Sobre espaços vetoriais associados a divisores em corpos de funções algébricas

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Transcrição:

Sobre espaços vetoriais associados a divisores em corpos de funções algébricas Luciana Yoshie Tsuchiya Universidade Federal de Uberlândia - Faculdade de Matemática Graduanda em Matemática - Programa de Educação Tutorial luyoshie@ gmail. com Otoniel Nogueira da Silva Universidade Federal de Uberlândia - Faculdade de Matemática Graduando em Matemática - Programa de Educação Tutorial otonielocf@ yahoo. com. br Cícero Fernandes de Carvalho Universidade Federal de Uberlândia - Faculdade de Matemática Professor Titular cicero@ ufu. br Resumo: Nesse trabalho apresentaremos resultados sobre certos espaços vetoriais associados a divisores num corpo de funções algébricas de uma variável. Tais espaços são conhecidos como espaços de Riemann-Roch de um divisor. Inicialmente apresentaremos os conceitos básicos da teoria de corpos de funções, como lugares, valorizações, anéis de valorização, etc. Finalmente apresentaremos os teoremas de Riemann e de Riemann-Roch, juntamente com algumas de suas consequências. 1 Introdução Um corpo de funções algébricas F K de uma variável sobre K é uma extensão de corpos F K tal que F é uma extensão finita de K(x) para algum elemento x F transcendente sobre K. Por ocorrer naturalmente em vários campos da matemática, tais como geometria algébrica, teoria dos números e teoria das superfícies compactas de Riemann seu estudo pode ser feito sobre vários aspectos, sendo que nesse trabalho fizemos uma abordagem puramente algébrica. Os resultados que apresentaremos são de grande importância também na teoria dos códigos corretores de erros. De fato, em 1981, o matemático russo Valerii Denisovich Goppa utilizou-os para a construção de uma grande classe de códigos interessantes, sendo que o teorema de Riemann-Roch, naquela teoria, fornece estimativas para os principais parâmetros dos códigos, como dimensão e distância mínima. 2 Iniciaremos um estudo de alguns conceitos básicos da teoria de corpos de funções algébricas, que são necessários para a compreensão dos resultados que queremos apresentar. Denotaremos por K um corpo arbitrário.

74 FAMAT em Revista 2.1 Corpos de Funções Algébricas Definição 2.1. Um corpo de funções algébricas F K de uma variável sobre K é uma extensão de corpos F K tal que F é uma extensão algébrica (finita) de K(x) para algum elemento x F que é transcendente sobre K. Para efeito de abreviação nos referiremos a F K apenas como corpo de funções algébricas. Definição 2.2. Considere o conjunto K = {z F : z é algébrico sobre K}, que é um subcorpo de F, já que a soma, o produto e o inverso de elementos algébricos são também algébricos. K é chamado de corpo das constantes de F K. Temos que K K F, e é claro que F K é um corpo de funções sobre K. Diremos que K é algebricamente fechado em F (ou que K é todo o corpo de constantes de F ) se K = K. Proposição 2.3. Em um corpo de funções algébricas, os elementos de F que são transcendentes sobre K podem ser caracterizados da seguinte forma: z F é transcendente sobre K se, e somente se, a extensão F K(z) é de grau finito. Exemplo 2.4. O exemplo mais simples de um corpo de funções algébricas é o corpo de funções racionais; F K é chamado racional se F = K(x) para algum x F que é transcendente sobre K. Cada elemento 0 z K(x) tem uma única representação na forma z = a i p i (x) n i onde 0 a K, os polinômios p i (x) K[x] são mônicos, dois a dois distintos e irredutíveis e n i Z. 2.2 Anéis de Valorização, Lugares e valorizações discretas Definição 2.5. Um anel de valorização do corpo de funções F K é um anel O F com as seguintes propriedades: (1)K O F e (2) para todo z F temos que z O ou z 1 O. Proposição 2.6. Seja O um anel de valorização do corpo de funções F K. Então acontece o seguinte: (a) O é um anel local, isto é, O tem um único ideal maximal P = O \ O, onde O = {z O existe um elemento w O com zw = 1}. (b) Seja 0 x F, então x P x 1 / O. (c) Para o corpo K de constantes de F K temos K O e K P = {0}. Demonstração. (a)mostremos primeiramente que P é um ideal, isto é, que se x P e z O, então xz P e se x, y P então x + y P. Suponha que xz / P, logo xz O, então existe um w O tal que (xz)w = 1 = x(zw) = 1, e daí como zw O temos que x O, o que contraria o fato de x P. Logo xz O \ O = P. Agora, sem perda de generalidade assumiremos que x y O, y 0. Assim 1 + x y O e x + y = ( ) y 1 + x y P. Portanto P é um ideal de O. Suponha agora, que P não seja maximal, então existirá um ideal I, tal que P I O. Logo existirá um x I, tal que x / P. Disso segue que x O e então vai existir um w O tal que Universidade Federal de Uberlândia

Sobre espaços vetoriais associados a divisores em corpos de funções algébricas 75 xw = 1, logo 1 I, o que implica que I = O. Mas isto é um absurdo, logo P é maximal. Finalmente, provemos que P é o único ideal maximal de O. Suponha que exista um outro ideal H de O que seja maximal. Temos que H O =, caso contrário teríamos 1 H e H = O. Logo H O \ O = P, mas H é maximal, portanto P = H. b) Seja 0 x F. Suponhamos que x P e x 1 O, logo como P é um ideal de O temos que xx 1 = 1 P, mas isso é um absurdo, logo x 1 / O. Reciprocamente se x / O, então da definição de anel de valorização, x O. Suponha que x 1 O, assim existe um w O tal que xw = 1, ou seja, w = x 1 O O. Mas isso é uma contradição, pois x 1 / O. Logo x O\O = P. c) Seja z K. Suponha que z / O, como O é um anel de valorização, temos que z 1 O. Como z é algébrico sobre K, segue que z 1 também é algébrico sobre K, então existem elementos a 1, a 2,...a n K, tal que a r (z 1 ) r + + a 1 (z 1 ) + 1 = 0. Manipulando a expressão temos, Multiplicando por z, (z 1 )(a r (z 1 ) r 1 + + a 1 ) = 1 z = (a r (z 1 ) r 1 + + a 1 ) K[z 1 ] O, daí z O. Mas isso é uma contradição da suposição de que z / O. Logo z O. Assim mostramos que K O. Falta mostrar que K P = {0}. Suponha que existe um x 0 tal que x K P = {0}. Assim x O e x K, o que é uma contradição, pois sendo K um corpo, todos os seus elementos são invertíveis. Teorema 2.7. Seja O um anel de valorização do corpo de funções F K e seja P seu único ideal maximal. Então temos (a) P é um ideal principal. (b) Se P = to então cada 0 z F tem uma única representação na forma z = t n u, para algum n Z e u O, sendo que se z O, então n 0 e se z / O, então n < 0. A prova do teorema depende do seguinte lema. Lema 2.8. Seja O um anel de valorização de um corpo de funções algébricas F K, seja P seu único ideal maximal e 0 x P. Sejam x 1,..., x n P tal que x 1 = x e x i x i+1 P para i = 1, 2,..., n 1. Então temos n [F : K(X)] < Demonstração. Como 0 x P e da proposição 2.6 temos x K P = {0}, segue que x / K, ou seja x é transcendente sobre K, então, da proposição 2.3 temos que F K(x) é uma extensão finita. Então é suficiente mostrar que x 1,..., x n são linearmente independentes sobre K(x), pois F é um K(X) espaço vetorial. Suponha então que x 1,..., x n sejam linearmente dependentes, assim existe uma combinação não-trivial n ϕ i (x)x i = 0, com ϕ i (x) K(x). i=1 para i = 1,..., n. Fazendo a multiplicação da equação acima pelo máximo múltiplo comum dos denominadores e dividindo pela menor potência de x que aparece na fatoração dos numeradores, obtemos a equação n ϕ i (x)x i = 0 i=1 Faculdade de Matemática

76 FAMAT em Revista onde todo ϕ i (x) K[x] e x não divide todos ϕ i (x). Colocando a 1 := ϕ i (0), o termo constante de ϕ i (x) e definindo j 1,..., n pela condição a j 0 e a i = 0 para todo i > j, temos ϕ i (x)x i + ϕ j (x)x j + ϕ i (x)x i = 0 i<j i>j e então obtemos ϕ j (x)x j = i<j ϕ i (x)x i + i>j ϕ i (x)x i com ϕ j (x) K[x] O para i = 1,..., n, x i x j P para i < j e ϕ i (x) = xg i (x) para i > j, onde g i (x) K[x]. Dividindo a equação acima por x j obtemos ϕ j = i<j ϕ i (x) x i x j + i>j x x j g i (x)x i. Observe que toda soma do lado direito pertence a P, pois i<j ϕ i x i x j P, já que x i x j P e ϕ i (x) O e também x x j g i (x)x i P pois x x j P e g i (x)x i P. Logo ϕ j (x) P. i>j Por outro lado, ϕ j (x) = a j + xg j (x), com a j K, então a j = ϕ j (x) xg j (x). Como g j (x) K[x] O e x P, temos que xg j (x) P, logo a j P K = {0}. Mas isso é uma contradição pois a j 0. Logo n ϕ i (x)x i = 0 é uma combinação linear trivial, ou seja, ϕ i (x) = 0, para i = 1,..., n e x 1,..., x n i=1 são linearmente independentes. Provemos agora o teorema 2.7 Demonstração. a) Suponha que P não seja principal e escolha um elemento 0 x i P. Como P x 1 O, existe x 2 P \ x 1 O. Então x 2 x 1 1 / O, pois se x 2 x 1 1 O então x 1 (x 2 x 1 1 ) x 1O e daí x 2 x 1 O. Então pela proposição 2.6.b temos que x 1 2 x 1 P e então x 2 x 1 2 x 1 x 2 P e logo x 1 x 2 P. Por indução obtemos uma sequência infinita (x 1, x 2, x 3,...) em P tal que x i x i+1 P para todo i 1, mas isso é uma contradição, pois pelo lema 2.8, podem existir apenas um número finito de x n com n N satisfazendo x i x i+1 P. b) Seja z F com z 0. Como z ou z 1 O, podemos supor que z O. Se z O, então z = t 0 z e pronto. Consideremos o caso em que z P. Existe um m 1 máximo com z t m O, já que o comprimento da sequência x 1 = z, x 2 = t m 1,..., x m = t é limitado pelo lema 2.8. Escreva z = t m u com u O. Então u deve ser um invertível de O, caso contrário u P = to, então u = tw com w O e z = t m+1 w t m+1 O, o que contradiz a maximalidade de m. Agora suponha que z = t n u e z = t m v com m, n N e u, v O. Logo t n u = t m v, e então (t m ) 1 t n uu 1 = (t m ) 1 t m vu 1 = t m n = vu 1, logo t m n O, ou seja, t O. Isso é um absurdo. pois teríamos P = O Definição 2.9. (a) Um lugar P de um corpo de funções algébricas é um ideal maximal de algum anel de valorização O de F K. Todo elemento t P tal que P = to é chamado um elemento primo de P. (b) P F = {P tal que P é um lugar de F K} Se O é um anel de valorização de F K e P é seu ideal maximal, então O é unicamente determinado por P, isto é, O = {z F z 1 / P } de acordo com a proposição 2.6(b). Isso significa que temos uma bijeção entre os anéis de valorização e os lugares de um corpo de funções. Assim O P := O é chamado de anel de valorização do lugar P. Uma segunda descrição muito útil de lugares é dada em termos de valorização. Universidade Federal de Uberlândia

Sobre espaços vetoriais associados a divisores em corpos de funções algébricas 77 Definição 2.10. Uma valorização discreta de F K é uma função v : F K Z { } com as seguintes propriedades, (1) v(x) = x = 0, (2) v(xy) = v(x) + v(y) para todo x, y F, (3) v(x + y) min{v(x), v(y)} para todo x, y F, (4) Existe um elemento z F com v(z) = 1, (5) v(a) = 0 para todo 0 a K. Nesse contexto o símbolo significa algum elemento que não está em Z tal que + = +n = n + = e > m para todo m, n Z. De (2) e de (4) segue que v : F K Z { } é sobrejetora. A propriedade (3) é chamada desigualdade triangular. Uma versão mais forte da desigualdade triangular que é bastante usada é a seguinte. Lema 2.11 (Desigualdade triangular estrita.). Seja v uma valorização discreta de F K e seja x, y F com v(x) v(y). Então v(x + y) = min{v(x), v(y)} Demonstração. Observe que v(ay) = v(y), para 0 a K, pois pelas propriedades (2) e (5) de uma valorização discreta temos v(ay) = v(a) + v(y) = 0 + v(y). Em particular v( y) = v( 1y) = v( 1) + v(y) = v(y). Como v(x) v(y), assumamos que v(x) < v(y) e suponha que v(x+y) < min{v(x), v(y)}. Então obtemos v(x) = v((x + y) y) min{v(x + y), v(y)}, donde segue que v(x) v(x + y) ou v(x) v(y). Temos uma contradição. Logo v(x + y) = min{v(x), v(y)} para v(x) v(y). Definição 2.12. Para um lugar P P F associamos uma função v p : F Z { } definida da seguinte forma. Escolha um elemento primo t de P. Então todo z F, z 0, tem uma única representação z = t n u com u OP e n Z. Defina v P (z) := n e v P (0) :=. Observe que essa definição depende apenas de P e não da escolha do t. De fato, seja t um outro elemento primo de P. então P = to = t O. Como t P, então t t O, logo t = t w, com w O p. Logo, seja z F, temos que z = t n u = t n (w n u) com w n u O p. Teorema 2.13. Seja F K um corpo de funções, (a) Para algum lugar P P F, a função v P definida acima é uma valorização discreta de F K. Além disso temos, O P = {z F v P (z) 0} O P = {z F v P (z) = 0} P = {z F v P (z) > 0} (b) Um elemento x F é um elemento primo de P se, e somente se, v P (x) = 1. (c) Por outro lado, suponha que v é uma valorização discreta de F K. Então o conjunto P := {z F v P (z) > 0} é um lugar de F K e O P = {z F v P (z) 0} é o seu anel de valorização correspondente. Demonstração. (a) É fácil verificar que v P satisfaz as propriedades de uma valorização discreta. Então seja z F. Temos que z O P se, e somente se, z = t0 z, se, e somente se, v P (z) = 0. Daí O P = {z F v P (z) = 0}. Faculdade de Matemática

78 FAMAT em Revista Seja 0 w = t n u F, n Z e u O. Temos que w = t n u P se, e somente se w 1 = t n u 1 / O se, e somente se n < 0 se, e somente se n > 0 se, e somente se v P (w) > 0. Logo P = {z F v P (z) > 0}. Como O = P O, segue que O P = {z F v P (z) 0}. (b) Seja t F um elemento primo de P. Então todo z F tem uma única representação na forma z = t n u, com u OP e n Z. Seja x F um outro elemento primo de P. Como x F temos que x = t m u 1, com m Z e u 1 OP. Como x é elemento primo de P temos que t = xn u 2, com n Z e u 2 OP. Daí x = (xn u 2 ) m u 1, ou seja, x = x nm (u m 2 u 1 ), com u m 2 u 1 OP. Mas x = x1 1, então da unicidade da representação temos que mn = 1. Logo v P (x) = v P (x nm (u m 2 u 1 )) = 1. Reciprocamente seja t um elemento primo de P. Daí como v P (x) = 1, temos que x = t 1 u, com u O, daí xu 1 = t. Logo P = to = xu 1 O = xo. Portanto x F é um elemento primo de P. (c) É fácil mostrar que O P é um anel. Como F é um corpo, em particular F é um anel, então basta mostrar que O P é um subanel de F. Verifiquemos então que O P é um anel de valorização, ou seja, que K O F e que para todo z F temos z O ou z 1 O. Para qualquer a K temos que v P (a) = 0, logo K O P. Agora como v P é uma valorização discreta, existe z F tal que v P (z) = 1, então z O P, mas z / O P, como K O P, temos que K O P. Seja 0 x O P, tal que v P (x) > 0, temos que 0 = v P (1) = v P (xx 1 ) = v P (x) + v P (x 1 ) = v P (x 1 ) = v P (x) < 0. Logo x 1 F, mas x 1 / O P. Portanto O P F. Seja 0 z F. Suponha que v P (z) 0, logo z O P. Caso contrário v P (z) < 0, daí v P (z 1 ) = v P (z) > 0 e então z 1 O P. Mostremos agora que P é um ideal de O P. Seja x P e y O P, então v P (x) > 0 e v P (y) 0, logo v P (xy) = v P (x) + v P (y) > 0. Portanto xy P. Seja a, b P. Temos que v P (a + b) min{v P (a), v P (b)} > 0, logo a + b P. Portanto P é um ideal de O P. Verifiquemos que P é maximal. Seja I um ideal de O P, tal que P I O P. Logo existe um t I tal que v P (t) = 0. Daí seja x F um elemento primo de P, então t = x 0 u, com u O. Temos que t 1 = x 0 u 1, logo v P (t 1 ) = 0 e t 1 O P. Como I é um ideal temos que tt 1 = 1 I, donde segue que I = O P. Finalmente mostremos que P é único. Seja M um outro ideal maximal de O P, daí como M P, temos que existe um t M tal que v P (t) = 0. Tome um z O P, como M é um ideal de O P, temos que tz M. Daí v P (tz) = v P (t) + v P (z) = 0 + v P (z) = v P (z) e então z M, donde segue que O P M. Logo O P = M. Portanto P é um lugar de F K e O P é o seu anel de valorização correspondente. De acordo com o teorema 2.13, lugares, anéis de valorização e valorizações discreta de um corpo de funções são essencialmente a mesma coisa. Seja P um lugar de F K e seja O P seu anel de valorização. Já que P é um ideal maximal, o anel das classes de resíduos O P /P é um corpo. Para x O P definimos x(p ) O P /P como a classe de resíduos de x módulo P. Para x F \ O P colocamos x(p ) :=. Pela proposição 2.6 sabemos que K O P e K P = {0}, então a aplicação de classes de resíduos O P O P /P induz um mergulho canônico de K em O P /P. Observe que esse argumento também se aplica a K em vez de K, então podemos considerar K como Universidade Federal de Uberlândia

Sobre espaços vetoriais associados a divisores em corpos de funções algébricas 79 um subcorpo de O P /P. Definição 2.14. Se P P F (a)f P := O \ P é o corpo de classe residual de P. A aplicação x x(p ) de F em F P { } é chamada de aplicação de classe residual respectiva à P. (b) graup := [F P : K] é chamado de grau de P. Um lugar de grau 1 é também chamado de um lugar racional de F K. Pode-se mostrar que graup [F : K(X)] <, ou seja, o grau de um lugar é sempre finito. Proposição 2.15. O corpo K de constantes de F K é uma extensão de corpos finita sobre K. Demonstração. Usaremos o fato de que P F, o que garante isso é o corolário 2.19, mais adiante. Escolha um P P F. Visto que K está mergulhado em F P via aplicação classe de resíduos O P F P, segue que [ K : K] [F P : K] <. Remark 2.16. Seja P um lugar racional de F K, isto é, graup = 1. Então temos F p = K, e as aplicações de classes de residuais vão de F para K { }. Em particular se K é um corpo algebricamente fechado, então todo lugar é racional e podemos ler um elemento de z F como uma função; z : { PF K { } P z(p ) Por isso F K é chamado de corpo de funções. Os elementos de K interpretados como funções de acordo com 2.16, são funções constantes. Por essa razão K é chamado de corpo de constantes de F. A seguinte terminologia também é justificada por 2.16. Definição 2.17. Seja z F e P P F. Dizemos que P é um zero de z se v P (z) > 0; P é um pólo de z se v P (z) < 0. Se v P (z) = m > 0, P é um zero de z de ordem m; se v P (z) = m < 0, P é um pólo de z de ordem m. É possível mostrar que dado um corpo de funções algébricas F K temos que P F. O que garante isto é o próximo teorema. Teorema 2.18. Seja F K um corpo de funções e seja R um subanel de F com K R F. Suponha que I R é um ideal não trivial de R. Então existe um lugar P P F tal que I P e R O P. Corolário 2.19. Seja F K um corpo de funções, z F transcendente sobre K. Então z tem pelo menos um pólo e um zero. Em particular P F. A seguinte proposição mostra que o número de zeros de uma função algébrica é finito. Proposição 2.20. Seja F K um corpo de funções. Seja P 1,..., P n zeros do elemento x F. Então r v Pi (x)graup i [F : K(x)]. i=1 2.3 Divisores e Espaços de Riemann-Roch O corpo K de constantes de um corpo de funções algébricas F K é uma extensão finita de K e F pode ser considerado como um corpo de funções sobre K. Portanto de agora em diante F K será sempre denotado como um corpo de funções algébricas de uma variável tal que K é o corpo de constantes completo de F K. Faculdade de Matemática

80 FAMAT em Revista Definição 2.21. O grupo divisores de F K é definido como o grupo abeliano livre o qual é gerado pelos lugares de F K e denotado por Div(F ). Os elementos de Div(F ) são chamados de divisores de F K. Em outras palavras, um divisor é uma soma formal D = P P F n P P com n P Z e uma quantidade finita de n P = 0. O suporte de P é definido por SuppD = {P P F n P 0}. Um divisor da forma D = P com P P F é chamado divisor primo. Dois divisores D = n P P e D = n P P são somados termo a termo, isto é, D + D = (n P + n P )P. P P F O elemento zero do grupo de divisores Div(F ) é o divisor 0 := e P P F r P P, com todos r P = 0. Para Q P F e D = n P P div(f ) definimos v Q (D) := n Q, portanto SuppD = {P P F v P (D) 0} D = P suppd v P (D)P. Uma ordem parcial em div(f ) é definida por D 1 D 2 se, e somente se v P (D 2 ) v P (D 1 ) para todo P P F. Se D 1 D 2 ed 1 D 2 também escrevemos D 1 < D 2. Um divisor D 0 é chamado de divisor positivo ou efetivo. O grau de um divisor é definido por grau D := P P F v P (D)grau P, e isso produz um homomorfizmo de grupos grau : Div(F ) Z. Pode-se mostrar que um elemento 0 x F tem apenas um número finito de zeros e pólos em P F, assim a seguinte definição faz sentido. Definição 2.22. Seja 0 x F e denote por Z e N o conjunto de zeros e de pólos de X em P F respectivamente. Então definimos (x) 0 = P Z v P (x)p o divisor zero de x (2.1) (x) = P N( v P (x))p o divisor pólo de x (2.2) (x) := (x) 0 (x) o divisor principal de x (2.3) Claramente (x) 0 0, (x) 0 e (x) = P P F v P (x)p. Observe que se 0 x F é uma constante, isto é, x K, então v P (x) = 0 para qualquer P P F, o que implica que (x) = 0. Reciprocamente se (x) = 0 então x é um elemento sem zeros e sem pólos, pelo corolário 2.19 segue então que x não é transcendente sobre K, então x é algébrico sobre K, ou seja x K = K. Universidade Federal de Uberlândia

Sobre espaços vetoriais associados a divisores em corpos de funções algébricas 81 Definição 2.23. P rinc(f ) := {(x); x F, x 0} é chamado de grupo dos divisores principais de F K. Note que P rinc(f ) é um subgrupo de Div(F ), já que para x, y F,com x 0 e y 0 temos que (x) (y) P rinc(f ), pois (x) (y) = P P F v P (x)p P P F v P (y)p = P P F v P (x)p + P P F v P (y)p = P P F (v P (x) + v P (y 1 ))P = P P F (v P (xy 1 )P = (xy 1 ) P rinc(f ). Logo P rinc(f ) também é abeliano e portanto é um subgrupo normal de Div(F ), então a seguinte definição faz sentido. Definição 2.24. O grupo de quocientes Cl(F ) := Div(F )/P rinc(f ) é chamado de classe de grupos divisores de F K. Para um divisor D Div(F ) o elemento correspondente no grupo quociente Cl(F ) é denotado por [D], a classe divisora de D. Dois divisores D, D Div(F ) são ditos equivalentes, e escrevemos D D se [D] = [D ], isto é, se D = D + (x) para algum x F \ {0}. Nossa próxima definição é de grande importância na teoria de corpos de funções algébricas. Definição 2.25. Para um divisor A Div(F ) definimos o espaço de Riemann-Roch associado a A por L(A) := {x F : (x) + A 0} {0}. Essa definição vem da seguinte interpretação: se A = r n i P i i=1 s m j Q j, com n i > 0, m j > 0, então (x) + A = ( P Z v P (x)p P N ( v P )(x)p ) + ( r i=1 n ip i s j=1 m jq j ) = ( P Z v P (x)p s j=1 m jq j ) + ( r i=1 n ip i P N ( v P )(x)p ), daí L(A) consiste de todo elemento x F tal que i) x tem zeros de ordem m j em Q j para j = 1,..., s e ii) x pode ter pólos somente nos lugares P 1,..., P r com ordem dos pólos em P i menor ou igual do que n i para i = 1,..., r. Remark 2.26. Seja x Div(F ). Então a) x L(A) se, e somente se, v P (x) v P (A) para todo P P F. b) L(A) {0} se, e somente se, existe um divisor A A com A 0. Demonstração. a) Da definição de ordem parcial temos que (x) A se, e somente se v P (x) v P ( A), para todo P P F, ou seja, x L(A) se, e somente se, v P (x) v P (A) para todo P P F. b) Se L(A) {0}, existe um 0 x F tal que (x) + A 0. Colocando A = (x) + A, temos que A A e A 0. Reciprocamente, se A A e A 0, existe um x F \ {0} tal que A = (x) + A e (x) + A 0, logo x L(A). j=1 Lema 2.27. Seja a Div(F ). Então temos que a) L(A) é um espaço vetorial sobre K, b) Se A é um divisor equivalente a A, então L(A) L(A ). Faculdade de Matemática

82 FAMAT em Revista Demonstração. a) Seja x, y L(A) e a K. Então para todo P P F temos que v P (x + y) min{v P (x), v P (y)} v P (A) e v P (ax) = v P (a) + v P (x) = v P (x) v P (A). Logo x + y e ax estão em L(A) pela observação 2.26(a). b) Por hipótese, A = (z) + A, com 0 z F. Considere a aplicação { L(A) F ϕ : x xz Dados x, y L(A) e a K temos que ϕ(x+λy) = (x+λy)z = xz+(λy)z = xz+λ(yz) = ϕ(x)+λϕ(y). Além disso, temos que (x) + A 0, logo (x) + (z) + A 0, donde segue que (xz) + A 0 e portanto xz L(A ). Logo essa é uma aplicação K-linear cuja a imagem está contida em L(A ). Da mesma maneira { L(A ϕ : ) F x xz 1 é uma aplicação K-linear de L(A ) em L(A), pois para x L(A ), temos que (x) + A 0, logo (x) (z) + A = (x) + (z 1 ) + A = (xz 1 ) + A 0. Portanto xz 1 L(A). Agora note que ϕoϕ (x) = ϕ(ϕ (x)) = ϕ(xz 1 ) = xz 1 z = x o que implica que ϕ é sobrejetora e ϕ é injetora e ϕ oϕ(x) = ϕ (ϕ(x)) = ϕ (xz) = xzz 1 = x. o que implica que ϕ é sobrejetora e ϕ é injetora, logo ϕ e ϕ são bijetoras Além disso toda aplicação K-linear em particular é um homomorfismo. Assim ϕ é um homomorfismo bijetor de L(A) em L(A ), isto é, L(A) e L(A ) são isomorfos. Lema 2.28. a) L(0) = K, b) Se A < 0 então L(A) = {0}. Demonstração. a) Seja 0 x K, então (x) = 0, logo x L(0) e K L(0). Por outro lado, se 0 x L(0), então (x) 0. Isso significa que x não possui pólos (pois v P (x) 0 para qualquer P P F ), logo pelo corolário 2.19, x K. Assim L(0) K e portanto L(0) = K. b) Suponha que exista um elemento 0 x L(A). Então (x) A > 0, o que implica que x possui pelo menos um zero, mas não possui pólos. Mas isso é impossível, logo L(A) = {0}. Nosso próximo objetivo, é mostrar que L(A) é de dimensão finita para qualquer divisor A Div(F ). Lema 2.29. Seja A, B divisores de F K com A B. Então temos que L(A) L(B) e. dim (L(B)/L(A)) grau B grau A Proposição 2.30. Para cada divisor A Div(F ) o espaço L(A) é um espaço vetorial sobre K de dimensão finita. Mais precisamente, se A = A + A com os divisores A + e A positivos, então dim L(A) grau A + + 1. Demonstração. Como A + = A + A, temos que A A + e daí L(A) L(A + ), é suficiente então, mostrar que dim L(A + ) grau A + + 1. Temos que 0 A +, então do lema 2.29 segue que dim (L(A + )/L(0)) grau A + grau 0 = grau A +. (2.4) Universidade Federal de Uberlândia

Sobre espaços vetoriais associados a divisores em corpos de funções algébricas 83 Tome a aplicação K-linear φ : { L(A+ ) L(A + )/L(0) x x. Agora observe que x Kerφ se, e só se φ(x) = 0 se, e só se x = 0 se, e só se x L(0) se, e só se x K. Logo Kerφ = L(0) = K. Claramente φ é sobrejetora, isto é Imφ = L(A + )/L(0). Logo pelo teorema da Dimensão e Imagem e de 2.4, temos que dim L(A + ) = dim (L(A + )/L(0)) + dim K = dim (L(A + )/L(0)) + 1 grau A + + 1 Definição 2.31. Para a Div(F ) o inteiro l(a) := diml(a) é chamado de dimensão do divisor A. Um dos mais importantes problemas da teoria de corpos de funções, é calcular a dimensão de um divisor. A solução para esse problema será dada pelo teorema de Riemann-Roch na próxima seção. O próximo teorema nos diz que um elemento 0 x F tem tantos zeros quanto o número de pólos, desde que contados propriamentes. Teorema 2.32. Todo divisor principal tem grau zero. Mais precisamente, seja x F K, (x) 0 e (x) os divisores zero e pólo de x respectivamente. Então grau (x) 0 = grau (x) = [F : K(x)]. Demonstração. Seja n := [F : K(x)] e B := (x) r v Pi (x)p i, onde P i,..., P r são todos os pólos de x. Lembremos que P i,..., P r são zeros de x 1, logo da proposição 2.20 temos que r r v Pi (x)graup i = v Pi (x 1 )graup i [F : K(x 1 )] = [F : K(x)] = n. i=1 i=1 Mostremos então que n grau B. escolha uma base u 1,..., u n F K(x) e um divisor C 0 tal que (u i ) + C 0 para i = 1,..., n. Temos que l(lb + C) n(l + 1), para qualquer l 0, Isso segue imediatamente do fato de x i u j L(lB + C) para 0 i l e 1 j n, pois (x i u j ) + lb + C = (x i ) + (u j ) + lb + C = i(x) + (u j ) + lb + C = i((x) 0 (x) ) + (u j ) + l(x) + C = i(x) 0 + (i l)(x) ) + (u j ) + C 0 Observe que esses elementos são linearmente independentes sobre K, visto que u 1,.., u n são linearmente independentes sobre K(x) e x i K(x) para i = 1,..., l ser linearmente independente sobre K. Colocando c := grau C obtemos pela proposição 2.30 que Assim n(l + 1) l L(lB + C) grau (lb + C) + 1 = lgrau B + c + 1. i=1 l(grau B n) n c 1, para todo l N. (2.5) Como o lado direito de (2.5) é independente de l, só podemos ter grau B n 0, pois se grau B n < 0, como l 0, existiria l tal que a desigualdade (2.5) não se satisfaria. Portanto grau B n e logo grau B = n, ou seja grau (x) = [F : K(x)]. Visto que (x) 0 = (x 1 ), concluímos que grau (x) 0 = grau (x 1 ) = [F : K(x 1 )] = [F : K(x)]. Faculdade de Matemática

84 FAMAT em Revista Corolário 2.33. a) Seja os divisores A, A com A A. Então temos l(a) = l(a ) e grau A = grau A. b) Se grau A < 0 então l(a) = 0. c) Para um divisor A de grau zero, as seguintes afirmações são equivalentes: (1) A é principal (2) l(a) 1 (3) l(a) = 1 Demonstração. a) Do lema 2.27 temos que L(A) L(A ), logo l(a) = l(a ). De A = A + (x) com x F \ {0}, temos que grau A = grau (A + (x)) = grau A + grau (x). Do teorema 2.32 temos grau (x) = 0 e logo grau A = grau A + grau (x) = grau A. b) Suponha que l(a) > 0, Pela observação 2.26 existe um divisor A tal que A A e A 0, assim grau A = grau A 0, mas isso contraria a hipótese, logo l(a) = 0. c) (1) (2).Se A = (x) é um divisor principal, então x 1 L(A) pois (x 1 ) + A = (x) + A = 0 e logo l(a) 1, já que x 0, (2) (3) : Assumamos que l(a) 1 e grau A = 0, de l(a) 1, temos que L(A) {0}, então da observação2.26.b segue que A A para algum A 0. As condições A 0 e grau A = 0 implicam que A = 0,assim l(a) = l(a ) = l(0) = 1, já que L(0) = K. (3) (1) : Suponha que l(a) = 1 e grau A = 0. Escolha 0 z L(A), então (z) + A 0. Visto que grau ((z) + A) = grau (z) + grau A = 0 + 0 = 0 temos que (z) + A = 0, e logo A = (z) = (z 1 ). Portanto A é principal. Na proposição 2.30 vimos que a inequação l(a) 1 + grau A (2.6) ocorre para todo divisor A 0. De fato (2.6) ocorre para todo divisor de grau maior ou igual a zero. Para verificar isso podemos assumir que l(a) > 0, logo L(A) {0} e pela observação 2.26 temos que A A, para algum A 0, então pelo corolário 2.33, l(a) = l(a ) 1 + grau A = 1 + grau A. É possível mostrar a existência de um limite inferior para l(a) semelhante à inequação 2.6. É o que garante a próxima proposição. Proposição 2.34. Existe uma constante γ Z tal que para todos divisores A DivF o seguinte acontece grau A dim A γ. Temos que γ não depende do divisor A, ele depende apenas do corpo de funções F K. Definição 2.35. O gênero g de F K é defininido por g := max{grau A l(a) + 1 : A Div(F )}. Observe que essa definição faz sentido pela proposição 2.34. Corolário 2.36. O gênero de F K é um inteiro não negativo Demonstração. Na definição de g, coloque A = 0, então l(0) dim (0) + 1 = 0, assim g 0. Teorema 2.37. (Teorema de Riemann) Seja F K um corpo de funções de genero g. Então temos a) Para todo divisor A Div(F ), l(a) grau A + 1 g, b) Existe um inteiro c, dependendo apenas do corpo de funções F K, tal que toda vez que grau A c. l(a) = grau A + 1 g, Universidade Federal de Uberlândia

Sobre espaços vetoriais associados a divisores em corpos de funções algébricas 85 Demonstração. a) Segue da definição de gênero, pois g grau A l(a) + 1, assim l(a) grau A + 1 g. b) Escolha um divisor A 0 com g = grau A 0 dim A 0 + 1 e seja c := grau A 0 + g. Se grau A c então l(a A 0 ) grau(a A 0 ) + 1 g c grau A 0 + 1 g = 1. Então existe um elemento 0 z L(A A 0 ). Considere o divisor A := A + (z), o qual é A 0, pois z L(A A 0 ), logo (z) A + A 0 e daí A = A + (z) A A + A 0. Assim Assim l(a) grau A + 1 g. grau A l(a) = grau A l(a) A (pelo corolário 2.33) grau A 0 l(a 0 (pelo lema 2.29) = g 1 3 O Teorema de Riemann-Roch e suas consequências Iniciamos essa seção apresentando o teorema de Riemann-Roch. Não apresentaremos sua prova, pois a demonstração desse teorema é muito técnica, e envolve alguns conceitos e resultados não desenvolvidos anteriormente, como o conceito de adeles e diferenciais de Weil. Para o leitor interessado em mais detalhes recomendamos a referência [1]. No entanto, provaremos várias consequências desse resultado. Teorema 3.1 (Teorema de Riemann-Roch). Existe um divisor W tal que l (A) = grau A + 1 g + l(w A). Mais ainda, a igualdade acima vale para todo divisor equivalente a W. Os divisores dessa classe são chamados de divisores canônicos, e temos: grau W = 2g 2 e l(w ) = g. Definição 3.2. Para um divisor A Div(F ) o inteiro é chamado de índice de especialidade de A. i(a) := l(a) graua + g 1. Teorema 3.3. Se A é um divisor de F K de graua 2g 1 então l(a) = grau A + 1 g Demonstração. Pelo Teorema de Riemann-Roch temos que l(a) = grau A + 1 g + l (W A) onde W é um divisor conônico. Como grau A 2g 1 e grau W = 2g 2, temos que grau (W A) = 2g 2 2g + 1 = 1 < 0. Segue pelo corolário 2.33, que l(w A) = 0. E assim l(a) = grau A + 1 g. Uma primeira consequência importante é que o Teorema de Riemann-Roch caracteriza o gênero assim como a classe de divisores canônicos de F K. Proposição 3.4. Suponha que g 0 Z e W 0 Div(F ) satisfazendo l(a) = grau A + 1 g 0 + l(w 0 A) (3.1) para todo A Div(F ). Então g 0 = g, e W 0 é um divisor canônico. Faculdade de Matemática O Teorema de Riemann-Roch e suas consequências

86 FAMAT em Revista Demonstração. Colocando A = 0 temos que l(0) = grau(0)+1 g 0 +l(w 0 ) e logo 1 = 1 g 0 +l(w 0 ), daí l(w 0 ) = g 0. Agora colocando A = W 0 temos l(w 0 ) = grau W 0 + 1 g 0 + l(w 0 W 0 ) g 0 = grau W 0 + 1 g 0 + 1 grau W 0 = 2g 0 2. Seja W um divisor canônico de F K. Escolhamos um divisor A com graua > max{2g 2, 2g 0 2}, para isso basta tomar o divisor canônico W +W ou W 0 +W 0. Se 2g 2 > 2g 0 2 então graua 2g 2, donde segue que graua 2g 1. Agora se 2g 0 2 > 2g 2 então graua 2g 0 1 > 2g 0 2 > 2g 2 2g 1. Logo pelo teorema 3.3, temos que l(a) = graua+1 g e por (3.1) temos l(a) = graua+1 g 0. Portanto g = g 0. Finalmente substituindo A = W em (3.1) temos l(w ) = grauw + 1 g 0 + l(w 0 W ) g = (2g 2) + 1 g + l(w 0 W ) Assim l(w 0 W ) = 1, e como grau(w 0 W ) = grau(w 0 ) grau(w ) = 2g 0 2 (2g 2) = 0 temos pelo corolário 2.33, que W 0 W é principal, ou seja, W 0 W = (x), para algum x F/0, isto é, W 0 = W + (x), logo W 0 W, e portanto W 0 é canônico. A seguir temos outra caracterização usual para os divisores canônicos. Proposição 3.5. Um divisor B é canônico se e somente se grau(b) = 2g g e l(b) g. Demonstração. Suponha que graub = 2g 2 e l(b) g. Escolha um divisor canônico W, então g l(b) = graub + 1 g + l(w B) = 2g 2 + 1 g + l(w B) = g 1 + l(w B), potanto l(w B) 1. Já que grau(w B) = grau(w ) grau(b), segue do corolário 2.33 que W B. Portanto B é canônico. Proposição 3.6. Seja F K um corpo de funções com gênero 0, e suponha que existe um divisor A Div(F ) com graua = 1. Então F K é racional, ou seja, F = K(x) para algum x tal que x é transcendente sobre o corpo K. Demonstração. Seja g = 0 e graua = 1, como graua = 1 2g 1 = 1, pelo teorema 3.3 temos que l(a) = grau(a) + 1 g = 1 + 1 0 = 2 Assim, pela observação 2.26, segue que A A para algum A 0. Visto que l(a ) = l(a) = 2, existe um elemento x L(A )/K, então (x) 0 e (x) + A A 0 e graua = 1, isso só é possível apenas se A = (x) o divisor pólo de x. Agora como [F : K(x)] = grau(x) = graua = 1, pelo teorema 2.32 F = K(x). Agora vamos investigar elementos em F que têm apenas um pólo. 0. Como Proposição 3.7. Seja P P F. Então para cada n 2g existe um elemento x F com o divisor polo (x) = np. Demonstração. Como grau((n 1)P ) = (n 1)grauP n 1 2g 1, então pelo teorema 3.3 temos que l((n 1)P ) = (n 1)grauP + 1 g e l(np ) = n.graup + 1 g Assim l((n 1)P ) < l(np ) e logo L((n 1)P ) L(nP ), daí todo elemento x L(nP )/L((n 1)P ) O Teorema de Riemann-Roch e suas consequências Universidade Federal de Uberlândia

Sobre espaços vetoriais associados a divisores em corpos de funções algébricas 87 tem um divisor de pólo np. Observe que para x L(nP ) temos que np + (x) 0 ou seja np + (x) 0 (x) 0 (np (x) ) + (x) 0 0, como (x) 0 e (x) são divisores positivos e supp((x) 0 supp((x) =, só podemos ter np (x) 0. Como x / L((n 1)P ), não temos (n 1)P + (x) 0 (x) 0, ou seja, não é verdade que (n 1)P (x) 0, isto é, não acontece np (x) > 0. Logo só podemos ter np (x) = 0, ou seja np = (x). Definição 3.8. Seja P P F. Um inteiro n 0 é chamado de ordem pólo de P se existe um elemento x F com (x) = np. Do contrário, n é chamado de lacuna. Teorema 3.9 (Teorema das lacunas de Weierstrass). Suponha que F K tenha gênero g > 0 e P é um lugar de grau um. Então existem exatamente g lacunas i 1 < i 2 <... < i g em P. E temos i 1 = 1 e i g 2g 1. Demonstração. Pelo corolário 3.7, temos que qualquer lacuna em P é menor ou igual a 2g 1 e, temos também que 0 é uma ordem de pólo de P, pois 1 F e temos (1) = 0. Agora veja que se i é uma lacuna em P, então i não é uma ordem de pólo, daí l((i 1)P )) l(ip ). Mas como (i 1)P < ip, temos que L((i 1)P ) L(iP ) e então l((i 1)P )) l(ip ), logo só podemos ter L((i 1)P ) = L(iP ). Reciprocamente se L((i 1)P ) = L(iP ) temos que dim l((i 1)P )) = l(ip ), e assim i é uma lacuna em P. Assim temos seguinte caracterização das lacunas em P : Considere agora a sequência de espaços vetoriais i é uma lacuna em P L((i 1)P ) = L(iP ). K = L(0) L(P ) L(2P )... L((2g 1)P ) (3.2) onde dim L(0) = 1 e dim L((2g 1)P ) = g pelo teorema 3.3. Como (i 1)P < ip, pelo lema 2.29 temos que 0 dim L(iP ) dim L((i 1)P ) = dim (L(iP )/L((i 1)P )) igrau P [(i 1)grau P ] = 1. Daí l(ip ) 1 l((i 1)P ) para todo i. Assim em 3.2 temos exatamente g 1 números 1 i 2g 1 com L((i 1)P ) L(iP ) e então restam g números 1 i 2g 1 com L((i 1)P ) = L(iP ), isto é restam g números que são lacunas em P. Finalmente mostraremos que 1 é uma lacuna em P. Suponha que 1 é uma ordem de pólo de P. Como as ordens de pólos formam um semi-grupo aditivo, todo n N é uma ordem de pólo e então não existirão lacunas, mas isso é uma contradição, pois g > 0. Definição 3.10. Um divisor A Div(F ) é chamado de não-especial se i(a) = 0; caso contrário A é chamado de especial. Vejamos algumas consequências imediatas desta definição. Remark 3.11. (a) A é não especial se, e somente se, dim A = grau A + 1 g. (b) Se grau A > 2g 2, então A é não especial. (c) A propriedade de um divisor A ser especial ou não especial depende apenas da classe [A] de A do grupo de equivalência dos divisores. (d) Divisores canônicos são especiais. (e) Qualquer divisor A com l(a) > 0 e grau A < g é especial. (f) Se A é não especial e B A, então B é não especial. Faculdade de Matemática O Teorema de Riemann-Roch e suas consequências

88 FAMAT em Revista Demonstração. (a) Segue diretamente da definição de i(a). (b) Segue do teorema 3.3. (c) Vem do fato de se A A então l(a) = l(a ) e graua = graua, donde segue que i(a) = i(a ). (d) Para um divisor canônico W temos que i(w ) = l(w ) grau(w ) + g 1 mas pelo teorema de Riemann-Roch, grau(w ) = 2g 2 e l(w ) = g, daí segue que i(w ) = g (2g 2) + g 1 = 2g 2g + 2 1 = 1, logo W é especial. (e)1 l(a) = graua + 1 g + i(a) i(a) g graua > 0 já que graua < g. Logo A é especial. Referências Bibliográficas [1] H. Stichtenoth. Algebraic Function Fields and Codes, Berlin, Germany: Springer-Verlag, 2008. O Teorema de Riemann-Roch e suas consequências Universidade Federal de Uberlândia