Searle: Intencionalidade Referências: Searle, John, The background of meaning, in Searle, J., Kiefer, F., and Bierwisch, M. (eds.), Speech Act Theory and Pragmatics, Dordrecht, Reidel, 1980, pp 221-232. Searle, John, Intentionality, Cambridge, Cambridge University Press, 1983. Característica dos estados mentais de serem sobre algo, ou direccionados a algo (aboutness). Conceito com origem na Idade Média, retomado por Franz Brentano no final do século XIX: Intencionalidade como a marca do mental. Ser consciente é ser consciente de algo. Crer (acreditar) é crer em algo, ou que algo é o caso. Desejar é desejar algo ou que algo seja o caso. Recear é recear algo ou que algo seja o caso. Ter uma intenção é ter a intenção de fazer algo ou de que algo seja o caso. Etc. Para Brentano, os estados intencionais são direccionados a objectos que lhes são imanentes. 1
Estes objectos podem ser fictícios (p.ex., no caso da imaginação e da fantasia), o que coloca problemas ontológicos. IMPORTANTE: Intencionalidade não é o mesmo que intenção. Uma intenção é um tipo de estado intencional, assim como crenças, desejos, etc. Proposta de Searle: Intencionalidade com I maiúsculo para caracterizar todos os estados intencionais. A palavra intenção, com i minúsculo, como um tipo de estado intencional. Searle e a Intencionalidade Representações em geral são dotadas de Intencionalidade, isto é, são sobre algo. Representações linguísticas e outras (pictóricas, por exemplo) têm uma Intencionalidade derivada. Estados mentais têm uma Intencionalidade intrínseca (a Intencionalidade das representações externas deriva da Intencionalidade dos estados mentais). 2
Segundo Searle, a Intencionalidade dos estados mentais não pressupõe uma Intencionalidade que lhe seja anterior (risco de regresso infinito). Ela é causada pela e realizada na estrutura do cérebro. Para Searle, nem todos os estados mentais são dotados de Intencionalidade. Por exemplo, certos estados de ansiedade sem objecto não são estados intencionais. Análise dos estados intencionais: semelhante à desenvolvida para os actos de fala. Actos de fala: F(p) F: força ilocutória p: conteúdo proposicional Estados intencionais: S(r) S: modo psicológico r: conteúdo proposicional / representacional Direcção de adequação (direction of fit): outro conceito retomado da teoria dos actos de fala. 3
Direcção mente-mundo (mind-to-world): Crenças. Direcção mundo-mente (world-to-mind): Desejos, intenções. Sem direcção de adequação : Vergonha, prazer, etc. Condições de satisfação: conceito também retomado da teoria dos actos de fala. Estados intencionais com conteúdos proposicionais (isto é, cujos conteúdos consistem em proposições) e direcção de adequação, têm condições de satisfação. Essas condições de satisfação são determinadas pelos seus conteúdos. Assim, a crença de que está a chover tem como condição de adequação o facto de estar realmente a chover (a mente conforma-se ao mundo ). O desejo de comer gelado de peixe com chocolate tem como condição de satisfação o facto de se comer gelado de peixe com chocolate (o mundo conforma-se à mente ). 4
Há estados intencionais, como amar, que não têm um conteúdo proposicional, no sentido de que o seu conteúdo não consiste numa proposição. No entanto, têm algum conteúdo representacional, e estão ligados a outros estados intencionais (como crenças e desejos) que têm conteúdo proposicional. Quanto aos estados intencionais sem direcção de adequação, estão ligados a estados intencionais que têm direcções de adequação, como crenças e desejos. Assim, a estrutura de um estado intencional consiste num modo psicológico relacionado a um conteúdo proposicional/representacional. Não se trata, porém, de uma relação entre uma pessoa e uma proposição (isto seria confundir o objecto de um estado intencional com o conteúdo de um estado intencional). Exemplo: João acredita que Cavaco Silva é o presidente de Portugal. 5
O conteúdo da crença de João é a proposição de que Cavaco Silva é o presidente de Portugal. Mas o objecto da crença é o próprio Cavaco Silva, na sua condição de presidente. Esta distinção feita por Searle tem como objectivo solucionar certos puzzles filosóficos relacionados com estados intencionais que teriam como objectos entidades ou situações fictícias, imaginadas, contrafactuais, etc. Exemplo (1): Maria Albertina quer que Harry Potter se case com Hermione Granger. O conteúdo do desejo de Maria Albertina é a proposição de que Harry Potter casa-se com Hermione. Mas neste caso, embora o estado intencional tenha um conteúdo, ele não tem objecto. Exemplo (2): Arlindo Orlando imagina uma situação que o Sporting foi o campeão português na época 2006-2007. 6
O conteúdo do acto de imaginação de Arlindo Orlando é a proposição de que o Sporting foi o campeão português na época 2006-2007, mas também neste caso, o estado intencional não tem objecto. Tanto nas obras de ficção (actos de fala) quanto na imaginação, fantasia, etc. (estados intencionais), há conteúdos, mas o compromisso com uma relação de adequação (mente-mundo) não é mantido. Nesses casos, é como se houvesse condições de satisfação, mas não há nada que satisfaça essas condições. Estados intencionais: conteúdo depende da sua posição numa rede de outros estados intencionais (uma rede de extensão indeterminada). Por exemplo, a crença de que Cavaco Silva é o Presidente da República pressupõe um número indeterminado de outras crenças e estados intencionais. Isto deve-se não apenas ao facto de que é impossível, num dado momento, contar quantas crenças uma pessoa tem, mas também ao facto de que, a partir de uma certa altura, chegaremos a proposições que, num certo sentido, não podemos qualificar como crenças. Por exemplo, as proposições de que as pessoas só votam quando estão 7
acordadas, de que o acto eleitoral se realiza na superfície da Terra, de que o boletim de voto é um objecto sólido, etc. Assim, a rede de estados intencionais, por sua vez, pressupõe um Background de capacidades mentais baseadas em práticas, know-how, etc., que não são representacionais. São formas básicas, pré-intencionais, de lidar com o mundo O Background normalmente só se torna explícito quando ocorre uma falha (breakdown). Consequências da teoria de Searle sobre a Intencionalidade e o Background para a Filosofia da Linguagem e da Comunicação. A significação mesmo a significação literal pressupõe sempre um Background. As condições de verdade de um enunciado literal variam de acordo com o Background. Donde, uma visão radicalmente contextualista da significação: mesmo o significado literal é dependente do contexto. As suas condições de verdade serão fixadas de acordo com o contexto ou as circunstâncias da enunciação. 8
Dito de outro modo: há um hiato intransponível entre o significado da frase e o significado do falante. O significado (mesmo o literal) subdetermina o que é dito. Exemplo: O verbo cortar tem o mesmo significado em frases como (1) O João cortou o bolo. (2) A Maria cortou o tecido. (3) O António cortou a relva. No entanto, em cada um desses casos o verbo cortar pressupõe um Background diferente, relacionado com as práticas correspondentes. Assim, se eu peço ao João para cortar o bolo, não espero que ele o faça com um cortador de relva. Da mesma forma, se eu peço ao António para cortar a relva, não espero que ele o faça com uma faca. Casos como estes, em que ocorre uma falha (breakdown), expõem o Background que é tomado como adquirido (taken for granted). 9
O fenómeno da subdeterminação do que é dito pelo significado literal das frases é um caso particular de um fenómeno mais geral: as condições de satisfação do conteúdo de um estado intencional variam de acordo com o Background. E pode haver casos em que, de acordo com o Background, o conteúdo intencional não determina nenhuma condição de satisfação. Conclusão: a nossa capacidade de representação intrínseca no caso dos estados mentais pressupõe sempre um fundo não-representacional. E o processo de explicitação dos elementos deste fundo não tem um termo aparente. 10