Actas do 6 Congresso Nacional de Psicologia da Saúde Organizado por Isabel Leal, José Pais Ribeiro, e Saul Neves de Jesus 2006, Faro: Universidade do Algarve Estratégias de coping e adaptação à vida acadêmica em estudantes universitários da cidade de Viseu ETA SOB AL COSTA ISABEL LEAL De acordo com Leitão, Paixão, Silva, e Miguel (2000a, 2000b), o desenvolvimento humano implica inúmeros desafios, múltiplas transições, mudanças e reorganizações para fases e/ou estruturas mais estáveis, necessitando, para que sejam bem sucedidas, da articulação de respostas de coping que, por sua vez, impõem a antecipação de conseqüências possíveis, desejadas ou não. Estas respostas envolvem o processamento eficaz de grandes quantidades de informação, que comporta ainda uma componente afectiva, geradora de ligações-separações, e que, com o suporte adequado no ambiente acadêmico, são capazes de transformar os desafios em situações potencializadoras de desenvolvimento pessoal. Uma investigação sobre as estratégias de coping e a sua relação com a variável adaptação nos adolescentes do ensino secundário (Arcas & 739
0 CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE Manzano, s/d) concluiu que, em geral, na amostra estudada («=213), as estratégias denominadas activas, mais concretamente a busca de soluções, se correlacionam positivamente com as habilidades sociais e com a adaptação escolar e pessoal, enquanto que as estratégias chamadas passivas (de evitação) apresentam relação negativa com a adaptação, isto é, aqueles sujeitos que menor adaptação global têm, apresentam um maior uso de estratégias passivas, evitando um confronto directo da situação. Este estudo encontrou como variáveis preditoras da adaptação, as habilidades sociais e o coping activo. Ferreira (1993), no seu estudo acerca da importância do coping no rendimento escolar, encontrou, entre os alunos com melhores médias escolares, um maior confronto com os problemas e a realização de mais tentativas para os resolver, um sentimento de maior controlo das emoções, uma maior auto-responsibilização e receio das conseqüências. No entanto, o estudo revelou que um maior abandono passivo às situações, e uma maior tendência para a procura de ajuda, são os factores que mais contribuem para a predição das piores médias escolares. Num estudo realizado com 145 alunos do 2 ano de diferentes licenciaturas (Costa & Leal, 2004) verificou-se que estes utilizavam mais as estratégias de controle, suporte social e conversão/planificação, que são precisamente os aspectos positivos do coping, e que reflectem aspectos adaptativos, sendo que estas estratégias parecem favorecer a maioria dos aspectos de adaptação acadêmica na amostra estudada. Santos (2000) acredita que as relações informais estabelecidas fora da sala de aula, com pares, professores e funcionários funcionam como um apoio social que facilita a aprendizagem e a integração acadêmica. Esta autora, ao estudar a adaptação acadêmica, encontrou níveis mais elevados de auto-percepção positiva junto dos alunos do sexo feminino nas dimensões Adaptação ao Curso, Gestão do Tempo, Métodos de Estudo e Relacionamento com a Família. O presente estudo exploratório teve como objectivo analisar as estratégias de coping utilizadas pelos jovens e o seu funcionamento em termos de adaptação acadêmica. 740
ESTRATÉGIAS DE COPING E ADAPTAÇÃO A VIDA ACADÊMICA MÉTODO Participantes Participaram deste estudo 401 alunos (de ambos os sexos), inscritos no ano lectivo de 2003/2004 no segundo ano das diferentes licenciaturas das três instituições superiores da cidade - Instituto Piaget («=175; 43.6%), Instituto Politécnico («=193; 48.1%) e Universidade Católica («=33; 8.2%), sendo 109 (27.2%) do sexo masculino e 292 (72.8%) do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 18 e os 37 anos, com uma média total de 21.3 anos (dp= 2.29). Instrumentos O protocolo de avaliação utilizado foi constituído por uma Caracterização Sócio-Demográfica e dois questionários: o Questionário de Vivências Acadêmicas - QVA (Almeida & Ferreira, 1997) e a Escala Toulousiana de Coping - ETC (Esparbès, Sordes-Ader, & Tap, 1993). O Questionário de Vivências Acadêmicas é constituído por 170 itens, distribuídos por 17 subescalas que cobrem, relativamente à adaptação dos estudantes ao contexto universitário, dimensões pessoais, acadêmicas e institucionais. Os estudos de validação do QVA revelam que o instrumento apresenta qualidades psicométricas adequadas, nomeadamente os coeficientes de consistência interna dos itens (alfa de Cronbach) apresentam valores aceitáveis. A Escala Toulousiana de Coping permite analisar a forma como os sujeitos fazem face às situações difíceis com as quais se confrontam. Na versão utilizada no presente estudo apresenta cinco subescalas: controle, com 15 itens, distracção e recusa, com 12, suporte social, com sete, retraimento, com oito e conversão e aditividade, com oito itens. Os estudos de validação revelaram que o instrumento apresenta qualidades psicométricas adequadas, com «=0.79 para a escala total. 741
6 CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE RESULTADOS Buscou-se inicialmente, definir, entre as estratégias de coping, quais eram as mais utilizadas pelos jovens em estudo. Para isso, recorreu-se às médias e respectivos desvios padrão, e os resultados (juntamente com a descrição de cada estratégia) são os seguintes: Controle (M=3,56; dp=0,49) - implica o auto-controle da situação, a coordenação dos comportamentos ou actividades e a contenção das emoções; Suporte Social (M=3,50; dp=0,6q) - abrange o pedido, desejo ou necessidade de ajuda em termos cooperativos, cognitivos e afectivos; Retraimento (Aí=2,86; dp=0,56) - implica uma tendência para se isolar do mundo exterior, um esforço para não pensar no problema ou a dificuldade em descrever as emoções e sentimentos (alexitimia); Distracção e Recusa (M=2,78; dp=q,5q) - significa agir como se o problema não existisse, desenvolver actividades para se distrair ou 'esquecer' o problema; Conversão e Aditividade (A/=2,52; dp=0,5\) - engloba a mudança, a nível dos comportamentos (em função do problema) ou das posições cognitivas (que permitam aceitar a situação ou aprender a viver com ela), a centralização nas formas de resolver o problema, após analisá-lo, e ainda a adopção de comportamentos de compensação (drogas, medicamentos, tabaco). No que se refere à adaptação acadêmica em função do sexo dos alunos, foram encontradas diferenças significativas em oito subescalas, a saber: Adaptação ao Curso, Métodos de Estudo, Gestão do Tempo e Relacionamento com a Família (onde as raparigas se mostraram mais adaptadas que os rapazes), e Ansiedade nas Avaliações, Auto-Confiança, Bem-Estar Psicológico, Envolvimento em Actividades Extracurriculares (com média superior entre os rapazes). 742
ESTRATÉGIAS DE COPING E ADAPTAÇÃO À VIDA ACADÊMICA A seguir, de modo a determinar melhor as estratégias de coping que poderiam predizer a adaptação acadêmica, realizou-se uma análise de regressão linear com o método stepwise na qual o modelo obtido incluiu quatro estratégias (o Controle, o Retraimento, o Suporte Social e a Conversão/Adictividade), que explicam 43% da variância daquela dimensão na dependência directa do Controle e do Suporte Social e inversa do Retraimento e da Conversão/Adictividade (y=501,53+0,399x 1-0,354x 2 +0,130x 3-0,l 10x 4, onde: y=adaptação Acadêmica; Xj=Controle; x 2 =Retraimento; x 3 =Suporte Social; x 4 =Conversão/Adictividade). Quadro l Estratégias de coping preditoras da adaptação acadêmica Variável Dependente Preditores Beta ^(4,396) t P Adaptação Acadêmica (R2Aj.=0,43) Controle Retraimento Suporte Social Conversão/Adictividade 0,39-0,35 0,13-0,11 78.14 90,83 O.0001-8,75 <0,0001 3,24 0,001-2,75 0,006 DISCUSSÃO Como se pode observar pela leitura dos resultados, os alunos estudados utilizam mais as estratégias de controle e de suporte social, que são precisamente os aspectos positivos do coping, e que reflectem o lado adaptativo, embora, segundo os autores da escala utilizada, determinadas dimensões, em particular a conversão comportamental, a conversão pelos valores, a distracção e a aceitação, devam ser consideradas de forma ambivalente, servindo de mediadoras entre os modelos positivo e negativo de coping (Esparbès, Sordes-Ader, & Tap, 1993). É importante ter-se em conta o facto de que as estratégias utilizadas são eficazes quando proporcionam uma boa adaptação do sujeito à situação ou evento stressante, reduzindo a tensão sentida, isto é, uma estratégia que pode ser adaptativa numa situação, noutra é passível de não produzir o mesmo efeito.
6 CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE Ao investigar-se o efeito do sexo na adaptação acadêmica dos estudantes, as diferenças encontradas corroboram o estudo feito por Santos (2000) com o mesmo instrumento utilizado na presente investigação, onde se encontrou níveis mais elevados de auto-percepção positiva junto dos alunos do sexo feminino nas subescalas Adaptação ao Curso, Gestão do Tempo, Métodos de Estudo e Relacionamento com a Família. As estratégias de coping influem na adaptação do sujeito, uma vez que o seu objectivo principal é a diminuição da probabilidade da situação stressante causar algum prejuízo e a redução das reacções emocionais negativas. Portanto, como já se referiu anteriormente, as estratégias de coping são eficazes quando servem ao propósito do sujeito de reduzir a tensão ocasionada pelo evento stressante, de forma a conseguir adaptar-se à nova situação. O modelo de regressão obtido para determinar as estratégias de coping que poderiam predizer a adaptação acadêmica incluiu quatro destas estratégias (o Controle, o Retraimento, o Suporte Social e a Conversão/ /Adictividade). Este resultado corrobora o encontrado por Arcas e Manzano (s/d), que encontraram como variáveis preditoras da adaptação, as habilidades sociais e o coping activo. REFERÊNCIAS Almeida, L. S., & Ferreira, J. A. G. (1997). Questionário de Vivências Acadêmicas (Q.V.A.). Braga: Universidade do Minho (Centro de Estudos em Educação e Psicologia. Arcas, J. F. A., & Manzano, S. G. (s/d.). Un estúdio sobre los estilos y estratégias de afrontamiento y su relación con Ia variable adaptación en adolescentes de secundaria. Consultado em l O de Fevereiro de 2004 através de http://www.psicologiacientifica.com/articulos/ar-arjonao l.htm Costa, E., & Leal, I. (2004). Estratégias de coping e adaptação à vida acadêmica em estudantes universitários de Viseu. In Cd-Room, Actas das II Jornadas de Psicologia: Desenvolvimento e Risco. Almada: Instituto Piaget. '44
ESTRATÉGIAS DE COPINO E ADAPTAÇÃO À VIDA ACADÊMICA Esparbès, S., Sordes-Ader, F., & Tap, P, (1993) Présentation de 1'échelle de coping. In Actes de Ias Journées du Laboratoire Personnalisation et Changements Sociaux (pp. 89-107). St. Criq: Université de Toulouse -Le-Mirail. Ferreira, I. M. C. (1993). Importância do coping no rendimento escolar. Psiquiatria Clínica, 14(3), 187-195. Leitão, L. M., Paixão, M. P., Silva, J. T., & Miguel, J. P. (2000a). Apoio psicossocial a estudantes do ensino superior: do modelo teórico aos níveis de intervenção. Psicologia, XIV(2), 123-147. Leitão, L. M., Paixão, M. P., Silva, J. T., & Miguel, J. P. (2000b). Viagem ao futuro: programa de desenvolvimento vocacional de apoio à transição ensino secundário-ensino superior. In A. P. Soares, A. Osório, J. V. Capela, L. S. Almeida, R. M. Vasconcelos, & S. M. Caires (Eds.), Transição para o ensino superior (pp. 213-222). Braga: Universidade do Minho. Santos, L. T. M. (2000). Vivências acadêmicas e rendimento escolar: Estudo com alunos universitários do l"ano. Dissertação de Mestrado, Braga: Universidade do Minho. 745