108 educação, ciência e tecnologia



Documentos relacionados
Você conhece a Medicina de Família e Comunidade?

O Que São os Serviços de Psicologia e Orientação (SPO)?

nossa vida mundo mais vasto

ÍNDICE APRESENTAÇÃO 02 HISTÓRIA 02 OBJECTIVOS 02 CURSOS 04 CONSULTORIA 06 I&D 07 DOCENTES 08 FUNDEC & IST 09 ASSOCIADOS 10 PARCERIAS 12 NÚMEROS 13

CARTA DE PRAGA. Apela se aos governantes para aliviarem o sofrimento e assegurarem o direito e acesso aos cuidados paliativos

CARTÃO DA PESSOA COM DOENÇA RARA Relatório de Acompanhamento Departamento da Qualidade na Saúde

República de Moçambique

CONCLUSÕES DO XI CONGRESSO MUNDIAL DE FARMACÊUTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA

ENVELHECIMENTO E A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Direcção-Geral da Saúde Circular Normativa

GUIA PRÁTICO APOIOS SOCIAIS FAMÍLIA E COMUNIDADE EM GERAL

Membro da direcção da Revista Intervenção Social Investigadora do CLISSIS Doutoranda em Serviço Social

COMPETÊNCIAS E SABERES EM ENFERMAGEM

Díli Terça-feira, 26 de Novembro

DESENVOLVER E GERIR COMPETÊNCIAS EM CONTEXTO DE MUDANÇA (Publicado na Revista Hotéis de Portugal Julho/Agosto 2004)

2010/2011 Plano Anual de Actividades

A psicologia tem uma dimensão prática que se integra em vários contextos e instituições sociais: escolas, hospitais, empresas, tribunais, associações

ROJECTO PEDAGÓGICO E DE ANIMAÇÃO

Apresentação da Solução. Divisão Área Saúde. Solução: Gestão de Camas

PARLAMENTO EUROPEU Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar PROJETO DE PARECER

PROGRAMA DE INTERVENÇÃO EM OBESIDADE INFANTIL. Centro de Saúde da Marinha Grande Ana Laura Baridó

VOLUNTARIADO E CIDADANIA

SEGURANÇA, HIGIENE E SAÚDE NO TRABALHO PROGRAMA DE FORMAÇÃO

1. Objectivos do Observatório da Inclusão Financeira

GESTÃO CURRICULAR LOCAL: FUNDAMENTO PARA A PROMOÇÃO DA LITERACIA CIENTÍFICA. José Luís L. d`orey 1 José Carlos Bravo Nico 2 RESUMO

Serviço externo de Psicologia para Empresas

MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS. Coerência das Políticas: O Desafio do Desenvolvimento. Sessão Pública ABERTURA

FÓRUM DE HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR E VOLUNTARIADO

Espaço t Associação para o Apoio à Integração Social e Comunitária. Instituição Particular de Solidariedade Social

Introdução. Procura, oferta e intervenção. Cuidados continuados - uma visão económica

TERMOS DE REFERÊNCIA REALIZAÇÃO DE UMA FORMAÇÃO SOBRE DIREITOS HUMANOS E GÉNERO NO KUITO, PROVINCIA DO BIÉ, ANGOLA

Valor do sector do Diagnóstico in vitro, em Portugal. Principais conclusões APIFARMA CEMD. Outubro 2014

ÍNDICE ENQUADRAMENTO CARACTERIZAÇÃO DO AGRUPAMENTO... 4

Área de Intervenção IV: Qualidade de vida do idoso

INSTITUCIÓN: Programa Primeira Infância Melhor. Departamento de Ações em Saúde Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul

SEMINÁRIO A EMERGÊNCIA O PAPEL DA PREVENÇÃO

FORMAÇÃO SOBRE: GÉNERO E DESENVOLVIMENTO

1) Breve apresentação do AEV 2011

Campanha Nacional de Higiene das MãosMinistério Resultados Nacionais

José Fernandes de Lima Membro da Câmara de Educação Básica do CNE

introdução Trecho final da Carta da Terra 1. O projeto contou com a colaboração da Rede Nossa São Paulo e Instituto de Fomento à Tecnologia do

CENTRO SOCIAL DA PAROQUIA DE RIO TINTO

Agenda 21 Local em Portugal

Compromisso para IPSS Amigas do Envelhecimento Ativo CONFEDERAÇÃO NACIONAL INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE

Pacto Europeu. para a Saúde. Conferência de alto nível da ue. Bruxelas, de junho de 2008

Marketing Turístico e Hoteleiro

VIII JORNADA DE ESTÁGIO DE SERVIÇO SOCIAL

Diretrizes Consolidadas sobre Prevenção, Diagnóstico, Tratamento e Cuidados em HIV para as Populações-Chave

::ENQUADRAMENTO ::ENQUADRAMENTO::

XI Mestrado em Gestão do Desporto

Descrição de Tarefas para a Posição de Director de Programas, Políticas e Comunicação da AAMOZ

circular ifdr Noção de Organismo de Direito Público para efeitos do cálculo de despesa pública SÍNTESE: ÍNDICE

CAPÍTULO I Disposições gerais

IX Colóquio Os Direitos Humanos na Ordem do Dia: Jovens e Desenvolvimento - Desafio Global. Grupo Parlamentar Português sobre População e

Enquadramento 02. Justificação 02. Metodologia de implementação 02. Destinatários 02. Sessões formativas 03

24 O uso dos manuais de Matemática pelos alunos de 9.º ano

Empreendedorismo De uma Boa Ideia a um Bom Negócio

PUBLICAÇÕES:TECNOMETAL n.º 139 (Março/Abril de 2002) KÉRAMICA n.º 249 (Julho/Agosto de 2002)

ISO 9001:2008. A International Organization for Standardization (ISO) publicou em a nova edição da Norma ISO 9000:

SEGURANÇA, HIGIENE E SAÚDE NO TRABALHO PROGRAMA DE FORMAÇÃO

«Sê voluntário! Isso faz a diferença»: Comissão Europeia lança o Ano Europeu do Voluntariado em 2011

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

Modelling of Policies and Practices for Social Inclusion of People with Disabilities in Portugal

em nada nem constitui um aviso de qualquer posição da Comissão sobre as questões em causa.

Escola Secundária com 3º CEB de Coruche EDUCAÇÃO SEXUAL

NÍVEIS DE PREVENÇÃO. Ana Catarina Peixoto R. Meireles. Médica Interna de Saúde Pública Unidade Operativa de Saúde Pública P

PROJECTO EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE

República de Angola DNME/MINSA/ ANGOLA

MAIS PRÓXIMO DA COMUNIDADE

Grupo de Trabalho para as Questões da Pessoa Idosa, Dependente ou Deficiente de Grândola REGULAMENTO INTERNO

Projeto Qualidade de Vida: Cuide-se, se Informe e Viva Melhor.

Projeto de Voluntariado para a Cooperação: MUITO MAIS MUNDO. Plano de acção para o Município de Santa Cruz, Santiago, Cabo Verde.

NUPE NÚCLEO DE PESQUISA E EXTENSÃO PROJETO DE EXTENÇÃO UNIVERSITÁRIA FEUC SOLIDÁRIA 2008 COMBATE À AIDS: UM DEVER DE TODOS

SAÚDE COMO UM DIREITO DE CIDADANIA

Cuidando da Minha Criança com Aids

O Sr. CELSO RUSSOMANNO (PP-SP) pronuncia o. seguinte discurso: Senhor Presidente, Senhoras e Senhores

As parcerias e suas dinâmicas: considerações a ter em conta para a promoção da mudança

Comemoração dos 30 Anos APAF Análise Financeira: alicerce do mercado de capitais e do crescimento económico Intervenção de boas vindas

Por que esses números são inaceitáveis?

REDE TEMÁTICA DE ACTIVIDADE FÍSICA ADAPTADA

memmolde Norte: uma contribuição para a salvaguarda da memória colectiva da indústria de moldes do Norte de Portugal

Clique para editar o estilo

Partido Popular. CDS-PP Grupo Parlamentar. Projecto de Lei nº 195/X. Inclusão dos Médicos Dentistas na carreira dos Técnicos Superiores de Saúde

e construção do conhecimento em educação popular e o processo de participação em ações coletivas, tendo a cidadania como objetivo principal.

Índice. 1. Nota Introdutória Actividades a desenvolver Notas Finais...5

Assistência Médica e Saúde

PÓS-GRADUAÇÃO EM CUIDADOS FARMACÊUTICOS

CURSO: ENFERMAGEM. Objetivos Específicos 1- Estudar a evolução histórica do cuidado e a inserção da Enfermagem quanto às

NCE/10/01121 Relatório preliminar da CAE - Novo ciclo de estudos

O modelo de balanced scorecard

PRESSUPOSTOS BASE PARA UMA ESTRATÉGIA DE INOVAÇÃO NO ALENTEJO

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL E DAS ORGANIZAÇÕES GUIA DE ORGANIZAÇÃO E DE FUNCIONAMENTO DOS ESTÁGIOS

Exmo. Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Exmos. Senhores Membros dos Corpos Directivos da Ordem dos Advogados de Moçambique,

Transcrição:

108 CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS E A SIDA CLÁUDIA CHAVES * (...) se a Medicina (...) continuar a ter que compreender, reconhecer e tratar os doentes e, também, ajudar a promover condições de vida que previnam a doença, então ela terá forçosamente que abarcar nas suas preocupações todos os determinantes envolvidos tanto na questão da saúde como na da doença. José Morgado PEREIRA, Será Possível uma nova Medicina?, 1987, p. 191 Os Cuidados de Saúde Primários (CPS) fazem parte integrante do sistema de saúde do qual constituem o centro, assim como do desenvolvimento social e económico global da comunidade. Proporciona o primeiro nível de contacto do indivíduo, da família e da comunidade, permitindo a aproximação da assistência de saúde o mais perto possível dos locais onde a população vive e trabalha e constituem o primeiro elemento de um processo permanente de assistência de saúde. De encontro ao referido anteriormente, torna-se importante conhecer a definição de cuidados de saúde primários que é proposta na declaração de Alma Ata: Estes consistem na prestação de assistência de saúde essencial, baseada em métodos e técnicas práticas, apropriadas sob o ponto de vista científico e aceitáveis socialmente, postas ao alcance de todas as unidades e famílias das comunidades, com a sua inteira participação e que possa ser financeiramente mantida pelo país e pela comunidade, em todas as fases do seu desenvolvimento, num espírito de auto-responsabilidade e auto-determinação (Imperatori, 1985). O mesmo autor acrescenta ainda que os cuidados de saúde primários são o reflexo das características socioculturais e económicas da sociedade onde estão inseridos, orientam-se para a resolução dos principais problemas de saúde da * Assistente do 1º Triénio na Escola Superior de Saúde do Instituto Superior Politécnico de Viseu.

109 comunidade, implicam a participação de todos os sectores do desenvolvimento, exigem e fomentam a participação da comunidade e a auto-responsabilidade. Baseado também na declaração de Alma Ata da OMS (Nossa, 2001), reforçam-se as actividades que devem estar inseridas nos Cuidados de Saúde Primários, tais como: - Promoção de uma nutrição correcta e de um aprovisionamento conveniente de água potável; - Medidas de saneamento básico; - Saúde materna e infantil, incluindo aqui o planeamento familiar; - Vacinação contra as grandes patologias infecciosas; - Prevenção e redução de endemias locais; - Educação sobre os problemas de saúde predominantes e os meios de os prevenir e tratar; - Tratamento apropriado das doenças e dos traumatismos correntes. Para Vuori (1984), os CPS não traduzem apenas um conjunto de actividades ao nível dos cuidados, significam também uma estratégia de organização dos cuidados de saúde, além de uma filosofia. Por isso, partilhamos da opinião de Silva (1983), que nos diz que há necessidade de fortalecer os cuidados de saúde primários e de diminuir a procura dos cuidados no hospital, de forma a satisfazer melhor e mais economicamente as necessidades. Contudo, em termos de concepções teóricas, a valorização hoje atribuída à prevenção nem sempre se manifestou, existindo no passado ideias contrárias em relação aos seus benefícios. Incidindo os esforços da medicina curativa cada vez mais em doenças para as quais é ineficaz, dispendiosa e penosa, aparece uma nova fantasia: a prevenção da doença realizada por novos profissionais encarregados da manutenção dos corpos. Depois dos cuidados com a doença, os cuidados com a saúde tornam-se uma mercadoria (...). O consumo de cuidados preventivos é o último dos sinais de estatuto social da burguesia. Para estar à moda é hoje necessário fazer um check-up (...). Um certo número de médicos anunciaram nestes últimos dez anos que a medicina ia conhecer uma revolução com o desenvolvimento e a extensão a toda a população de cuidados profissionais preventivos (Illich, 1977, p. 57).

110 Acreditamos que é nos Cuidados de Saúde Primários que há uma participação activa da comunidade e onde se deve procurar o maior bem-estar de respeito, justiça e igualdade através da solidariedade na troca de conhecimentos e outros recursos. Sendo o direito à saúde um direito fundamental de todos os seres humanos, a preocupação dos cuidados de saúde primários deverá privilegiar a promoção e educação para a saúde e a prevenção da doença. Assim, num serviço de saúde que pretende visar os indivíduos, as famílias e a própria comunidade, os cuidados a prestar ultrapassam a actividade desenvolvida dentro do Centro de Saúde. Como nos diz Serrão (2000, p. 98): Toda a educação para a Saúde, toda a prevenção da doença e promoção da saúde, todas as imensas actividades da moderna saúda pública, na óptica das cidades saudáveis, tarefas nobres e difíceis que se dirigem a todos os cidadãos, devem ser actividades prioritárias do Ministério da Saúde em articulação com outras áreas do Governo como a Educação e a Segurança Social, entre outras. A infecção por VIH e a SIDA representa um dos maiores problemas sócio-sanitários a nível mundial, sendo também motivo de inquietação pessoal e profissional. A situação em Portugal a 30 de Junho de 2004 era de 22776 casos notificados de infecção VIH/SIDA nos diferentes estádios de infecção (CNLCS, 2004). A expansão destas doenças infecciosas resultou, em parte, do desenvolvimento tecnológico contemporâneo, traduzindo-se numa mudança do ecossistema físicoquímico e vivencial dos humanos e determinou o aparecimento de muitas doenças infecciosas emergentes, novas ou antigas, mas desconhecidas e com grave repercussão na Sociedade Humana. Definiu-se como SIDA Síndroma da Imunodeficiência Humana Adquirida. O primeiro termo desta designação, síndroma, significa que se trata de um conjunto de sintomas e sinais de doença; imunodeficiência traduz o mau funcionamento do sistema imunitário; humana, porque diz respeito ao ser humano e adquirida, significa que se desenvolve durante a vida do sujeito. É provocada por um vírus que ataca o sistema imunitário da pessoa, impedindo que este funcione como defesa contra os microorganismos patogénicos que provocam várias doenças e infecções, denominado de VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana) (Mateus e Cláudio, 2000). No início, a SIDA manifestou-se como um processo complexo cujas patologias associadas eram infecções e tumores muito pouco frequentes, raramente diagnosticados nos Cuidados Diferenciados. Acresce que os indivíduos infectados eram

111 maioritariamente toxicodependentes de drogas por via endovenosa e residentes em zonas muito concretas do nosso País. Por outro lado a atenção inicial a este problema foi essencialmente hospitalar. Com o passar do tempo, o número de casos foi aumentando, pois a prática de risco continuou e continua a ser maioritariamente a utilização de drogas injectadas, existindo também um grande número de infectados por outras vias (transmissão hetero e homossexual e filhos de mães infectadas,...). Apesar de não se ter conseguido um tratamento curativo para esta infecção, os meios de que a Medicina dispõe melhoraram a sobrevivência e a qualidade de vida dos infectados de forma considerável e, hoje em dia, já se considera a infecção por VIH como uma doença de carácter crónico. A aplicação de medidas profilácticas e tratamentos em fases assintomáticas, o seguimento continuado, o acompanhamento do ponto de vista psicológico e familiar e o cuidar dos doentes terminais exige articulação de mecanismos de resposta difíceis ou impossíveis de coordenar a partir de um hospital. Por várias razões, uma articulação eficaz exige maior agilidade no processo de diálogo aos diversos níveis, transferindo maior capacidade de decisão e maior responsabilidade para os cuidados primários. De facto, a relação entre os cidadãos e o sistema de saúde começa no contacto imediato com os serviços periféricos, isto é, nos que se situam ao nível das estruturas que prestam cuidados básicos. Por outro lado, a percentagem dos problemas que se podem resolver a este nível é superior a 90%, o que torna incompreensível a sobrecarga de solicitações aos cuidados diferenciados nalguns países como Portugal (Grande, 2000). Tendo como premissas o referido anteriormente, e de acordo com Mareque (2002), a diversidade das características sociais e demográficas dentro do mesmo país, fazem com que existam importantes diferenças na prevalência das práticas de risco para a transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) e por consequência o aspecto geográfico da Síndroma da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Este descreve a distribuição da doença e permite identificar as necessidades sócio-sanitárias que dela derivam. Não obstante, esta epidemia pode considerar-se o resultado da soma de várias sub-epidemias, que estão definidas pelos diferentes mecanismos de transmissão do VIH e cada uma delas pode representar uma distribuição geográfica própria. Pensamos que a análise separada da distribuição geográfica destas sub-epidemias nos fornece informação de grande utilidade para dirigirmos a nossa actuação adaptada à situação de cada área geográfica. Como já referimos, a infecção por VIH e SIDA tem vindo a aumentar, fruto de comportamentos de risco relacionados com a utilização de drogas, por via endovenosa, mas também, um grande número de infectados, surgem por outras vias de transmissão hetero e homossexual, transfusões com sangue e hemoderivados e transmissão vertical;

112 factos estes que representam, actualmente, um dos maiores problemas sócio-sanitários a nível mundial. Perante a demora no desenvolvimento de uma vacina para a prevenção da infecção, assim como um tratamento eficaz da doença, leva-nos a afirmar que hoje em dia a prevenção ocupa um lugar primordial de forma a enfrentar esta grande ameaça colectiva, pelo que devemos utilizar todos os recursos que nos proporcionam a informação e educação para a saúde; não esquecendo a luta contra a discriminação e marginalização dos doentes afectados como pilar fundamental na luta contra a infecção. Dentro deste prisma Lucas (1993), diz-nos que a intervenção dos serviços de saúde, principalmente os de cuidados de saúde primários, deverão reforçar a sua intervenção, não apenas como catalisadores de acções nas comunidades a nível local, mas também através de novas iniciativas no domínio da educação para a saúde. Convém realçar a opinião do autor referenciado, que a promoção da saúde, com incidência na prevenção da SIDA, tem como base o potenciar dos recursos humanos locais, na valorização da pessoa humana, numa acção pelos cidadãos e não para os cidadãos. A personalização dos cuidados na assistência à doença é uma característica cada vez mais reclamada pelas sociedades modernas, o que significa a necessidade de maior confiança e maior segurança dos cidadãos em face do poder tecnológico da medicina moderna. É na assistência directa e continuada que caracteriza a relação médico/doente dos cuidados primários de saúde que se obtém este objectivo (Grande, 2000). Neste aspecto, os Médicos de Família são quem distribui os cuidados de saúde primários e, como portas de entrada no sistema, são quem introduz e guia os pacientes no acesso ao sistema de saúde. Converteram-se assim em distribuidores e gestores dos cuidados de saúde (Pinto, 2000, p. 6). O facto de, actualmente, se reclamar uma maior implicação dos Cuidados de Saúde Primários, segundo Romero (2002), deve-se a uma série de características de indubitável valor. Em primeiro lugar, deve-se à capacidade de realizar um seguimento e prestação de cuidados de forma continuada, indispensável aos doentes afectados por VIH/SIDA. Em segundo lugar, deve-se ao facto de os profissionais dos cuidados de saúde primários possuírem uma visão integral do indivíduo que pode facilitar a abordagem global das patologias associadas à SIDA. Finalmente, em terceiro lugar, o tipo de relação com os seus utentes permite desenvolver acções de educação na consulta, sensibilizar e alertar utentes com práticas de risco e também abordar problemas psicossociais dos afectados (tanto doentes como seus familiares), assim como participar em iniciativas dirigidas à comunidade. Acreditamos, assim, que cabe a cada equipa de saúde desenvolver estratégias no combate à SIDA de acordo com a realidade do seu local de trabalho. Sendo os cuidados de saúde primários o nosso objecto de reflexão, pensamos

113 que os mesmos deveriam apoiar-se na cooperação e no trabalho de equipa entre prestadores de cuidados de saúde, indivíduos, famílias e grupos da comunidade. Contudo, é interessante verificar, de acordo com Vuori (1984), em relação ao termo cuidados de saúde primários, alguma confusão semântica e conceptual à volta da noção de equipa, a par da perigosa falácia de que o trabalho em equipa seria uma panaceia para tudo e para todos. No campo da saúde, é a partir da década de 70, fruto de um crescente conhecimento científico e técnico, que os conceitos de equipa e trabalho de equipa começam a interessar os profissionais de saúde. A este facto não está alheio o papel pioneiro que a Organização Mundial de Saúde tem na reorganização de políticas e dos sistemas de saúde. Os autores que, nas últimas duas décadas, têm abordado a experimentação e o desenvolvimento do trabalho em equipa no âmbito dos cuidados de saúde primários têm posto em evidência a sua superioridade em relação às formas clássicas de organização do trabalho (Lourenço, 1989). Até 1990, em todos os Estados membros os sistemas de cuidados de saúde primários deveriam apoiar-se na cooperação e no trabalho de equipa entre prestadores de cuidados de saúde, indivíduos, famílias e grupos de comunidade (OMS, As metas da saúde para todos, 1985). A citada meta n.º 29, implica que os Estados membros invistam noutro modelo de políticas de saúde, tanto de formação dos profissionais de saúde, como de organização e gestão dos serviços de saúde, de forma a beneficiar a mudança de atitude e comportamentos, facilitando o trabalho em equipa, promovendo a participação comunitária, garantindo a cooperação intersectorial e desenvolvendo, desta forma, competências dos não-profissionais em matéria de cuidados. Tendo em conta a ausência de tratamento curativo, a prevenção converte-se na arma mais eficaz, de combater ou travar esta pandemia. Mas, para realizar esta prevenção de forma eficaz, terá que necessariamente se conhecer a história da doença para uma melhor actuação e intervenção junto da comunidade. A SIDA é o exemplo (...) de que as doenças não são apenas fenómenos biológicos, mas também construções sociais. Porque atacam os corpos que, longe de serem meras anatomias e fisiologias, são «corporizações da sociedade». No caso é ainda o próprio vírus que se constrói. Miguel VALE DE ALMEIDA, SIDA está-nos no sangue

114 BIBLIOGRAFIA GRANDE, N. R.. Cuidados de saúde primários: pedra angular dos sistemas de saúde. In Fórum de Economia da Saúde. Porto, Departamento de Clínica Geral e Instituto Superior de Estudos Empresariais da Universidade do Porto. p. 77 87. ILLICH, Ivan. Limites para a medicina. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1977. IMPERATORI, Emílio. Avaliação de centros de saúde: aspectos conceptuais. Lisboa: Direcção Geral de Cuidados de Saúde Primários, 1985. LOURENÇO, R.. Trabalho em equipa. Estudo do caso do centro de saúde de Aljustrel: um ano de experiência. Lisboa: Escola Nacional de Saúde Pública, 1989. Relatório Final do Curso de Saúde Pública II/88. LUCAS, João Santos. SIDA: a sexualidade desprevenida dos portugueses. Lisboa: McGraw-Hill, 1993. ISBN 972-9241-50-3. MAREQUE, Isaura Martinez. Papel de la enfermería en la prevención de VIH/SIDA. In I Curso Seminário de Intervención Educativa en Población General sobre el SIDA. Mesa Redonda: Manejo del SIDA en Atención Primaria. Santa Cruz de Tenerife: Instituto de Formación Médica Continuada de Tenerife, 2002. p. 159-175. MATEUS, M.; CLÁUDIO, V.. SIDA: eu e os outros. 1ª ed. Lisboa: Climepsi Editores, 2000. p. 277-292. NOSSA, Paulo Nuno S.. Geografia da Saúde: o caso da SIDA. Oeiras: Celta Editora, 2001. ISBN 972-774-096-0. OMS. As metas da saúde para todos: metas da estratégia regional europeia da saúde para todos. Lisboa: Ministério da Saúde, Departamento de Estudos e Planeamento, 1985. PEREIRA, João Paulo Soares. Aspectos psico-sociais do doente seropositivo: da morte social à morte física. Coimbra: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. de Coimbra, 1997. PINTO, A. S.. Fórum de Economia da Saúde. Porto: Instituto Superior de Estudos Empresariais da Universidade do Porto, Departamento de Clínica Geral, Fevereiro 2000, p. 5-13. ROMERO, Josefina Monteagudo; GUZMÁN, Adolfo Figueiras. VIH/SIDA en atención primaria: necesidades y actitudes de los profesionales gallegos. In I Curso Seminário de Intervención Educativa en Población General sobre el SIDA. Mesa Redonda : Manejo del SIDA en Atención Primaria. Santa Cruz de Tenerife: Instituto de Formación Médica Continuada de Tenerife, 2002. p. 179-186. SERRÃO, D.. Refundação do Sistema Nacional de Saúde. In Fórum de Economia

115 da Saúde. Porto: Departamento de Clínica Geral e Instituto Superior de Estudos Empresariais da Universidade do Porto, Fevereiro 2000, p, 89-102. SILVA, J. M. Caldeira da. O papel dos hospitais em cuidados de saúde primários. Revista Portuguesa de Saúde Pública. Lisboa. Vol. 2 (Abril 1983), p. 5-10. VUORI, H.. Primary health care in Europe: problems and solutions. Community Medicine. Nº 6 (1984), p. 221-231.