ÁLGEBRA: PENSAR? CALCULAR? COMUNICAR? Lucia Tinoco - ltinoco@skydome.com.br Maria Palmira Costa Silva - mariapalmira@globo.com João Rodrigo Esteves Statzner - pfundao@im.ufrj.br Ana Lucia Bordeaux Rego Gilda Maria Portela Marcos Antônio Correia de Souza Kelly Regina de P. Motta Projeto Fundão Instituto de Matemática Universidade Federal do Rio de Janeiro - BRASIL No Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Brasil, a equipe do Projeto Fundão realiza atividades de pesquisa, ensino e extensão em Educação Matemática, há 25 anos. Nesta equipe, trabalham em conjunto professores da Universidade, professores da escola básica e futuros professores, alunos do Instituto de Matemática. O presente trabalho foi realizado a partir da preocupação dos professores da escola básica da equipe, com o baixo nível de aprendizagem e de interesse dos seus alunos em relação à Álgebra, que contrasta com o longo tempo despendido com o ensino desse tópico nos 12 anos de escola básica no Brasil. Os motivos de tal preocupação vêm sendo confirmados em avaliações institucionais, como o SAEB, no Brasil, bem como em pesquisas sobre o assunto (Souza, E. R. e Diniz, M. I., 1994; Fiorentini, D., Miorim, A. e Miguel, A., 1993; Coxford, A. e Shulte, A., 1994, Arcavi, A., 1995) e podem levar alunos e professores a questionar a validade desse ensino. Começamos então, com um grupo do Projeto Fundão, uma pesquisa sobre o desenvolvimento do pensamento e da linguagem algébrica no ensino básico. Os objetivos gerais dessa pesquisa foram: identificar as funções da Educação Algébrica no ensino básico;
propiciar a reflexão dos professores deste nível escolar sobre os prejuízos de um ensino mecanizado da Álgebra e fornecer subsídios a esses professores para realizar um ensino significativo desse tópico. Na tentativa de responder às perguntas acima, analisamos artigos dos pesquisadores mencionados e outros, que apontam os mesmos problemas detectados na nossa experiência, mas salientam, por outro lado, a riqueza da Educação Algébrica no currículo do ensino fundamental, explicitando suas diversas funções,: generalizadora da Aritmética, estudo de processos para resolução de problemas, expressão da variação de grandezas e estudo de estruturas matemáticas. Essas funções foram incorporadas há dez anos nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Brasil (Brasil, 1998). Os autores citados destacam ainda que o ensino de Álgebra que contempla e integra tais funções poderá contribuir para o desenvolvimento da criatividade, da concentração, do raciocínio lógico e do abstrato, das habilidades de generalizar e de comunicar idéias. Conscientes da importância do ensino de Álgebra na escola básica, passamos a perseguir os dois últimos objetivos propostos, de certa forma, simultaneamente. Partimos da hipótese de que, ao procurar entender as dificuldades dos alunos em Álgebra e explicitar lacunas na formação dos mesmos, a busca de propostas de caminhos para a sua superação torna- se um movimento natural. Isto também porque o trabalho do Projeto Fundão tem sempre como objetivo principal fornecer subsídios para a melhoria do processo ensino- aprendizagem de matemática. Na primeira fase da pesquisa, duas professoras do grupo aplicaram um teste por meio de entrevista com alunos do Ensino Fundamental: três do 9º ano, um do 8º ano e três do 7º ano. Nessa entrevista, o objetivo foi o de detectar indícios de lacunas na formação algébrica dos alunos envolvidos, o que poderia servir de base para a conscientização dos professores sobre a necessidade de mudança. Especificamente, pretendeu - se observar se esses alunos reconhecem a noção de variável em diversos contextos e, no caso afirmativo, como a usam.
Ou seja, como eles usam letras para generalizar um fenômeno ou para expressar o resultado de uma medição ou de uma operação; se admitem a possibilidade de usar letra ou expressão algébrica para representar um dado numérico; se escrevem expressões algébricas e se resolvem equações simples, escritas na forma padrão ou não. Ao analisar as entrevistas, o grupo resolveu aplicar o mesmo teste, por escrito, sem intervenção do professor, a 100 alunos de 5 turmas de 1º ano do ensino médio, com o objetivo de observar o desempenho de alunos, supostamente, mais maduros do que os entrevistados. A amostra incluiu alunos com experiência matemática e níveis de desempenho em matemática bem variados. As respostas ao teste escrito e às entrevistas se complementaram. A diferença de nível escolar não afetou o tipo de respostas e/ou as dificuldades, que coincidem também com as apontadas nos estudos analisados pelo grupo. Em geral, os alunos não parecem admitir que o resultado de uma contagem, de uma operação ou de uma medição possa ser dado por uma expressão algébrica, principalmente se esta expressão tiver mais de um termo. Daí a freqüência de respostas nas quais a variável é substituída por um valor numérico, pelos mais diversos critérios. Há respostas sugestivas de que seus autores estão na fase de transição entre os estágios retórico e simbólico do desenvolvimento da linguagem algébrica (Struick, 1989), o que é natural, mas exige atenção especial para que esta transição se complete. Mesmo entre os alunos que escrevem expressões algébricas, foram detectadas dificuldades como: pensar que toda expressão tem de ser igualada a um número ou pelo menos a uma letra (em geral, x); transformar erroneamente uma expressão, tentando simplificá- la; usar sinais de pontuação (parêntesis) inadequadamente; igualar indevidamente uma expressão a 0, obtendo uma equação; interpretar precariamente informações codificadas, por exemplo, por legenda; realizar procedimentos aparentemente aleatórios ao resolver equações. Uma minoria desses alunos reconhece a relação de proporcionalidade em
situação dada e/ou usa o conceito de divisão para resolver equação apresentada sob forma não padronizada. Considerando então o relevante papel da Álgebra no currículo, suas várias dimensões e a não compreensão pelos estudantes dos conceitos e procedimentos mais ligados a esse tópico da Matemática, pode- se por em dúvida o estudo do tecnicismo algébrico no seu ensino. Este tecnicismo está estreitamente ligado à Álgebra, como estudo de estruturas, mas sua importância, num currículo do Ensino Fundamental, está em ser ferramenta para a exploração das demais funções da Álgebra: generalizar a Aritmética, resolver problemas e relacionar grandezas variáveis. Um aluno compreenderá tanto mais essa importância, na medida em que utiliza essa ferramenta em tarefas significativas, nas quais se faz necessário aprimorar esses procedimentos. Tendo como base a necessidade de um tratamento integrado das funções da Álgebra e visando a fornecer subsídios a professores interessados em realizar um ensino de Álgebra com essa orientação, a equipe desenvolveu então um trabalho de procura, adaptação, elaboração e aplicação de atividades para alunos do ensino fundamental e médio do Rio de Janeiro. A análise dos resultados dessas aplicações permitiu a explicitação de aspectos que podem ser considerados eixos orientadores dos caminhos e estratégias para um ensino significativo de Álgebra. Abordaremos brevemente neste texto dois deles: o conceito de variável e o simbolismo algébrico, particularmente, nas equações, salientando que a divisão feita aqui teve apenas motivos didáticos. O conceito de variável Ao tratar de ensino de Álgebra com compreensão e de integração entre os diversos papéis deste ramo da matemática, vale salientar a relação da Álgebra com os vários campos da Matemática, especialmente com as funções, uma vez que entre as suas principais dimensões está a de usar as variáveis para descrever fenômenos de variação. E é neste aspecto que destacamos o conceito de variável como central e, ao mesmo tempo, um dos mais complexos da matemática (Caraça, 1984, Tinoco, 1996). De fato, a experiência dos alunos com
a Álgebra é muito restrita para que esse conceito seja construído por eles. Consideram, em geral, que uma letra em matemática é sempre uma incógnita cujo valor deve ser determinado. No estudo introdutório das noções de variável e de função devemos considerar a importância do conceito de proporcionalidade. As experiências dos autores do presente trabalho e a dos grupos do Projeto Fundão que desenvolveram estudos sobre Proporcionalidade (Tinoco, 1993) e Funções (Tinoco, 1996) confirmam as idéias expostas por Post, T. R., Beher, M. J. e Lesh, R (1994), que resumimos a seguir. O pensamento proporcional pode contribuir para o desenvolvimento da Álgebra, se levarmos em conta que muitas situações do cotidiano e da escola elementar são regidas pelas regras de proporcionalidade. A vivência de tais situações pelos alunos torna bastante natural a sistematização dessas regras e do conceito. O raciocínio com proporções envolve: senso de co- variação, comparações múltiplas, predição e inferência, que utilizam métodos de pensamento qualitativo e quantitativo. Observe- se que o raciocínio qualitativo não depende de valores específicos, além de ser importante meio para se esboçar caminhos e respostas, bem como para verificar a adequação destes ao problema. No presente trabalho, merecem destaque especial a observação e a generalização de regularidades, bem como o estabelecimento de relações em geral, que incluem, mas não se limitam a situações envolvendo proporcionalidade. O simbolismo algébrico Começar a usar a linguagem algébrica representa de fato, para os alunos, uma ruptura no modo de pensar e agir em matemática. Até mesmo estudantes que executam as técnicas algébricas com êxito, muitas vezes, não compreendem tais técnicas e pouco conseguem concluir a partir de e/ou comunicar por meio das expressões simbólicas (Arcavi, 1995). Por exemplo, ao ser solicitado a explicar por que a soma de três números naturais consecutivos é sempre um múltiplo de 3, muito raramente, um aluno toma a iniciativa de
representar algebricamente esses números e, mesmo sendo conduzido a fazer essa representação e efetuar as manipulações necessárias, tem muita dificuldade em concluir a explicação pedida a partir da expressão simbólica. O uso da linguagem e das técnicas algébricas para argumentar matematicamente é muito pouco explorado. Observamos também que, em geral, os alunos são pouco solicitados a escrever expressões algébricas; as expressões lhes são apresenta das para que resolvam, fatorem, simplifiquem, etc. Neste sentido, exploramos situações em contextos variados para discutir o manuseio de técnicas da Álgebra, mostrando a necessidade e a importância do uso da linguagem simbólica com compreensão. Para tal insistimos na valorização de experiências de escrita e de interpretação de textos em matemática pelos alunos, com ênfase na passagem da linguagem corrente para a simbólica, e vice- versa, como também na reflexão sobre atividades que explorem o papel das equações e das incógnitas. Esta estratégia está em sintonia com o que foi dito sobre a construção do conceito de variável, e é neste sentido que consideramos indissociáveis os dois aspectos. Uma função da Álgebra bastante explorada no nível do ensino básico é a da resolução de problemas por meio das equações. Merece reflexão, no entanto, o fato de que esta função é reduzida quase sempre ao simples estudo de procedimentos mecanizados para resolver equações. Ao contrário, deve- se considerar que resolver uma equação não requer, somente, manipulações padronizadas para fornecer o resultado desejado. A leitura de uma equação, antes de efetuar procedimentos - padrão é fundamental; ler significativamente as relações estabelecidas numa equação consiste também em observar e questionar o como e o porquê do valor encontrado para a incógnita. As vantagens da manipulação algébrica portanto devem ser encaradas com cuidado, uma vez que considerar apenas as técnicas a executar pode prejudicar o desenvolvimento do que Arcavi (1995) chama de sentido do símbolo. Segundo este pesquisador: Indivíduos que sabem como executar as manipulações algébricas, mas não consideram a possível relevância dos símbolos para revelar a
estrutura do problema que despertou sua curiosidade, não desenvolveram integralmente seu sentido de símbolo. (p.43). Nosso desejo é de que estudantes e professores se dediquem mais à analise e à interpretação dos problemas e suas soluções, onde são utilizados diversos tipos de símbolos. Neste sentido, destaca- se a importância das justificativas, por parte dos estudantes e do professor, permitindo a discussão dos significados produzidos por eles na realização de procedimentos algébricos, o que poderá minimizar as dificuldades de aprendizagem apontadas inicialmente. Referências Bibliográficas ARCAVI, A. O Sentido do Símbolo Atribuindo um Sentido Informal à Matemática Formal, em Álgebra, História, Representação; Série Reflexão em Educação Matemática, vol 2, p. 38-72, Rio de Janeiro, 1995. CARAÇA, B. J. - Conceitos Fundamentais da Matemática, Ed. Sá da Costa, Lisboa, 1984. COXFORD, A. F. e SHULTE, A. P. (org.) - As Idéias da Álgebra - Atual Ed., São Paulo, 1994. FIORENTINI, D., MIORIM, Â. e MIGUEL, A. - Contribuição para um Repensar... a Educação Algébrica Elementar, em Pro- posições, Vol. 4 n 1, p.78-90, Campinas,1993. BRASIL, SEF/MEC Parâmetros Curriculares Nacionais Matemática, 5ª a 8ª séries, SEF/MEC, Brasília, 1998. TINOCO, L. A. A.(coord.). - Razões e proporções, Projeto Fundão, IM/UFRJ, Rio de Janeiro, 1993. TINOCO, L. A. A. (coord.) - Construindo o Conceito de Função - Projeto Fundão, Instituto de Matemática, UFRJ, Rio de Janeiro, 1996. SOUZA, E. R. de e DINIZ, M. I. S. V. - Álgebra: das Variáveis às Equações e Funções. 2º ed. IME / USP, São Paulo, 1996. STRUIK, J. D. - História Concisa das Matemáticas, Ed. Gradiva, Lisboa, Portugal, 1989.