Alimentação Se o feijão faz bem, porque não o. produzimos? Sociedade, 12/13

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Transcrição:

Alimentação Se o feijão faz bem, porque não o produzimos? Sociedade, 12/13

Comer feijoada é bom para perder peso? Portugueses comem menos leguminosas do que o recomendado. Universidade de Lisboa organiza conferência amanhã para discutir como será possível aumentar o consumo e a produção Alimentação Alexandra Prado Coelho Quando a nutricionista Isabel do Carmo sugere a um dos seus pacientes que coma, por exemplo, uma feijoada ou um prato de racho num regime alimentar em que o objectivo é perder peso, recebe muitas vezes um olhar surpreendido. Feijoada não é um prato que associemos a dieta. E, no entanto, diz, "tanto o feijão como o grão são bons para perda de peso". Porquê? "Têm menos calorias, para o mesmo peso, do que massa ou arroz", explica. O que significa que se pode comer uma quantidade um pouco superior, ficando mais saciado. "Dão maior saciedade e, portanto, maior satisfação". Isabel do Carmo, fundadora da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, é uma das oradoras na mesa-redonda da l. a Conferência Anual do Colégio F

Os portugueses comem menos leguminosas do que o recomendado - estas deveriam representar 4% da roda dos alimentos e não representam mais do que 0,7%. Isabel do Carmo nota resistências quando fala no tema, sobretudo da parte dos jovens. "Quando as leguminosas são secas, têm uma confecção mais morosa porque é preciso pô-las de molho na véspera, e esse foi um factor que levou as pessoas a abandoná-las." Há, contudo, os enlatados, que "perdem alguma qualidade mas ainda conservam bastante". Depois há a questão do tempo. Feijoada não éfastfood. É um prato que se come devagar e que se digere devagar. "0 feijão tem amido resistente, que, como o nome indica, resiste à acção das enzimas digestivas. E isso não só dá uma maior sensação de saciedade como diminui a absorção dos hidratos de carbono", explica a nutricionista. Consumo de carne aumenta Mas, atenção, a ideia não é comer uma daquelas feijoadas cheias de carnes e em que o feijão é apenas um acompanhamento. É fundamental que o aumento do consumo de leguminosas seja acompanhado por uma diminuição do consumo de proteína animal. O que trouxe um grande desequilíbrio à nossa alimentação nas últimas décadas foi precisamente o enorme aumento da carne. Numa tese sobre os benefícios económicos e ambientais da expansão da produção de feijão e grão-de-bico, Maria da Piedade Malheiro, do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, traça um quadro que nos permite perceber o que aconteceu: entre 1970 e 2000, o consumo de carne aumentou cerca de 70% e o de leguminosas caiu 55,5%. Ou seja, a proteína vegetal foi substituída - e ultrapassada em muito - pela animal. E juntamente com a proteína animal vem a gordura animal, que hoje consumimos em excesso. A par disso, comendo menos leguminosas, ingerimos também menos fibra. O tremoço e a soja Apesar de o feijão e o grão serem os mais consumidos em Portugal, as lentilhas, as favas e as ervilhas são também recomendadas por Isabel do Carmo. "Temos necessidade de aminoácidos essenciais que o organismo não fabrica. As leguminosas são ricas nisso, embora não tanto como a carne ou o leite. Mas pode-se conjugar as duas coisas numa dieta equilibrada." E depois há o tremoço, bastante popular em Portugal, que tem a vantagem de ter, no nosso organismo, "uma absorção muito pequena de hidratos de carbono em relação ao seu volume, o que significa uma diminuição da absorção de açúcar". Já a soja - que Portugal não produz - não entusiasma a nutricionista. "Nós, povos da Europa, da Península Ibérica, não temos os organismos habituados ao consumo de soja", como acontece com alguns povos asiáticos. Por isso, diz, não faz muito sentido introduzi-la agora com um papel importante na nossa alimentação. Objectivo das Nações Unidas Com Isabel do Carmo na mesa-redonda da l. a Conferência Anual do Colégio F

leguminosas "libertavam o azoto lentamente, enquanto os adubos, se forem postos de uma só vez, perdem -se em parte e esse excesso vai para as águas, dado que o azoto é muito solúvel". O resultado? Chama-se eutrofização costeira e significa que as algas se desenvolvem muito com o azoto, disponível em excesso vindo dos terrenos agrícolas, e quando morrem decompõem-se num processo que usa o oxigénio, o que leva à morte de peixes. Esta é, sublinha o professor, "uma das principais causas da perda de biodiversidade nas zonas costeiras". Os números são muito claros: se o consumo de leguminosas foi caindo em Portugal desde os anos 70, já a produção caiu a pique. "A produção em 1970 era de um pouco mais de 50 mil toneladas e actualmente anda pelas três mil toneladas [por ano]", resume José Lima Santos, professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA) e membro do Colégio 3F da Universidade de Lisboa (ver texto ao lado), citando números de uma tese que orientou, da autoria de Maria da Piedade Malheiro, centrada no feijão e grão-de-bico em Portugal. 0 facto de o consumo ter caído menos do que a produção leva a que o país tenha hoje de importar leguminosas. "Não foi por falta de consumo que a produção caiu abruptamente", afirma Lima Santos. Para este especialista, a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) em 1992 pode ajudar a explicar em parte o fenómeno, por ter privilegiado o cultivo de cereais em detrimento das leguminosas. Houve também, a partir da década de 70, uma enorme quebra de mãode-obra na agricultura - e culturas "Não foi por falta de consumo que a produção caiu abruptamente" tradicionais como as que, no Norte do país, juntavam o feijão e o milho exigiam muitos braços para trabalhar. Por fim, a introdução dos adubos azotados de fabrico industrial veio substituir aquela que é uma das grandes funções das leguminosas: ajudar a fixar o azoto no solo, de forma natural (ver caixa). Os agricultores deixaram de precisar delas e, dado que não eram economicamente competitivas, abandonaram-nas. Eduardo Diniz, director do Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura, Florestas e do Desenvolvimento Rural, confirma a queda aparatosa da área agrícola destinada às leguminosas. "Temos actualmente dez mil hectares, o que representa uma queda de quase 90%, sobretudo na Beira Litoral e Entre Douro e Minho." Houve, por outro lado, uma "reconfiguração geográfica" com um aumento relativo da área no Alentejo. E enumera os países dos quais Portugal mais importa: Argentina, China e Canadá, "os grandes produtores mundiais". "As leguminosas secas foram sempre uma cultura secundária, geralmente associada aos cereais, e o grande baque das leguminosas acompanha o dos cereais", diz. Entretanto, a PAC sofreu novas reformas e a última valoriza mais a componente ambiental, obrigando os produtores a reservar uma área para fins ambientais. Eduardo Diniz vê aí uma oportunidade, já que os produtores podem aproveitar essa área "ambiental" para plantar leguminosas que vão fixar o azoto nos solos. E acredita, por outro lado, que a União Europeia continuará a evoluir nestas questões. "Tal como já se integraram mais questões ambientais, no futuro vão integrar-se preocupações ligadas à alimentação." Quais deverão então ser as apostas de Portugal para aumentar a produção? Lima Santos refere a possibilidade de criar um imposto sobre as emissões de gases nocivos pelo uso de adubos azotados, mas reconhece que é difícil monotorizar cada produtor. Taxar os adubos pode também ser injusto, porque "há formas de usar o adubo criando pouca poluição". Outra possibilidade seria a criação

de apoios agro-ambientais para quem integrasse leguminosas na produção. Eduardo Diniz afirma, por seu lado, que a aposta tem de ser numa "dupla estratégia": desenvolver nichos de qualidade, diferenciadores, que podem passar por variedades tradicionais e, nas zonas com mais terreno, apostar numa produção em maior escala que possa vir a ser concorrencial com as leguminosas que importamos actualmente. A.P.C. Área agrícola para leguminosas é agora de dez mil hectares, o que representa uma redução de 90% desdel97o