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Luxação traumática bilateral do quadril Relato de dois casos e revisão bibliográfica* RUDELLI SERGIO ANDREA ARISTIDE 1, EMERSON HONDA 2, NELSON ONO 3, WALTER JOSÉ HAGUIARA 3, GIANCARLO POLESELLO 4, MARCOS SANMARTIN FERNANDES 4, MÚCIO BRANDÃO VAZ DE ALMEIDA 5 RESUMO Os autores relatam dois casos de luxação traumática bilateral do quadril que foram atendidos e tratados no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de São Paulo, Pavilhão Fernandinho Simonsen. Discutem esta rara lesão traumática; fazem uma revisão da literatura e enfatizam a importância de sua redução precoce e o tratamento adequado das fraturas, quando associadas. SUMMARY Bilateral traumatic luxation of the hip: report of two cases and literature review The authors report two cases of bilateral traumatic dislocation of the hip, which were treated at Departamento de Ortopedia e Traumatologia de São Paulo, Pavilhão Fernandinho Simonsen. They discuss this rare traumatic lesion, review the literature and emphasize the importance of early reduction of dislocations and the treatment of the associated fractures. INTRODUÇÃO A luxação traumática do quadril é uma lesão rara, respondendo por cerca de 1 a 2% dos casos de luxação de quadril (8,11,14,16,20,22,24-26). * Trab. realiz. no Dep. de Ortop. e Traumatol. da Santa Casa de São Paulo (Pavilhão Fernandinho Simonsen Diretor: Prof. Dr. José Soares Hungria Neto), Grupo de Quadril. 1. Prof. consultor do Departamento. 2. Chefe do Grupo de Quadril. 3. Médico Assistente. 4. Médico Residente. 5. Médico Estagiário do Grupo de Quadril. 262 O primeiro caso relatado na literatura foi em 1823, por Sir Astley Cooper; desde então, aproximadamente 200 casos foram publicados (2,7,19,28,30,32,33). Nas três maiores séries estudadas, os autores encontraram 12 casos bilaterais dos 957 notificados, correspondendo a 1,25% das luxações traumáticas do quadril e 0,025% a 0,05% das luxações traumáticas de maneira geral (9,25,28,30). Verificou-se estatisticamente em várias séries que em cerca de 50% dos casos ambos os quadris luxam para posterior; em 40%, há deslocamento de um quadril para anterior e do outro para posterior, enquanto que em apenas 10% o quadril luxa para anterior bilateralmente (5,18,22). Chiletti & Tammaro fizeram uma classificação para estas lesões traumáticas, levando em conta a sede da luxação, dividindo-as em: simétrica anterior, simétrica posterior e assimétrica; a1ém de distingui-las em luxações puras, com fratura do rebordo acetabular, fratura da cabeça e/ou do colo femoral (5). Este trabalho tem como objetivo mostrar e discutir esta rara entidade traumática, relatando dois casos atendidos e tratados em nosso serviço. RELATO DOS CASOS Caso 1 Paciente masculino, 39 anos, branco, motorista, vítima de acidente automobilístico no dia 23/3/93, sofrendo fraturaluxação posterior do quadril esquerdo e luxação anterior do quadril direto (figs. 1 e 2). Apresentou ainda ferimento cortocontuso no antebraço, joelho e tornozelo direitos. Após os primeiros cuidados, foi realizado estudo com tomografia axial computadorizada (fig. 3). Realizou-se à admissão redução da luxação bilateral dos quadris, seguida de instalação de tração transesquelética à esquerda e tração cutânea de Buck à direita, duas horas após o acidente.

LUXAÇÃO TRAUMÁTICA BILATERAL DO QUADRIL. RELATO DE DOIS CASOS E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Fig. 3 Caso 1. Corte tomográfico: grande fragmento do rebordo posterior do acetábulo esquerdo. Figs. 1 e 2 Caso 1. Observem-se luxações anterior pura à direita e fratura - luxação posterior do quadril esquerdo. O paciente foi operado cinco dias após o acidente; através de uma via de Kocher-Langenbeck, foi feita redução da fratura do rebordo posterior do acetábulo direito e fixação com dois parafusos interfragmentários e uma placa DCP estreita moldada (sete furos) funcionando como suporte (fig. 4). Durante o ato operatório, foi constatada presença de vários corpos intra-articulares provenientes da região anterior da cabeça femoral, os quais foram retirados. Conseguiu-se redução anatômica da fratura, confirmada por radiografias feitas intra-operatoriamente. O tempo cirúrgico foi de três horas, com perda sanguínea de 375ml. Instalados drenos de sucção, que foram retirados em 48 horas, com débito sanguíneo de 210ml. A partir do segundo dia de pós-operatório, iniciaram-se exercícios passivos e ativos, com auxílio de um balancim. Um ano após o acidente, o paciente encontra-se bem, assintomático, tendo retornado às suas atividades normais. A movimentação articular é boa, com discreto déficit da abdu- Fig. 4 Caso 1. Radiografia de bacia: redução anatômica da fratura acetabular esquerda Figs. 5 e 6 Caso 1. Bom resultado clínico do paciente, um ano de PO. ção e rotação interna do quadril esquerdo e déficit moderado à direita (figs. 5 e 6). Ao exame radiográfico, evidencia-se manutenção do espaço da articulação coxofemoral e ausência de sinais de necrose da cabeça femoral. 263

R.S.A. ARISTIDE, E. HONDA, N. ONO, W.J. HAGUIARA, G. POLESELLO, M.S. FERNANDEZ & M.B.V. ALMEIDA Fig. 9 Caso 2. Note-se, através do corte tomográfico, presença de peque nos corpos livres intra-articulares. Figs. 7 e 8 Caso 2. Fratura-luxação discordante dos quadris. Caso 2 Paciente do sexo masculino, 50 anos, branco, jornaleiro, vítima de acidente automobilístico no dia 2/5/93, sofrendo fratura-luxação bilateral do quadril. À esquerda, apresentou luxação posterior do quadril, associada a fratura transversal do acetábulo, e ainda lesão do ligamento cruzado posterior com neuropraxia do fibular comum. No lado contralateral, ou seja, à direita, apresentou luxação do quadril, associada a fratura-avulsão do rebordo posterior do acetábulo. Sofreu também trauma abdominal e torácico (figs. 7 e 8). Como avaliação complementar das lesões esqueléticas, foi realizado estudo com tomografia axial computadorizada (fig. 9). À admissão, foi submetido a drenagem torácica de urgência, devido à presença de um pneumotórax hipertensivo. Realizada ainda videolaparoscopia, que constatou hematoma retroperitoneal. Do ponto de vista ortopédico, foi realizada redução incruenta das luxações do quadril sob anestesia 264 Fig. 10 Caso 2. Radiografia de bacia após tratamento cirúrgico. geral, com subseqüente instalação de tração transesquelética no fêmur esquerdo, aproximadamente seis horas após o acidente. Realizou-se somente tratamento cirúrgico do quadril esquerdo, pois a pequena fratura do rebordo posterior do acetábulo direito não gerou instabilidade do quadril após a redução da luxação. A cirurgia do quadril esquerdo foi realizada apenas 23 dias depois do acidente, devido a um quadro pneumônico apresentado pelo paciente. Efetuou-se sua exploração através da via de Kocher-Langenbeck, sendo associada uma osteotomia do grande trocanter, para melhor abordagem. Foram evidenciados pequenos corpos livres intra-articulares, além de subluxação superior da cabeça femoral e fratura do rebordo posterior do acetábulo. Foram retirados os corpos livres e o rebordo posterior do acetábulo, pois este era pequeno, não criando instabilidade do quadril. Realizada redução da fratura transversa do acetábulo e fixação com pa- Rev Bras Ortop - Vol. 30, Nº 4 - Abril, 1995

LUXAÇÃO TRAUMÁTICA BILATERAL DO QUADRIL. RELATO DE DOIS CASOS E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Figs. 11 e 12 Caso 2. Boa evolução clínica um ano após o tratamento cirúrgico. rafusos interfragmentários e colocação de placa DCP estreita moldada de pequenos fragmentos (sete furos), funcionando como suporte. Foi conseguida redução anatômica, confirmada por radiografias intra-operatórias. O grande trocanter foi fixado com dois parafusos de esponjosa standard (fig. 10). O tempo cirúrgico foi de 135 minutos, com perda sanguínea de 280ml. A drenagem de sucção pós-operatória foi de 300ml. Instalado balancim no segundo dia de pós-operatório, quando se iniciaram exercícios passivo e ativo dos quadris. Um ano após o acidente, o paciente encontra-se bem, com queixas de dores esporádicas no quadril esquerdo, estando assintomático em relação ao direito. A mobilidade do quadril esquerdo encontra-se com discreta limitação da flexão e rotação interna e a do direito, com discreta limitação da adução e rotação interna (figs. 11 e 12). Ao exame radiográfico, observa-se manutenção do espaço articular e ausência de sinais de necrose da cabeça femoral. DISCUSSÃO Como visto com nossos dois pacientes, a maioria dos casos publicados de luxação traumática bilateral do quadril e devida a acidentes automobilísticos (25). Esta entidade traumática freqüentemente ocorre em pacientes politraumatizados, geralmente acidentes graves em que outras fraturas são observadas. Dentre estas últimas, a fratura associada de fêmur é comumente encontrada (17,22,27). No entanto, quando esta fratura está presente, não raramente luxações do quadril passam despercebidas (9,12,25,33). Na maioria das luxações, 54 a 79% dos casos, fraturas associadas da cabeça femoral e/ou acetábulo estão presentes (1,18,23,25,31,32). AS fraturas associadas do rebordo acetabular posterior têm relação com a reação instintiva de defesa do indivíduo, consistindo na tentativa de extensão dos membros inferiores no momento do trauma (5). O mecanismo do trauma nas luxações discordantes, ou seja, desvio de um quadril para anterior e do outro para posterior, é explicado pela posição adotada pelos motoristas para acomodarem-se num pequeno espaço do veículo: trauma direto em cada joelho, estando um em flexão, adução e rotação interna e o outro em flexão, abdução e rotação externa, causando respectivamente luxação posterior e anterior do quadril (6,11). O tratamento e o prognóstico das luxações traumáticas de quadril bilateral parecem ser o mesmo que para lesões unilaterais (14,15). O aspecto mais importante do tratamento das luxações traumáticas é a redução precoce na tentativa de prevenir a necrose avascular da cabeça femoral (4,20,22). Bayumi (13), Epstein (9), Watson-Jones (32) e outros (1,3,10,12,27,29) recomendam a redução aberta imediata da luxação; no entanto, a tentativa de redução fechada sob anestesia geral deve ser tentada, já que uma cirurgia adicional aumenta os riscos de um paciente politraumatizado (25). As radiografias planas são suficientes para uma boa avaliação do tipo de fratura e diagnóstico de luxação; no entanto, pequenas fraturas do rebordo acetabular e principalmente presença de corpos livres intra-articulares podem passar despercebidos, sendo melhor avaliadas pela tomografia axial computadorizada (TAC). Desse modo, sempre que possível fazer uma TAC, já que é um método diagnóstico complementar importante, o melhor para identificar corpos livres dentro da articulação (14,21,25,31). A utilização e o tempo de tração após a redução de uma luxação pura do quadril são controversos; no entanto, a maioria dos autores recomenda seu uso por período que varia de oito dias a seis semanas (15,16). Existem várias complicações inerentes a este tipo de lesão traumática, podendo-se dividi-las em precoces e tardias. Das imediatas, podemos citar: fraturas do rebordo acetabular e cabeça femoral; paralisia do nemo ciático, embolia pulmonar por compressão da veia femoral; infecção de hematoma glúteo (sangramento da artéria glútea ou do ligamento redondo); hérnia inguinal ou crural pós-traumática; interposição capsuloligamentar de partes musculares ou ósseas entre a cabeça femoral e acetábulo. Dentre as principais complicações tardias, podemos citar a artrose pós-traumática, que esta presente em cerca de 17 a 30% dos casos, podendo au- 265

R.S.A. ARISTIDE, E. HONDA, N. ONO. W.J. HAGUIARA, G. POLESELLO. M.S. FERNANDEZ & M.B.V. ALMEIDA mentar naqueles indivíduos que apresentam associação de fraturas do rebordo acetabular ou da cabeça femoral (14,20,30). A necrose asséptica da cabeça femoral pode também ser vista, estando relacionada com a demora da redução da luxação do quadril (4,8,14,28,30). É importante ressaltar que esta complicação pode acontecer até cinco anos após a lesão, devendo estes pacientes ser acompanhados por longos períodos de tempo (16). A lesão do nervo ciático é verificada em 10 a 14% das luxações, enquanto a miosite ossificante está presente em apenas 2% dos casos (14,15). Portanto, essas lesões devem ser diagnosticadas precocemente com um exame clínico acurado, radiografias bem feitas e tomografia axial computadorizada sempre que possível. As reduções devem ser feitas o mais rapidamente e as fraturas associadas, caso estejam presentes e necessitem de tratamento cirúrgico, devem ser a este submetidas, tão logo o paciente tenha condições clínicas. REFERÊNCIAS 1. 2. Barclay, S.: Bilateral dislocation of the hip. N Z Med J 48:310, 1949. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. Armstrong, J.R.: Traumatic dislocation of the hip joint. A review of one hundred and one dislocations. J Bone Joint Surg [Br] 30:430, 1948. Bornnemaison, M.F.E. & Henderson, E.D.: Traumatic anterior do dislocation of the hip with acute femoral occlusion in a child. J Bone Joint Surg [Am] 50:753, 1968. Brav, E.A.: Traumatic dislocation of the hip: Army experience and results over a twelve year period. J Bone Joint Surg [Am] 44: 1115, 1962. Chiletti, L. & Tammaro, C.: Lussazione traumatica bilaterale d'anca. Chir Organi Mov 67:575-578, 1981. Civil, I.D.S. & Tapsell. 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