chama a atenção particularmente as diversas experiências européias relativamente bem sucedidas de políticas industriais descentralizadas conduzidas pelas Agências de Desenvolvimento Regional (ADRs). Voltadas para o desenvolvimento do 3
potencial endógeno de determinadas áreas geográficas, a disseminação desta alternativa à definição centralizada das políticas industriais corresponde à avaliação da superioridade das políticas de oferta dos entes governamentais subnacionais em relação àquelas tradicionalmente produzidas pelos governos centrais. No contexto nacional também proliferam as iniciativas descentralizadas, principalmente estaduais, de políticas de desenvolvimento regional fundamentalmente voltadas para a atração de novos investimentos. Neste caso, contudo, os resultados estão aquém daqueles alcançados pelas ADRs européias. Isto se deve provavelmente ao fato de que ao contrário daquelas experiências internacionais, as políticas de desenvolvimento regional dos estados no Brasil acabaram por conformar um quadro de competição territorial entre os estados brasileiros de caráter soma-zero (quando não de desperdício de recursos) em que os contendores têm-se limitado basicamente a oferecer vantagens creditícias, fiscais e em investimentos de infra-estrutura, dentre outros, visando influir nas decisões de localização de investimentos de agentes privados. Entretanto, o abuso da utilização isolada do mecanismo da renúncia fiscal nas estratégias de desenvolvimento estaduais, cuja avaliação demandaria a realização de análises custo-benefício apropriadas, entre outros aspectos está contribuindo para a deterioração das finanças públicas daqueles entes subnacionais de modo a inviabilizar a intervenção do poder público em determinadas áreas consideradas prioritárias do ponto de vista de uma concepção ampla de desenvolvimento regional. Ao contrário daquilo que se 4
observa nas políticas mais bem sucedidas de planejamento do desenvolvimento regional implementadas pelas ADRs européias, as políticas de incentivos executadas pelos estados no Brasil têm enfatizado a atração de novos investimentos com base tão somente na concessão de benefícios localizados, observando-se um relativo descuido tanto em relação à execução de políticas horizontais voltadas tanto para a produção de economias externas positivas do ponto de vista da elevação da competitividade sistêmica da economia regional, quanto para o melhor aproveitamento de possíveis vantagens comparativas locais. De maneira que se as políticas de desenvolvimento regional executadas pela União e pelos estados não estão produzindo os resultados inicialmente esperados, isto se deve mais à inadequação das estratégias de ação executadas do que ao imobilismo por parte do poder público no sentido da promoção de uma revisão na distribuição dos benefícios do processo de desenvolvimento nacional. Em se tratando de uma administração no âmbito da qual foram desencadeadas um grande número de ações orientadas no sentido de promover um processo de descentralização de políticas públicas em favor de estados e municípios, poder-se-ia esperar que o governo Fernando Henrique Cardoso aproveitasse a ocasião da extinção da SUDENE e da SUDAM para introduzir uma mudança significativa na tradicional política de desenvolvimento regional no Brasil coerente, tanto com as evidências empíricas que apontam para o caráter bem sucedido de experiências de desenvolvimento regional 5
descentralizadas, quanto com os últimos avanços teóricos na área dos estudos sobre o desenvolvimento econômico. 6