1014 DESEJO DE SER PROFESSOR OU ESCOLHA DO POSSÍVEL? INGRESSO NA UNIVERSIDADE DE ESTUDANTES DE BAIXO NÍVEL SOCIOECONÔMICO EM CURSOS DE PEDAGOGIA Priscila Andrade Magalhães Rodrigues CBNB / PUC-Rio Eixo Temático: Formação de professores e processos de inclusão/exclusão em educação Categoria: Pôster Introdução e objetivo Ao atuar como professora da escola básica nestes últimos quatro anos me defrontam as questões da precariedade da formação do curso de Pedagogia, do qual sou oriunda. Enquanto estudante pude participar de discussões sobre a formação que tínhamos durante nosso curso. As questões e dúvidas eram muitas: como seria alfabetizar crianças? Como ensinar tantos princípios a elas, sendo que estudávamos apenas um semestre de disciplinas como processo de alfabetização, matemática, ciências, geografia e história, o que em geral era considerado insuficiente para a nossa formação? Além dessas questões, percebíamos que o estágio supervisionado também não dava conta de fazer uma ponte entre os conhecimentos estudados na universidade e a prática de sala de aula. Atualmente, desenvolvendo pesquisa de doutorado sobre a questão da formação docente oferecida pelos cursos de Pedagogia, percebo que a questão fundamental está nas condições de formação oferecidas ao estudante, o que engloba inúmeros aspectos relacionados à infraestrutura do próprio curso, e também a trajetória escolar do futuro docente, desde a educação básica, bem como de suas condições para se dedicar aos estudos universitários. Este artigo analisa o perfil de estudantes que cursam Pedagogia nos períodos diurno e noturno, buscando identificar se existem diferenças entre os alunos nestes dois turnos que repercutiriam
1015 (positiva e negativamente) na formação para o trabalho do professor. Discute ainda se a opção de ser professor é um desejo ou uma escolha possível para o ingresso na universidade. Referencial teórico-metodológico Este estudo trata-se de um recorte que analisa uma etapa inicial de pesquisa cujo objetivo foi o de realizar a testagem do instrumento, no caso um questionário. Esse pré-teste foi realizado com uma amostra 50 estudantes de dois cursos de Pedagogia do estado do Rio de Janeiro, de uma universidade federal e de uma particular. Este estudo é braço de uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Pesquisas em Sociologia da Educação (SOCED/PUC-Rio), cujo estudo avalia as condições de formação e do desenvolvimento do trabalho discente, considerando os perfis, trajetórias escolares e condições de estudo desses futuros professores. Inspirados por Costa e Teixeira Lopes (2009) decidimos elaborar um quadro de referência teórico-metodológico a partir de três blocos de análise de nosso estudo, a saber: condições de origem social / perfil do estudante; condições de estudo oferecidas pelo curso de Pedagogia; e condições para estudo do próprio estudante. Elias (1987), Bourdieu (2006) e Bourdieu e Passeron (1975), dão sustentação ao estudo, tendo em vista que as escolhas dos indivíduos estão ligadas a um agir aprendido na vida em sociedade, ou por meio de sua inserção em determinado campo. O próprio curso de Pedagogia está inserido no campo universitário, e ele é analisado considerando-o como parte de um processo maior de demanda crescente por cursos universitários, e de um movimento de democratização deste, que carrega consigo processos de desigualdade de acesso e permanência. Constatações iniciais Em nossas constatações, com relação ao perfil dos estudantes, notou-se que aqueles que cursam no período noturno possuem nível sócio econômico inferior aos dos cursos diurnos, como também encontramos em Carrano (2009) e Dias et. al. (2008). São estes estudantes,
1016 dos cursos noturnos, que demonstram maior interesse em ser professor, possivelmente porque muitos já atuam na profissão e cursam Pedagogia pela necessidade da titulação. A escolha pelo curso de Pedagogia está ligada à menor concorrência do vestibular, corroborando com os estudos citados acima, que revelam que as notas dos candidatos às vagas dos cursos de Pedagogia estão dentre as mais baixas dos vestibulares de todo o país, bem como estes estão situados nos mais baixos níveis sócio econômicos entre os candidatos a vagas no ensino superior. O estudante de pedagogia faz parte de um campo social definido por estrutura e lógicas próprias e como um espaço de possibilidades (BRANDÃO, 2010, p. 231). Nesse campo, ele utiliza de estratégias que estão relacionadas aos meios disponíveis (capitais) e aos objetivos a alcançar (ibidem), que no caso é o de melhorar a posição que ele detém no campo social. Neste aspecto, temos como hipótese que o fato do curso de pedagogia ser segunda opção para a maioria dos estudantes, como verificamos, pode significar o que Bourdieu chama de escolha pelo possível, ou seja, já que o estudante de origem socioeconômica baixa não possui base escolar suficiente para passar nos exames de seleção dos cursos de maior prestígio, ele lança mão da estratégia mais razoável para ingresso no ensino superior (BOURDIEU, 2006), no caso, Pedagogia, curso de baixa relação/candidato vaga e de menor custo (no caso das universidades particulares, e mesmo para o investimento nos estudos como em compras de livros, ou pela possibilidade de estudar em curso noturno, logo, podendo trabalhar e estudar). Quanto às condições para estudo oferecidas pela Universidade, cerca de 69% dos estudantes afirmam querer que o curso exija mais deles. Os estudantes sentem falta de um apoio mais próximo da Universidade, seja através de recursos pedagógicos ou monitoria, o que suscita a questão sobre em que medida o curso de Pedagogia desenvolve estratégias para que seus estudantes superem as deficiências de sua formação anterior e se preparem
1017 adequadamente para assumir o magistério, estando aptos a desenvolver um trabalho docente de qualidade, bem como promover uma educação de qualidade. Entendemos que para que os estudantes tenham condições favoráveis à sua formação são necessários inúmeros aspectos estruturais/organizacionais da Universidade. Além dos aspectos físicos e de serviços, precisamos considerar também que a própria construção curricular de um curso é fundamental na formação universitária. Neste sentido, vale pensar nos cuidados que Tardif (2008) julga necessários ao se planejar um curso universitário mais voltado aos interesses e necessidades dos estudantes que às necessidades da universidade. Segundo ele, o ensino deve estar à disposição do aprendizado dos estudantes. Nós cremos, por conseguinte, que um programa de qualidade deve estar centrado de preferência nos estudantes e em seu aprendizado, e não em critérios administrativos (os horários, a repartição dos cursos entre as disciplinas etc.) ou nos interesses e nas crenças de formadores (por exemplo, na importância de sua disciplina, na defesa de seu território, de sua autoridade etc.). O objetivo de um programa não é de satisfazer os formadores na repartição dos cursos, mas sim de fazer que os alunos aprendam os elementos essenciais de sua futura prática profissional (Tardif, 2008: 10). Por fim, os estudantes afirmam terem poucas condições para se dedicarem aos estudos, dividindo-se entre o trabalho e família e mesmo realizando longos deslocamentos diários que consomem boa parte de seu tempo. Suas condições para estudo, são, portanto, inferiores às de estudantes de carreiras de prestígio, quando ainda precisam lidar ainda com baixo capital econômico, social e cultural. Portanto, para lidar com o jogo do campo universitário, ele cria, estratégias para a sua manutenção neste jogo, que já é bastante desigual frente às demais carreiras universitárias. Logo, como Ann Lieberman (apud NÓVOA, 2007) afirma, esses estudantes demandariam condições materiais e humanas para poderem ir mais longe, ou seja, demandariam maior dedicação e investimento no curso superior, condições estas que a maioria não possui, de modo a contrabalançar as possíveis deficiências de sua formação básica.
1018 Referências BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre, RS: Zouk, 2006. BOURDIEU, P; PASSERON, J. C. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. BRANDÃO, Z. Operando com conceitos: com e para além de Bourdieu. Educação e Pesquisa (USP. Impresso), v. 36, p. 227-241, 2010. CARRANO, P. Jovens Universitários: acesso, formação, experiências e inserção professional. In: SPOSITO, M. (coord.). Estado da Arte sobre juventude na pós-graduação brasileira : educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006), volume 1. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2009. DIAS, T.; et al. Cursos diurnos e noturnos: fatores de aprovação no vestibular da UFMG. Cadernos de Pesquisa, v. 38. n. 133, p. 127-146, jan./abr. 2009. ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. GATTI, B.; coord. A atratividade da carreira docente no Brasil. São Paulo: Fundação Victor Civita e Fundação Carlos Chagas, 2009. NÓVOA, A. O regresso dos professores. Comunicações da conferência: desenvolvimento profissional de professores para a qualidade e para a equidade da aprendizagem ao longo da vida. Portugal: Presidência Portuguesa do Conselho da União Européia, 2007, p. 21-28. TARDIF, M. Princípios para guiar a aplicação dos programas de formação inicial para o ensino. Anais do XIV ENDIPE, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. v. 1. p. 17-46. Teixeira Lopes, J. OS ESTUDANTES E OS SEUS TRAJECTOS NO ENSINO SUPERIOR: Sucesso e Insucesso, Factores e Processos, Promoção de Boas Práticas, Relatório final de Pesquisa, Portugal: 2009.