Taquicardia paroxística supraventricular com bloqueio atrioventricular: qual é o diagnóstico? Marcos Roberto Queiroz Franca, MD, André Assis Lopes do Carmo, MD, Júlio César Vieira de Sousa, MD, Sissy Lara, MD, Maurício Ibrahim Scanavacca, MD, Eduardo Argentino Sosa, MD Unidade de Arritmia e Marcapasso, Instituto do Coração da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil Resumo Uma paciente de 47 anos apresentava quadro de taquicardia paroxística supraventricular desde a adolescência e foi encaminhada para ablação por cateter. O ECG de 12 derivações mostrava ritmo sinusal e sem pré-excitação ventricular manifesta. Durante tentativa de cateterização do seio coronário, induziu-se uma taquicardia supraventricular com ciclo atrial de 274ms e bloqueio atrioventricular 2:1 transitório, apresentando intervalo RP` curto quando o batimento ventricular era conduzido (Figura 1). A duração do ciclo sinusal basal e dos intervalos átrio-his (AH) e His-ventrículo (HV) foram 670ms, 75ms e 48ms, respectivamente. A estimulação atrial programada demonstrou a presença de fisiologia de dupla via nodal. Estimulação ventricular programada (EVP) demonstrou condução atrial retrógrada concêntrica e não-decremental. Uma taquicardia supraventricular com condução AV 1:1 foi induzida com extra-estímulo atrial (Figura 2A), entretanto no terceiro batimento houve prolongamento do intervalo VA com idêntica condução atrial retrógrada concêntrica. Um extra-estímulo ventricular introduzido quando o feixe de His estava refratário foi mostrado na figura 2B. Quais são os mecanismos destas taquicardias? Correspondência: Eduardo A. Sosa, MD. Instituto do Coração, Unidade de Arritmia e Marcapasso, av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 CEP 05403-900 - São Paulo-SP, Brasil. Telefone: +55 11 3069-5341. E-mail: eduardo.sosa@incor.usp.br Abreviações: TRN: taquicardia por reentrada nodal; TRAV: taquicardia por reentrada atrioventricular; VA: ventrículo-atrial; AV: atrioventricular; ECG: eletrocardiograma; EAP: estimulação atrial programada; EVP: estimulação ventricular programada. Paroxismal supraventricular tachycardia with atrioventricular block: what is the diagnosis? Abstract A 47-year-old woman with a history of paroxismal supraventricular tachycardia since adolescence was referred for catheter ablation. Baseline 12- lead ECG showed sinus rhythm without preexcitation. During the attempt of coronary sinus catheterization, it was induced a tachycardia with an atrial cycle length of 274 ms, a transient 2:1 AV ratio and a short RP interval when ventricular beat was conducted (Figure 1). The baseline sinus cycle length, atrial-his (AH) and His-ventricular (HV) intervals were 670ms, 75ms and 48ms, respectively. Atrial programmed stimulation established the presence of anterograde dual AV nodal physiology. Ventricular pacing during sinus rhythm showed ventriculoatrial (VA) conduction that was concentric and non-decremental. A narrow supraventricular tachycardia with 1:1 AV conduction was induced by atrial extrastimulus (Figure 2A), however there was a lengthening of VA interval with identical concentric retrograde atrial activation. A ventricular premature depolarization (VPD) introduced during this tachycardia and coincident with His-bundle refractoriness was shown in figure 2B. What are the mechanisms of these tachycardias? www.ria-online.com 293
Keywords: supraventricular tachycardia, atrioventricular nodal reentrant tachycardia, atrioventricular reentrant tachycardia, ventricular premature depolarization. REPORTE DE CASO Uma paciente de 47 anos apresentava quadro de taquicardia paroxística supraventricular desde a adolescência e foi encaminhada para ablação por cateter. O ECG de 12 derivações mostrava ritmo sinusal e sem pré-excitação ventricular manifesta. Durante tentativa de cateterização do seio coronário, induziu-se uma taquicardia supraventricular com ciclo atrial de 274ms e bloqueio atrioventricular 2:1 transitório, apresentando intervalo RP` curto quando o batimento ventricular era conduzido (Figura 1). A duração do ciclo sinusal basal e dos intervalos átrio-his (AH) e His-ventrículo (HV) foram 670ms, 75ms e 48ms, respectivamente. A estimulação atrial programada demonstrou a presença de fisiologia de dupla via nodal. Estimulação ventricular programada (EVP) demonstrou condução atrial retrógrada concêntrica e nãodecremental. Uma taquicardia supraventricular com condução AV 1:1 foi induzida com extraestímulo atrial (Figura 2A), entretanto no terceiro batimento houve prolongamento do intervalo VA com idêntica condução atrial retrógrada concêntrica. Um extra-estímulo ventricular introduzido quando o feixe de His estava refratário foi mostrado na figura 2B. Quais são os mecanismos destas taquicardias? COMENTÁRIOS Os prováveis diagnósticos da taquicardia com bloqueio atrioventricular 2:1 na figura 1 são taquicardia atrial e taquicardia por reentrada nodal (TRN) comum. A onda P é negativa nas derivações inferiores e positiva em V1, D1 e avl, sugerindo uma ativação atrial se originando da porção inferior do átrio direito, mais provavelmente da região posterosseptal. A condução AV 2:1 implica que os ventrículos não são necessários para perpetuação da taquicardia e exclui a probabilidade de taquicardia por reentrada atrioventricular ortodrômica (TRAV) 1. Houve conversão espontânea de condução AV 2:1 para 1:1 com prolongamento do intervalo RP` de 75ms para 153ms. Não houve diferença do intervalo RP` durante complexo QRS estreito ou com aberrância de condução com morfologia de bloqueio de ramo direito. Com esta mudança da condução AV, delineia-se a transição para outra possível taquicardia como TRN incomum, taquicardia atrial ou mesmo TRAV ortodrômica. A taquicardia foi autolimitada e todos os cateteres foram posicionados. Na figura 2A, um extra-estímulo atrial induziu uma dupla reentrada nodal com posterior conversão para outra taquicardia supraventricular. O ciclo da taquicardia e o intervalo VA (mensurado nos eletrogramas do seio coronário proximal e do feixe de His) foram 350ms e 118ms, respectivamente. Durante a transição, houve um encurtamento do intervalo AH com consequente atraso no sistema His- Purkinje. A ativação atrial retrógrada seguinte encontrou a via nodal rápida em seu período refratário efetivo e a condução deu-se ou por uma via nodal lenta (TRN incomum), uma via acessória septal ou por uma via nodal lenta e passivamente por via anômala (TRN incomum com condução retrógrada por uma via anômala bystander). Com um extra-estímulo ventricular quando o feixe de His estava refratário, houve um avanço da ativação atrial seguinte, demonstrando a condução retrógrada por via anômala. O índice de pré-excitação absoluto (ciclo da taquicardia menos o mais longo intervalo de acoplamento que reseta a taquicardia) foi 36ms e confirmou a presença de uma via anômala septal (valor<45ms) 2. Com a persistência da manobra durante varredura da diástole e ainda com o feixe de His refratário, um extra-estímulo ventricular terminou a taquicardia supraventricular sem ativação atrial, confirmando o diagnóstico de TRAV ortodrômica. 3 Um extra-estímulo atrial reinduziu apenas a TRAV desta vez e o mapeamento da ativação demonstrou um alvo adequado na região posterosseptal. As aplicações de pulsos de radiofrequência (RF) tanto na região posterosseptal direita como na região www.ria-online.com 294
Figura 1: ECG de 12 derivações durante taquicardia com complexo QRS estreito (velocidade de 25 mm/s). posterosseptal esquerda (através de punção transeptal) foram sem sucesso. A aplicação de RF no interior do seio coronário (2cm do óstio) padrão de resposta A-V. Estes achados foram consistentes com TRN comum (slow-fast) e excluíram TRAV e taquicardia atrial. 4 terminou a TRAV ortodrômica com um Então, a ablação da via lenta nodal foi eletrograma ventricular. Depois disso, a realizada por aplicação de pulsos de RF em estimulação atrial programada induziu uma zona 3 do triângulo de Koch. Testes com nova taquicardia supraventricular com complexo QRS estreito depois de prolongamento do interval AH com um padrão de ativação atrial retrógrado concêntrico que foi simultâneo com o ventrículo (VA medido no eletrograma do feixe de His de EAP não induziram arritmias. EVP demonstrou condução VA concêntrica e decremental. Em resumo, nós deduzimos que a taquicardia supraventricular com bloqueio AV 2:1 na parte esquerda da figura 1 seria uma TRN 0ms) e tinha um ciclo de 250ms. O comum com bloqueio infranodal 2:1 (mais encarrilhamento do ventrículo direito produziu um comum) ou bloqueio intranodal (presença de uma via final comum inferior no nó AV). www.ria-online.com 295
Figura 2A: Uma taquicardia supraventricular com complexo QRS estreito com condução AV 1:1 foi induzida por extra-estímulo atrial. www.ria-online.com 296
Figura 2B: Resposta a um extra-estímulo ventricular deflagrado durante a taquicardia e coincidente com a refratariedade do feixe de His. Os canais mostrados são das derivações do ECG de superfície D1, avf e V1 e os eletrogramas intracavitários do seio coronário (CS) de proximal para distal, feixe de His proximal (HBEp), feixe de His distal (HBEd), ventrículo direito proximal (RVp) and ventrículo esquerdo proximal (LVp). www.ria-online.com 297
Figura 3. Diagrama de Lewis da taquicardia supraventricular com um bloqueio AV 2:1 transitório mostrada na figura 1. O painel superior mostra a derivação V1 do ECG de superfície. Note o prolongamento do intervalo RP` durante a conversão da condução AV 2:1 para 1:1. AP = via acessória; FP = via nodal rápida; SP = via nodal lenta; A = átrio; AVN = nó atrioventricular; HPS = sistema His-Purkinje; V = ventriculo. A conversão para uma condução AV 1:1 deve ter ocorrido devido a uma transição para uma TRAV utilizando uma via anômala posterosseptal como demonstrado na figura 3. Este caso reforça a importância das manobras diagnósticas para um correto diagnóstico e a associação entre taquicardias. 4. Knight B, Zivin A, Souza J, Flemming M, Pelosi F, Goyal R, Man KC, et al. A technique for the rapid diagnosis of atrial tachycardia in the electrophysiology laboratory. J Am Coll Cardiol 1999; 33: 775-781. REFERÊNCIAS 1. Lau EW, Green MS, Gow R, Tang ASL. Paroxismal supraventricular tachycardia with atrioventricular block: what is the mechanism? Heart Rhythm 2005; 2: 207-209. 2. Miles WM, Yee R, Klein GJ, Zipes DP, Prystowsky EN. The preexcitation index: an aid in determining the mechanism of supraventricular tachycardia and localizing accessory pathways. Circulation 1986;74:493-500. 3. Issa ZF, Miller JM, Zipes DP: Clinical Arrhythmology and Electrophysiology, 1st ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2009, pp. 377-392. www.ria-online.com 298