COMO DISTINGUIR A TALASSEMIA ALFA E BETA? UMA REVISÃO SOBRE AS VARIANTES DE HEMOGLOBINA

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Transcrição:

COMO DISTINGUIR A TALASSEMIA ALFA E BETA? UMA REVISÃO SOBRE AS VARIANTES DE HEMOGLOBINA Victor Queiroz Campos Salazar Graduando em Biomedicina Faculdades Integradas de Três Lagoas FITL/AEMS Carolline Drindara da Silva Souza Graduanda em Biomedicina Faculdades Integradas de Três Lagoas FITL/AEMS Eula Chris Pereira Custodio Graduanda em Biomedicina Faculdades Integradas de Três Lagoas FITL/AEMS Camila Claudino Araujo Graduanda em Biomedicina Faculdades Integradas de Três Lagoas FITL/AEMS Erli de Souza Bento Bióloga, Mestre em Agronomia - Genética e Melhoramento de Plantas - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Docente das Faculdades Integradas de Três Lagoas FITL/AEMS. Aline Rafaela da Silva Rodrigues Machado Biomédica, Doutora em Clínica Médica (Investigação Biomédica Virologia) Universidade de São Paulo. Docente das Faculdades Integradas de Três Lagoas FITL/AEMS. RESUMO As hemoglobinopatias são doenças genéticas comuns em diferentes populações. Dentre elas, destaca-se a Talassemia, que é uma anemia causada pela redução da síntese das cadeias globínicas alfa e não-alfa, que dão origem à estrutura da hemoglobina. Devido à deficiência na produção das cadeias, temos como consequência a má-formação da hemoglobina, diminuindo assim sua função, causando déficit de oxigenação nos tecidos. Existem dois tipos de talassemia: alfa e beta, sendo que a beta é mais comum. Dependendo do grau de acometimento genético, podemos destacar diferentes manifestações clínicas da talassemia, sendo: talassemia alfa, portadores silenciosos, alfa menor, alfa intermediária, hidropsia fetal, talassemia beta, beta homozigota maior, beta homozigota menor, beta intermediaria. O hemograma e a eletroforese de hemoglobina são os testes laboratoriais disponíveis para o diagnóstico da talassemia. Ressaltamos a importância da identificação precoce desta patologia, evitando assim casos mais graves da doença. PALAVRAS-CHAVE: Talassemias; Hemoglobina; Hemoglobinopatias.

INTRODUÇÃO As doenças hereditárias são patologias transmitidas de pais para filhos e são determinadas por alterações genéticas. Existem diversos tipos de anemias hereditárias, cujas causas são bem conhecidas, destacando-se, entre essas, as anemias derivadas de alterações qualitativas ou quantitativas da estrutura normal da hemoglobina. As hemoglobinas (Hb) humanas normais são compostas por três frações de proteínas, denominadas por Hb A 1, Hb A 2 e Hb Fetal, com concentração circulante de aproximadamente de 96 a 98% para a Hb A 1, 2,5 a 3,5% para a Hb A 2 e 0 a 1% para a Hb Fetal. A diferença estrutural entre essas três hemoglobinas é devido às combinações dos seus polipeptídeos formadores, sendo a Hb A 1, um par de cadeias alfa e outro par de cadeias beta (a 2 β 2 ), a Hb A 2 formada por um par de cadeias alfa e outro par de cadeias de delta (a 2 Δ 2 ) e a Hb Fetal, um par de cadeias alfa e outro de gama (a 2 γ 2 ). Um indivíduo com a formação de hemoglobinas normais é classificado como sendo portador de Hb A (DEAN et al., 1978; LEHMANN et al., 1974). As hemoglobinas anormais frequentemente são produzidas a partir de duas causas: a) alteração na estrutura da molécula de hemoglobina, onde a substituição de um simples aminoácido por outro aminoácido diferente produz a formação de hemoglobinas variantes; b) desequilíbrio quantitativo na produção de cadeias alfa, ou beta, ou gama, ou delta, dando origem às diferentes formas de talassemias, que são distinguidas de acordo com a diminuição parcial ou total da cadeia afetada (DEAN et al., 1978; SCHNEIDER, 1978; LEHMANN, et al., 1974). Dentre as hemoglobinopatias destacam-se as hemoglobinas variantes S e C e as beta talassemias. A formação das hemoglobinas S e C são características dos povos africanos, sendo encontradas com uma frequência entre 5 a 30%, em muitas regiões da África (LEHMANN et al., 1974). Neste artigo de revisão destacaremos a importância e o desencadeamento as talassemias. As talassemias são um grupo heterogêneo de doenças genéticas causadas pela redução da síntese de globinas alfa e não-alfa, a qual leva a uma má-formação da hemoglobina. A hemoglobina é a proteína encontrada no interior das hemácias, sendo a responsável pelo transporte do oxigênio a todas as células, tecidos e órgãos do corpo humano. Cada hemácia circulante possui cerca de 300 milhões de moléculas de hemoglobina, cada uma destas moléculas, em seu estado normal, é

formada por dois tipos de proteína: as alfa-globinas e beta-globinas. A hemoglobina é composta de duas cadeias alfa conectadas a duas cadeias beta. As talassemias são caracterizadas como um defeito na produção dessas proteínas (DEAN et al., 1978; SCHNEIDER, 1978; LEHMANN et al., 1974). Nas pessoas portadoras de talassemia, ocorre mutação de um ou dois cromossomos específicos (11 e 16); em resposta, a medula óssea para de produzir (ou produz de maneira insuficiente) um dos tipos de cadeia de globina. Assim, o problema no cromossomo 16 se manifesta pela falta de cadeias alfa e um defeito no cromossomo 11 resultará em talassemia beta. Esse defeito resultará uma desproporcionalidade entre o número de cadeias alfa e beta produzidas e cada hemácia terá menos moléculas de hemoglobina em seu interior (DEAN et al., 1978; SCHNEIDER, 1978; LEHMANN et al., 1974). A maioria das talassemias obedece ao modelo de herança Mendeliana, caracterizado pela falta de sintomas clínicos nos indivíduos heterozigotos e pela gravidade clínica nos homozigotos. Assim, clinicamente, as talassemias podem ser classificadas em maior, intermédia, menor e mínima (DEAN 1978; SCHNEIDER, 1978; LEHMANN et al., 1974). 1 TALASSEMIA ALFA (α) A incidência atribuída à talassemia alfa é em torno de 10% da população do sudoeste do estado de São Paulo (MENDES-SIQUEIRA, 2004), entretanto, em outras regiões do país, este índice pode atingir 20%. A elevada frequência de portadores na população brasileira é devida às diferenças na composição étnica das diferentes regiões e à grande miscigenação ocorrida ao longo da história do Brasil (BONINI-DOMINGOS, 1993). A Talassemia alfa é resultante de mutações nos genes codificadores da cadeia globínica alfa, situados no braço curto do cromossomo 16 e as alterações nestes genes acarretam uma síntese deficiente de cadeias globínicas alfa, provocando um excesso das outras cadeias, modificando a composição da molécula de hemoglobina e alterando a fisiologia e morfologia do eritrócito (HIGGS, 2001). Esse excesso de cadeias despareadas, especialmente a cadeia beta, permite a ligação entre estas cadeias, ligação extremamente instável, formando o

tetrâmero β 4 ou Hemoglobina H (Hb H) em adultos, ou o tetrâmero gama (γ 4 ),denominado de Hb Bart's, encontrada no período fetal e alguns meses após o nascimento (CHUI et al., 2003; HIGGS, 1989; HIGGS, 2001). As variantes da hemoglobina descritas anteriormente apresentam uma elevada afinidade pelo oxigênio, cerca de dez vezes a mais que a HbA dos adultos. A elevação da afinidade das hemoglobinas pelo oxigênio prejudica a integração entre os radicais Heme e o ferro no interior da hemoglobina, resultando em uma liberação inadequada de oxigênio para os tecidos. Consequentemente ocorre alteração na morfologia dos eritrócitos, evidenciando eritrócitos microcíticos e hipocrômicos (CHUI et al., 2003; HIGGS, 1989). Adicionalmente, devido à interação das cadeias globínicas, a hemoglobina variante pode sofrer um processo de oxidação, formando precipitados de ferro dentro dos eritrócitos, diminuindo o tempo de vida útil da hemácia. Se a formação dos precipitados de ferro ocorrer nos eritroblastos, o paciente portador de talassemia alfa apresenta uma eritropoiese ineficaz (BUNUARATYEJ et al., 1986; LIABHABER, 1989; LIABHABER et al., 2001). Dentre as alterações hematológicas desenvolvidas por portadores de talassemia alfa destacam-se: a) em lâmina de hemograma: microcitose, hipocromia, poiquilocitose, reticulocitose; b) eletroforese de hemoglobina: presença da variante Hb H (KAZAZIAN, 1990; BASSET et al., 1982). A mutação que acomete o gene alfa é desencadeada por deleção, que tem o significado científico de destruído ou eliminado. Assim, as talassemias alfa se devem à deleção de um gene alfa (-,a/a,a), deleção de dois genes alfa (-,-/a,a) ou (-,a /-,a), de três (-,-/-,a) e de quatro (-,-/-,-). Essas deleções que atingem parte do gene codificador da cadeia alfa provoca uma diminuindo da síntese de globina alfa, e é por isso representado por a +. Quando, a deleção atinge integralmente o gene alfa, bloqueando totalmente a síntese de globina alfa, representa-se por a 0. As talassemias alfa pela sua diversidade de manifestações clínicas e laboratoriais são também conhecidas por síndromes alfa talassêmicas. Essas variabilidades podem ocorrer dentro de cada grupo étnico, dependendo da especificidade de mutações e de como se expressam. De uma forma geral, as síndromes alfa talassêmicas são classificadas em: portador silencioso (ou talassemia alfa mínima), traço alfa

talassêmico (ou talassemia alfa menor), doença de Hb H (ou talassemia alfa intermédia) e hidropsia fetal (KAZAZIAN, 1990). 1.1 O Portador silencioso da talassemia alfa É o tipo mais comum entre as talassemias alfa e se deve à deleção de apenas um gene alfa (-,a/a,a). O portador desse tipo de talassemia é assintomático, e embora o volume corpuscular médio (VCM) se apresente como discretamente microcítico (VCM <80 fentolitros), a morfologia eritrocitária é geralmente normal com microcitose em algumas células. A análise eletroforética de hemoglobina hemolisada com saponina a 1% pode revelar traços de Hb H que representam concentrações inferiores a 1%. Da mesma forma, se a análise for efetuada em sangue de cordão umbilical, ou recém-nascidos, a concentração de HbBart s (γ 4 ) situa-se entre 1 e 2% (NAOUM et al., 1998). O diagnóstico laboratorial do portador silencioso de talassemia alfa requer uma série de informações: discreta microcitose, com valores de Hb (g/dl) próximo do limite inferior da normalidade, não-responsiva ao tratamento com ferro, história familiar, e identificação da Hb H em pelo menos um dos testes: eletroforese ou pesquisa citológica. A prevalência média do portador silencioso para talassemia alfa é próximo de 17% na população brasileira (NAOUM et al., 1998). 1.2 Talassemia alfa-menor Se deve à deleção de dois genes alfa (-,-/a,a) ou (-,a/-,a). Os portadores, apesar de serem normais sob o ponto de vista clínico, reclamam de fraqueza, cansaço, dores nas pernas e palidez. Apresentam microcitose com alterações da morfologia eritrocitária e discreto grau de anemia (Hb: 11 a 13g/dL, VCM e HCM diminuídos). A análise eletroforética da hemoglobina hemolisada com saponina a 1% mostra a presença de Hb H com concentrações próximas de 2% (NAOUM et al., 1998).

1.3 Talassemia alfa-intermédia É causada pela deleção de três genes alfa (-,-/-a). Essa patologia se expressa com uma forma moderadamente grave de talassemia, caracterizada por anemia microcítica e hipocrômica, hemoglobina total variável entre 8 e 11g/dL, aumento do baço e do fígado (hepatoesplenomegalia), e em alguns casos observase deformidades similares às que ocorrem na talassemia beta intermédia (NAOUM et al., 1998). 1.4 Hidropsia Fetal É a forma mais grave de todos os tipos de talassemias (alfa e beta), pois é uma forma letal. É uma situação comum no Extremo Asiático, sendo, entretanto, esporádica no Brasil. As crianças recém-nascidas afetadas pela deleção dos quatro genes codificadores das cadeias alfa (-,-/-,-) apresentam anemia muito grave, com hemoglobina inferior a 7g/dL, eritroblastose fetal, edema, grande aumento do baço e do fígado, e morte com poucas horas após o nascimento (NAOUM et al., 1998). 2 TALASSEMIA BETA As talassemias beta são mais heterogêneas do que as do tipo alfa. Caracterizam-se por uma alteração quantitativa da síntese de globinas beta e são classificadas como talassemias beta zero (ou talassemia β0) quando não há síntese de globinas, e talassemias beta mais (ou talassemia β+) quando há alguma taxa de síntese. Consequentemente as globinas alfa, que são sintetizadas normalmente, acumulam-se nos eritrócitos durante a eritropoiese, causando agregação e precipitação destas cadeias. Os precipitados, formados em quantidades variáveis, danificam a membrana dos eritrócitos e destroem prematuramente essas células provocando a anemia (NAOUM et al., 1998; CLARKE et al., 2000). Dois genes estão envolvidos na formação da talassemia beta: um é herdado da mãe, e outro do pai. A talassemia beta ocorre quando um ou ambos desses genes herdados não funcionam ou funcionam apenas parcialmente. A doença tem diferentes graus, a depender de sua herança genética. A mutação decorrente no

cromossomo 11 afeta a produção das cadeias beta e também das cadeias: delta e gama, e as supressões, parcial e total das globinas beta, bem como das globinas delta e gama originam os diferentes genótipos de talassemias β, Δ e γ. De forma geral, os tipos mais comuns entre as talassemias beta são as heterozigoses: b A /b 0, b A /b + (mediterrâneo), b A /b ++ (africano), b A /b + (silenciosa),b A /b 0 com Hb A 2 normal, b A /b + com Hb A 2 normal. As talassemias beta homozigotas correspondentes : b 0 /b 0, b + /b + (mediterrâneo), b ++ /b ++ (africano), b + /b + (silenciosa), b 0 /b 0 com Hb A2 normal, e b + /b + com Hb A 2 normal (NAOUM et al., 1998). O modo de herança das talassemias, assim como de outras alterações genéticas da hemoglobina, é autossômico, e o termo dominante ou recessivo é difícil de ser aplicado, porque alguns heterozigotos apresentam claros distúrbios clínicos, ao passo que outros não. No entanto, a talassemia beta é considerada de herança autossômica recessiva, porque são necessários dois genes anormais da globina beta para produzir o fenótipo clinicamente detectável. Recentemente, no entanto, formas dominantes de talassemia beta têm sido identificadas, as quais resultam em fenótipos de talassemia intermédia para portadores de um único gene alterado (NAOUM et al., 1998). 2.1 Talassemia beta-maior (homozigose) A talassemia beta homozigota é o resultado do estado homozigoto tanto do tipo b + quanto do tipo b 0 ou, em casos mais raros, de duplo componente heterozigoto b + /b 0. A ausência ou deficiência acentuada na produção de cadeias beta causa anemia grave devido à hemólise intramedular, bem como no baço. As crianças afetadas pela talassemia beta homozigota padecem de anemia no primeiro ano de vida, devido ao nível de produção de globina gama diminui e não há a devida hemoglobinização do eritrócito pela diminuição de síntese de globina beta, enquanto a globina alfa tem sua síntese normal (NAOUM; BONINI-DOMINGOS, 1998; NAOUM et al., 2002).

2.2 Talassemia beta-menor (heterozigose) O estado heterozigoto da talassemia beta é caracterizado geneticamente pela herança de um único componente alterado. Nas formas b 0 e b +, a redução da taxa de síntese da globina beta é menor, mas o suficiente para causar um discreto grau de anemia microcítica e hipocrômica com aumento de resistência osmótica dos glóbulos vermelhos (NAOUM; BONINI-DOMINGOS, 1998; (NAOUM et al., 2002). Portanto, a talassemia beta menor ocorre quando a pessoa recebe um gene normal de um genitor e um gene da talassemia do outro. Pessoas com talassemia beta menor podem ter anemia leve e provavelmente não vão precisar de tratamento paliativo para os sintomas da anemia (NAOUM; BONINI-DOMINGOS, 1998; NAOUM et al., 2002). 2.3 Talassemia intermediária As formas clínicas denominadas por talassemia intermédia ou intermediária são aquelas resultantes de diferentes interações genéticas, cujos portadores apresentam quadro clínico mais ameno do que o da talassemia beta maior e não são dependentes de transfusão sanguínea. A talassemia beta intermédia pode decorrer da interação das talassemias alfa e beta, com redução concomitante e significativa de ambas as cadeias globínicas, o que diminui o número de cadeias desemparelhadas e propicia uma redução na taxa de destruição dos eritrócitos em comparação com as formas graves de talassemias. Entretanto a forma mais prevalente de talassemia beta intermédia se deve a lesões do tipo b + (b + /b + ), cujo diagnóstico laboratorial somente é feito por biologia molecular. A talassemia beta intermédia pode decorrer também de manifestações da talassemia beta com alguns tipos de hemoglobinas variantes, particularmente a Hb E, Hb S e Hb C (BONINI- DOMINGOS et al., 1998; NAOUM et al., 2002). CONCLUSÃO A Talassemia é uma anemia causada pela redução da síntese de globinas alfa e não-alfa, ocorrendo uma má-formação da hemoglobina. Existem dois tipos de

talassemia: alfa e beta, sendo que a beta é mais comum. Para formar a hemoglobina, o corpo precisa das proteínas alfa-globinas e beta-globinas. Essas proteínas precisam de alguns genes em nosso corpo para quem sejam construídas. Alterações nesses genes irão determinar o tipo e o grau da manifestação da talassemia que um paciente apresenta. Os tipos de talassemias são classificados em: talassemia alfa, portadores silenciosos, alfa menor, alfa intermediária, hidropsia fetal, talassemia beta, beta homozigota maior, beta homozigota menor, beta intermediária. REFERÊNCIAS BASSET, P.; BRACONNIER, F.; ROSA, J. An update on electrophoretic and chromatographic methods in the diagnosis of hemoglobinopathies. Journal of Chromatography, v. 227, p. 267-304, 1982. BONINI-DOMINGOS C. R. Hemoglobinopatias no Brasil: variabilidade genética e metodologia laboratorial. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista. São José do Rio Preto, 1993. Tese (Doutorado). BUNYARATVEJ, A.; FUCHAROEN, S.; WASI. P. Comparison of erythrocyte antioxidative enzyme activities between two types of haemoglobin H disease. Jounal Clinic Pathology, v. 39, p. 1.299-1.303, 1986. CHUI, D. H. K.; FUCHAROEN, S.; CHAN, V. Hemoglobin H disease: not necessarily a benign disorder. Blood, n. 101, v. 3, p. 791-800, 2003. CLARKE, G. M.; HIGGNS, T. N. Laboratory investigation of hemoglobinopathies and thalassemias: Review and update. Clinical Chemistry, v. 46, n. 8, p. 1284-90, 2000. DEAN, J.; SCHECHTTER, N. Sickle cell anemia: molecular and cellular bases of therapeutic approaches. New England Journal Medical, n. 229, p. 752-63, 1978. HIGGS, D. R.; VICKERS, M. A.; WILKIE, A. O.; PRETORIUS, I. M.; JARMAN, A. P.; WEATHERALL, D. J. A review of the molecular genetics of the human alpha globin gene cluster. Blood, v. 73, n. 5, p. 1.081-1.104, 1989. HIGGS, D. R.; NAGEL, R. L., eds. Disorders of Hemoglobin; Genetics, Pathophysiology, and Clinical Management. Cambridge. Inglaterra: Cambridge University Press, 2001, p. 405-430. KAZAZIAN, JR. H. H. The thalassemia syndromes: molecular basis and prenatal diagnosis in 1990. Seminary in Hematology, v. 27, n. 3, p. 209-228, 1990.

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