O papel das tecnologias na vida de mulheres residentes no meio rural da Região da Quarta Colônia de Imigração Italiana no Rio Grande do Sul

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O papel das tecnologias na vida de mulheres residentes no meio rural da Região da Quarta Colônia de Imigração Italiana no Rio Grande do Sul Fernanda Simonetti Universidade Federal de Santa Maria simonetti.fernanda@gmail.com Eixo Temático: Ciência, Tecnologia, Inovação e Sociedade Resumo: Esse artigo tem como objetivo apresentar dados sobre uma pesquisa etnográfica realizada entre mulheres camponesas. Para isso foram escolhidas duas comunidades da zona rural do município de Faxinal do Soturno pertencente à Região da Quarta Colônia de Imigração Italiana no Rio Grande do Sul. Nesse sentido será apresentado o aspecto de como as tecnologias têm influenciado a vida dessas mulheres e de suas famílias. Palavras-chave: mulheres; imigração italiana; camponesas; tecnologia. The role of technology in the lives of women living in rural areas of the Região da Quarta Colônia de Imigração Italiana no Rio Grande do Sul Abstract: This article aims to present data on an ethnographic research among rural women. For this two communities were chosen from rural municipality of Faxinal Soturno belonging to the Região da Quarta Colônia de Imigração Italiana no Rio Grande do Sul. This will be presented the aspect of how technology has influenced the lives of these women and their families. Keywords: women; italian immigration; peasant; technology. 1 Introdução 254 Esse artigo tem como objetivo apresentar dados sobre uma pesquisa etnográfica que foi desenvolvida no programa de pós-graduação, nível Mestrado, em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) entre os anos de 2009 e 2011. Para isso foram escolhidas duas comunidades da zona rural do município de Faxinal do Soturno pertencente à Região da Quarta Colônia de Imigração Italiana no Rio Grande do Sul. As duas comunidades se denominam Sítio Alto e Novo Treviso, ambas mantêm-se da agricultura familiar e são propriedades de pequeno porte. Esse trabalho tem como foco o estudo com mulheres camponesas que descendem de imigrantes italianos. Nesse sentido será apresentado o aspecto de como as tecnologias têm influenciado a vida dessas mulheres e de suas famílias.

2 Campo e técnicas de pesquisa Para essa pesquisa, a metodologia escolhida foi a etnografia juntamente com a observação participante e a realização de entrevistas. Foram selecionadas treze mulheres de ambas as comunidades das mais diversas faixas etárias para serem entrevistadas, sendo que as falas das informantes não sofreram correções de português. Cardoso de Oliveira (1996) ressalta que o olhar, ouvir e escrever são as faculdades essenciais durante a pesquisa. A primeira experiência em campo é a domesticação de seu olhar. Algo fundamental que o autor chama atenção é que o pesquisador deve ter um domínio das teorias para saber interpretar o seu olhar. Outro amparo do pesquisador pousa no ouvir, ou melhor, saber ouvir. O ato de ouvir requer muita paciência e perspicácia. O autor chama a atenção do poder que o pesquisador pode exercer sobre o informante por mais neutro que tente ser. Dessa forma, o olhar e ouvir seriam a primeira etapa a segunda etapa caberia ao ato de escrever. Se o pesquisador, então, souber utilizar a sua sensibilidade em deixar o outro se expressar e fizer a correta coleta do material sem dúvida terá um bom material para ser analisado posteriormente. Geertz (1978) aponta, que se deve conviver com o grupo sabendo discernir o que é um piscar de olhos ou uma piscadela e se isso quer significar algo mais. Sendo que são os pequenos detalhes que revelarão as realidades dos fatos cotidianos das pessoas e a visão de mundo de seres inseridos em determinada cultura. Bourdieu (2002) faz várias observações sobre a construção do objeto. O autor refere que não se deve beber diretamente da boca do informante, mas sim das construções das relações sociais. Sendo assim, a teoria separada da prática é algo inútil. Ele faz um trabalho que permite ser usado como guia em um trabalho etnográfico. Mostra que se deve ter clareza do que se quer estudar, saber o que quer perguntar, o motivo de fazer determinado número de perguntas. Dessa forma, o pesquisador deve construir seu objeto de acordo com uma problemática teórica e formulando hipóteses e se libertando das pré-construções. A vigilância epistemológica deve ser rigorosa nunca negligenciando as pequenas evidências. A proposta de Bourdieu (2002) está direcionada com o nascimento de uma certa sensibilidade na profissão de sociólogo, para observar e promover soluções aos problemas do mundo social. O 255

conformismo consensual é um dos pontos de partida para se entender a estruturação do habitus (BORDIEU, 2002), concepção a ser explicada em linhas seguintes. A construção do olhar científico volta-se para questões que investigam as mediações entre agentes sociais e sociedade. Como referência ao exercício do trabalho de campo deve-se citar Malinowski (1978), para quem: Na etnografia, onde o autor é ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e historiador, não há dúvida de que suas fontes sejam facilmente acessíveis, mas também extremamente complexas e enganosas, pois não estão incorporadas em documentos materiais, imutáveis, mas no comportamento e na memória de homens vivos (MALINOWSKI, 1978, p. 27). Aqui fica explícito que o pesquisador deve se cercar dos pequenos detalhes, pois esses é que farão o diferencial entre uma pesquisa e outra. São os pequenos detalhes que nos revelarão as realidades dos fatos cotidianos das pessoas e a visão de mundo dessas pessoas inseridas em determinada cultura. 256 3 O papel das tecnologias Hoje vivemos em um mundo cercado de inovações tecnológicas, comunicação instantânea dentre outros atrativos inovadores. O objetivo desse tópico é mostrar como algumas influências tecnológicas afetam a vida e o cotidiano dessas camponesas. Em nosso pensamento romântico quando pensamos em meio rural, e em especial, entre os descendentes de imigrantes italianos logo nos vem à mente um forno da nonna, em barro ou senão o fogão a lenha. Destaco que as tecnologias aqui tratadas cercam o âmbito do serviço doméstico tais como: forno elétrico, microondas, liquidificador, batedeira, celulares, dentre outros facilitadores da vida cotidiana dessas mulheres. Friso a função social que a cozinha exerce na vida das famílias de descendentes de imigrantes italianos. Quando se visita a casa desses descendentes é comum as mulheres oferecerem doces ou outras guloseimas fruto de seu trabalho e de seus saberes específicos. Não apenas como simples gesto de hospitalidade isso

demonstra uma relação dessas pessoas com a comida, nas refeições a mesa sempre farta é símbolo de orgulho. Alguns relatam que a comida tem o gosto do trabalho. Para a preparação das comidas se observa o auxílio das tecnologias: É, uma vez na casa da minha mãe a gente tinha só fogão a lenha e era um, não tinha um fogão a gás, forno de pão era lá bem longe da casa, tu não tinha aquele conforto, a gente tinha 10, 11 anos não tinha uma televisão dentro de casa, não tinha banheiro era uma pobreza, era precário, invés, hoje vida do interior tão melhor que aqueles da cidade, né, então isso é positivo (Comunidade do Sítio Alto, 46 anos). Em Graziano da Silva (1999) as tecnologias são elementos que afetam diretamente o funcionamento das economias camponesas. No nível interno de unidade produtiva a tecnologia fica estreitamente conectada aos recursos financeiros, com o processo de produção e com a divisão interna do trabalho entre os membros da família. Entre essas camponesas, a questão financeira pode ser identificada no sentido de que algumas fazem pães, cucas, bolachas para posterior venda, sendo assim o forno elétrico entre outros eletrodomésticos só tendem a auxiliar no aumento da produção. Outras, no entanto, enquanto deixam esses produtos cozinhando podem nesse intervalo de espera fazer o queijo, cuidar da horta entre outros afazeres normais dentro da propriedade. 257 Ah, ajuda porque uma vez era totalmente diferente, porque hoje a gente deixa a comida tudo meio pronto, esquentá na hora e não era assim, antigamente que tinha que fazer na hora quando não se tinha geladeira (...), era uma geladeira para três famílias e era tudo fazer na hora a comida, né, porque não tinha como guardar a comida, né, agora a gente deixa tudo pronto meio pronto é mais rápido pra fazer, né (Comunidade do Sítio Alto, 54 anos). Diante disso se observa a influência das tecnologias no dia a dia dessas mulheres camponesas e consequentemente nas famílias. Para essas mulheres enfrentarem toda a rotina de trabalhos domésticos adicionados aos serviços externos, certamente que necessitam do auxílio de algumas tecnologias. Antigamente não tinham acesso e nem condições financeiras de adquirir. Dessa maneira, o que era impossível fazer em pouco tempo, com as novas tecnologias, se transformou. Sim, uma vez dentro de casa tu tinha a mesa com dois ou três banquinho, o fogão à lenha e uma piá, nós, quando comecemo, que eu casei nem luz não tinha (... ) sempre tivemo banheiro, mas não era assim dentro de casa, né, era aquelas como dizem as patente fora de casa feita de madeira, né, para tomar banho, esquentava água numa chaleira, e uma bacia dentro desse banheiro, fora a luz os primeiros anos que eu me lembro era os lampião, né, depois veio a modernidade do liquinho, que era a

gás, e daí depois, com o tempo, que veio a luz, mas para nós demorou para chegar a luz onde nós morava, é no ano de 1985 chegou a luz, não minto, em 1987 (Comunidade de Novo Treviso, 44anos). Essa pessoa não tinha acesso às tecnologias antigamente e hoje, com uma condição de vida melhor, consegue adquirir esses bens. Ressalto aqui que as mulheres hoje fazem usufruto de consumir bens, o que antigamente era impensável, visto que era o homem quem detinha a posse do dinheiro. Dentro disso, é interessante observar a circulação do dinheiro que hoje passa pelas mãos dessas mulheres também tendo o direito de consumir bens que possam satisfazer suas vontades. Ah..., isso ajuda muito acho, antigamente não se tinha isso, né, tinha que fazer bolacha no fogão à lenha que demorava um século, queimava... quando não queimava ficavam cru e com essa modernidade de hoje ajudou bastante, eu acho que os colono de hoje é pouco as famílias que não tem de tudo essas modernidades, né, por mais fora que seja todo mundo tem, eu, por exemplo, a minha família sempre tentemo ter de tudo um pouquinho, ter o rádio, a televisão, o toca fita quando era o tempo deles (Comunidade de Novo Treviso, 44 anos). Conforme Santos e Zanini (2008) a comida pode ter várias dimensões como a econômica, simbólica, organizacionais, religiosas, identitárias, rituais dentre outras. Assim, pude perceber que o universo da cozinha e da alimentação é passada de geração para geração. As mulheres participantes deste estudo lembram que começaram a cozinhar muito novas devido à necessidade em auxiliar em casa e também levadas pelo incentivo de suas mães. O aprender a se virar desde cedo é comum nas falas, pois a condição do trabalho dignifica os descendentes de imigrantes italianos. E com a incorporação dessas tecnologias, os afazeres tendem a se tornar mais dinâmicos, o que auxilia a vida dessas pessoas. 258 O meu desejo é de que fique para tocar aqui, né, é a vida inteira comprando maquinári,o a vida inteira trabalhando para isso, né, agora que teria todo o maquinário precisa mais de nada, nóis tem desde irrigação, dois trator novo, tudo que possa existir as máquina, grade, foi comprado tudo, e agora que se vai fazer, né, é até a guria se formar ele vai trabalhar e depois vamo ver, né, ai nóis fiquemo aqui também, mas depois não sei (Comunidade do Sítio Alto, 54 anos). Não poderia deixar de citar essa colocação, pois mostra o outro lado da propriedade e o seu maquinário. Essas mulheres possuem consciência de que não apenas dentro da cozinha é importante e necessária a inclusão da tecnologia, mas na propriedade também. E o quanto é difícil para esses pequenos agricultores familiares a aquisição desses equipamentos. Graziano da Silva (1999) aponta que foi a partir da década de 1970 que a agricultura familiar foi

alavancada através do crédito rural. Esse sistema de crédito com juros subsidiado tornou-se o agente catalisador para a modernização da agricultura. O autor ainda salienta que no Brasil o camponês tem múltiplas facetas, ou seja, é um grupo de características diversas que dificulta no momento das formulações políticas. Como se verifica na citação abaixo, do referido autor: Na posição em que a pequena produção agrícola se insere hoje no modo capitalista de produção, a tecnificação (ou modernização) representou mais uma imposição do que uma oportunidade conquistada. E o seu sentido maior foi um só: uma maior subordinação do pequeno produtor ao sistema... (GRAZIANO DA SILVA, 1999, p. 144). Essa necessidade da aquisição de maquinário nas propriedades é percebida entre as famílias, uma vez que o serviço fica mais eficiente. Em conversa com essas pessoas há recordações de que anos atrás o trabalho era todo manual sem auxílio dessas novas tecnologias. Como é possível ver no discurso a seguir: Ah, hoje é bem melhor, antigamente era tudo na base da enxada e da mão, ou a base da foicinha, né, agora tá bem melhor, isso sim mudou totalmente, né (Comunidade do Sítio Alto, 54 anos). Como se vê, a camponesa admite que os modos de produção se transformaram, mas o objetivo principal é sempre o de viabilizar o tempo para atender ao mercado conseguindo saldar as dívidas. No decorrer da pesquisa ficou evidente a importância da culinária e o espaço da cozinha para essas mulheres. É no espaço aconchegante da casa que as mulheres reinventam receitas de bolos, bolachas e diferentes comidas. Muitas dessas receitas hoje são compostas de produtos industrializados, o que não ocorria há anos atrás. Assim, há uma maneira delas testarem novos sabores e ingredientes. Estes, antigamente, eram o açúcar, a banha, sal, ovos e farinha. E é por meio da criação dos produtos industrializados que as mulheres conseguem o seu sustento. Para garantir a eficiência do serviço, suas cozinhas são equipadas com diversos eletrodomésticos e bens em geral. Por exemplo, o forno elétrico veio substituir o forno de pedra ou tijolo, assim as mulheres afirmam que o processo de assar bolos, bolachas e pães ganhou agilidade e as bolachas não ficam mais torradas e pretas que nem ficavam no forno de pedra (sic.). Outro exemplo é o micro-ondas, que em apenas um minuto pode aquecer algo rapidamente. Um item que encontrei em todas as casas foi o fogão à lenha, sendo o símbolo acolhedor e que sobreviveu, uso esse termo porque a utilização desse objeto requer 259

paciência, pois o cozimento dos alimentos e a fervura da água são bem mais lentos que no fogão a gás. 4 Considerações Finais O artigo abordou como as tecnologias, em especial, as de âmbito doméstico têm auxiliado a vida de mulheres residentes do meio rural da Região da Quarta Colônia de Imigração Italiana no Rio Grande do Sul. A influência das tecnologias também foi imprescindível ao analisar a vida dessas camponesas, sendo que essas tecnologias vêm auxiliando a vida dessas mulheres. Como saldo da pesquisa foi possível perceber que esses produtos são avaliados de maneira positiva, pois ajuda na prática de suas atividades e faz render o tempo. Referências BOURDIEU, Pierre. A construção do objeto. In: BOURDIEU, Pierre. A profissão de sociólogo. Petrópolis, Vozes. 2002. p. 45-72. 260 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. GRAZIANO DA SILVA, José. Tecnologia e agricultura familia. Porto Alegre : Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999. MALINOWSKI, Bronislaw. Introdução: o assunto, o método e o objetivo desta investigação. In: MALINOWSKI, Bronislaw. Os argonautas do pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guine. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever. Revista de Antropologia. São Paulo: USP, 1996, v.39, n 1. SANTOS, Miriam Oliveira; ZANINI, Maria Catarina C. Comida e simbolismo entre imigrantes italianos no Rio Grande do Sul. Caderno Espaço Feminino, v.19, n.01, jan./jul, 2008.